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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os criadores dos temas aqui apresentados.
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Tenho vindo a publicar letras (de autores que já partiram) sem indicação de intérpretes ou compositores na esperança de obter informações detalhadas sobre os temas.
<> 7.785 LETRAS <> 4.025.000 VISITAS <> 31 DE JULHO DE 2025
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Versos de amor

Letra e música de Carlos Paião
Repertório de Dulce Guimarães

Às onze e meia, saiu para a rua
Com o seu fato domingueiro
Dormindo a aldeia, brilhando a lua
Num céu de estrelas, conselheiro

Coração quente, firme e demente
À sua porta então chamou
E abriu-se a janela e só para ela
Triste, cantou

Versos de amor
Lindos esses versos de amor
Que fizera em segredo
A sonhar quase a medo
Um viver tentador
A sua vida por uns versos de amor
Lindos esses versos de amor
Na mais terna amargura 
O silêncio murmura
Uma história de amor

A noite imensa, foi mais rainha
Quando uma lágrima caiu
Na recompensa, do amor que tinha
Ela também chorou, sorriu

Foi tão bonito, tinham-lhe dito
Que amar às vezes faz doer
Mas a dor que sentia
Não lhe doía, dava prazer

Colchetes de oiro

Henrique Rego / Popular *fado corrido*
Repertório de Alfredo Marceneiro

Toma lá colchetes d’oiro
Aperta o teu coletinho
Coração que é de nós dois
Deve andar 'conchegadinho

P’ra ficar mais lindo ainda 
Teu coletinho de rendas
Aqui trago minha querida 
A mais modesta das prendas
Não quero que tu te ofendas 
Nem que tomes por desdoiro
Não te ofertar um tesouro 
Digno de teu coração
Mas dados por minha mão

Toma lá colchetes d’oiro

São minúsculas estrelas 
Que se perderam no ar
E a lua p’ra reavê-las 
Pôs de atalaia o luar
Ainda as pude apanhar 
No meu noturno caminho
E fiz delas com carinho 
Estes colchetes, portanto
Minha boneca de encanto
Aperta o teu coletinho


Se fores de noite à rua 
Deves guardá-los com jeito
Não quero que a dona lua 
Toque ao de leve o teu peito
Que eu sempre guardei respeito 
Pela grandeza dos sóis
Mas vim a saber depois 
E fiquei compenetrado
Que deve ser respeitado

Coração que é de nós dois

Os corações dos amantes
Só se conseguem prender
Com colchetes florantes 
Dos que te vim oferecer
Mais tarde quando nascer 
Do nosso amor, um filhinho
Na doçura deste ninho
Nos dirá por sua vez
Coração que é de nós três
Deve andar 'conchegadinho

O fado está doente

Carlos Conde / Gabino Ferreira *alexandrino do gabino*
Repertório de Gabino Ferreira 

O fado está doente, adoeceu o fado
Quando hoje o visitei, quedei-me em sobressalto
Ao vê-lo triste e só, com a guitarra ao lado
Numa casa qualquer ali do Bairro Alto

É triste a sua dor, profundo o seu abalo
Saudoso do seu tempo alegre de conquistas
O fado está doente, é preciso salvá-lo
Com o gosto do povo e a alma dos fadistas

Está muito abatido, eh... nem o conhecia
Ele, o imperador, ali da Madragoa
O príncipe de Alfama, o rei da Mouraria
E acima de tudo o senhor de Lisboa

Fadistagem de garra, altiva e vem unida
Se o fado é muito nosso, é grande, é imortal
Nós temos o dever de lutar pela vida
Da mais bela canção que existe em Portugal

Sabe-se lá

Frederico Valério e Silva Tavares 
Repertório de Amália

Lá porque ando em baixo agora
Não me neguem vossa estima
Que os alcatruzes da nora
Quando chora
Não andam sempre por cima

Rir da gente ninguém pode
Se o azar nos amofina
E se Deus não nos acode
Não há roda que mais rode
Do que a roda da má sina

Sabe-se lá... 
Quando a sorte é boa ou má
Sabe-se lá... 
Amanhã o que virá
Breve desfaz-se 
Uma vida honrada e boa
Ninguém sabe, quando nasce
Pró que nasce uma pessoa

O preciso é ser-se forte
Ser-se forte e não ter medo
Porque na verdade, a sorte
Como a morte
Chega sempre tarde ou cedo

Ninguém foge ao seu destino
Nem para o que está guardado
Pois por um condão divino
Há quem nasça pequenino
P’ra cumprir um grande fado

Vou trair a solidão

Tiago Torres da Silva / Fernando Araújo
Repertório de Ana Laíns
Esta letra foi também gravada por Maria João Quadros 
na música do Fado Porto

Vou trair a solidão
E depois pôr a traição
No lugar da tua voz

Por tristeza ou por cansaço
Vou em busca do abraço
Que me faz esquecer de nós


Talvez num breve segundo
Se possa mudar o mundo
Talvez, eu digo talvez
Mas sem saber se é verdade
Que a solidão é saudade
Do que a saudade me fez

O vulto que eu não olhei
As mãos que eu não agarrei
O corpo a que eu disse não
Já nem sei em que acredito
Mas entre o dito e o não dito
Vou trair a solidão

Paixões diagonais

João Monge / Miguel Ramos *fado miguel*
Repertório de Mísia


Do que fala a madrugada
O murmúrio na calçada
Os silêncios de licor;
Do que fala a nostalgia
De uma estrela fugidia
Falam de nós, meu amor

Do que sabem as vielas
E a memória das janelas 
Ancoradas no sol-pôr
Do que sabem os cristais
Das paixões diagonais 
Sabem de nós, meu amor

Porque volta esta tristeza
O destino à nossa mesa 
O silêncio de um andor
Porque volta tudo ao mar
Mesmo sem ter de voltar 
Voltam por nós, meu amor

Porque parte tudo um dia
O que nos lábios ardia 
Até não sermos ninguém
Tudo é água que corre
De cada vez que nos morre 
Nasce um pouco mais além

Tudo por tudo

Fernando Farinha / Casimiro Ramos *fado fé*
Repertório de Maria da Fé

Dei-te tudo quanto tinha
E não estou arrependida
Trocamos alma por alma
Demos amor por amor
Pagamos vida por vida

E neste amor tão feliz
Nossas vidas vivem mais
Porque eu vivo o que tu vives
O que eu sinto também sentes
Em tudo somos iguais

Queira Deus que o nosso amor
Assim seja a vida inteira
E que toda a gente saiba
Como é bonito na vida
Amar-se desta maneira

A palavra dos lugares

Sérgio Godinho / José António Sabrosa *fado da defesa*
Repertório de Mísia

Aqui estou na mesma esquina
Antes mulher, já menina
Por artes dos teus amores;
Só à espera que apareças
Que eu consiga e tu mereças
Dois beijos reparadores

Foi na cidade do Porto
Se a nomeio, é que me importo
Co'a palavra dos lugares
Que eu te amei p'lo rio abaixo
Rio Douro o que é que eu acho 
Fazes bem em desaguares

Sei que algures na cidade
Tenho o mapa e a liberdade 
Vou achar quem mais me abrasa
Mas tudo aquilo que me resta
É espreitar por esta fresta 
Donde vejo a tua casa

Depois descubro que a vida
Em paixões fica esculpida 
E em amores remodelada
Sou uma estátua na avenida
Qual o gesto desta ferida 
Onde enterro a minha espada

Se te espero, é porque queria
Ter do bronze, a teimosia 
De te ter por confidente
O granito á tarde espelha
A razão porque avermelha 
Nosso amor ao sol poente

Foi na cidade do Porto
Se a nomeio, é que me importo
Co'a a palavra dos lugares
Que te amarei, rio abaixo

Rio Douro, o que é que eu acho 
Fazes bem em desaguares

O meu fado

Manuela de Freitas / Paulo de Carvalho
Repertório de Camané

Fado tão longe e tão perto
Fado tão meu, tão alheio
Momento nítido, incerto
Com esta voz pelo meio

Noites passadas em branco 
Em cada fado que eu cante
Há uma vida que arranco 
À morte de cada instante

Grito no peito rasgado 
E na garganta contido
Que faz de um pequeno fado 
Um grande instante vivido

O fado que vou vivendo 
No canto e no gesto mudo
É tudo o que eu não entendo 
Que me faz entender tudo

Fado triste

Letra e música de Victorino Salomé
Repertório de Mísia

Vai ao sol poente, vai e não voltes
Sem trazer no primeiro raio 
Notícias de quem se foi
Numa madrugada amarga e triste
Um navio de proa em riste 
Levou tudo o que eu guardei

Na caixa escondida dos afetos
No lembrar dos objectos 
Que enfeitavam o meu quarto
Tudo perde a cor a forma o cheiro
Ficaram só coisas esquecidas
Da importância que tiveram

Volto sempre ao rio às sextas feiras
P'ra lembrar
Dias descuidados, noites à toa
Espero que o navio sempre queira
Trazer de volta o sussurro 
Dos teus passos
Numa rua de Lisboa

O espaço e o tempo

Manuela de Freitas / Casimiro Ramos *fado alberto*
Repertório de Camané

O tempo com que conto e não dispenso

Não limita o espaço do que sou
Por isso aparente contra-senso
De tanto que te roubo e que te dou

No tempo que tenho te convenço
Que mesmo os teus limites ultrapasso
Sobras do tempo em que te pertenço
Mas cabes inteirinha no meu espaço

Não sei qual de nós dois veio atrasado
Ou qual dessas metades vou roubando
Entraste no meu tempo já fechado
Ganhando o espaço que me vai sobrando

Por isso não me firas com o teu grito
O espaço não dá tempo à solidão
Não queiras todo o tempo que eu habito
O espaço é infinito, o tempo não

Liberdades poéticas

Letra e música de Sérgio Godinho
Repertório de Mísia

Perdoai-me se este fado é feito com
Liberdades poéticas
Não é tanto pela rima ou pelo som
Nem p’las frases assimétricas
É apenas que o ciúme violento 
Que tanta vez o fado canta
Neste fado é só um lume bem mais lento
Bem mais brando
Aveludando a garganta

Eu não quis pôr neste fado um novo som
Nem liberdades poéticas
Dá-me a entrada, guitarrista, dá-me o tom
Teu estilo é minha estética
Não porei na minha voz nem um lamento
Se soubessem do meu fado
Meu amor deixou-me um dia
Pus a mão na Lage fria
Dei-o assim por enterrado

Mas não há fado que não seja feito com
Liberdades poéticas
Sem buscar na diferença o mesmo som
E o sentir numa outra métrica
E por isso ainda que triste esta alegria
Acompanha o meu trinado
Bate as horas ao meio dia
Faz-me boa companhia
P’rá noite cantar o fado

Perdoai-me se este fado é feito com
Liberdades poéticas
Não é tanto pela rima ou pelo som
Nem pelas frases assimétricas
Meu ouvido corre aberto pelas ruas
Que será do meu amado
Não me deixa esta amargura 
É mais leve que a loucura
E só por isso canto o fado

Alma sedenta

Mascarenhas Barreto / António dos Santos
Repertório de António dos Santos

Minha alma de amor sedenta
Barco sem rumo e sem Deus
Anda à mercê da tormenta
Desse mar dos olhos teus

Essa dádiva total 
Que me pedes hora a hora
É o que a minha alma te dá 
Quando d’amor por ti chora

Se eu um dia te perder 
Jurarei virado aos céus
E os perdões que Deus me der 
Meu amor são todos teus

É uma causa perdida 
O ser proibido amar
Quem perde um amor na vida 
Jamais devia cantar

Minha alma de amor sedenta

Mascarenhas Barreto / Alfredo Duarte *fado versículo*
Repertório de Beatriz da Conceição

Minha alma de amor sedenta / sequiosa
Barco sem rumo e sem Deus / fora do mundo
Anda à mercê da tormenta / tenebrosa
Desse mar dos olhos teus / negro e profundo

Essa dádiva total / e quase louca
Que me pedes hora a hora / a cada instante
É o que a minha alma te dá / sem nada em troca
Quando d'amor por ti chora / soluçante

Se eu um dia te perder / na minha vida
Jurarei virada aos céus / ao sol e à lua
E os perdões que Deus me der / arrependida
Meu amor são todos teus / como eu sou tua

É uma causa perdida / pois não deve
O ser proibido amar / e desejar
Quem perde um amor na vida / que é tão breve
Jamais devia cantar / e até sonhar

As mãos que trago

Cecília Meireles / Alain Oulman
Repertório de Amália Rodrigues


Foram montanhas, foram mares 
Foram os números, não sei
Por muitas coisas singulares 
Não te encontrei, não te encontrei

E te esperava, te chamava 
Entre os caminhos me perdi
Foi nuvem negra, maré brava 
E era por ti, era por ti

As mãos que trago
As mãos são estas
Elas sozinhas te dirão
Se vêm de mortes ou de festas
Meu coração, meu coração

Tal como sou, não te convido 
A ires para onde eu for
Tudo o que eu tenho é haver sofrido 
Pelo meu sonho alto e perdido;
E o encantamento arrependido
Do meu amor, do meu amor

Ainda que

Carlos Drummond de Andrade / Amélia Muge
Repertório de Mísia

Ainda que mal pergunte
Ainda que mal respondas
Ainda que mal te entenda
Ainda que mal repitas

Ainda que mal insista 
Ainda que mal desculpes
Ainda que mal me exprima 
Ainda que mal me julgues

Ainda que mal me mostre 
Ainda que mal me vejas
Ainda que mal te encare 
Ainda que mal te furtes

Ainda que mal te siga 
Ainda que mal te voltes
Ainda que mal te ame 
Ainda que mal o saibas

Ainda que mal te agarre 
Ainda que mal te mates
Ainda assim te pergunto
E me queimando em teu seio 
Me salvo e me dano, amor

Caracóis

Popular
Repertório de Amália


Ai janelas avarandadas
Ai janelas avarandadas
Mora aqui algum doutor
Mora aqui algum doutor
Ai eu venho me aconselhar
Ai eu venho me aconselhar
Ando mal com o meu amor
Ando mal com o meu amor

São caracóis, são caracolitos
São espanhóis, são espanholitos
São os espanholitos, são os espanhóis
São caracolitos, são os caracóis


Ai um dia fui a Espanha
Ai um dia fui a Espanha
Comi lá com os espanhóis
Comi lá com os espanhóis
Toucinho assado no espeto
Toucinho assado no espeto
No molho dos caracóis
No molho dos caracóis

Passo lento

Ana Carolina / Rodrigo Leão
Repertório de Pedro Moutinho

Cai lentamente a luz do dia
Pesa-me e penumbra
Cansa-me esta espera
Cresce cá dentro de mim
A inquietação por te ver

Um dia passou
Neste relógio de passo lento
Neste silêncio
Só conto ao tempo a tua ausência
Na minha vida parada, vazia
Só espero a hora de te ver

Numa parede desliza a sombra
Nasce um novo muro 
Longo e tão frio
Vai-se turvando a razão
Vai-se apagando o meu ser

Não me chamem pelo nome

António Botto / José Marques do Amaral 
Repertório de Mísia 

Quem é que abraça o meu corpo 
Na penumbra do teu leito 
Quem é que beija o meu rosto 
Quem é que morde o meu peito 

Quem é que fala na morte 
Docemente ao meu ouvido 
És tu senhor dos meus olhos 
E sempre no meu sentido 

A tudo quanto me pedes 
Porque obedeço, não sei 
Quiseste que eu cantasse 
Pus-me a cantar... e chorei 

Não me peças mais canções 
Porque a cantar vou sofrendo 
Sou como as velas do altar 
Que dão luz e vão morrendo 

Não me chamem pelo nome 
Que me deram ao nascer 
Sou como a folha caída 
Que não chegou a viver 

Meus olhos que por alguém 
Deram lágrimas sem fim 
Já não choram por ninguém 
Basta que chorem por mim 

O que é que a fonte murmura 
O que é que a fonte dirá 
Ai, amor, se houver ventura 
Não me digas onde está

Mais um dia

Jorge Rosa / Filipe Pinto *fado meia noite*
Repertório de Pedro Moutinho

Hoje o dia amanheceu
Tão triste, tão triste
Como sempre aconteceu
Desde o dia em que partiste

Chorou o céu, chorei eu 
Chorou tudo quanto existe
Hoje o dia anoiteceu 
Tão triste, tão triste

Mais um dia, um dia a mais 
Mais um dia sem calor
A juntar á minha dor 
A acrescentar aos meus ais

Mais uma jornada fria 
Longe dos meus ideais
Longe da minha alegria 
Mais um dia mais, um dia a mais

Quando Lisboa partir

Manuela de Freitas / Carlos da Maia
Repertório de Pedro Moutinho

Teu nome está tão ausente
De quem de ti se aproxima
Que por mais rimas que eu tente
Teu nome já não tem rima

Mas há em ti um segredo 
Lisboa, tenho a certeza
Que te faz perder o medo 
Guardando toda a tristeza

Um dia, de chorares tanto 
O Tejo vai transbordar
Escondida no seu manto 
Foges com ela p'ró mar

E sempre que a noite caia 
Vais ter de me ouvir cantar
Eu posso morrer na praia 
Mas obrigo-te a voltar

Quentes e boas

José Luís Gordo / Fontes Rocha
Repertório de António Melo Correia


Um carrinho já usado
Empurro numa ladeira
Chego ao cimo já cansado
Ganho o pão desta maneira

São Martinho é meu senhor
Traz-me sempre vinho novo
Com carinho e com suor
Vendo castanhas ao povo

Quentes e boas
São as castanhas que eu tenho p’ra vender
Quentes e boas
São as notícias da cidade para ler
Quentes e boas
São as bondades que eu trago p’ra oferecer
Quentes e boas
São as saudades que eu tenho de te ver


O fumo do fogareiro
Deixa um cheirinho no ar
Na manhã de nevoeiro
Na esquina de ver o mar

É assim a minha lida
Sempre, sempre não desgosto
Com o sal da minha vida
Tempero-as sempre ao teu gosto

Vou-te levando em segredo

Letra e música de Tiago Bettencourt
Repertório de Pedro Moutinho

Devagar, os teus olhos foram ficando
Abrindo e fechando em abraços
Aos poucos por dentro uma luz 
Clareando os teus passos
Agora já sabes o quanto te dobra
O lado errado do peito
Agora já sentes o
O quando me deixas desfeito

Sei que não dizes que trazes o medo
Mas posso guardar-te o segredo

Como dois barcos perdidos no tempo
Que juntam as velas e chamam o vento
Foste deixando as pontas dos dedos 
Largar-te do porto
Agora já sonhas em navegar
Mais perto do dia que vemos
Agora é difícil em desdobrar o que temos

Sei que não dizes que gostas do medo
Vou desvendar-te o segredo

Agora já sabes o quanto nos quebra
Nos corre, nos cerca e dispara de perto
Agora já sentes 
O quanto o errado está certo

Sabes do perigo?... pode ser cedo
Vou-te levando em segredo

Paradoxos do amor

Rogério Oliveira / Miguel Ramos *fado oliveira*
Repertório de Pedro Moutinho

Há no seu jeito inseguro
Um toque de charme puro
Que desnorteia e emudece
São coisas que não se entendem
Mas sei que muito me prendem
Dum modo que não se esquece

É como ter sempre um muro
Não ver além um futuro 
Sem que por ela não passe
Pousar a mala na estrada
E ver a vida adiada 
Como se alguém a levasse

As leis precisas do amor
E os predicados da dor 
Andam sempre lado a lado
Amar é ter por condão
Estar preso e dessa prisão 
Não querer ser libertado

Traz outro amigo também

Letra e música de José Afonso
Repertório do autor


Amigo, maior que o pensamento
Por essa estrada, amigo vem
Por essa estrada, amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

Em terras, em todas as fronteiras
Seja bem vindo, quem vier por bem
Bem vindo seja, quem vier por bem
Se alguém houver, que não queira
Trá-lo contigo, também

Aqueles, aqueles que ficaram
Em toda a parte, todo o mundo tem
Em toda a parte, todo o mundo tem
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo, também

Teoria do fado

Manuel Alegre / Alfredo Marceneiro *fado cuf*
Repertório de João Braga

A palavra e a música andam juntas
Por vezes são um ritmo sufocado
Uma à outra se fazem mil perguntas
E quando se respondem nasce o fado

A música, a palavra, o teorema
A teoria que busca o som e a forma
Alquimia do som e do poema
Que pouco a pouco em fado se transforma

É um íntimo tremor obscuro impulso
Que devagar aperta na garganta
Pulsa no coração bate no pulso
E é por isso que dói quando se canta

Menino fado

José Fernandes Castro / Adriano Batista *fado macau*
Repertório de José Fernandes
Também gravado por Soraia Maria na música do
Fado Rosita de Joaquim Campos 

No ventre da noite calma
Lindo filho foi gerado
E a inspiração da alma
Chamou-lhe menino fado

Chamou-lhe menino fado 
P’ra lhe não chamar destino
Hoje adulto e tão amado 
Deixou já de ser menino

Deixou já de ser menino 
O tempo lhe deu idade
Por sentimento divino 
Casou com dona saudade

Casou com dona saudade 
Num casamento feliz
Tem por filha, a felicidade 
Por filho, tem um país

O segredo que te disse

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de Maria Valejo


O segredo que eu te disse
Já anda de mão em mão
Não há ninguém que não saiba
Que te dei meu coração

Todos falam já de nós 
E desse amor que te dei
Não devias ter falado
Porque amor, eu não falei
Dizem já isto e aquilo
Falam de mim e de ti
Só por não guardares segredo 
Desde o dia em que te vi

Meu amor, a minha vida
É tua, e tu sabes bem
Mas agora além de nós
O mundo sabe-o também

Maria Faia

Popular
Repertório de Zeca Afonso


Eu não sei como te chamas... 
Ó Maria Faia
Nem que nome te hei-de pôr
Ó Maria Faia... ó
 Faia Maria
Cravo não, que tu és rosa...
Ó Maria Faia
Rosa não que tu és flor
Ó Maria Faia... Ó Faia Maria

Não te quero chamar cravo...
Ó Maria Faia
Que te vou engrandecer
Ó Maria Faia... ó Faia Maria
Chamo-te antes espelho... 
Ó Maria Faia
Aonde espero de me ver
Ó Maria Faia... ó Faia Maria

Dizem que a saudade espera... 
Ó Maria Faia
Ausência para chegar
Ó Maria Faia... ó Faia Maria
Eu tenho saudades tuas.... 
Ó Maria Faia
Inda antes de te deixar
Ó Maria Faia... ó Faia Maria

O meu amor abalou... 
Ó Maria Faia
Deu-me uma linda despedida
Oh Maria Faia... ó Faia Maria
Abarcou-me a mão direita... 
Ó Maria Faia
Adeus oh prenda querida
Oh Maria Faia... ó Faia Maria

Mulher deixada

Letra e música de Ricardo Galeno
Repertório de Tristão da Silva

Estava tão bonita
A mulher, que outrora

Eu mandei embora
No acaso do encontro
Nos cumprimentámos

E até nos beijámos

Como vai você?

Eu vou bem, obrigado!
E você como anda?

Como tem passado?
Um ou dois minutos 
De saudade a dois
E adeus até mais ver
Logo depois

Porque é que a mulher 
Que a gente deixa
Fica sempre mais bonita
E valendo uma paixão
Porque é 
Que a gente morre de despeito
Quando vê que não tem jeito
Sequer, de aproximação
Confesso que ela estava tão bonita
Tão bonita para outro
O que afinal doeu em mim
Se eu fosse Deus
Mulher deixada, eu enfaiava
E não mais me impressionava
P’ra não ter um fado assim

Vampiros

Letra e música de José Afonso
Repertório do autor


No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas p’la noite calada
Vêm em bandos, com pés de veludo
Chupar o sangue fresco da manada

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas á chegada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

A toda a parte chegam os vampiros
Poisam nos prédios, poisam nas calçadas
Trazem no ventre despojos antigos
E nada os prende ás vidas acabadas

São os senhores do universo todo
Senhores á força, mandadores sem lei
Enchem as tulhas, bebem vinho novo
Dançam a ronda no pinhal do rei

Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada


No chão do medo, tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos na noite abafada
Jazem nos fossos vitimas dum credo
E não se esgota o sangue da manada

Vira de Coimbra

Popular
Repertório de Zeca Afonso

Existem versões diferentes do mesmo tema.


Dizem que amor estudante
Não dura mais que uma hora
Só o meu é tão velhinho

'inda se não foi embora

Coimbra p’ra ser Coimbra
Três coisas há-de contar

Guitarras tricanas lindas
E um estudante a cantar

Oh Portugal trovador
Oh Portugal das cantigas
A dançar tu dás a roda
A roda co'as raparigas


Vou encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei
Mondego qu'é da tu'água
Qu'é dos prantos que eu chorei

Lisboa meu amor

Letra e música de Manuel Alcobia
Repertório de Rodrigo

Ausentei-me de Lisboa, e na distância
Que marcou esta lonjura desmedida
Meditei nesse jardim da minha infância
Recordando tanta coisa já esquecida

Ausentei-me de Lisboa há muito tempo
Mas o tempo que passou nada apagou
Até mesmo estes poemas que eu invento
São pedaços de mim mesmo, que lhe dou

Ó meu amor...
Eu já trazia a tua imagem
Ns meus olhos ao abri-los
E a melodia dos teus fados 
Embalava-me ao abri-los
Ó meu amor...
Quando nasci logo senti, 
Que tu em mim e eu em ti
Era o calor dum grande amor
O mesmo ardor

Era a noite uma criança, velho tempo
Quando a noite de Lisboa não dormia
Madrugada sorrateira em movimento
Convidava-me a acolher o novo dia 

Vinha o sol p'los telhados, docemente
A beijar cada colina da cidade
Creiam bem, brilhou, nasceu p'ra toda a gente
Meu amor, dentro de mim nascer esta saudade

Fado da minha rua

José Fernandes Castro / Popular *fado moleirinha*
Repertório do autor


A minha rua nada tem de especial

É tão modesta que não passa lá ninguém
Na minha rua, há sempre o canto dum pardal
Anunciando o melhor que a rua tem

A minha rua tem mil cravos sonhadores
Que simbolizam o prazer da liberdade
Tem um jardim, aonde nascem lindas flores
E tem um sonho que não morre na idade

Cada criança, tem a marca do futuro
E já não há mais solidão, nem há mais dor
A esperança tem a cor do sol mais puro
E o luar, tem a magia do amor

A minha rua é igual á primavera
Tem andorinhas e tem brisas matinais
Na minha rua, tenho sempre á minha espera
Um grande amor, que não termina nunca mais

Basta coração

Moita Girão / Alberto Correia *fado solene
Repertório de Fernando Maurício


Uma promessa, um sorriso
Um leve aperto de mão

E nada mais é preciso
Pra prender um coração


Uma esperança que se afaga 
Nunca morre num repente
O lume quando se apaga 
Deixa sempre cinza quente

Não há nada que mais doa 
Nem que mais faça sofrer
Do que amar uma pessoa 
Que nem sequer nos quer ver

A saudade mais sentida 
Mais profunda, creio eu
É sentir dentro da vida 
O amor que já morreu

O senhor extraterrestre

Letra e música de Carlos Paião
Repertório de Amália

Vou contar-vos uma história 
Que não me sai da memória
Foi pra mim uma vitória 
Nesta era espacial
Noutro dia estremeci 
Quando abri a porta e vi
Um grandessíssimo OVNI 
Pousado no meu quintal

Fui logo bater à porta
Veio uma figura torta
Eu disse: "se não se importa” 
Poderia ir-se embora
Tenho esta roupa a secar 
E ainda se vai sujar
Se essa coisa aí ficar 
A deitar fumo pra fora

E o senhor extraterrestre
Viu-se um pouco atrapalhado

Quis falar mas disse "pi*
Estava mal sintonizado;

Mexeu lá no botãozinho
E pôde contar-me, então

Que tinha sido multado
Por o terem apanhado

Sem carta de condução

O senhor desculpe lá
Não quero passar por má
Pois você aonde está 
Não me adianta nem me atrasa
O pior é a vizinha 
Que parece que adivinha
Quando vir que eu estou sózinha 
Com um estranho em minha casa

Mas já que está aí de pé 
Venha tomar um café
Faz-me pena, pois você 
Nem tem cara de ser mau
E eu queria saber também 
Se na terra donde vem
Não conhece lá ninguém 
Que me arranje bacalhau

E o senhor extraterrestre
Viu-se um pouco atrapalhado

Quis falar mas disse *pi*
Estava mal sintonizado;

Mexeu lá no botãozinho
Disse para me pôr a pau

Pois na terra donde vinha
Nem há cheiro de sardinha

Quanto mais de bacalhau

Conte agora novidades:
É casado? tem saudades?
Já tem filhos? de que idades? 
Só um? a quem é que sai?
Tem retratos, com certeza
Mostre lá, ai que riqueza!
Não é mesmo uma beleza? 
Tão gordinho, sai ao pai

Já está de chaves na mão? 
Vai voltar pró avião?
Espere, que já ali estão 
Umas sandes prá viagem
E vista também aquela 
Camisinha de flanela
P’ra quando abrir a janela 
Não se constipar co'a aragem

E o senhor extraterrestre
Viu-se um pouco atrapalhado

Quis falar mas disse *pi*
Estava mal sintonizado

Mexeu lá no botãozinho
E pôde-me então dizer

Que quer que eu vá visitá-lo
Que acha graça quando eu falo

Ou ao menos, p’ra escrever

E o senhor extraterrestre
Viu-se um pouco atrapalhado

Quis falar mas disse *pi*
Estava mal sintonizado

Mexeu lá no botãozinho
Só pra dizer: "Deus lhe pague"

Eu dei-lhe um copo de vinho
E lá foi no seu caminho

Que era um pouco em ziguezague

Fado das sardinheiras

Linhares Barbosa / Fernando Freitas
Repertório de Amália

Um dia ele seguiu-me

Na rua onde eu morava
Cumprimentou-me e fugiu-me
E ao outro dia lá estava

Atirei-lhe da trapeira 
Da minha água furtada
Uma rubra sardinheira 
Que se tornou mais corada

Depois, nunca mais o vi 
Nem do seu olhar a chama
Passou tempo e descobri 
Que ele morava na Alfama

Uma noite, sem pensar 
Pus o meu xaile, o meu lenço
E fui atrás desse olhar 
Que deixara o meu suspenso

Hoje moro onde ele mora 
Hoje durmo onde ele dorme
E há sol por dentro e por fora 
Da minha alegria enorme

O último faia

António Tavares Teles / Alfredo Marceneiro *fado versículo*
Repertório de João Braga
Esta letra foi extraída do blogue Lisboa no Guiness


Da casa da Mariquinhas ao café
Ao Café das Camareiras, provocante
De viela em viela, mestre Alfredo
Vai em busca da Menina do Mirante

Encostado ao balcão de uma taberna
Numa pausa do caminho ele encontrou
O pintor, velho pintor que um dia terna
Ternamente, o seu fado desenhou

Sem arvorar um ar gingão ou fadistão
Mas como um real fadista que se assume
Para o velho pintor cantou então
Até quase de manhã, sem um queixume

Foi num cabaré de feira, ruidoso
Na viela um novo dia despontava
E ao escutá-lo o velho pintor pintava
Uma tela apenas digna do Malhoa

Amor é água que corre, tudo passa
E a Menina do Mirante enfim passou
Pois por vezes a taberna tem mais graça
Tem mais vida, mesmo quando tem mais dor

À mercê do vento brando bailam rosas
Em quimérico vergel, descolorido
É mais um dia que morre, mas que importa?
Batem as oito na Sé, de um fado antigo

Fado do Ribatejo

Alberto Barbosa, J. Galhardo A.do Vale e V. Santana / Raúl Ferrão
Versão do repertório de Madalena Iglésias
Criação de Mirita Casimiro na opereta *Ribatejo*
Teatro Variedades 1939

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção


Já não percorro contente 
Os campos da minha terra 
Já nem me aquece a luz quente 
Das tardes de sol da terra 

Fugiu-me o sol da ventura 
Do céu da minha ilusão 
E a voz de Deus, noite escura
Caiu no meu coração 

Oh Ribatejo, pai do meu Tejo 
Já te não vejo sempre a cantar 
Teus horizontes, rios e fontes 
Prados e montes, sinto a chorar 
Toda a beleza da natureza 
Acho tristeza desolação 
Como acho negro o destino 
Porque o campino está na prisão 

Vivendo a rir mal sabia 
Que o riso é primo da mágoa 
E tem a santa alegria 
Das gentes da borda d'água 

O amor de mãe que dá tudo 
E só nos ensina o prazer 
Foi já na escola da vida 
Que eu aprendi a sofrer
- - -
Mirita Casimiro era filha e neta de cavaleiros tauromáquicos.
O avô foi Manuel Casimiro e o pai, o não menos famoso José Casimiro.
Deve ter-se sentido particularmente à-vontade numa opereta
com o título *Ribatejo* na qual criou este fado.
Os versos «Porque o campino / Está na prisão» poderão parecer algo
enigmáticos, mas refletem apenas uma situação do enredo da opereta.

Águas paradas

José Luís Gordo / Jorge Fernando
Repertório de Maria da Fé


Quem me castiga amor e quem me leva
Ao céu desta vida que me déste
Será que o espaço é o tempo que se nega
E o negro é cor da esperança que se veste;
Quem me castiga amor e quem me leva

Ai quem me bate à porta e triste chega
Com olhos de chorar águas paradas
Quem me desfaz a cama e não se entrega
E dorme sem amor nas madrugadas;
Ai quem me bate à porta e triste chega

Quem me perturba o sono e assim me deixa
A pele da sua pele na minha pele
Que voz acorda a noite e a mim se queixa
Com silêncios de perfume e quase mel;
Quem me perturba o sono, e assim me deixa

Esta voz

Hélder Moutinho / Ricardo Pereira
Repertório de Hélder Moutinho

Esta voz com que te chamo, não é minha
É do vento que se estende 
Nas praias da solidão
É um grito de paixão que se avizinha;
Esta voz com que te chamo, não é minha
Mas é minha a condição

Esta voz com que te chamo na ternura
Dos teus olhos, verdes campos
Mar sereno cor do mar
É um grito de paixão, quase loucura;
Esta voz com que te chamo, é quase pura
Quando chama o teu olhar

Nossos fados são assim quase dispersos
Envolvidos num segredo 
Que não queremos revelar
Num poema onde os versos são diversos;
Nossos fados são dispersos
Mas não sabemos sonhar

Esta voz com que te chamo, é quase louca
Água pura, doce mel
Mas não sabemos sonhar

Cinzas de Novembro

Joaquim Ramalho / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Chico Madureira

Resguardo os sonhos do peito
Deixo o coração bater
Sem tumulto, docemente
Amarro o leme da vida
Navego sem querer saber
E lembro o teu corpo ausente

Cinza de céu de Novembro
Enfeitem de névoa e luz 
A cama, como um navio
No abandono do cais
As promessas da manhã 
São horizonte vazio

Rasga-se a voz da memória
Que resta, contando a história 
De tudo o que já passou
As tempestades levaram
Qualquer troféu de vitórias 
Que a nossa vida deixou

Se nunca mais te encontrar
E o tempo passar por nós 
Escrito em traços repetidos
Prometo guardar nos braços
O calor dos teus abraços 
Como o sol dos meus sentidos

Fado Marina

José Fernandes Castro / Raúl Pinto
Repertório de Ana Marina


Meu fado, poeta nobre
Alma que em mim se descobre
Rasgando a noite onde estou;
Inventei, para te dar
Nuvens de cor singular
Ao compasso do que sou

Movida pelo amor
Ardente e abrasador 
Recebido em mãos de prata
Imagino que terei
Noites de paixão sem lei 
Aonde a voz se retrata

Muitos dos sonhos que quero
Ainda bailam perdidos 
Recusando amanhecer
Invernos de desespero
Não me roubam aos sentidos 
A vontade de vencer

Depois do teu adeus

Maria de Lourdes Carvalho / Alfredo Duarte *fado bailado*
Repertório de José Manuel Barreto


Queimo minh’alma em ciúme
Por não ouvir tua voz
Já nem conheço teus passos
E a saudade é dor atroz
Que me aperta nos teus braços

Choro lágrimas sem fim 
Porque deixei de te ver
Meus olhos não têm norte
Errante, sigo sem querer 
Perco vida, ganho morte

Neste adeus desesperado 
É bem loucura o desejo
É imprudente, bem sei
Dar-te ainda mais um beijo 
E confessar que te amei

A todos o que é de todos

Fernando Farinha / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Fernando Farinha 


Sempre que me vou deitar
Antes do sono me dar
Trago o mundo à minha mente
E sem sabê-lo entender
Sofro por ele não ser
Igual para toda a gente

E perante tal visão 
Que me aperta o coração
Choro quem, por mal estranho
Cumpre uma sina daninha 
Sem ter cama como a minha
E uma casa como eu tenho

Sempre que à mesa me sento 
Na hora em que me alimento
Logo a ideia me salta
Que embora simples manjar 
Estou eu a saborear
Aquilo que a muitos falta

Neste mundo sem sentir 
Não deviam existir
Situações tão desiguais
Nem grandes nem tão pequenos 
Nem tantos terem de menos
Nem outros terem demais

Onde está o nosso Deus 
Que é p’lo bem dos filhos seus
Que não quer fome nem guerra
Porque andará Deus assim 
o esquecido, sem pôr fim
Às desgraças que há na terra

Ó Deus se és tão milagroso 
Põe no mundo ambicioso
A tua divina mão
Traz à terra o doce bem 
De não faltar a ninguém
Casa, paz, amor e pão

Fado Ribatejo

Letra e música de Pedro Barroso
Repertório de João Chora


Nesta terra há um rio antigo de saudade
Que nos dá vida e sonho e encantamento
E a paz que o campo tem e a verdade
De quem vive outro sítio, outro momento

Ter o Tejo aqui assim ao pé da porta
É um berço de força e de saber
Traz-se ao peito o gosto da paixão
Enquanto o sol nos fala ao entardecer

Viver assim é outro modo, outra maneira
Outra vida, outro sonho a comandar
Passa o tempo escorregando à minha beira
Cantam-se fados á noite p'ra lembrar

E o sol, e a gente, e o campo e
 a cidade
E a cheia, esse chão d'água a cobrir tudo
E a alma imensa dum povo sem idade
Não mudes tu meu povo, que eu não mudo

Nesta pátria Ribatejo se ama e canta
Se dança, se trabalha, e se resiste
E onde o peito alcance haverá chama
Ninguém é mais alegre nem mais triste

E doce, e forte, e sereno, ao mesmo tempo
Como os cavalos ao longe, ao pôr-do-sol
Existe aqui um templo que é eterno
Na lenda e no feitiço do Almourol

Ó careca

Joaquim Nascimento / Guilherme Pereira da Rosa / Raúl Camara
Repertório de Amália

Eu faço um vistão co'a careca ao léu
Acho um piadão andar sem chapéu
Mas se a moda pega tenho que aturar
Esta cega-regra que é de arreliar

Ó careca, ó
 careca, tira a boina
Que é moda andar em cabelo
Com a breca, t
ira a tampa da careca
Que a careca não tem pelo

Eu visto a preceito ando assim liró
Corpinho bem feito no meu paletó
Com esta farpela que é protocolar
De cabeça à vela só oiço gritar

Primeira dança

Aldina Duarte / José Duarte *fado seixal*
Repertório de Pedro Moutinho

Eu perdia a noite inteira
Sempre à espera que chegasses
Só, sentado na cadeira
Na esperança que dançasses
Rezava á minha maneira

Entretanto aparecias 
Entre todos, à vontade
Aos meus olhos desmentias 
Essa falsa liberdade
Que de mim nunca escondias

Alguém surgiu a correr 
E te levava sem medo
Eu não te queria perder 
Nem por sombras, nem enredos
Que eu pudesse desfazer

Atraindo o teu olhar 
Na leveza do meu passo
Convidei-te p’ra dançar 
Na certeza dum abraço
Que nos fez acreditar

Canto jovem

Letra e música de José Afonso 
Repertório do autor

Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nos vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flor no ramo

Caminhamos de vaga em vaga 
Não sabemos de dor nem mágoa
Pelas praias do mar nos vamos
À procura da manhã clara

Lá no cimo duma montanha 
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama 
Que dá vida na noite inteira

Mensageira pomba chamada 
Companheira da madrugada
Quando a noite vier, que venha
Lá do cimo duma montanha

Onde o vento cortou amarras 
Largaremos p’la noite fora
Onde há sempre uma boa estrela 
Noite e dia ao romper da aurora

Vira a proa minha galera 
Que a vitória já não espera
Fresca brisa moira encantada
Vira a proa da minha barca

Amigo tal como Deus

Vicente da Câmara / Pedro Rodrigues
Repertório de Vicente da Câmara


Amigo, tal como Deus
Com letra grande escrevemos
E são dádivas dos céus
Esses amigos que temos

Um amigo é coisa séria 
Se os não tem, triste fadário
Leva vida de miséria 
Mesmo sendo milionário

Muitos amigos, vaidade 
Hoje, só um verdadeiro
Amigos em quantidade 
Tem tudo a ver com dinheiro

Sendo muito convencidos 
É gente que me dá pena
São apenas conhecidos 
Escrevo com letra pequena

Aquela triste e leda madrugada

Luíz Vaz Camões / Carlos Mendes
Repertório de Camané

Aquela triste e leda madrugada

Cheia toda de dor e piedade
Enquanto houver no mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada

Ela só quando alegre e marchetada
Saía dando à terra claridade
Viu apartar-se de uma, outra vontade
Que nunca poderá ver-se apartada

Ela só viu as lágrimas em fio

Que de um e de outros olhos derivadas
Juntando-se formaram largo rio

Ela ouviu as palavras magoadas

Que puderam tornar o fogo frio
E dar descanso às almas condenadas

Preciso de espaço

Vasco de Lima Couto / Maria Olimpia Cosme
Repertório de Lenita Gentil

Preciso de espaço
Para ser feliz
Preciso de espaço
Para ser raiz

Ter a rede pronta
Para o mar de sempre
Ter aves e sonho
Quando a terra escuta
E falar de amor
Aos tambores da luta

Ter palavras certas no sol do caminho
E beber a rir o doirado vinho
Misturar a vida, misturar o vento
E nas madrugadas
Quando o povo abraço
Para estar contigo preciso de espaço

Saudades de Artur Lobato

Artur Lobato / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Vicente da Câmara

O mundo ao julgar não pensa
Julga, supõe e condena
Suposição é sentença
Resta só cumprir a pena

Por mais que tentes fugir
À verdade do que sentes
Mais te persegue o sentir 
Dessa verdade que mentes

Embora me julguem só 
Ando sempre acompanhado
Porque a saudade, por dó 
Anda comigo a seu lado

Nem sempre a saudade é triste 
Por vezes ri, a saudade
A tristeza só existe 
Na saudade da saudade

Ver-te e não ter conseguido 
Falar contigo à vontade
Foi chegar sem ter partido
Ficando preso à saudade

Lençóis de lua

Mário Raínho /José Fontes Rocha
Repertório de Maria Armanda
 
Amar-te não pode ser somente
Um gesto vago
Tão pouco beber-te, demente
Apenas dum trago
Amar-te é ter a alma a voz
Só por este prazer
De junto de ti saber ser mulher

 
Com lençóis de lua
Abro a minha cama
E entrego-me nua
Só como quem ama
Com lençóis de lua
Ora madrugada
Abraço o teu corpo
Não preciso de mais nada


Amar-te é este desejo 
Aceso na alma
A fome maior dum teu beijo
Que nunca se acalma
Amar-te é ter, em cada manhã
Teus olhos nos meus
Dizer-te até logo e nunca um adeus

Ai minha doce loucura

Amália Rodrigues / Carlos Gonçalves
Repertório de Amália

Ai minha doce loucura 
Ai minha loucura doce
Meu amor, se assim não fosse 
Seria a noite mais pura
Meu amor, se assim não fosse

Se eu dantes tinha fome 
Meu amor anda faminto
Com os beijos que te dei 
Que sinto, eu já não sei
Eu já nem sei o que sinto

Seria a noite mais noite 
Meu amor, se assim não fosse
Seria a noite mais escura 
Ai minha doce loucura
Ai minha loucura doce

Ai minha loucura doce 
Ai minha doce loucura
Ai minha loucura louca 
Eu hei de achar tua boca
Mesmo na noite mais escura

Se minha alma não ousa 
Meu coração que se afoite
Eu hei-de achar tua boca 
Ai minha loucura louca
Mesmo na noite mais noite

Meu amor, se assim não fosse 
Seria a noite mais escura
Ai minha loucura doce 
Ai minha loucura louca
Ai minha doce loucura

Lenda das algas

Laierth Neves / Jaime Mendes
Repertório de Celeste Rodrigues 

O mar espreguiçando-se na areia
Trouxe no seu espreguiçar
Algas envoltas em espuma
E quando à noite veio a maré cheia
Voltaram todas ao mar

Mas na praia ficou uma

Conta a lenda, que essa alga pequenina
Que o destino ali deixou

Tomou forma e tomou vida
E um pescador que cedo ali passou
Encontrou uma menina

Sobre a areia, adormecida

E quem passar pela cabana do pescador
Há-de sentir um não sei quê de nostalgia
E aos seus ouvidos há-de chegar o rumor
Que tem do mar a estranha melancolia

E nessas notas doloridas e plangentes
Talvez não saibam quem é que está a escutar
Talvez um búzio a soluçar notas dolentes
Ou talvez seja eu sózinha a soluçar


O mar acompanhou-me desde então
Em noites de lua cheia

Quando é mais belo o luar
Uma saudade assalta o meu coração
E vou sentar-me na areia

A conversar com o mar

Em noites tempestuosas é medonho
O rugir forte das vagas

Que à praia vêm findar
A sua voz parece até cheia de pragas

Mas o mar volta ao seu sonho
Se eu venho à praia cantar