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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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Fado das mãos sujas

Frederico de Brito / Frederico Valério
Versão do repertório de Hermínia Silva 
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Criação de Natália dos Anjos na revista *Chuva de Mulheres*
Éden Teatro em 1937

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro: Poetas Populares do Fado-Canção 
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Mãos sujas do suor
Mãos negras do trabalho
Penhor de gente humilde
O seu melhor brasão
São quem maneja a serra 
E quem empunha o malho
São quem desbrava a terra 
E quem semeia o pão

Mão queimadas pelo sol 
Das ceifas, dos trigais
Ungiram-se de mosto 
Nas dornas dos lagares
Andaram na montanha 
A derrubar pinhais
Nas galeras do sonho 
Atravessaram mares 

Ter as mãos sujas do trabalho 
É ser alguém
O que só pode acontecer 
Aos homens sãos
Tenho as mãos sujas, que me importa

Ainda bem
Mas ai de quem não tem coragem 

P'ra sujar um dia as mãos

Mãos sujas dos metais 
E do carvão das minas
Mãos que sabem rezar 
Ao toque das trindades
Mãos que na rocha negra 
E dispersa, das colinas
Ergueram catedrais
Aldeias e cidades

Mãos que um dia na França
Olhando a pátria-mãe
Pegaram num clarim
Tocando a unir fileiras
Andaram arranhando 
A terra de ninguém
E amassaram com o sangue 
O bairro das trincheiras

Natália dos Anjos sabia bem o que era ter mãos sujas do trabalho, pois a sua 
primeira profissão foi a de vendeira de criação no mercado da Praça da Figueira
num tempo em que não havia frigoríficos e tinha de se depenar e preparar as aves à mão, durante horas de penoso (em duplo sentido) trabalho. Isso valeu-lhe, até a alcunha de Natália Galinheira.

Tal como houve Eusébio Calafate, Alfredo Marceneiro, Alfredo Correeiro e outros 
quando era imperativo salientar uma profissão digna associada à atividade de cantar o Fado, até então tida como de má nota. Ou seja, salientar que o fadista – neste caso, a fadista – tinham ou tiveram as mãos sujas pelo trabalho, o equivalente a uma medalha de bom comportamento social.

Esta letra evidencia-se pela qualidade formal, em alexandrinos de irrepreensível 
correção e vigor poético, naturalmente dispensada a primeira no refrão. 

Mais uma vez, a exaltação das armas em apoteose final, com as trincheiras 
de França apenas a 11 anos de recordação, certamente bem viva na memória 
dos que lá tinham combatido e dos que lá perderam entres queridos.

Este fado viria a ser popularizado e gravado por Hermínia Silva, que substituiu 
Natália dos Anjos nessa revista, por motivo de doença.