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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os criadores dos temas aqui apresentados.
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Tenho vindo a publicar letras (de autores que já partiram) sem indicação de intérpretes ou compositores na esperança de obter informações detalhadas sobre os temas.
<> 7.765 LETRAS <> 3.982.000 VISITAS <> 30 DE JUNHO DE 2025
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Mistérios de Lisboa

Maria Teresa Fonte / Duarte Barreiros Coxo
Repertório de Duarte


Nos mistérios de Lisboa
No teu corpo, nos teus olhos
Uma aurora que desponta
Brancas asas, brancas vozes
Do Chiado à Madragoa

Se viesses outra vez
Ter comigo nos meus sonhos
Pesadelo de brancura
Meu mistério de Lisboa
Sempre que se põe o sol

Se tu agora viesses
Meu mistério de Lisboa
Só a saudade que resta
Daquilo que fui outrora
Se tu agora viesses

Meu mistério de Lisboa
Só a saudade que resta 
Do sentir da nossa pele

Sempre que chove em Monsanto
Pelas ruas mais escuras
No coração que ficou
Tão gelado ao pé de ti
Como sempre como dantes

Nossos antigos pecados
Nossas sombras mais escuras
Nos mais escondidos recantos
Como sempre como dantes
Meu mistério de Lisboa

Ó Mangas

Letra e música de: Armando Estrela
Repertório de Teresa Tarouca

Trazia na manga u
m fado maroto
E o casaco rôto e a gravata à banda
Trazia nos olhos um amor sem fim
Tantas promessas aos molhos 
Floriram em mim

Ó mangas, saíste-me um traste
Promessas, promessas, mas nunca casaste
Porém, eu gosto de ti
Não me abandonaste, fui eu que fugi

Trazia no peito o
 fogo da raça
E um sonho desfeito, e a cruz da desgraça
Trazia nas mãos a flor da amizade
Todos eram seus irmãos 
Em pé de igualdade

E a fé de criança e
 a voz que o consome
Lhe negam a esperança lhe calam a fome
Na casa de passe alguém maldizia
Antes que Deus o levasse 
Que a noite vazia

Que noite de inverno, g
aivota onde vais
O mar num inferno na borda do cais
De casaco rôto bebido demais
Levou o fado maroto 
Para nunca mais

Nunca é silêncio vão

Carmo Rebelo de Andrade / Pedro Rodrigues
Repertório de Carminho


Nunca é silêncio vão
Esse que tenho contigo
Pensando nós no que for
Só sei que sinto o amor
Quando te calas comigo

E lá ficamos os dois 
De mãos dadas no meu carro
Consolas-me sempre assim 
Calado junto de mim
Vendo as tristezas que varro

E por mais que explique bem 
O que vai no coração
É do nada que vem tudo 
Nesse teu olhar tão mudo
Nunca há silêncio vão

Boa resolução

Mário Humberto Ferreira Marques / Popular *fado corrido*
Repertório de António dos Santos

Tudo é pago a prestações
E já nada é pago a pronto
Com estas inovações
Eu já ando mais que tonto

Tiro cem para a mobília 
E duzentos p'rá lambreta
Quatrocentos p'rá família 
E depois fico sem cheta

No mês seguinte só tiro 
Vinte escudos p'ró fogão
Vejo um programa, acho giro 
E compro a televisão

No outro mês, já se vê 
Mais uma prestação se mete
Para pagar à TV 
Fico a dever a carpete

À vida que eu levo cá 
Outra igual ainda não vi
Tiro aqui, ponho acolá 
Tiro acolá, ponho aqui

De maneira que eu suspiro 
Que acabe esta vida a esmo
E p'ra saber quanto tiro
Atiro um tiro a mim mesmo

E assim eu deixo de cantar 
Maluco, chalado e tonto
E já me posso gabar 
De pagar uma coisa a pronto

Esta saudade que me dói

Ana Madalena / Pedro Vilar e Jaime Martins
Repertório de Pedro Vilar


Meu amor foi com as aves
P’ra mundos desconhecidos
Mas que asas o levaram
P’ra longe dos meus sentidos?

Meu amor.... meu amor
És saudade que me dói

Meu amor foi com as aves
Por onde andará, não sei
Volta amor, pois só tu sabes
Dar-me tudo o que te dei

Meu amor foi com as aves
Por onde andará, não sei
Eu sinto tantas saudades
E suportá-las não sei

Passeio à Mouraria

Maria Manuel Cid / José Marques *fado triplicado* 
Repertório de Teresa Tarouca 

Caminhando sem destino 
A passear o Menino 
Saiu a Virgem Maria 
E por ditoso condão 
Levando Jesus pela mão 
Foi até à Mouraria 

Uma guitarra trinava 
Quando Maria passava
Nesse doce entardecer 
Nossa Senhora parou 
E tristemente escutou
Tão amargo padecer 

E Jesus amargurado  
Por ver assim torturado
O rosto que tanto amava
Perguntou, em voz dorida 
À guitarra comovida
A razão porque chorava

Não sabe a guitarra dar 
A razão do seu penar
E Jesus fica zangado 
E diz então a Maria 
Não gosto da Mouraria
Chorar assim é pecado 

E por castigo divino 
Nosso Senhor pequenino
Diz à guitarra vencida
Magoaste minha mãe 
Pois hás-de chorar também 
O resto da tua vida

Balada para uma boneca capelista

José Carlos Ary dos Santos / Paulo de Carvalho
Intérprete Carla Pires


Menina bonita de cabelos verdes
Com as mãos de sonho e olhos de luar
Sai da tua montra, vamos passear

Menina bonita de cabelos verdes
Avental de chita, trança a dar a dar
Sai da tua montra, vamos passear

Menina bonita, porque estás a olhar
Não me vês ao frio 
A olhar a montra desse teu bazar
Ai, vamos, vamos passear

Menina bonita, tu não és boneca
És uma menina de cabelos verdes
Com as mãos de sonho e olhos de luar
Sai da tua montra, vamos passear

A cada passo

Letra e música de Artur Ribeiro
Repertório de Tristão da Silva


Acabou a nossa vida 
Eu saí do teu caminho
Desde então não há guarida
P'ra ninguém no meu carinho

Em dois mundos separados 
A sete chaves fechados
Nós ficamos desde então
Mas por mal dos meus pecados
Não fechei meu coração

A cada passo
Nos passos que dou na rua
Julgo ver a sombra tua 
A chorar pela cidade
A cada passo
No meu errar desvairado
Lá surges tu no meu fado 
A provocar a saudade

Cada vez que a noite morre 
Cada vez que o Sol é posto
Quanto mais tempo decorre 
Cresce mais o meu desgosto

No meu quarto de ti cheio 
Na loucura deste anseio 
Já rasguei o teu retrato 
Tudo fiz mas não há meio 
De te pôr fora do quarto

No azul de um azulejo

António Avelar Pinho / Rão Kyao
Intérprete: Ana Sofia Varela c/Rão Kyao


Baila uma estrela no teu olhar risonho
Brilha de vê-la o meu e dá-lhe um beijo
Abro a janela da nossa vida e sonho
Hei-de escrevê-la no azul de um azulejo

Quero pô-lo aqui na nossa rua
Para quem passe o ver bem
Quero que ele brilhe à luz da lua
Na brancura que ele tem

Tem carinho, tem saudade
Um pouquinho de vaidade
Despedida e tristeza
Tem a vida portuguesa

Quero tê-lo sempre ao pé de nós
Para lembrar vida fora
Quero que ele diga a todos vós
Que o amor é aqui que mora

As vozes do silêncio

Maria Manuel Cid / Casimiro Ramos *fado Alberto 
c/arranjos de José Cid*
Repertório de Maria Veneno


Nos salgueirais do Tejo, meu corpo adormeceu
Vestido com as sombras, em noites de luar
Na cama de folhagem, amor aconteceu
E as vozes do silêncio, passaram devagar

Vieram as estrelas, beijar enternecidas
Meu peito desnudado, liberto de silícios
As aves descuidadas, voaram divertidas
Levando para o céu, os sonhos e os vícios

Ali naquele instante, deixei de ser criança
Menina navegando, nas ondas do seu berço
A dor do meu cansaço, foi gota de bonança
Levando com as águas, as contas do meu terço

Nos salgueirais do Tejo, bebi a minha seiva
Rasguei a minha terra, quebrei o meu arado
Desfiz com o meu corpo, torrões da sua leiva
E nela o meu desejo, deixei abandonado

Amigos, só amigos

Nóbrega e Sousa / Jerónimo Bragança
Repertório de Fernanda Maria


Amigos, só amigos, nada mais
Que triste foi o fim do nosso amor
Nenhum de nós podia ter previsto
Que o passado foi só isto

E o futuro vai ser isto

De ti, nem sei como tu vais
E de mim talvez nem te recordes
É assim a vida, chegada e partida
A vida da gente não passa 
De coisas perdidas no cais

Perdi o teu amor e amo
Tenho beijos mas não beijo
Até sem falar te chamo
Hora a hora te desejo;
Não voltes, não voltes, não voltes
Não quero que rias do meu amor

Amigos, só amigos, nada mais
Foi isto que disseste, bem ouvi
Depois bateste a porta e sem demora
Sem saudades foste embora
Sem passado atrás de ti

Carta sem resposta

Artur Ribeiro / Miguel Ramos *fado margaridas*
Repertório de Mariana Silva


Isto de toda a carta ter resposta
É mais uma maneira de dizer
Pois escrever nem toda a gente gosta
E nada nos obriga a responder

Por isso não respondo á tua carta
Ainda tentei, porém nada consigo
Pois a minha caneta, de ti farta
Não quer desperdiçar tinta contigo

E tu tiveste sorte, concerteza
Pois ler certas verdades, ninguém gosta
No fim de contas, foi delicadeza
Deixar a tua carta sem resposta

Quem acode aos poetas

Artur Ribeiro / Direitos reservados
Gravado por Trio Odemira


Se mais ninguém entende os versos teus
Aos olhos desta geração pateta
Tu serás genial, serás poeta
Serás idolatrado como um Deus

Se mais ninguém cantar tuas canções
Se mais ninguém souber porque protestas
Dirão que tudo é mau e só tu prestas
Terás prémios de falsos sabichões

Se tens vergonha de cantar o amor
E não sabes cantar á tua terra
Terás estátuas, andarás na berra
E um epitáfio de renovador

Não sei se rir se chorar

Victor Manuel Francisco / Joaquim Campos *fado amora*
Repertório de Ana Marina


Toda a vida te procurei
No céu, na terra e no mar
Agora que te encontrei
Não sei se rir, se chorar

Trago na alma fechada 
A paixão que me faltou
E no peito, entalhada 
Toda a dor que me sobrou

Vivo de coisas que achei 
No quarto da solidão
E do que dei ou não dei 
Para acalmar meu coração

Quero uma vida diferente 
Num mundo só de nós dois
Quero esquecer tanta gente 
Mesmo que morra depois

Quero nascer outra vez 
Ser diferente dos mortais
Para te amar, pois talvez 
Não seja tarde de mais

A candeia

Frederico de Brito / Joaquim Campos *fado vitória*
Repertório de Fernanda Maria


Não o via há tantos dias
Tinham dado Avé-Marias
Na capelinha da aldeia
Esperava por ele e não vinha
E como estava sózinha
Fui acender a candeia

Gemia o vento lá fora

Passa uma hora, outra hora 
E ao romper da lua cheia
Ei-lo que vem, meigo e doce

E fosse lá p’lo que fosse 
Tinha mais luz a candeia

Mil beijos, mil juramentos
E nesses loucos momentos 
Toda a minh’alma se enleia
Quis mostrar-me o amor seu
E jurou que era só meu 
P’la luz daquela candeia

Mas vi-lhe a boca a tremer
Eu mesma nem sei dizer 
O que me veio à ideia
É que a verdade realça
Essa jura era tão falsa 
Que se apagou a candeia

Pão de gestos

Torre da Guia / Alvaro Martins
Repertório de Beatriz da Conceição 
NOTA: Na gravação de Beatriz da Conceição
não está registada a última estrofe.


Cresce farto e dourado
Por esses campos, o pão
E há tanto mal espalhado
No gesto de cada mão

Cada mão, cada senhor 
Fazendo gestos à gente
Como se gestos na dor 
Fossem do pão a semente

A semente que germina 
Gesto bom na semeada
E transforma cada sina 
Numa cruz menos pesada

Menos pesada que aquela 
Que o povo tem carregado
Sem saber se será nela 
Um dia, crucificado

O fogo do teu olhar

Victor Moreira Francisco / Joaquim Campos *fado rosita*
Repertório de Lúcio Bamond


Teu olhar é uma lança
A ferir meu pensamento
Tempestade sem bonança
Calvário de sentimento

Teu olhar é uma chama 
A queimar meu coração
É a lava que derrama 
Da cratera de um vulcão

Teu olhar é uma estrela 
A brilhar em noite escura
Iluminando a capela 
Onde rezo esta amargura

O fogo do teu olhar 
Tem não sei quê de ciúme
E o jeito do teu andar 
Vai ateando esse lume

O calor desses teus olhos 
É um martírio sem fim
Olhas p’ra tudo e p’ra todos 
E nunca olhas p’ra mim

Homenagem ao rei

António Mendes / Pedro Rodrigues
Repertório de Victor Miranda

Silêncio por um minuto
O fado está de luto
Porque morreu um fadista
Guitarras, chorem baixinho
Um fado bem gemidinho
Em homenagem bairrista

Vistam luto à Mouraria
Onde esse fadista um dia 
Nasceu p’ra nos encantar
P’ra cumprir o seu destino
Nunca pôde ser menino 
Porque apenas quis cantar

Chamaram-lhe *O Rei do Fado*
Mas nunca foi coroado 
Pelo dom que Deus lhe deu
A cantar fez história
E ganhou coroas de glória 
Que por ser rei, mereceu

Deu a sua vida ao fado
Como na pátria, o soldado 
Dá a vida em sacrifício
Com sentimento tão nobre
O fado mais pobre 
Sem o Fernando Maurício

O rei da Mouraria

Ana Madalena / Alberto Correia *fado solene*
Repertório de Flora Silva

Chamaram-te rei, um dia
P’lo povo foste coroado
Com a coroa da magia
Das quatro letras do fado

Quis Deus que fosse em Lisboa 
No bairro da Mouraria
Que nascesse o rei sem coroa 
Para ser coroado um dia

E sem roupagens douradas 
Não desdenhas a pobreza
És o rei das madrugadas 
Cantas fado com nobreza

Vives a vida cantando 
É esse o teu ofício
Teu nome próprio, Fernando 
Teu apelido, Maurício

Prisioneiro do tempo

Victor Manuel Francisco / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Lúcio Bamond


Sou prisioneiro do tempo
Que passamos lado a lado
Em noites de solidão
Sou folha presa no vento
Fugindo desse pecado
Que me prende o coração

Sou prisioneiro dos dias

Em que ainda acreditava
Ser dono dos lábios teus
Fui tudo aquilo que querias
Só não fui o que sonhava 
Nas preces que fiz a Deus

Sou prisioneiro das horas
Que passei em desalento 
Em tempo feito saudade
Meu amor como demoras
Em me dares o esquecimento 
Em me dares a liberdade

Sou prisioneiro do amor
Que em hora de despedida 
O tempo deixou parado
Maldita seja esta dor
A encarcerar minha vida 
Entre os muros do passado

Os teus olhos

Maria da Graça Amaral / Carlos da Maia
Repertório de Maria Teresa de Noronha


Por esse mundo de Cristo
Há olhos grandes aos molhos
Mas em nenhuns tenho visto
A grandeza dos teus olhos

Dizes que para estar comigo 
Não galgas montes nem escolhos
Guarda as palavras contigo 
Deixa falar os teus olhos

E se me levar a morte 
Por sua estrada de abrolhos
Que pena não ter a sorte 
De ver chorar os teus olhos

Tem pena de mim, tristeza

António Vilar da Costa / Nóbrega e Sousa
Repertório de Alice Maria


Vejo os teus olhos vagabundos 
Na grande nau da lua cheia
Que anda a afundar-se além no rio
Calaram-se as sereias 
Naquele cais vazio

Canta um boémio tresloucado 
Os fados tristes que aprendi
Num velho búzio que me déste
Canções da beira rio 
Que um dia tu esqueceste

Tem pena de mim tristeza, não me prendas
Nas amarras da saudade desta voz
Não sou mais o timoneiro 
Da barca dos meus sonhos
Que um dia naufragou na voz
Já não quero mais prender-me n
as marés
Não vagueio mais, na bruma da incerteza
Já sequei por ti as fontes 
Salgadas. dos meus olhos
Tem pena de mim tristeza

Hei-de voltar ao cais de outrora
Erguer de novo ao sol doirado
As velas brancas do meu sonho
Meu rumo está mudado
Meu fado é mais risonho

Entre a alegria das gaivotas 
Hei-de enterrar saudades minhas
Depois cantar no cais á espera 
Das novas andorinhas
Da minha primavera

Uma razão para cantar

Alice Pimenta / António Moreira
Repertório de Alice Pimenta


Anseio viver a áurea felicidade
Deixem crescer em mim uma flor
Não quero dar amor por caridade
Quero trocar amor só por amor

Viver a minha vida simplesmente
Gostar de estar aqui, é meu desejo
E dar-me por inteira, totalmente
Oferecer a minha’alma em cada beijo

Amolecer a dor, sem ironia
Saber ser tolerante em cada hora
Não deixar que a infame tirania
Me roube o despertar em bela aurora

Dar um pouco de mim a toda a gente
É mais do que razão p’ra estar no mundo
Se tudo acontecer, meu peito sente
Que vivo a flutuar sem ir ao fundo

Restelo

Carlos Baleia / Nuno Nazareth Fernandes
Repertório de Daniel Gouveia


Homem velho do Restelo
A resmungar p’las esquinas 
Desastres e maldições
És patriarca do zelo
A ver coisas pequeninas 
E a destruir ilusões

Tuas sensatas palavras
Filhas do medo inventado 
Cortam cabos de aventura
E as forças ficam escravas
Sujeitas a novo fado 
Só com notas de amargura

Pões a cidade a chorar
Sentida dor p’las colinas 
Só porque é marinheira
E sempre que olhas o mar
Falas de pragas e sinas 
Que são tua sementeira

Porém um dia há-de vir
De caravelas paradas 
Quando tudo for memória
E a cidade há-de sentir
Que as ilusões embarcadas 
Fizeram a sua história

Meu amor verso por verso

João Dias / Rodrigo
Repertório de Rodrigo


Se à morte te parecesses
Eu morreria por gosto
Pedindo só, que me desses
Um terno no rosto

É constante como o tempo 
É maior que o universo
O poema que eu invento 
Meu amor, verso por verso

As minhas mãos tontas, loucas 
Mariposas deslumbradas
Não sei se dedos, se bocas 
De carícias segredadas

Nenhum espaço entre nós dois 
Quatro braços, um nó cego
Não há antes nem depois 
Na cegueira em que me entrego

Voz de Portugal, Amália

Carlos Bessa / Nel Garcia
Repertório de Eduardo Alípio


Povo que aguardas feliz
Com as mãos cheias de flores 
Perfumando os teus anseios
P’la mulher do teu país
Que chora nos bastidores 
Do Coliseu dos Recreios

Amália... 
Rainha imortal
És mulher... és fado
És Portugal

Cai a noite triunfal
Entre tantas, tantas palmas 
Canta ao presente e ao passado
É a voz de Portugal
Falando baixinho às almas 
Eis a rainha do fado

Amália chora a cantar
Lava no rio, tesouro 
Sua coroa de glória
Meio século p’ra ficar
Gravados a letras d’oiro 
Nos anais da nossa história

Foi à praça o nosso amor

Jorge Rosa / Fontes Rocha
Repertório de Maria da Fé 


Meu amor, diz-me em que praça
Foi à praça o nosso amor
Confesso, não acho graça
Leiloar seja o que for

Meu amor, diz-me em que rua 
Em que porta te escondeste
Não desisto de ser tua 
Apesar do que fizeste

Meu amor, há uma calçada 
Na vida, entre ti e mim
Ando a subi-la cansada 
Mas irei até ao fim

Meu amor, diz-me em que esquina 
Hão-de virar nossas vidas
Quero mudar-lhes a sina 
De becos em avenidas

Oferece o teu amor

Letra e música de Júlio de Sousa
Repertório de Dina do Carmo


Oferece o teu amor
A quem te possa amar
A minha boca é fria 
Não tem alegria
Nem mesmo a cantar

Na cruz da tua vida

Não quero mais sofrer
Não quero ser vencida 
Nem mulher perdida
Por tanto te querer

Não queiras no peito esta flor 
Sem perfume, sem cor
Que não sabe enfeitar
Não queiras a esmola do amor 
De quem não sabe dar
Amantes não quero, não quero
Só este me pode agradar
É belo, é castiço o meu fado
Amante sem par

É ele quem me beija

É ele quem me abraça
Nas noites de luar

Se fico a pensar 
Na vida que passa

E passa a vida inteira
Saudade e amargor
Ao longe uma toada 
Canta a madrugada
És tu meu amor

Só pode ser amor

António Rocha / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Alice Pires


O brilho radioso dos teus olhos
Trouxe uma luz confusa ao meu viver
Qual barco a naufragar num mar de escolhos
Eu sou nesta incerteza do meu querer

O teu corpo perturba o meu sentido
Embriaga-me o som da tua voz
Quando me falas do amor proibido
E da atração fatal que há entre nós

Tu és a lua cheia dos meus dias
O sol que ás minhas noites dá calor
Tudo que vem de ti são alegrias
Tudo isto amor, só pode ser amor

Mas não encontro espaço no meu espaço
Nem sei se vês o espaço que há em mim
Só sei que quero prender-te num abraço
Em que me prendas num amor sem fim

É mentira

Jorge Rosa / João de Vasconcelos 
Repertório de Maria da Fé  


Se melhor que ninguém me conheces
Porque às falas do mundo dás troco
Sabes tu que às vezes pareces
Ser um louco mais louco que um louco

Se hora a hora os meus passos tu segues
E se até do que eu sonho dás conta
Não entendo como é que consegues
Fazer fé na má fé que te afronta


É mentira, mentira, mentira
Que queres que te diga 

Se juro e rejuro
É mentira, mentira, mentira
Descrê dessa intriga

É falso, é perjuro
As pedradas que o mundo me atira
Hão-de em telhas de vidro cair
E a mentira, mentira, mentira
Talvez ainda fira 

Quem fere ao mentir 

Tanta prova de amor já te dei
Que me custa saber-te descrente
E magoa saber, como sei
Que te apraz o que diz essa gente

É inveja acredita, é inveja
Desse amor que me tens e eu te tenho
Se não é, eu não vejo o que seja
Acho estranho, acredita, acho estranho

Fadinho dos dois

Letra e música de António Sala
Gravado por António Sala e Rodrigo


Como eu gostava de saber cantar o fado
Cantar o fado mas dum jeito bem lirú
Como eu gostava de saber dar-lhes as voltinhas
E cantar como o Rodrigo... ai cantá-lo como tu

Mas ser fadista não é para toda a gente
Ou já se nasce, ou então não se vai lá
Porque no fado, ou a gente sente, sente
Ou então a gente mente... nem com a guitarra dá


REFRÃO
Mas um fadinho picadinho e bem gostoso
Deve dar um certo gozo
E até alegra o coração

Meu caro Sala, podes ter bem a certeza
Que a mim dá-me tanto gozo
Como a ti a locução

Por isso mesmo, ó Rodrigo diz-me lá
P’ra cantar um fado já
Que aconselhas a um amigo

Bebe um copinho, põe um jeito bem gingão
Fecha os olhos, porque não?
E vem lá cantar comigo

Lá se consigo, é o que a gente está p’ra ver
Mas 100 programas custam menos a fazer
Mas o copito até dá jeito, pois então
Torna o fado manganão, e até gosto podes crer


Faz como eu faço ao balanço da guitarra
Se desafinas é que a coisa sai bizarra
Mas fica bem se tentares mais uma vez
Isto toda a gente canta porque o fado é português

Fado da Madragoa

José Galhardo / Raúl Ferrão
Repertório de Maria da Fé


Ó Madragoa 
Das bernardas e das trinas
Dos pescadores, das varinas
Da tradição
És a Lisboa 
Que nos fala doutra idade
Doutros tempos da cidade
Que já lá vão

Bairro cercado 
Por igrejas e conventos
Com tão santos monumentos
Na vizinhança
Meu bairro amado
Vem provar como é verdade
Que entre a fé e a caridade
Pôs Deus a esperança

Ó Madragoa
Que és a mãe da minha mãe
Ó gente boa do meu bairro, e
scutem bem
Nesta Lisboa
Do progresso e da vaidade
É ali na Madragoa q
ue mora a saudade

És, Madragoa
Mais cristã que a Mouraria
Mais alegre que a alegria e 
até mais bela
Doa a quem doa
Não há bairro com mais raça
Tem mais graça a
té que a Graça
Mais luz que a Estrela

Ali viveram sempre
Os bravos mareantes
Foi ali que os navegantes 
Tiveram ninho
Muitos morreram
Mas há um que a gente chora
Esse herói que o povo adora
Gago Coutinho

Acerta comigo

Jorge Rosa / Jorge Manuel Machado
Repertório de Maria da Fé

Anda ver a Madragoa 
Como baila de corrente
Anda ver a nossa gente 
Que até parece que voa

Quem ao vira não se atira 
De qualquer maneira ou jeito
Faz da vida uma memória 
Não fica, nem tira 
Da vida, proveito

Acerta comigo
Contigo eu acerto
Sei que vai dar certo 
O vira contigo
E a Madragoa 
Salgada e varina
Vais ver que te ensina 
A entrar numa boa

É salgado o meu amor 
Se é salgado, não faz mal
Sempre ouvi dizer que o sal 
É o sabor do sabor

Não venhas á minha porta 
Se for de contra vontade
És gaivota e toma nota 
Em terra a gaivota 
Só traz tempestade

Bendito sonho

José Fernandes Castro / Alfredo Duarte *fado versículo*
Repertório de Filomeno Silva


Deixa-me sonhar contigo / minha flor
Porque te quero beijar / secretamente
Mesmo que seja castigo / meu amor
Contigo quero sonhar / serenamente

Deixa-me sentir o fogo / penetrante
Dos beijos que me darás / durante o sono
Mesmo que as regras do jogo / alucinante
Castiguem minhas manhãs / com abandono

Deixa-me sentir a dor / e o desespero
De ficar muito mais triste / ao acordar
Se nos sonhos tenho o amor / que tanto quero
Ainda bem que o sonho existe / p’ra te amar

Tal como diz o poeta / trovador
Com a alma engrandecida / pela fama
O sonho na hora certa / meu amor
Dá encantamento á vida / de quem ama

Quando eu fazia canções

Artur Ribeiro / Miguel Ramos *fado calisto*
Gravado por Trio Odemira

Quando eu fazia canções
Não fui capaz de dizer
Nos meus versos as razões
Das minhas inibições
Em tudo o que quis fazer

Quando eu ainda cantava 
Essas canções que fazia
Canções que o vento me dava 
E o próprio vento levava
Quando o povo as aprendia

Agora já nem me queixo 
E fico ausente, sem ver
Que neste eterno desleixo 
A vida acaba e não deixo
Nada de mim, a quem quer

Estes versos magoados 
São epitáfio por mim
Neste mundo de falhados 
Eu por mal dos meus pecados
Quis ser eu, até ao fim

Elogio rural

Frutuoso França / Popular *fado mouraria*
Repertório de Frutuoso França


Quando nas verdes ramadas
Canta alegre o rouxinol
Brilha o aço das enxadas
Á luz doirada do sol

Sujos, negros do suor 
Da sua pesada lida
Os braços do cavador 
São alavancas da vida

Alavancas pelo bem 
Esteios de produção
Revolvendo a terra mãe 
A terra que nos dá pão

Pode um cavador ser rude 
Ignorante, não contesto
Mas tem a grande virtude 
De ser toda a vida honesto

Tem calos com muita honra 
Trabalha, por isso os tem
Ter calos não é desonra 
Nem envergonha ninguém

P’ra manter a sua prol 
O trabalho é seu patrono
Antes um dia sem sol 
Do que uma enxada sem dono

Ai povo amor coração

José Luís Gordo / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Maria da Fé


Povo de esperanças e sonhos
De olhar turva manhã
É corpo feito saudade
Ai povo, amor, primavera
Só te alcança quem te espera
Meu povo feito verdade

Meu povo de pele morena 
Cheirando a terra lavrada
De montes puros, sadios
Meu povo, terra pequena 
Que acordas de madrugada
Á beira de tantos rios

Ai povo de São Torcato 
E das festas da Agonia
Do cantar triste malhão
Aqui te deixo o recado 
Nas palavras que te canto
Ai povo, amor, coração

Luto no mar

Rui Manuel / Carlos Macedo
Repertório de Carlos Macedo


Há cem mulheres na praia 
Duzentos olhos no mar
Faróis de pranto, suspensos 
Nos braços da tempestade
E o desespero, ansiedade 
Torcendo nas mãos os lenços
Há cem mulheres na praia
E uma angústia a navegar

Há dos barcos, uma ausência 
Que prenuncia a desgraça
E há no vento uma ameaça 
De tristeza em cada lar
Ficam noivas por casar 
Fomes por adormecer
Ficam órfãos a crescer 
Nos ventres da viuvez
Crianças que não paridas
De luto já estão vestidas

Há cem mulheres na praia 
E uma angústia a navegar
Que sorte coube, que sorte 
Aos homens foi prometida
Quantos pescaram a vida 
Sobre os cardumes da morte
Há cem mulheres na praia
Duzentos olhos no mar

Estas meninas do Tejo

Carlos Baleia / António Redes Cruz
Repertório de Daniel Gouveia


No passado, como agora
As meninas de Lisboa

São Ninfas vindas do Tejo;
A desfilar em cortejo
Como rainhas sem coroa

Quando vão cidade fora

A vaidade na forma de andar 
É rodopio que chega ao Rossio
No Chiado evocam artistas 
Depois no Parque, recordam revistas
No Terreiro, sorriso brejeiro 
E no Paço, oferecem o braço
Nas Arcadas visitam Pessoa 
As filhas mimadas desta Lisboa

Ondas velhas deste Tejo
Que são como gente boa

A falar da vida alheia
Já dizem á boca cheia
Que as meninas de Lisboa

Andam a espalhar desejo

A vaidade na forma de andar
É rodopio que chega ao Rossio
No Chiado evocam artistas 
Depois no Parque, recordam revistas
No Bairro Alto mudam de maneiras 
E dão um salto, vão ás Amoreiras
Pelas colinas que descem ao Rato 
Lá vão as meninas p’rá 24

Leal amigo

Manuel Bogalho / João Maria dos Anjos
Repertório de Frutuoso França


O vento forte, soprava
E a minha casa se abriu
Nessa noite, a hora morta
Somente p’ra dar entrada
A um cãozito vadio
Que gemia á minha porta

Então, logo sem demora

Do animal fui tratar 
Estava bom no outro dia
Mas já se não foi embora
Quem sabe, p’ra me pagar 
O favor que me devia

Até que uma noite, os dois
Ao regressarmos a casa 
Numa rua bem estreitinha
Surge um grupo de ladrões
Armados, p’ra me roubar 
Decerto dinheiro que tinha

O cão por nada esperou
Saltando contra os bandidos 
Sózinho os fez recuar
Um tiro se disparou
E no chão, entre gemidos 
Morrera p’ra me salvar

Irracional coração
Por eu lhe ter dado afago 
Nessa noite de invernia
Morreu feliz, pobre cão
Somente por me ter pago 
O favor que me devia

Fadistas cantai à lua

Maria Jô Jô / Jaime Santos *fado alvito* 
Repertório de Lúcio Bamond   


Quis conhecer a minha alma
Numa noite menos calma
Que viveu tanto e não amou
Não sei a vida que tenho
P’ra onde vou, donde venho
Por aí é que eu não vou

Caminhada que resiste 
Aos versos dum fado triste
A voz a quem eu me dou
Se a minha verdade existe 
Lembro o dia em que partiste
Por aí é que eu não vou

Fadistas, cantai à lua 
Que a minha voz, rouca e nua
Canta o povo donde sou
Um poema mais profundo 
Eu quero dizer ao mundo
Por aí é que eu não vou

Lisboeta

Letra e mùsica de Frederico de Brito
Repertório de Rodrigo


Lisboeta... 
Quem te ensinou a cantar
A ter saudades do Tejo 
Quando atravessas o mar
O teu fado
Alma da tu’alma inquieta
Esse barco dos teus sonhos
Como tu, é lisboeta

Vamos lá, solta as amarras
Larga o leme, vem à proa
Manda gemer as guitarras
Quero ouvir canções bizarras
Da tua linda Lisboa;
Põe nos teus olhos a chama
Que sempre te tem guiado
Diz-me onde fica a Moirama
O Bairro Alto e Alfama
Que eu quero cantar o fado

Lisboeta... 
Porque és assim tão audaz?
Que não há canto do mundo
Nem terra, onde tu não vás
Diz às vagas 
Que a minh’alma não resiste
Sem a canção da saudade q
Que cantas, quando andas triste

Trova florida

José Fernandes Castro / José Marques *fado triplicado*
Repertório de Jorge César e Rute Rita

Uma rosa desfolhada
Encantada e perfumada
Tem a magia dum beijo
Para se falar d´amor
Basta-nos pôr uma flor
Na lapela do desejo

Um sorrisinho atrevido 
Divertido e apetecido
Fala mais que o coração
Mas no entanto, é preciso 
Que o sorriso e o juízo
Andem sempre mão na mão

Um poema trovador
 De sabor madrugador
Tem um fascínio perfeito
Talvez seja a esperança
Criança que não se cansa 
De saltar dentro do peito

Uma simples aguarela 
Singela mas muito bela
Produz encanto maior
Ao compasso da verdade
A vontade e a felicidade 
Geram poemas d’amor

Escravos e donos

Carlos Conde / Raúl Pinto
Repertório de Gabino Ferreira


Nos jardins da cidadela
Em dia alegre de Maio
Pelo cair da tardinha
Um aio solta a cadela
Qua rasga a carne ao lacaio
P’ra divertir a rainha

Depois, no salão doirado 
Entre gente de alto porte
E figuras d’alta grei
Um bobo chicoteado 
Pelos fidalgos da corte
Vai beijar os pés ao rei

E enquanto a sege real 
Atravessa o picadeiro
P’ra ser mostrada á nobreza
Junto ao lago de cristal 
Morre à sede um albardeiro
P’ra recriar a princesa

Três quadros tristes, banais

Que em futuro mais feliz 
Sem ódio nem opressão
Dirão bem quem vale mais
Se os escravos dum país 
Se os donos duma nação

Xaile negro

José Guimarães ? / Alvaro Martins
Repertório de Flora Pereira


Julguei que o fado era meu 
Tanto lhe quero e queria
Mas outra a quem conheceu 
Levou-o p'rá Mouraria

Agora, por mãos alheias 
Lá anda de lado em lado
Estala-me o sangue nas veias 
E eu tenho pena do fado

Este xaile negro

Faz-me fadista um minuto
Se o deixo de cantar 
Vejo no xaile o meu luto
Mas eu qualquer dia
Sem que me importe o pecado
Vou à Mouraria 
E trago de lá o fado 

Ó Rua do Capelão 
Só tu por fim conseguiste
Ferir o meu coração 
Que bate agora mais triste

Por isso agora, Lisboa 
Atenta nesta verdade
Ninguém, ninguém te perdoa 
Essa tão grande maldade

O malmequer nunca mente

Alexandre Fontes / Fontes Rocha *fado isabel*
Repertório de José Vilela


P’ra saber se ela me quer
Pois a certeza não sei
Desfolhei o malmequer
Que por acaso encontrei

O malmequer nunca mente 
Do princípio até ao fim
Ele disse francamente 
Que tu não gostas de mim

Meu coração ficou triste 
Ao saber toda a verdade
Mas minh’alma não desiste 
E tem por ti, amizade

P’ra que mentes minha querida 
Não me andes a enganar
Tu és toda a minha vida 
Eu por ti vivo a sonhar

Meu amigo malmequer 
Que sempre fales verdade
Vou esquecer essa mulher 
Que não me dá felicidade

A praga que te rogo

Francisco Radamanto / Henrique Lourenço *fado cigana*
Repertório de Gabino Ferreira


Por ter no peito uma chaga
E na alma a cicatriz
Dum amor desventurado
Venho rogar-te esta praga
Deus te faça tão feliz
Quanto eu sou de desgraçado

Que tu no mundo, mulher
Já que foste a minha cruz 
Após seres o meu desvelo
Sejas mulher sem o ser
Sejas casta como a luz 
Sejas fria como o gelo

Que nunca o teu corpo aqueça
Na loucura dum desejo 
De apaixonado fervor
Nunca tu’alma estremeça
Ao sabor quente dum beijo 
Dum quente beijo d’amor

E se desta praga ris
Que ela ande sempre contigo 
A queimar-te como fogo
Que sejas muito feliz
Mas sempre como castigo 
Desta praga que te rogo

A tendinha

José Galhardo / Raul Ferrão
Repertório de Hermínia Silva


Junto ao Arco do Bandeira
Há uma loja, a Tendinha
De aspeto rasca e banal
Na história da bebedeira
Aquela casa velhinha
É um padrão imortal

Velha taberna 
Nesta Lisboa moderna
És a tasca humilde e terna 
Que manténs a tradição
Velha Tendinha 
És o templo da pinguinha
Dos dois brancos, da gimbrinha 
Da boémia e do pifão

Noutros tempos, os fadistas
Vinham já grossos das horas
P'ró seu balcão, caturrar
Os fidalgos e os artistas
Iam p'ra ali horas mortas
Ouvir o fado e cantar

Ri sempre

Carlos Conde / Gabino Ferreira
Repertório de Gabino Ferreira


Sofre mas ri, dia a dia
Porque o riso faz-te bem
Quem vive sem alegria
Não faz cá falta a ninguém


Mostra sempre no teu rosto 
Vida, encanto, simpatia
Nunca te dês ao desgosto
Sofre mas ri, dia a dia

Ri de quem se ri de ti 
Por maldade ou por desdém
De qualquer maneira ri 
Porque o riso faz-te bem

Não é bem a quem padece 
Que o choro mais alivia
Pois nem tristeza merece 
Quem vive sem alegria

Nunca vive em maré alta 
Quem alegria não tem
E a quem alegria falta 
Não faz cá falta a ninguém

De xaile e lenço

Mascarenhas Barreto / Santos Moreira *fado moleirinha*
Repertório de José Freire


Essa tricana que ali vai de xaile e lenço
Amei em tempos com paixão de adolescente
E mesmo agora quando passo e nela penso
Sinto na alma um sentimento bem pungente

Éramos jovens em manhã de primavera
Que já não volta, e ainda hoje me arrependo
De xaile e lenço, ela lá vai tal como era
E eu tão mudado, que nem mesmo compreendo

O nosso amor, todos diziam condenado
E que entre nós estava cavado um fosso imenso
E cada um foi tristemente p’ra seu lado
Eu de batina de estudante, e ela de lenço

E nesta hora em que o outono se avizinha
E os sonhos vão co'as folhas secas no seu baile
Recordo o tempo em que essa moça era só minha
E a minha capa apenas era do seu xaile

Não é por ti

Carlos Conde / Joaquim Pimentel
Repertório de Gabino Ferreira


Não é por ti que eu ando aborrecido
Nem te quero p’ra minha companheira
Mas diz ao que hoje tens por teu marido
P’ra me saber olhar doutra maneira

Eu não quero saber um só momento
Se vais acompanhada ou se vais só
Mas aquele olhar vesgo e ciumento
Em vez de me assustar, causa-me dó

E se a ameaça o torna mais feliz
Bem se pode enliar em crenças más
Eu não quero saber do que ele diz
Nem temo as ameaças que ele faz

Não faltava mais nada, isto revela
A decisão mais reles e mesquinha
Ter de pedir licença ao homem dela
P’ra fitar a mulher que já foi minha

Não canta mas é fadista

José Fernandes Castro / Francisco Viana *fado vianinha*
Gravado por Abílio Silva


Não canta, mas é fadista
Talvez mais do que quem canta
Tem o seu perfil de artista
Na alma, não na garganta

Não canta, mas é poeta 
Do jeito que poucos são
Tem sempre a palavra certa 
P’ra dar voz à emoção

Não canta, mas tem no peito 
A nostalgia do tempo
E tem o brilho perfeito 
Do mais nobre sentimento

Não canta, mas tem o dom 
De nos saber escutar
E tem sempre em cada mão 
Uma rosa para dar

Não canta, mas mesmo assim 
Tem o fado por raiz
Com ela perto de mim 
Sou fadista e sou feliz

Pardalitos

Letra e musica de Filomeno Silva
Repertório de Filomeno Silva


Saltam da ponte 
Como pardais a voar
Contam à gente 
O sabor que a vida tem
E não dão conta 
Dos saltos que a vida dá
Esses putos que amanhã 
Serão adultos também

Começam por andar ao desvario
Esquecem a fome e o frio
Só p’ra andar na brincadeira
Seus olhos são a corrente do rio
Cada barco é um navio
Para os putos da Ribeira

A vida destes meninos
Que nos seus corpos franzinos
Vivem á mercê da sorte
Não conhecem fados nem destinos
P’ra esses pardais pequeninos
Não há maldade nem morte

A saudade que me dói

Vasco de Lima Couto / Pedro Rodrigues *fado primavera*
Repertório de João Braga


Rasga o retrato em que a vida
Deixou os meus olhos presos
Ás janelas imperfeitas
Rasga a penumbra em que a vida
Guarda os meus sonhos acesos
Nessa cama em que te deitas

Rasga tudo o que eu te dei
Quando deixei de ser eu 
Por te sentir a meu lado
E o perdão que eu inventei
Porque tu fechaste o céu 
Ao limite do pecado

E na minha voz tão nua
Rasga se puderes rasgar 
O tempo da violência
E as aves daquela rua
Onde eu vivi p’ra te amar 
Num fado vestindo ausência

Vamos para as hortas

Carlos Conde / Gabino Ferreira
Repertório de Gabino Ferreira

Só conhece as ramboiadas
Quem perde noites inteiras
Entre o trinar das guitarras
E o retenir das guizeiras

Chicotes de três estalos
Fazem rodar as tipóias
Ao longe, trotam cavalos
Mais além, cantam rambóias

Eh malta da farra 
Depressa a guitarra 
E vamos p’rás hortas
Eh gente rambóia 
Quem bate a tipóia 
P’ra fora de portas
A ceia fumega 
Na típica adega 
Dum bairro afamado
Nas mesas de pinho 
Canecas de vinho 
E vamos ao fado

Os mazantinos dos faias
E os lenços das raparigas
Emprestam mais graça ás vaias
Das traquitanas antigas

Nas hortas não há cristais
Pois a não ser nos salões
O cristal não vale mais
Que o barro dos canjirões

O céu é testemunha

José Fernandes Castro / Custódio Castelo
Repertório de Julieta Ribeiro


O céu é testemunha verdadeira
Do amor que por ti minh’alma sente
A noite é a minha companheira
E dela fiz a minha confidente

Nas ruas onde a lua já não vem
Vou tendo o meu espaço preferido
Sou sombra que não faz sombra a ninguém
Sou nuvem que não faz nenhum sentido

Por vezes, tenho até a sensação
De ter um peso a mais no pensamento
Apenas tenho sol no coração
Se me sinto tocada p’lo teu vento

No grande amor que tenho p’ra te dar
Existem mil poemas por dizer
Ainda bem que tenho o meu luar
Para sonhar contigo e renascer

Fado mortalha

*duas mortalhas*
Linhares Barbosa / Armando Machado
Repertório de Max
Gravado com o título *duas mortalhas*

Foi na Travessa da Palha
Que um petiz de olhar bizarro
Com outros da sua igualha
Me pediu uma mortalha
Para fazer um cigarro

Acedi naturalmente 
Eu sou assim quando calha
Não é coisa reprimente
A um migalho de gente
Dar a gente uma migalha

Por tal mortalha ter dado 
Um amigo censurou-me
Respondi-lhe revoltado 
Também a fome é pecado
E há muita gente com fome

E o petiz de olhar bizarro 
Disse-me adeus, obrigado
Distraído com o cigarro 
Não viu que passava um carro
E foi por ele esmagado

E na Travessa da Palha 
O garotito morreu
Foi prá vala da canalha 
Mas levou outra mortalha
Novinha, que lhe dei eu

Desde então, sempre que fumo 
Nas fumaças do espaço
Vejo o garoto no fumo 
A pôr luto não costumo
Mas pus um fumo no braço

Fado mortalha

Gravado com o título *foi na travessa da palha*
Linhares Barbosa / Armando Machado
Repertório de Rodrigo


Foi na Travessa da Palha
Que um petiz de olhar bizarro
Com outros da sua igualha
Me pediu uma mortalha
Para fazer um cigarro

Por tal mortalha ter dado 
Um amigo censurou-me
Respondi-lhe incomodado
Também a fome é pecado 
E há tanta gente com fome

E o petiz de olhar bizarro 
Disse-me adeus, obrigado
Distraído com o cigarro
Não viu que passava um carro 
E morreu atropelado

Foi na Travessa da Palha 
Que um garotito morreu
Foi p’rá vala da canalha
Mas levou outra mortalha 
Novinha, que lhe dei eu

Nos cigarros que consumo 
Nas fumaças que desfaço
Vejo o garoto no fumo
A pôr luto não costumo 
Mas pus um fumo no braço

Lenda da Amendoeira

Carlos Conde / Gabino Ferreira
Repertório de Gabino Ferreira

Quem passar a hora morta 
P’la Rua da Amendoeira
Repare bem numa porta 
Com dois degraus de soleira

P’lo postigo ou através 
Da janela em gilhotina
Vê-se uma cruz e a seus pés 
A luz duma lamparina

À mesma altura
Simples, discreto
Um xaile preto

Com franjas velhas;
Um retrato sem moldura

E uma lira sem cravelhas;
A casa é tão pequenina

Que não falta quem não deite
Mais uma gota de azeite

No copo da lamparina

Diz a lenda e toda agente 
Que a guitarra, certo dia
Fez um fidalgo valente 
Ajoelhar na Mouraria

E o retrato que em verdade 
Ninguém sabe de quem é
Não é mais do que a saudade 
Que se sente e não se vê

A forma como te vejo

José Fernandes Castro / Alfredo Duarte *fado versículo*
Repertório de Jorge César


Cada traço do teu rosto / incandescente
É uma estrela de cor / angelical
Teu olhar é um sol posto / ternamente
No hemisfério do amor / tão natural

Cada letra do teu nome / abençoado
É uma rima suprema / de louvor
Quando de ti tenho fome / de pecado
Procuro-te num poema / sonhador

Cada linha do teu corpo / apetecido
Tem a luz da tentação / encantadora
Em ti encontro o meu porto / prometido
Ao compasso da paixão / que me devora

Cada gesto de loucura / que te invade
Tem a magia dum sonho / redentor
É por ti que há mais ternura / e mais verdade
Nos poemas que componho / por amor

Ai Amália

Maria Luísa Bivar / João Braga
Repertório de João Braga

És povo feito mulher 
A cantar és toda a gente
Que sabe aquilo que quer 
E diz aquilo que sente

As tuas caras são tantas 
Mais de mil que Deus te deu
Com mil corações tu cantas
E há mais mil dentro do teu

Ai Amália das mil caras
E mais de mil corações
Ai rio que nunca paras
Até á foz das canções

Nos ecos da tua voz 
Nos silêncios que a torturam
Sofrem pedaços de nós 
Pedaços que se procuram

Levantas a tua voz 
O fado nasce ao teu jeito
E sentimos todos nós 
Que te cabemos no peito