Repertório de Amália
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Criação de Amália na revista *Essa é que é essa* Teatro Maria Vitória 1945
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
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Chamava-se ela Maria, de sobrenome da Cruz
E na aldeia onde viva, sorria, vivia, na paz de Jesus
Tinha um amor a quem ela seu coração entregara
Junto ao altar da capela singela, onde ela paixão lhe jurara
Mas certo dia veio a saber-se na aldeia
Que o seu pastor lhe mentia
Que esse amor se lhe extinguia como a luz duma candeia
Desiludida no seu amor, a Maria deixou o lar, e perdida
Veio caír desfalecida num portal da Mouraria
Sofreu a dôr da amargura, perdeu o viço e a côr
E não voltou a ventura, ternura, a doçura do amor do pastor
E hoje por cruz, a Maria que é da Cruz por seu fadário
Arrasta na Mouraria a cruz da agonia, a cruz do calvário
Ainda canta uma canção quase morta
Mas um estrutor na garganta, oiço já, quando ela canta
Ao passar à sua porta
Não tarda o dia em que ela enfim, já vencida
Terminará a agonia de arrastar na Mouraria
Toda a cruz da sua vida
Se há forma poética para descrever as circunstâncias mais frequentes para a queda de uma mulher na prostituição, nos fins do séc. XIX e princípios do séc. XX em Lisboa, este fado é uma das mais conseguidas: a rapariga da província apanhada na situação de mãe solteira, escorraçada ou auto-escorraçada da sua aldeia pela vergonha, vem para a capital, na busca do anonimato e de uma forma de vida longe do seu ambiente original. A dificuldade em arranjar trabalho e alojamento, a fome do filho e a sua própria fazem o resto.
Data desta revista a parceria que Frederico Valério estabeleceu com vários letristas, tendo por destino a voz de Amália Rodrigues, donde viriam a brotar tantos êxitos e uma certa renovação nos procedimentos musicais do fado-canção.