Fernando D’Ávila / Francisco Menano
Repertório de Hermínia Silva
Fado triste, fado negro das vielas
Estás farto de ser cantado
Gemidinho e chorado
Aqui há tempos deram-te mais uma volta
Ouviu-se a voz do artista Villaret
Falar-te em tom lencastrice silabado
Pois vou provar-te
Que inté és bonito mal falado
Mão de guitarra, calicídas
Retorcidas, contorcidas
Ai, mãos bizarras, mãos chaladas
Bem caçadas, lacrimejadas
Mãos furibundas, mãos devassas
Muito fundas, muito lassas
Aonde enfim, o fado entoa
Ó pistarim dá cá uma coroa
Eu vou contar uma história
A do Chico e a da Glória
Viviam numa trapeira
Ele tocava guitarra
E ela era cantadeira
Das que não tinham virtude
Porque nem cantava o fado
Da Senhora da Saúde
Com a massa que ganhavam
Eram felizes, sem brigas
Porque a casa que habitavam
Era de renas intrigas
Como tinham poucos móveis
Era muito arrumados
Cochichava em segredinhos
O mulherio de Alfama
Que este par de namorados
Até juntava os trapinhos
Debaixo da mesma cama
P’la janela da Glória intrava a lua
E o fado, esse
Saía a dar voltas pela rua
Mão de guitarra, calicídas
Retorcidas, contorcidas
Ai, mãos abelhudas, cabeludas
Façanhudas e tronchudas
Mãos de fado, mãos disto
E mãos daquilo e daqueloutro
Ai meus irmãos, que confusão
Eu já meto os pés pelas mãos
Um dia o Chico não veio, Santo Deus
Aquilo fez um transtorno à Glória
Por não vê-lo
Coitadinha, teve a dor
Mesmo aqui no cotovelo
Procurei-a como doida
E quando lhe perguntei
E quando lhe perguntei
Que tinha ao pé da tasca
Cheiinha de asca só respondeu;
Eh pá eu cá tou à rasca!
Eh pá eu cá tou à rasca!
Mas nisto, ao fundo da rua dá
De ventas com o Chico
Todo feito pau dum rico
Dando o braço a uma pirua
Mas que ciúme, que drama
O resto já não tem história
A Glória foi-se à madama
E o Chico foi-se à Glória
E o ciúme chegou como lume
Queimou o seu peito a sangrar
Foi um valente sarilho
Com o Chico a malhar
Que era um nunca acabar
Foi a madama a ir de vaca
E a Glória a puxar pelos cabelos sem dó
Foi um sarilho de truz, uma coisa liró
Mas nisto, a Glória num grito
Teve um fanico que a pôde perder
Puxa a navalha canalha
Não há quem te valha
Tu tens de morrer
Caramba, que cheiro a mortos
Os policias tortos vêm abusos e chão
Desarmam a chaladona
E deitam-lhe a mão
Mãos carinhosas, generosas
Que não conhecem o rancor
São mãos que agarram
Mãos que multam
Mas que procedem sem dor
Mãos que não sentem
Quando apertam
Que estão mesmo a aleijar
Mãos que deixam nódoas negras
Mãos mimosas para afagar
O que salvou este amor foi a naifa
Que emperrou na figa da corrente
Amor que já deu e levou e não matou
Tem futuro na frente
Foi lá para as duas e picona esquadra
Ela fez as pazes com o Chico
Foi isto, vai para um mês
E no lar já há três
Porque nasceu um pimpolho
Um lindo zarolho, mais lindo que o trigo
Basta o Chico olhar para ele
Para ver que ele é muito parecido consigo
E com o perdão depois
Felizes os dois, lá vão lado a lado
Ora aqui está o fado chunga e mal falado