Repertório de Hortense Luz
Triste vida a do marçano
Pois não há pior fadário
E ai de mim quando me engano
Ou faço as coisas ao contrário
Por colchão só tenho um saco
E se dormir mais um bocado
Sem dó de mim que sou fraco
Dão-me logo p’ró tabaco
Que até fico arrelampado
Ai! grão de bico, se fosses rico
Teria fim teu mal presente
Mas assim, aos pontapés
Só és capacho de toda a gente
De subir tantas escadas
P’ra servir a freguesia
Trago as pernas tão cansadas
Que nem as sinto ao fim do dia
Chego a crer que não resisto
A tal sofrer, nem mais um ano
E embora peque com isto
Até já penso que Jesus Cristo
Com certeza foi marçano
Quando à noite, se me deito
Passo horas acordado
Sinto um peso sobre o peito
Talvez um quilo bem pesado
Ponho a roupa em desalinho
E ao lembrar-me dos maus tratos
Vou p’ró chão devagarinho
E p’ra não falar sozinho
Vou falando com os ratos