Autor: Silva Tavares
O Livro do Nosso Amor / 1930
Vivamos só do presente
Dos teus beijos e dos meus
O passado? um louco ausente
O futuro? isso é com Deus
Vivo séculos de vida
Se espero e tu te demoras
Chegas e, logo em seguida
Duram segundos as horas
O que é gostar?… é gostar
Viver por quem nos atraia
Sabem as ondas do mar
Porque vão morrer à praia?
Disseste, com ar zangado
Que não tenho coração
Pois não: – foi por ti roubado
Deita as culpas ao ladrão
Sempre que gostes de alguém
Não te canses de esperar
Não há bem que saiba bem
Como o que tarda a chegar
Quem sofra por muito amar
Não fale em fatalidade
O barco que vai pró mar
Sujeita-se à tempestade
Dentro em mim, tua alegria
Não encontra onde se acoite
Tu és sol do meio-dia
Eu, luar da meia-noite
Mas talvez se assim não fosses
Eu nunca fosse o teu par
O rio das águas doces
Procura as águas do mar
Não te sigo p’ra voltar
Aos tempos que já lá vão
É p’lo prazer de pisar
A tua sombra no chão
Vês aquela trepadeira
Presa ao muro do jardim?
Quem me dera ter maneira
De poder prender-te assim
Eram dois pardais espertos
Meus olhos, pois, minha filha
Viram teus olhos abertos
E caíram na armadilha
Duas lágrimas ardentes
Quando sentes um desgosto
São como estrelas cadentes
No lindo céu do teu rosto
Nos olhos do meu amor
Sonhei mundos de ilusão
Quis ser seu descobridor
Perdi-me na cerração
Primaveras: mocidades
Outonos: desilusões
Invernos: sombras, saudades
E luto nos corações