Miguel Torga / Nuno Nazareth Fernandes
Repertório de João Braga
Quando esta escrevo a Vossa Alteza
Estou com um soluço que é sinal de morte
Morro à vista de Goa, a fortaleza
Que deixo à Índia a defender-lhe a sorte
Morro de mal com todos que servi
Porque eu servi o rei e o povo todo
Morro quase sem mancha, que não vi
Alma sem mancha à tona deste lodo
Morro à vista de Goa, a fortaleza
Que deixo à Índia a defender-lhe a sorte
Morro de mal com todos que servi
Porque eu servi o rei e o povo todo
Morro quase sem mancha, que não vi
Alma sem mancha à tona deste lodo
De Oeste a Leste a Índia fica vossa
De Oeste a Leste o vento da traição
Sopra com força para que não possa
O rei de Portugal tê-la na mão
Em Deus e em mim o império tem raízes
Que nem um furacão pode arrancar
Em Deus e em mim, que temos cicatrizes
Da mesma lança que nos fez lutar
Em mais ninguém, Senhor, em mais ninguém
O meu sonho cresceu e avassalou
A semente daninha que de além
A tua mão, Senhor, lhe semeou
Por isso a Índia há-de acabar em fumo
Nesses doirados paços de Lisboa
Por isso a pátria há-de perder o rumo
Das muralhas de Goa
Por isso o Nilo há-de correr no Egito
E Meca há-de guardar o muçulmano
Corpo dum moiro que gerou meu grito
De cristão lusitano
Por isso melhor é que chegue a hora
E outra vida comece neste fim
Do que fiz e não fiz não cuido agora
A Índia inteira falará por mim