Versão do repertório de Carlos Ramos
A mourejar cá na roça
É uma grande subida / Que se leva de vencida
Como quem puxa a carroça
Quando a gente desanima / E a coisa vai a parar
Aí, ó tás c’a mosca?
Então, adeus ó vindima / Se não vai chicote acima
Chego-me à besta e zás
A traulitada inté fumega
À companheira e pás
Vão três borrachos p’rá sossega
Por isso eu digo, ó meu amigo
Que esta assistema é inficaz
É preparar p’ra la pregar
C’a mão no ar e o pé atrás
Até mesmo c’as subsistências a vossências
Um inzemplo vou dar já
Quer a gente açúcar, pão / Bacalhau, arroz e grão
Dizem eles que não há
Esta coisa d’intiquetas / Já não dá nem p’ró pitrólio
Aí, ó cheira-te a palha
Deixa-se a gente de tretas / É sopapos e galhetas
E acabou-se o manipólio
Vai-se ao padeiro e zás
Logo do pão vem um cabaz
Ao merceeiro e pás
E logo a gente sastifaz
Versão Original
Meus amigos, esta vida, p’ra quem lida
A mourejar cá na roça
É uma grande subida / Que se leva de vencida
Como quem puxa a carroça
Quando a gente desanima E a coisa vai a parar
Aí, ó!...
Então, adeus ó vindima
Se não vai chicote a cima / Semos uns homens ao mar
Chego-me à besta e zás / A traulitada inté fumega
À companheira e trás / Vão três borrachos p’rá sossega
Por isso eu digo / Ó meu amigo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar / O pé atrás
Pás!
Mesmo co’as subsistências
A vosselências, um inzimplo vou dar já
Quer a gente açúcar, pão, bacalhau, arroz e grão
Dizem eles que não há
Esta léria de intiquetas / Já não dá nem p’ró pitrólio
Aí, ó!...
Deixa-se a gente de tretas / E a sopapos e galhetas
Acabou-se o manipólio!
Vai ao padeiro e zás / Logo do pão vem um cabaz
Por isso eu digo / Ó meu amigo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar / O pé atrás
Pás!
Até mesmo no Senado, é usado / O sistema cá do Zé
Pois em pondo um Almeidista / Ao lado dum Camachista
É sabido que há banzé
Quando reúne o Congresso / Dão murros, partem cadeiras
Aí, ó!...
Em eles estando co’a mosca
Mas eu, cá por mim, confessom / Gosto mais deste processo
Do que ouvir dizer asneiras
Fala o mestre Camacho / António Zé dá-lhe p’ra baixo
E faz melhor discurso / O que der mais comida de urso
Por isso eu digo / Ó meu amigo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar / O pé atrás
Pás!
Na guerra dos alimões, co’as nações
Tem um exemplo de estalo
Pois, no fim desta embrulhada / O que der mais traulitada
É que há-de cantar de galo
E quando chegar o dia / Em que a gente for p’ra guerra
Aí, ó!...
Então, adeus ó Turquia / A Alimanha, mais a Austria
Lá vão de ventas à terra
Vai-se a Verdun e pum / Arma-se um grande trinta e um
Vai-se a Berlim e pim / Há banzanada até ao fim
Por isso eu digo / Ó meu amigo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar / O pé atrás
Pás!
De novo o «31» a aparecer (Arma-se um grande trinta e um), agora mais diluído na
sua metáfora, ou talvez não. De resto, a política atravessaria o teatro de revista ao
longo dos tempos, como ingrediente indispensável à obtenção do efeito cómico.
a censura «apertou» após 1926. Há até quem diga que a revista perdeu uma parte
Nesta letra, as alusões a políticos são várias, sendo a personagem que a canta
um carroceiro (Estêvão Amarante), tirando-se partido do seu mau português.
Fado do Ganga, por Ganga ser o nome da personagem. «Ganga», no Dicionário
recente que incorpora o «Fado da Internet» como anexo, regista-se apenas Ganga
O nosso carroceiro cita as «subsistências», forma por que eram designados os
abastecimentos à população, chegando a haver um Ministério das Subsistências
e Transportes, entre 1918 1 1932
A mensagem de que, apesar dos racionamentos provocados pela I Guerra Mundial
Segue-se a transposição, para o Parlamento, da preconizada rudeza de maneiras.
Depois, a letra cita os «Camachistas», adeptos de Brito Camacho, outro líder
(Quando reúne o Congresso / Dão murros, partem cadeiras)
Ministro do Fomento em 1910-1911, fundador do Partido Unionista.
O assunto do momento era a guerra com os alimões (alemães).
E quando chegar o dia / Em que a gente for p’ra guerra…
Como premonitória e patriótica foi a descrição da queda da Turquia, Alimanha e Austria
Enfim, a exaltação da traulitada à portuguesa.
Ainda a respeito deste fado, há um episódio curioso, mas pouco conhecido: a certa
e foi a actriz Ema de Oliveira que, em travesti, continuou a interpretar a personagem