Repertório de António Pinto Basto
Eram barcos e barcos que largavan
Fez-se dessa matéria a nossa vida
Marujos e soldados que embarcavam
E gente que chorava à despedida
Ficamos sempre, ou quase, ou por um triz
Correndo atrás das sombras inseguras
Sempre a sonhar com Índias e Brasis
E a descobrir as próprias desventuras
Memória avermelhada dos corais
Com sangue e sofrimento amalgamados
Se rasga escuridões e temporais
Traz-nos também nas algas enredados
E ganhou-se e perdeu-se a navegar
Por má fortuna e vento repentino
E o tempo foi passando devagar
Tão devagar nas rodas do destino
Que, ou nós nos encontramos, ou então
Ficamos uma vez mais à deriva
Neste canto que é nosso próprio chão
Sem que o canto sequer nos sobreviva