Repertório de Mafalda Arnauth
O dia vai, o dia vem
E a soma em vão dos dias, também
Foge p’los dedos a conta certa
Dos dias em que o não te liberta
Sopra sem ar essa tormenta
Do falso enredo que te alimenta
Quem não se dá ao frio da chuva
Não sabe o gelo que há no chorar
Quem não se quebra por um instante
Não sabe o mundo que mora
P’ra lá da solidão
O sonho veio, logo se foi
Que antes não querer do que perder
Fecha-se a porta, tranca-se a alma
Fica de fora a audácia de ser
Risco de amar? Outro que o corra
Risco de dar? Alguém me socorra
Risco de ver mais que o umbigo
E ficar cego só pelo perigo
Risco de erguer um copo à vida
Onde se quebre em pedaços
O vidro que nos separa
Em tom de medo, quase em segredo
Espreita-se a vida por trás do pano
Brilhante dança que nos convida
A encontrar passo à nossa medida
Vê-nos chegar de pé atrás
Pouco lhe importa o que o medo nos faz
Sem mais demora, dadas as dicas
Diz-nos que é hora de olhar adiante
E num abraço que não tem fim
A vida chega entrando a dançar
E a dizer que sim