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As 7.510 letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os criadores dos temas aqui apresentados.
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Tenho vindo a publicar letras (de autores que já partiram) sem indicação de intérpretes ou compositores na esperança de obter informações detalhadas sobre os temas.
<> 7.510 LETRAS <> 3.530.000 VISITAS <> OUTUBRO 2024 <>
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Quadras de maldizer

Autor: Silva Tavares
Do livro *Cantigas de Maldizer* de 1942


Na quadra de maldizer
Cabe tudo sem questão
Assim pudesse caber
O mundo na minha mão

Não cuides fazer-me agravo
Com tuas má-criações
Pinhas de pinheiro bravo
Nunca podem dar pinhões

Com separação de bens
Casou-se a minha vizinha
Ele tinha alguns vinténs
Mas, ela, nem isso tinha

Lembras-me, quando te vejo
As sardinheiras em flor
Fazes nascer o desejo
Mas não despertas amor

Pois se tu foste beijada
Para que estás a negar?
Depois da carta jogada
Não se deve levantar

Atirei com três conchinhas
Para o quintal do meu bem
Levavam saudades minhas
Que ela deu não sei a quem

O luxo que te seduz
É qu’há-de ser o teu mal
A vela, para dar luz
Não precisa castiçal

Teu marido não te engana
Eu, nessas coisas, distingo
Quem trabalha uma semana
Precisa do seu domingo

Julga-se bela… não nego
Ilusões, ninguém destrua
Não custa ajudar um cego
A atravessar uma rua

De beijos não tenhas pressa
Faz ver ao teu namorado
Que um prédio não se começa
A fazer pelo telhado

Se tens outro, minha amiga
Eu desisto, por quem sois
Dois pardais na mesma espiga
Não come nenhum dos dois

Teu vestido não tem costas
Não tem nem precisa ter
Porque é assim que tu gostas
E eu também gosto de ver

O teu noivo foi-se embora?
Outro virá mais amigo:
À espinha que deito fora
O gato chama-lhe um figo

Fui à feira comprar gado
Voltei sem nada trazer
O que era do meu agrado
Não era para vender

Quando vás por água ao poço
Não faças lama no chão
Dá menos conversa ao moço
E, à bilha, mais atenção

Por mais que a negar se afoite
A mim não me engana ela
Que eu bem n’o vi, certa noite
Saltar da sua janela

O que eu por ti padeci
Eras o meu ai-Jesus
Agora fujo de ti
Como o diabo da Cruz

Certo editor com chalaça
Disse assim, noutro dia
Versos?!… se os desse, de graça
Pediam-me a demasia

Foi moda muito acertada
A dos sapatos de agora
Já ninguém diz: ó coitada
Anda c’os dedos de fora

Não te ponhas a bater
Meu coração! Não te iludas
Não me deites a perder
Que ele é falso como Judas

Nos livros e até no resto
A nossa contradição
É que a mim seduz-me o texto
E a ti a encadernação

Prova que tens coração
Dize que sim sem receio
Não teimes em dizer não
Porque ser teimosa, é feio

Dar a camisa era, outrora
Sinal de bom coração
Por isso é que elas agora
Só vestem combinação

A Glória? bem sei quem é
Conheço-a de tradição
Mora na Rua da Fé
E vive do que lhe dão

Sim! na quadra tudo cabe
Mas de que serve caber
Se há coisas que a gente sabe
Que não se podem dizer?