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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os criadores dos temas aqui apresentados.
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Tenho vindo a publicar letras (de autores que já partiram) sem indicação de intérpretes ou compositores na esperança de obter informações detalhadas sobre os temas.
<> 7.780 LETRAS <> 4.025.000 VISITAS <> 31 DE JULHO DE 2025
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Refúgio do fado

José Fernandes Castro / Alfredo Mendes *fado latino*
Repertório de Manuel Barbosa

Aqui, neste refúgio da saudade
Onde vão desfilando sons dispersos
Há vestígios reais de felicidade
Na alma mensageira dos meus versos

Aqui, neste refúgio do fado
Os sonhos vão marcando o ritual
E na voz do poeta amargurado
Há rimas de pecado divinal

Aqui, nesta maré de sentimento
Navegam mil guitarras geniais
Há poemas rimando com tormento
No tormento das rimas mais reais

Aqui, o tempo passa tão depressa
Que já não nos dá tempo p’ra sonhar
Mas não há coração que não mereça
O refúgio do fado, p’ra cantar

Teus olhos são duas fontes

Amália Rodrigues / Fontes Rocha
Repertório de Amália

Teus olhos são duas fontes
Que eu queria ver chorar
Água a correr pelos montes
Que chegasse até ao mar

Teus olhos são dois pecados 
Teus olhos pecados são
Que eu mesmo d’olhos fechados 
Sei onde teus olhos estão

Teus olhos são andorinhas 
Que aparecem com o calor
Meu amor vê se adivinhas 
O que já sabes de cor

Teus olhos duas asinhas 
Que tu bates de mansinho
Teus olhos são andorinhas 
Que perderam o caminho

Sol de Agosto

José Fernandes Castro / Raúl Ferrão *fado carriche*
Repertório de Nelson Duarte

Quero apenas mil sorrisos
Morando no rosto meu
Quero ter do corpo teu
O sumo dos paraísos

Quero ter mil primaveras 
Com milhões de roseirais
Quero ser, até demais 
Tudo o que da vida esperas

Tens no olhar, fantasia 
Do mais lindo sol de Agosto
Tens doçura de sol posto 
Quando a noite principia

Tens no corpo, tempestade 
De marés de encantamento
E no meu deslumbramento 
Vejo em ti a felicidade

Sedento de ti

Jorge Fernando / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Fernando Maurício

Sedento de ti, amor
Fiz destes versos ternura
Como quem gera uma flor
Num campo de pedra dura

Sedento de ti, amor 
Do corpo que me oferecias
Onde voguei ao sabor 
Das marés que me trazias

Sedento de ti, amor 
Andei na neve dos sonhos
Num trenó feito de dor 
Puxado por cães medonhos

Sedento de ti, amor 
Encontrei-me abandonado
Embriagado na dor 
Do teu fado que é meu fado

Lisboa é um cais de chegada

José Luís Gordo / Manuel Mendes
Repertório de Vasco Rafael

Lisboa é o cais de quem não quer partir
Lisboa é o cais de quem só quer chegar
Lisboa é uma mulher sempre a sorrir
Que veste a ternura em seu olhar

Lisboa é um rio á beira-mar
Tem gritos de gaivotas nas entranhas
Cacilheiros de amor a navegar
Num Tejo que nasceu ali em Espanha

Lisboa é uma avenida no meu peito
Coração dentro do meu coração
Lisboa é uma estrela sempre a jeito
Que eu guardo sempre aqui na minha mão

Lisboa tem paredes côr-de-rosa
E jardins salpicados de luar
Lisboa é uma pomba sempre nova
E nunca mais se cansa de voar

Saudades do fado antigo

Óscar Martins Caro / Carlos dos Santos
Da revista *Maravilhas da nossa terra*

Ai que saudade 
Do fado de antigamente
Tinha mais realidade
Vibrava a alma da gente
Tanta tristeza 
Quando a guitarra gemia
Mas a alma portuguesa
Vibrava quando o ouvia

Ai Mouraria
Capelão e Benformoso
Onde a guitarra gemia 
Nos dedos do Vimioso
Ai Mouraria
Vai chorando pela Severa
Que ao morreu levou também 
O fado da sua era

Tudo morreu
Até parece castigo
Só há guitarras no céu
Soluçando o fado antigo
Talvez lembrando 
Essa glória do passado
Que se ouve de quando em quando
Mas já não parece fado

Filho noite

José Luís Gordo / Franklim Godinho *fado franklim*
Repertório de Artur Batalha

Sou da noite um filho noite
E traga a noite na alma
Na pele, o sangue das mãos
As estrelas são mais fortes
Parecem dar outros nortes
Ás ruas do coração

É a noite que me serve
De refúgio aos sofrimentos 
Que a memória quer esquecer
A razão nada de deve
Sou filho dos pensamentos 
Sem vozes de eu entender

É a noite que me cobre
Com seu manto de negrura 
Os sentidos dos meus passos
Que loucos, como dois pobres
Querem esquecer a ternura 
Que tive nos teus abraços

Formosa Lisboa

Óscar Martins Caro / Carlos dos Santos
Repertório de Tony Quim

Do alto do teu castelo 
Brasão e rara beleza
Temos o quadro mais belo 
Pintado p’la natureza

Nos teus telhados velhinhos 
Há poesia e calor
E por isso os passarinhos 
Fazem lá, ninhos de amor

Linda Lisboa... 
És sentinela do Tejo
Que ao passar atira um beijo
Num adeus de saudação
Linda Lisboa... 
Das graciosas varinas
Dos namoros p’las esquinas
Quando chega o São João

Só beleza Deus te deu
 E tradições das mais belas
Estás tão perto do céu 
P’ra brilhar com as estrelas

Turista que te visita 
Jamais te pode esquecer
Leva a imagem bonita 
Do que nunca pode ver

Soluço d’amante

José Fernandes Castro / Raúl Pinto *fado raúl pinto*
Repertório de Maria José Assunção


Neste soluçar distante
Que ao longe se faz ouvir
Te envio a minha saudade;
Neste soluço d'amante
Vai a dor de me sentir
Mais poema e mais verdade

Neste soluçar tristonho
Vai a raiva que me impede
De ser fado em oração
Vai toda a força do sonho
Que tem, quem morre de sede
Mas de sede de razão

Não vou eu, porque não quero
Transportar-me ao paraíso 
De mentiras e fracassos
Fico cá, porque t'espero
E porque vai ser preciso 
Alguém que te abra os braços

Lisboa formosa

Moita Girão / Adelino dos Santos
Repertório de Fernando Maurício


És de todas as cidades
A cidade mais vistosa
Tens a cor maravilhosa 
Com que se pintam saudades
Tens craveiros à janela
Beijados pelo luar
És rica, desde a chinela 
Ao sol que te vem beijar

Lisboa formosa
Menina mimada que sabe cantar
Tens graça de rosa
Linda perfumada, aberta ao luar
Lisboa formosa
Menina risonha de lindo passado
Lisboa saudosa
Lisboa que sonha, Lisboa do fado

São teus bairros diamantes
Com que vaidosa te enfeitas
Sempre que à noite te deitas
Vestes estrelas de brilhantes
Em carícia apaixonada

O Tejo beija-te os pés
Lisboa cidade amada
Lisboa tão linda és

Fui ao mar buscar sardinhas

Amália Rodrigues / Carlos Gonçalves
Repertório de Amália

Fui ao mar buscar sardinhas

Para dar ao meu amor
Perdi-me nas janelinhas
Que espreitavam do vapor

A espreitar lá do vapor 
Vi a cara dum francês
E seja lá como for 
Eu vou ao mar outra vez
Eu fui ao mar outra vez 
Ia o vapor de abalada
Já lá não vi o francês 
Vim de lá toda molhada

Saltou de mim toda a esperança 
Saltou do mar a sardinha
Salta a pulga da balança 
Não faz mal, não era minha

Vou ao mar buscar sardinha 
Já me esqueci do francês
A ideia não é minha 
Nem minha nem de vocês
Coisas que eu tenho na ideia 
Depois de ter ido ao mar
Será que me entrou areia 
Onde não devia entrar?

Pode não fazer sentido 
Pode o verso não caber
Mas o que eu me tenho rido 
Nem vocês queiram saber

Não é para adivinhar 
Que eu não gosto de adivinhas
Já sabem que eu fui ao mar
E fui lá buscar sardinhas
Sardinha que anda no mar 
Deve andar consoladinha
Tem água, sabe nadar 
Quem me dera ser sardinha

A Lucinda camareira

Henrique Rego / Alfredo Duarte *fado bailarico*
Repertório de Fernando Maurício

A Lucinda camareira
Era a moça mais ladina

Mais formosa, mais brejeira
Do café da Marcelina


De maneira graciosa 
Sobre um lindo penteado
Trazia sempre uma rosa 
Cor de rosa avermelhado;
Eu vivi enfeitiçado 
Por aquela feiticeira
Que airosamente ligeira 
Servia de mesa em mesa;
Tinha feições de princesa 
A Lucinda camareira

Primando pela brancura 
O seu avental de folhos
Realçava-lhe a negrura  
Encantadora dos olhos;
Nem desgostos nem abrolhos
Sofrera desde menina
Que apesar de libertina 
Orgulhosa e perturbante;
No velho café cantante
Era a moça mais ladina

Os marialvas em tipóias 
Iam da baixa num salto
Ver a mais linda das jóias 
Ao café do Bairro Alto;
A camareira que exalto 
De tão singular maneira
Era amada pela cegueira 
Que a palavra amor requer;
Para mim era a mulher
Mais formosa e mais brejeira

Certa noite de fim d’ano 
Em que certo cantador
Cantava ao som do piano 
Cantigas feitas de amor;
Um cigano alquilador 
De têz bronzeada e fina
Por afortunada sina 
A Lucinda conquistou;
E para sempre a levou 
Do café da Marcelina

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Nalguns raros casos, talvez influenciado pela incontestável qualidade e aceitação do estilo 
dos «reis do descritivo» seus contemporâneos (Linhares Barbosa e Carlos Conde)
Henrique Rego esqueceu o pendor rústico que o caracterizou e cultivou letras de puro 
recorte lisboeta, citadino e castiço, provando a sua versatilidade e o grande mestre
que também era, como quem diz: «Também sou capaz». É o caso de outro ex-libris:

Gostava de ser quem era

Amália Rodrigues / Carlos Gonçalves
Repertório de Amália

Tinha alegria nos olhos
Tinha sorrisos na boca
Tinha uma saia de folhos
Tinha uma cabeça louca

Tinha uma louca esperança 
Tinha fé no meu destino
Tinha sonhos de criança 
Tinha um mundo pequenino

Tinha toda a minha rua 
Tinha as outras raparigas
Tinha estrelas, tinha a lua 
Tinha rodas de cantigas

Gostava de ser quem era 
Pois quando eu era menina
Tinha toda a primavera 
Só numa flor pequenina

Se deixas de ser quem és

Amália Rodrigues / Carlos Gonçalves 
Repertório de Amália 

Meu amor de Alfazema
Alecrim e Rosmaninho
Queria fazer-te um poema
Mas perco-me no caminho

Nossa senhora das Dores 
Meu raminho de oliveira
Eu ando cega d’amores 
Não me cureis a cegueira;
Nossa Senhora das Dores 
Sê-de a minha padroeira

Entra em mim um mar gelado 
Em dias que te não vejo
Sou um barco naufragado 
Mesmo sem sair do Tejo

Ai de mim que ando perdida 
Que ando perdida d’amores
Perdida ente temores 
Perdida entre as marés;
Ai de mim, fico perdida 
Se deixas de ser quem és

Tens mãos macias de gato 
Meio manso, meio bravio
Olhas às vezes regato 
Outras mar e outras rio

Confessando

Jorge Fernando / Alfredo Duarte *fado cravo*
Repertório de Fernando Maurício

Esta carta minha mãe
É o espelho onde o teu filho
Se desnuda totalmente;
O fogo que o vinho tem
Acendeu este rastilho
E a coragem de ser gente

É por ela, sim confesso
Que de segundo a segundo 
Bebo a febre de morrer
Mas quando a vires só te peço
Não lhe contes o meu mundo 
Não lhe dês esse prazer

Neste meu quarto isolado
O vinho que vou bebendo 
A sua imagem retém
Sobrevivo neste fado
Muito embora eu a perdendo 
Continuo a ter-te mãe

Mesmo que não seja

José Fernandes Castro / António dos Santos
Repertório de João Cruz

Mesmo que não seja amor
Aquilo que me consome
Decerto, terá o nome
Dum poema redentor

Mesmo que não seja pranto
O brilho do meu olhar
Decerto, farei chorar 
Teu olhar, enquanto canto

Mesmo que não tenha tempo
Para te roubar um beijo
Vou pôr no teu pensamento 
As rimas do meu desejo

E mesmo que minha voz 
Cante sopros magoados
Haverá sol nos meus fados 
Cantados, só para nós

Na Mouraria

Gabriel de Oliveira / Alfredo Mendes *fado latino*
Repertório de Fernando Maurício


Na velha Mouraria é onde eu moro
Qual jóia sem valor em áureo cofre
Agora é lá que eu sofro, canto e choro
Como um fadista chora, canta e sofre

Embala-me à janela o sonho lindo
Do Fado suspirando à luz da lua
E as lágrimas que choro vão caindo
Quais pérolas de mágoa sobre a rua

Perpassa o sentimento português
Naquelas ruas tristes e bizarras
E sobre as tuas pedras muita vez
Eu julgo ouvir trinar, velhas guitarras

Na minha vida encalma de fadista
Eu sinto dentro d’alma noite e dia
Vibrar alegremente a fé bairrista
De quem sabe sofrer na Mouraria

Ai esta pena de mim

Amália Rodrigues / José António Serôdio
Repertório de Amália

Ai esta angústia sem fim
Ai este meu coração
Ai esta pena de mim
Ai a minha solidão

Ai minha infância dorida 
Ai o meu bem que não foi
Ai minha vida perdida 
Ai lucidez que me dói

Ai esta grande ansiedade 
Ai este não ter sossego
Ai passado sem saudade 
Ai minha falta de apego

Ai de mim que vou vivendo 
Em meu grande desespero
Ai tudo o que não entendo 
Ai o que entendo e não quero

Eu, ela e o fado

Moita Girão / Armando Machado *fado marana*
Repertório de Fernando Maurício


Põe as tuas argolas nas orelhas
Calça chinela e leva meia branca
Sobre o cabelo põe rosas vermelhas

Que vamos à toirada a Vila Franca

Hás-de ir a trajar bem p’ra dar nas vistas
E dizer mal de ti, que ninguém pense
Quero mostrar a todos os fadistas

Que a mais bela fadista me pertence

Quando a praça estiver de todo à cunha
Que vamos a marcar ninguém o nega
Depois quando tocar pró boi à unha

Eu hei-de oferecer-te a melhor pega

Havemos de cear fora de portas
Onde a minha guitarra vai dar brado
Ali de canjirão a horas mortas

Hás-de mostrar como se canta o fado

Dá-me um beijo

Este fado é também conhecido com o título: És tudo para mim
Frederico de Freitas / Silva Tavares
Repertório de Amália

Talvez por muito amar a liberdade
Invejo a vida livre dos pardais
Mas prende-me em teus braços sem piedade
E eu juro da prisão não sair mais

Não posso ouvir o fado sem vibrar
E não domino em mim a febre de o cantar
Mas dá-me um beijo teu fremente
Verás que fico assim, calada eternamente

Adoro a luz do sol que me alumia
Por grata e singular mercê de Deus
Mas fecha-me num quarto noite e dia
E eu troco a luz do sol pelos olhos teus

Baixinho aqui pra nós, muito em segredo
Eu sempre fui medrosa até mais não
Mas pra que sejas meu não tenho medo
Nem mesmo de perder a salvação

O beijo que não se deu

Clemente Pereira / Casimiro Ramos *fado pinóia*
Repertório de Fernando Maurício 


Tanta ternura em desejo
Nos lábios pode ficar
A lembrar aquele beijo 
Que não se chegou a dar 

Quando um beijo é prometido 
Fica-nos sempre o ensejo
De haver em nosso sentido 
Tanta ternura em desejo 

E aquele que a nossa boca 
Em promessa quis pagar
Às vezes por coisa pouca 
Nos lábios pode ficar 

Se é de sincera amizade 
E nunca um simples gracejo
Sentimos sempre vontade 
A lembrar aquele beijo 

No nosso amor sempre nele
Há beijos pra recordar
Mas nunca se esquece aquele 
Que não se chegou a dar

Madrugadas

José Fernandes Castro / Frederico de Brito *fado azenha*
Repertório de Artur Lobo

Na madrugada da vida
Sou imagem repartida
Pelos momentos dispersos;
Na madrugada do sonho
E nos sonhos que transponho
Sou a alma dos meus versos

Na madrugada do mundo
Sou poeta moribundo 
Sou corpo desencontrado
Na madrugada do amor
Sou corpo, em sonho maior 
Sonhando amor compensado

Na madrugada da paz
Sou muitas vezes capaz 
De cantar minha saudade
Na madrugada do tempo
Sou força de pensamento 
Sou marca de felicidade

O meu desejo

José Fernandes Castro / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Leonor Santos

Quero que sejas o mar da minha vida
P’ra me afogar em ti, de quando em vez
Eu quero ser a onda em ti perdida
E ter de ti, a força das marés

Eu quero ser o barco que naufraga
Na força dessa tua tempestade
E ficar para sempre em tua água
Mergulhar nesta paixão sem ter idade

Quero acordar ao som da tua voz
E despertar em ti paixões sem fim
Quero viver contigo um sonho a sós
E dar-te todo o mel que há em mim

Não negues meu amor este desejo
Nem penses que o meu sonho já morreu
Dá-me o calor e a força do teu beijo
E deixa que teu mundo seja eu

Tão mentirosa

Moita Girão / Frederico de Brito *fado artilheiro*
Repertório de Fernando Maurício


Não sejas cabeça tonta
Tem maneiras, tem juízo
Nunca digas mais que a conta
Nem menos do que é preciso 

De cada vez que beijava 
A tua boca mimosa
Confesso que não esperava 
Que fosses tão mentirosa

Que eras só minha, juravas 
De mãos em cruz sobre o peito
Ao outro dia quebravas 
A jura que tinhas feito

É verdade confirmada 
Nesta vida infelizmente
Quem mente por tudo e nada 
Quanto mais jura mais mente

Aquela boca

Moita Girão / Frederico de Brito *fado dos sonhos*
Repertório de Fernando Maurício

Conheço como os meus dedos
Os traços daquela boca
Que me beijou tanta vez;
Ouvi-lhe tantos segredos

E tanta palavra louca
Em tanta jura que fez

É tão meiga apetitosa
Tão formosa, sedutora 
Cheia de perfume e cor
É a boca mais mimosa

Mas a mais enganadora 
A trocar beijos d’amor

Não há boca mais travessa

Provocante, sorridente 
E atraente, não há
Como eu quem a conheça

Sabe que essa boca mente 
Em cada beijo que dá

Encantadora sensível
Quando não beija revela 
A forma dum coração
Até parece impossível
Que uma boca como aquela 
Não saiba dizer perdão

O tempo

José Fernandes Castro / Jaime Santos *fado alfacinha*
Repertório de José Fernandes

O tempo é o justiceiro
Da vida que nos domina
E o amor verdadeiro
Só o tempo nos destina

O tempo avança depressa 
De encontro à realidade
E se na vida tropeça 
Aumenta a nossa saudade

O tempo corre apressado 
Impondo a sua verdade
E eu, fadista com fado 
Sou um fado sem idade

E é no tempo, afinal 
Que temos novas marés
Porque só de quando em vez 
O tempo é tempo real

Voltei ao cais

António Rocha / Cavalheiro Júnior *fado porto*
Repertório de Fernando Maurício


Voltei ao cais da partida
Voltei e sinto que sonhei
Que voltavas nesse dia;
E que trazias a vida
Que há tempo ao cais te levei
Ficando d’alma vazia

Meu olhar iluminou-se
Quando te vi acenando 
Corri para te abraçar
Mas o sonho dissipou-se
E acordei mesmo quando 
Ia teus lábios beijar

Vi fugir o doce enleio
Que envolveu teu regressar 
É triste a realidade
Tu não vens e eu receio
Que me possa habituar 
A viver com a saudade

Abalara

Letra e música de Miguel Carvalhinho
Repertório de Cristina Branco

Abalara cedo, sem certezas
Com o olhar sem fundo, turvo até
Lágrimas de um rio sem represas
Desafio ao mundo do convés

Abalara lesto, como um vento
Incerto na forma de soprar
Sem leme que corte as vagas feitas
Barco de papel a velejar

Pensara ligeiro, vendo á frente
Imagens que ficam tempo atrás
Descobre quem anda em rumo incerto
Que voltar não é partir p’ra trás

A chave da minha porta

João Nobre / Aníbal Nazaré
Repertório de Amália Rodrigues

Eu vi-te pelo São João
Começou o namorico
E dei-te o meu coração
Em troca de um manjerico

O nosso amor começou 
No baile da minha rua
Quando o São Pedro chegou 
Tu eras meu e eu era tua

Esperava por ti 
Como é dever de quem ama
Tu vinhas tarde p'ra casa
Eu ia cedo p'rá cama
P'ra me enganar
Que a esperança em mim estava morta
Deixava a chave a espreitar

Debaixo da minha porta

Passou tempo e noutro baile 
Tu sempre conquistador
Lá foste atrás de outro xaile 
E arranjaste outro amor

Fiquei louca de ciúme 
Porque sei que esta paixão
Não voltará a ser lume 
P’ra te aquecer o coração

Palavras proibidas

Maria Duarte / Custódio Castelo
Repertório de Cristina Branco

Levou-te a noite e partiu
Em duas, uma palavra;
Ficam sempre retalhadas
As palavras que são ditas
Para ser adivinhadas

Porque o avesso das palavras 
Que em duas são divididas
É o eco distorcido

Daquilo que não dizemos 
Das palavras proibidas

Levou-te a noite e deixou-me 
Memórias inacabadas
E segredos pressentidos
E o silêncio no lugar 
Das palavras murmuradas

E o silêncio das palavras 
Mal esboçadas entre nós
Anda a gritar o teu nome
Pelas esquinas das ruas 
Por detrás da minha voz

Minha mãe meu dia belo

José Fernandes Castro / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Artur Lobo

Minha mãe, meu dia belo
Meu verso falando amor
Tu és meu sol tão singelo
És meu sopro, meu louvor
Minha mãe, meu dia belo

Ai que saudades eu tenho 
Do calor do teu regaço
Do teu amor sem tamanho 
Acolhendo meu cansaço
Ai que saudades eu tenho

Minha mãe, meu céu aberto 
Meu canto cheio de encanto
Quando de ti, não estou perto 
Sou verso feito de pranto
Minha mãe, meu céu aberto

Minha mãe, meu paraíso 
Minha vida, meu poema
Na flor do teu sorriso 
Eu sinto a força suprema
Minha mãe, meu paraíso

Teus olhos são passarinhos

Mote de António Feijó / Glosa de Linhares Barbosa
Alberto Lopes *fado dois tons* 
Repertório de Tristão da Silva 

Teus olhos são passarinhos
Que ainda não sabem voar
Cuidado que andam aos ninhos
Os rapazes do lugar

Deus salve, Maria Rita
A ti e maila aos teus bois
Tão pachorrentos os dois 
Presos á tua mãozita;
A tua boca bonita 
Quando te dá p’ra cantar
É uma rosa a sangrar 
Poemas pelos caminhos
Teus olhos são passarinhos
Que ainda não sabem voar

Cautela moça boieira 
Olha que pelas estradas
Há muitas redes armadas 
E tu és linda e solteira;
Teme qualquer ratoeira 
Porque os rouxinóis a par
Aninhados nesse olhar 
São inocentes maninhos
Cuidado que andam aos ninhos
Os rapazes do lugar

Maria toma cuidado
Vê como pisas o chão
Se dás um passo mal dado
Pisas o meu coração

Confissão

Domingos Gonçalves da Costa / Alfredo Duarte 
Repertório de Lino Manuel 


Oh minha mãe santa e bela
Perdoa se te desgosta
A minha resolução;
Mas eu não gostava dela
E a gente quando não gosta
Não engana o coração

Das coisas mais sublimes
É ter em nós um cantinho 
P’ra guardar a nossa dor
Mas um dos mais graves crimes
É aceitar um carinho 
Pagando com falso amor

Não minha mãe, não a quero
São tantos os teus esforços 
Mas vê, a vida é assim
Não a querendo, sou sincero
E não sentirei remorsos 
De a ver perdida por mim

Oh minha mãe, vais saber
Qual o enorme desgosto 
Que me faz falar assim
É porque eu vivo a sofrer
Por outra de quem eu gosto 
Mas de que não gosta de mim

Não oiças a minha voz

Maria Manuel Cid / Custódio Castelo
Repertório de Cristina Branco

O vento gritava à noite...
Vai-te embora, que loucura
Pois já não há quem se afoite
No teu manto de negrura

O vento gritava à luz...
Vai antes p’ró meu jardim
As sombras da minha rua 
Andam chorando por mim

O vento gritava ao sol...
Deixa a noite vaguear
Ao canto do rouxinol 
Abraçada ao luar

O vento gritava à vida...
Não oiças a minha voz
Se a razão anda perdida 
Fala o silêncio por nós

Poema de vida

José Fernandes Castro / Samuel Cabral
Repertório de Adelaide Madrugada

Longe de ti 
E perto da solidão
Rasguei o tempo 
Que não me deixa viver
Logo senti
Como a força o vulcão
Surgir o vento 
E levar o meu sofrer

Tudo mudou
A saudade já se foi
Já não me dói
A realidade perdida
Vou dar-te um céu
Com estrelas e luar
Todo o tempo é de amar 
E de viver nova vida

Sou de novo feliz
Já sorrio como dantes
Olho as estrelas no céu 
E vejo o sol namorando
Sou do amor a raiz
Sou a força dos amantes
Já sou tua, já és meu
Já oiço as aves cantando

Sem abrir caminhos

Maria Manuel Cid / Custódio Castelo
Repertório de Cristina Branco

Despi-me de lamentos, de vaidades
Onde julguei haver eternidades
De falsos pensamentos deformados;
Fiquei liberta de forjar ideias
Rasguei fronteiras e abri cadeias
E lavei-me dos céus enevoados

Guardei meus sonhos dos olhares alheios
Enterrei em mim loucos devaneios
De criar impérios e amar riqueza
E voando no espaço sem traçar caminhos
Pude rir-me dos pobres adivinhos
Que a um destino me disseram presa

E cansada de mim, eu não me iludo
São negras minhas assas de veludo
Á procura de novas ansiedades
Fugindo da terra que me viu nascer
Eu sou aquilo que não queria ser;
Andorinha perdida de saudades

Rodrigo

José Fernandes Castro
Acróstico de homenagem a um grande senhor da cultura musical!

Roseiral que floresce
Onde floresce o fado;
Doce luar encantado
Rompendo quando amanhece
Inventando o som da prece
Ganhou um sonho doirado;
Onde o amor acontece
... sem o mais breve pecado

Roseiral de felicidade
Orgulho da alma pura;
Doce prazer e ternura
Rio de mágoa e saudade
Inverno sem tempestade;
Ganhando tempo maior
Os sonhos da mocidade
... são sempre sonhos d'amor

Fado... porque sou Rodrigo
Alma de sonho e de Fado
Dá-se a vida bem comigo
O meu eterno obrigado

Fontes Rocha Tributo*



Gabino Ferreira

Porto 1922 / Lisboa 2011
Acróstico de homenagem a um grande senhor do Fado
Autor: José Fernandes Castro

Gerado pelo ventre do amor
Amando sempre, sem olhar a quem
Batalhou e conseguiu com seu valor
Imortalizar a linda voz que tem;
No seu jeito de poeta sonhador
O seu fado cantou, como ninguém

Guiado pela verdade
Apoiado p'la saudade
Bem cedo se fez alguém;
Inventou um fado novo
Na voz que agradou ao povo;
O povo que lhe quer bem

Ganhou a sua fama natural
Através da canção do seu país;
Bem longe do seu berço de raiz
Impôs-se como símbolo real;
Na certeza de ser fado feliz
Ostentou a bandeira nacional


Gratos ficaremos nós 
Ao fado, que toda a vida 
Brilhou na sua voz quente
Imortal, é essa voz 
Nesta cidade nascida
Orgulho da nossa gente

Alfama

Conde Sobral / Alfredo Correeiro *marcha do correeiro* 
Repertório de Fernando Maurício 
Também aparece com os títulos *Afama bairro velhinho* ou *Varinas*
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional

Alfama, bairro velhinho 
Monumento de saudade 
Sacrário de tradições
Tens um lugar de carinho 
E de sincera amizade 
Nas minhas recordações

Bairro de gente do mar 
Varinas e marinheiros 
São o fruto que nos dás 
Honrados no trabalhar
Alegres e galhofeiros 
No descanso e boa paz 
 
Quando tens uma tristeza 
No coração magoado 
Cantando a sabes dizer 
O teu fado é uma reza 
E desabafas num fado
A razão do teu sofrer 

Usando por garridice 
Craveiros a enfeitar 
O beco mais recatado
És mais velha que a velhice
Mais marinheira que o mar 
E mais fadista que o fado

Os deuses do amor

José Fernandes Castro / João Blak *fado menor do porto*
Repertório de Amélia Maria

O Deus do amor chorou
Quando ouviu a tua voz
E foi então que gerou
Um paraíso p'ra nós

O Deus do sol aqueceu 
A noite do nosso fado
No prazer que o beijo deu
Houve rimas sem pecado

O Deus do vento soprou 
Quando nos viu de mão dada
E por amor despertou 
A alma da madrugada

Pelo nosso amor profundo 
Gemem guitarras sem dor
Todos os deuses do mundo 
Abençoam nosso amor

Fado da cigana

Lourenço Rodrigues / Jaime Mendes
Repertório de Hermínia Silva


A cigana tem um fado que é bem triste
O fado do seu destino
Sem ter pátria e sem ter lar
E se à sua negra sorte ainda resiste
É que há um poder divino 
Que a encoraja a lutar

Escorraçada como um pobre cão vadio
Não se importa que lhe neguem 
O direito de viver
Que a cigana haja sol ou faça frio
Foge às pragas que a perseguem 
Como a sombra até morrer

Mas neste mundo de destinos malfazejos
Toda a mulher gosta de ser acarinhada
Porque afinal sabe-lhe bem ouvir gracejos
Mesmo se além dos madrigais não for mais nada

Porque a cigana também sente e tem desejos
Embora seja pelo mundo desprezada
Tal como as outras tem a boca para dar beijos
E como as outras sabe amar e ser amada

Neste mundo onde a maldade é
 quem domina
A cigana é repelida 
E a ninguém tira o lugar
Só aos outros é que pode ler a sina
Porque a sua é já sabida
É a sofrer e a chorar

Corre a gente de terra em terra e de porta em porta
E ninguém de nós se importa
Só nos tratam como aos mortos
Porque é que a Humanidade nos repele
Se na cor da nossa pele
Brilha o Sol que é pai de todos