Repertório de Alfredo Marceneiro
P’ra ver quanta fé perdida
Quanta miséria sem par
Há neste orbe atroz, ruim
Pus-me à janela da vida
E alonguei o meu olhar
P’lo vasto mundo sem fim
Pus todo o meu sentimento
Na mágoa que não se aparta
Do que mais nos desconsola
E assim, a cada momento
Vi buçais comendo à farta
E génios pedindo esmola
Vi muita vez a razão
Por muitos posta de rastos
E a mentira em viva chama
Até por triste irrisão
Vi nulidades nos astros
E vi ciências na lama
Vi dar aos ladrões, valores
Vi sentimentos perdidos
Nas que passam por honradas
Vi cinismos vencedores
Muitos heróis esquecidos
E vaidades medalhadas
Vi, no torpor mais imundo
Profundas crenças caindo
E maldições ascendendo
Tudo vi, por esse mundo
Vi miseráveis subindo
E homens honrados descendo
Por isso, afirmo, conciso
Que, p’ra na vida ter sorte
Não basta a fé decidida
P’ra ser feliz, é preciso
Ser canalha até à morte
Ou não pensar mais na vida