Repertório de Berta Cardoso
Quando vieram dizer / à pobre mãe
Que seu filho tinha morrido / lá na guerra
Ela ajoelhou a tremer / sentindo bem
O desgosto mais dorido / que há na terra
Trouxeram-lhe a cruz de guerra / que seu filho
Como valente soldado / merecera
E sobre ela a mãe poisou / um olhar sem brilho
Recordando o filho amado / que perdera
A cruz de guerra pegou / como quem sente
Um reconforto divino / que sonhara
Com ternura a colocou / serenamente
No berço em que pequenino / o embalara
Pobre mãe, santa do céu / em pleno inferno
Pôs-se a embalar o berço / e a dizer
Dorme dorme filho meu / o sono eterno
Como eterna é a mina dor / de te perder
E a pobre mãe rematou / neste contraste
Dorme dorme o sono eterno / filho meu
Por causa da cruz de guerra / que ganhaste
Quantas mães estão chorando / como eu
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Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
Cruz de Guerra m versículos para sempre celebrizados na voz de
Berta Cardoso, tem a
curiosidade de fugir, no seu conteúdo, aos
fados bélicos onde se enalteciam as
qualidades do soldado português
na I Guerra Mundial (1914-18). Em vez de se
limitar à dor própria
ou de encontrar consolo na heroicidade em aniquilar o
inimigo
tantas vezes indagada pela família do caído em combate
«se tinha
morrido bem», isto é, com valentia –,
esta mãe sente-se solidarizada com a dor das mães dos inimigos
eventualmente mortos pelo seu próprio filho, condecorado
a
título póstumo: «Por causa da cruz-de-guerra
que ganhaste, quantas mães estão
chorando como eu?!...»: