-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

. . .

7090 LETRAS <> 3.082.000 VISITAS em FEVEREIRO 2024

. . .

O bêbedo pintor

Linhares Barbosa / Alfredo Duarte *fado laranjeira* 
Repertório de Alfredo Marceneiro 

Encostado sem brio ao balcão da taberna 
De nauseabunda cor e tábua carcomida 
O bêbado pintor a lápis desenhou 
O retrato fiel duma mulher perdida 

Impudica mulher, perante o vil bulício 
De copos tilintando e de boçais gracejos 
Agarrou-se ao rapaz e cobrindo-o de beijos 
Perguntou-lhe a sorrir, qual era o seu oficio

Ele a cambalear, fazendo um sacrifício 
Lhe diz a profissão em que se iniciou 
E ela escutando tal, pedindo alcançou 
Que então lhe desenhasse o rosto provocante 

E num sujo papel, as feições da bacante 
O bêbado pintor a lápis desenhou 
Retocou o perfil e por baixo escreveu 
Numa legível letra o seu modesto nome 

Que um ébrio esfarrapado, e o rosto cheio de fome 
Com voz rascante e rouca à desgraçada leu 
Esta, louca de dor para o jovem correu 
Beijando-lhe muito o rosto, e abraço-o de seguida 

Era a mãe do pintor, e a turba comovida 
Pasma ante aquele quadro, original, estranho; 
Enquanto o pobre artista amarfanha o desenho 
O retrato fiel duma mulher perdida

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*


Quanto a purismo fadista, uma letra avulta entre a vasta produção de Henrique Rego: 
O Bêbado Pintor. Longuíssima glosa em quatro décimas a uma quadra, ainda por cima 
em versos alexandrinos – os mais longos que se conhecem –, foi vítima de algo que também
aconteceu a outros fados: a amputação. 
A rádio da década de 60 do séc. XX já não suportava, de bom grado, trechos 
musicais superiores a três minutos. Então, a editora Valentim de Carvalho
quando gravou o paradigmático LP «O Fabuloso Marceneiro» (com o título em inglês 
mais visível do que o português, o que indiciava a captação de públicos anglófonos 
ou pacoviamente anglófilos), obrigou a que metade da letra, aqui entre parêntesis retos
fosse cortada:
- - - 
- - 
-
ORIGINAL

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Encostado, sem brio, ao balcão da taberna
De nauseabunda cor e tábua carcomida
O bêbado pintor, com lápis desenhou
O retrato fiel duma mulher perdida


Era noite invernosa, o vento desabrido
Num louco galopar ferozmente rugia
Vergastando os pinhais, pelos campos corria
Como um triste grilheta ao degredo fugido
Num antro pestilento, infame e corrompido
Imagem de bordel, cenário de caverna
Vendia-se veneno à luz duma lanterna
À turba que se mata ingerindo aguardente
E a um jovem pintor, que atrofiava a mente
Encostado sem brio, ao balcão da taberna

Rameiras das banais, num doido desafio
Exploravam do artista a sua parca féria
Ele, na embriaguez do vinho e da miséria
Cedia às tentações daquele mulherio
Nem a mortiça luz, nem mesmo o próprio frio
Daquele vazadouro, onde se queima a vida
Faziam incutir, à corja pervertida
Um sentimento bom de amor e compaixão
P’lo ébrio que encostava a fronte ao vil balcão
De nauseabunda cor e tábua carcomida

Impudica mulher, por entre o vil bulício
De copos tilintando e de boçais gracejos
Agarrou-se ao rapaz e, cobrindo-o de beijos
Perguntou-lhe, a sorrir, qual era o seu ofício
Ele, a cambalear, fazendo um sacrifício
Lhe diz a profissão em que se iniciou
Ela, escutando tal, pediu-lhe e alcançou
Que então lhe desenhasse o rosto provocante
E, num sujo papel as feições da bacante
O bêbado pintor, com lápis desenhou

Retocou o perfil e por baixo escreveu
Numa legível letra o seu modesto nome
Que um ébrio esfarrapado, e rosto cheio de fome
Com voz rascante e rouca à desgraçada leu
Esta, louca de dor, para o jovem correu
Beija-lhe muito o rosto, abraça-o de seguida
Era a mãe do pintor! A turba comovida
Pasma ante aquele quadro original e estranho
Enquanto o pobre artista amarfanha o desenho
O retrato fiel duma mulher perdida