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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os criadores dos temas aqui apresentados.
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Tenho vindo a publicar letras (de autores que já partiram) sem indicação de intérpretes ou compositores na esperança de obter informações detalhadas sobre os temas.
<> 7.765 LETRAS <> 3.982.000 VISITAS <> 30 DE JUNHO DE 2025
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Portugal rei do fado

José Fernandes Castro / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Eduardo Alípio

Sou filho dum País que é rei do fado
Sou fruto dum amor celestial
E na satisfação de ser amado
Grito bem alto o nome, Portugal

Nas raras situações de desconforto
Respeitamos a fé e a sensatez
Levando a nossa nau, sempre a bom porto
Inventamos também, novas marés

Na calma desta terra tão amada
Impera o doce culto do amor
O clarão alvor da madrugada
Simboliza a nossa noite d´esplendor

A alma cristalina da paixão
É a mesa do pão da honradez
Eu canto com a voz do coração
Sou gente, sou feliz, sou português

Fiz para ti este fado

*palminho de cara linda*
João Mário Veiga / Joaquim Campos *fado amora
Repertório de Joana Amendoeira

Palminho de cara linda
Carinha de lindo jeito
Que linda medalha davas
P’ra gente trazer ao peito


Nos teus olhos, meu amor
Vive o meu amor, ainda
Neles descobri a cor 
Palminho de cara linda

Fiz para ti este fado 
Por não te encontrar defeito
Quero-te sempre a meu lado 
Carinha de lindo jeito

Naquela noite, sem querer 
Nos versos que tu cantavas
Descobri logo ao te ver 
Que linda medalha davas

Hei-de guardar toda a vida 
E sempre do mesmo jeito
Essa medalha tão linda 
P’ra gente trazer ao peito

Senhora do Monte

Gabriel de Oliveira / Alfredo Duarte Marceneiro
Repertório de Alfredo Marceneiro

Naquela casa de esquina
Mora a Senhora do Monte
E a providência divina
Mora ali, quase defronte

Por fazer bem à desgraça 
Deu-lhe a desgraça também
Aquela divina graça 
Que Nossa Senhora tem

Senhora tão benfazeja 
Que a própria Virgem Maria
Não sei se está na igreja 
Se naquela moradia

Co'a mágoa que desconsola 
A pobreza se conforta
Na certeza duma esmola 
Quando bate àquela porta

E o luar da lua cheia 
Ao bater-lhe na janela
Reforça a luz da candeia 
No alpendre da capela

Vai lá muita pecadora 
Que de arrependida, chora
Mas não é Nossa Senhora 
Que naquela casa mora

O manjerico

Linhares Barbosa / Adriano Batista *fado macau* 
Repertório de Lucília do Carmo 

O meu bem anda zangado
Já não vai ao bailarico
Mandei-lhe um beijo embrulhado
Na folha dum manjerico


Ou por troça ou por pirraça 
O que já acho engraçado
Sempre que há festa na praça 
O meu bem anda zangado

Vou para as marchas da rua 
Em casa também não fico
Sei que quando ele se amua 
Já não vai ao bailarico

Já tenho um cravo, um balão 
Um grande cravo encarnado
Ou pelo sim, pelo não 
Mandei-lhe um beijo embrulhado

Podendo a noite chuvosa 
Manchá-lo com algum salpico
Embrulhei-o, carinhosa 
Na folha dum manjerico

Só amor

José Fernandes Castro / Miguel Ramos *fado margaridas*
Repertório de Nelson Duarte

Inventarei palavras de magia
Para marcar o som da minha voz
E cantarei mil versos de alegria
Ilustrando o amor que vive em nós

Colocarei mais sol no teu olhar
Colocarei luar, no teu sorriso
No amor que contigo vou trocar
Te mostrarei a cor do paraíso

Mais tarde te darei uma flor
Cheirando a madrugada de paixão
E gritarei palavras de louvor
Ditadas pela voz do coração

Então, um novo mundo surgirá
Acolhendo a paixão que nos domina
E o nosso futuro brilhará
No brilho do amor que nos fascina

Lisboa da minha saudade

Eduardo Olímpio / Arlindo de Carvalho
Repertório de Nuno da Câmara Pereira

Sonhando andei por Lisboa 
Lembrando tempo passado
O dorso duma canoa
A doce mágoa do fado

E a Rosa da Madragoa
Que não me quis namorado
Alguém da noite cantando
E a lua espreitando num velho telhado

Um cheiro a jornais
O peixe no cais
Um céu sem idade
É esta a Lisboa da minha saudade
Pregões matinais 
Que acordam pardais
Num hino à cidade
É esta a Lisboa da minha saudade

Lisboa das caravelas
Com brancas velas em oração
Cidade noiva do fado
Que eu amo e trago no meu coração

Lisboa de quando havia
Gaivotas em consoada
Num Tejo azul que parecia
Feito de prata lavada

Lembrança de quem partia
Nos olhos da madrugada
E a proa duma traineira 
Bailando ligeira em cada largada

Os meus olhos cor de sonho

Ana Vidal / João Mário Veiga
Repertório de Joana Amendoeira

Nos meus olhos de criança
Nestes olhos cor de sonho
Trago promessas de esperança
E trago um mundo risonho

Trago nos olhos a vida 
Sem saber o que vai dar
A minha vida vivida 
Em cores de céu e de mar

Vivida em nuvens de fumo 
À margem da realidade
Numa corrida sem rumo 
Em busca de novidade

Olhos verdes que não sabem 
Quanto têm de profundo
Olhos meus aonde cabem 
Todos os sonhos do mundo

Minha cidade

José Fernandes Castro / Lino Bernardo Teixeira *fado ginguinhas*
Repertório de José Fernandes

Nasci no Porto, sou tripeiro, e com vaidade
Fiz este fado, ao meu cantinho tão feliz
Cantinho humilde, mas tão cheio de verdade
Cidade minha que deu nome ao meu País

Da imponência majestosa do teu Douro
À tradição do bairro mais popular
És tu a jóia mais bonita do tesouro
Deste País, que tem raiz, p´ra lá do mar

Tua Ribeira, Miragaia e Banharia
A tua Sé, o Pelourinho e teu S.Bento
São a memória desta história que nos guia
E que nos diz que és um mundo em movimento

Não tens riqueza, mas tens fado e lealdade
E tens uns filhos que te querem muito bem
Tens a nobreza da mais bonita cidade
Tu és meu Porto, a minha cidade mãe

Romance das horas paradas

Fernando Peres / João Maria dos Anjos
Repertório de Carlos do Carmo

Romance de horas paradas
Teus olhos são madrugadas
De ilusão desvanecida;
Perdi-me no teu passado
Onde há versos doutro fado
Que faz falta á minha vida

Corpo e alma d’agonia
Tem esta saudade fria 
Que faz a minha loucura
No desejo de te querer
No medo de te perder 
Há pedaços de ternura

Esperança d’amor num sorriso
E nada mais é preciso
Para voltar a viver
É corpo a sofrer desejo
É boca a pedir um beijo 
A vontade de te querer

Uma rua para dois

José Fernandes Castro / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de João Manuel

Na rua aonde tu moras
Meu pensamento flutua
E eu vou gastando as horas
Ao passar na tua rua

Passo tempos infinitos 
Defronte do teu jardim
P’ra ver teus olhos bonitos 
Que às vezes, olham p’ra mim

Qualquer dia te darei
A mais perfumada flor
E com ela te farei 
Uma promessa d'amor

E depois, de mão na mão 
Agarradinhos e sós
Inventarei, porque não? 
Uma rua para nós

O fado é apenas isto

Júlio Vieitas / Francisco José Marques *fado zé negro*
Repertório de Júlio Vieitas

O fado é um estado d’alma
Misto de dor e tristeza
Onde a saudade se agarra;

Enquanto a dor não acalma
A alma fica suspensa
Nas cordas duma guitarra

Vejam bem porque razão
Um fadista por excelência 
Não canta bem quando quer
Canta sim, se o coração
Vibra e sente a influência 
Dos olhos de uma mulher

São nesses belos momentos
Em que as almas torturadas 
Se encontram na mesma luta
Expandindo sentimentos
Como setas apontadas 
Ao coração de quem escuta

De afirmar, nunca desisto
O fado é puro lamento 
Num coração magoado
O fado é apenas isto
Onde não há sofrimento 
Jamais pode existir fado

Preciso de ti, amor

José Fernandes Castro / Nel Garcia
Repertório de João Manuel

Tu és 
Imagem mais que perfeita
És fada por mim eleita
No meu sonho idealizado
Tu és 
O doce olhar que m’espreita
Quando minh’alma se deita 
E eu continuo acordado

Dá-me o teu ser
Que eu dou-te a minha coragem
Partimos numa viagem 
Com destino ao paraíso
Dá-me o teu peito
Deixa-me sonhar contigo
Eu quero um sonhar amigo
Pois é d’amor que eu preciso

Tu és 
O meu andar moribundo
És o ruir do meu mundo
És dia novo a nascer
Tu tens
Nesse teu olhar profundo
O avançar do segundo
Quando anseio por te ver

Fado do cartaz

Manuel de Andrade / Alfredo Duarte *marceneiro*
Repertório de Joana Amendoeira

Numa tasca bem castiça
De paredes de caliça
Um cartaz se destacava
Foi uma grande toirada
Disse da mesa avinhada
Um campino que ali estava

De manhã o sol nascia
E já ao longe se ouvia
Os foguetes a estalar
Veio a tarde sorridente
Foi aos toiros toda a gente
Estava a praça a abarrotar

O Simão, alegre e vivo
Cravou seis ferros ao estribo
Num toiro dos de Bandeira
Mascarenhas, meia praça
Pega com a fina graça
Desse Marquês de Fronteira

Depois, o mestre João
Arrancou grande ovação
Com o seu novo tourear
E num toiro de Salgueiro
Foi Ricardo, o sernelheiro
Jorge Duque a rabejar

Quando o campino acabou
Toda a gente reparou
Que estava quase a chorar
Ficou na tasca castiça
Destacado entre a caliça
Um cartaz p’ra recordar

Descia pela rua a cantar

Letra e música de Mário Moniz Pereira
Repertório de Nuno da Câmara Pereira

Descia pela rua a cantar... descia
Falava com todos na rua... falava
Corria por toda a Lisboa... corria
Não dava pelo tempo a passar... não dava

Sentia que estava a viver... sentia
Cantava só fado corrido... cantava
Não queria ninguém a chorar... não queria
Andava feliz todo o dia... andava

A vida passa e faz viver uma mulher
A vida passa e faz sofrer uma qualquer
As fantasias já não são mais perdoadas
As alegrias são tristezas adiadas

Subia pela rua calada... subia
Não dava pelos outros na rua... não dava
Não ía para fora do bairro... não ia
Achava que a vida passara... achava

Sentia que estava a sofrer... sentia
Cantava só fado a chorar... cantava
Não via ninguém a sorrir... não via
Andava infeliz todo o dia... andava

Fado maravilhas

Luís Miguel Oliveira 
Repertório de Raúl Solnado 

Fui num domingo a Cacilhas 
Mais o Chico Maravilhas
Comer uma caldeirada 
A gente não nada em taco 
Mas vai dando pró tabaco
E p'ra regar a salada 

É porque isto é mesmo assim 
A gente morre e o pilim 
Não vai p'rá cova co'a gente
E antes gastá-lo no tacho 
Do que na farmácia, eu acho
Isto é que é principalmente

Terminada a refeição 
Ao entrar na embarcação 
Começou a grande espiga
Um mangas abriu o bico 
Pôs-se a mandar vir com o Chico
E o Chico arriou a giga

Eu p'ra acalmar a tormenta 
Ainda disse; oh Chico "auguenta"
Mas o mangas insistiu
E o Chico sem intenção 
Deu-lhe um ligeiro encontrão
Atirou c'o tipo ao rio

Um sócio de outro meco 
Quis-se armar em malandreco
A gente já estava quentes
Veio p'ra mim desnorteado 
Eu dei-lhe c'o penteado
E pu-lo a cuspir os dentes

Veio outro, veio outra ideia 
De cernelha e plateia
Mais outro, fui-lhe ao focinho
E o Chico pelo seu lado 
Só para não ficar parado
Aviou quatro sózinho

Fez-se uma grande molhada 
Desatou tudo à estalada
Eu e o Chico no centro
Daquela calamidade 
Apareceu a autoridade 
E meteu-nos todos dentro

Não tenho vida para isto
E de futuro desisto 
De me meter noutra alhada
Nunca mais vou a Cacilhas 
Mais o Chico Maravilhas
Comer uma caldeirada

O resto da minha esperança

Fernando Peres / Raúl Pinto
Repertório de Carlos do Carmo

Vivem na esperança perdida
Pedaços da minha vida
Farrapos d’uma ilusão;
Foi-se a vida em cada beijo
Num abraço, num desejo
Já vivo sem coração

Perdi a estrela da esperança
Chego a perecer-te criança 
P’ra não ver que te perdi
Cada hora uma verdade
Um soluço, uma saudade 
Já não sei viver sem ti

Andam sombras dos meus braços
A seguir sempre os teus passos 
Na ilusão dum sonho amigo
Na ternura dum queixume
Na tortura do ciúme 
Só por querer sonhar contigo

Longe de ti, eu componho
Pedaços soltos dum sonho 
Farrapos duma promessa
Apago no choro a chama
De orgulho feito de lama 
Mas volta sem que eu te peça

Vê a noite

José Fernandes Castro / Martinho d’Assunção
Repertório de Augusto José

Vê como a noite é bela com estrelas no céu
Repara como a lua sorri envaidecida
Até a cor singela que o dia escureceu
É vida que flutua na noite que é tão vida

Vê como a noite é louca nas façanhas do amor
Vê cada madrugada, a respirar desejo
E vê em cada boca, a ternura maior
Amar e ser amada, pela força dum beijo

Vê como a noite é mãe dos filhos deste mundo
Repara que o luar contém beleza infinda
A doçura que tem, o respirar profundo
É vida a retratar a noite, que é tão linda

Para quê?!

Florbela Espanca / Ricardo Cruz
Repertório de Sílvia Filipe

Tudo é vaidade neste mundo vão
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada
E mal desponta em nós a madrugada
Vem logo a noite encher o coração

Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada
Flor que é nascida e logo desfolhada
Pétalas que se pisam pelo chão

Beijos de amor!... p’ra quê?!... tristes vaidades
Só neles acredita quem é louca
Sonhos que logo são realidades

Beijos de amor que vão de boca em boca

Que nos deixam a alma como morta
Como pobres que vão de porta em porta

Passagem

António Ramos Rosa / Diogo Clemente
Repertório de Ana Laíns

É onde escuto agora a própria casa
Sou eu que escrevo agora este poema
Já onde estou agora nada espero
Ouço o som que vem de estar aqui lembrando
Isto que sou agora mesmo esperando

É onde escuto agora a própria casa
É onde eu pouso a mão na terra calma
Ouvindo quantos anos já vivi
Mas não aqui nem além, agora só
Num tempo em que não sou mais que este estar
Passando sem passar neste deserto

É onde pouso a mão na terra calma
É onde agora ninguém me vem chamar
E outra luta prossegue imponderável
O tempo vai chegar mas eu aqui passei
Ou algo em mim passou quando o final chegar
Deste sem fim que escuto e oiço o seu passar
É onde escuto agora a própria casa

O meu amor anda em fama

Pedro Homem de Mello e outros / Popular *fado mouraria*
Repertório de Camané 

Segundo o estudioso Joaquim Silva, apenas a primeira
estrofe pertence a Pedro Homem de Melo.
A segunda estrofe pertence a: João Mário Veiga
A terceira estrofe pertence a: Fernando Pessoa
A quarta estrofe pertence a: Carlos Conde

O meu amor anda em fama
Mesmo assim lhe quero bem
Os olhos do meu amor
Não os vejo em mais ninguém 

Eu nunca pensei, na vida 
Vir um dia a encontrar
A minha vida escondida 
Dentro do teu olhar

Eu bem sei que me desdenhas 
Mas gosto que seja assim
Que o desdém que por mim tenhas 
Sempre é pensares em mim

Se algum dia me deixares 
Meu amor por caridade
Entre as coisas que levares 
Leva também a saudade

Negra cor

Diogo Clemente / João Pico
Repertório de Ana Laíns

Vem, quando a luz
Morrer bem p’ra lá do mar
E anoitecer em mim e no meu olhar

Vem, negra cor
Negro olhar que me vês
E a quem o amor ao chegar se desfez

Se acaso o amor
Partir sem dizer adeus
Vem, espelho meu
Sentir os teus lábios nos meus

Tarda encontrar
O lugar de um amor
Meu triste mar, negro olhar, minha cor

Vem, se a saudade
Cantar versos que escrevi
Quando à cidade cantei saudades de ti

Não sei como nem quando

José Vasconcelos e Sá / Tó Zé Brito
Repertório de António Pinto Basto

Confesso que as palavras dessa boca
Ó que doçura tão louca
No momento em que as ouvi
O amor com que as odeio
Faz-me tremer com receio
Por muito gostar de ti

Confesso, olhaste de uma maneira
E por mais que eu não queira
Ó minha flor de jardim
Teus olhos, a vida inteira
Nossa estima verdadeira
Hão-de viver sempre em mim

Confesso
Meus versos canto chorando
Eu não sei como nem quando
O teu sorriso acabou
Sinto lágrimas no rosto
Também memórias, desgosto
Que nem a morte apagou

Pouco tempo

Lídia Oliveira / Diogo Clemente
Repertório de Ana Laíns

É pouco o meu tempo
Para guardar tudo 
O que trago em pensamento
Para escrever tudo 
O que sinto cada momento

É pouco o meu tempo
Para eternizar tudo 
O que corre veloz, no vento
Mostrando assim, bem mais profundo 
Meu sentimento

É pouco o meu tempo
Para sentir quanta beleza 
Me passa ao lado
Sem alterar este meu ar preocupado

É pouco o meu tempo
Para conseguir ter 
O que quero da minha vida
No que passou, alguma ilusão perdida
Mas no que resta, a esperança ainda vivida

Primavera dos fadistas

José Fernandes Castro / Custódio Castelo
Repertório de Francisco Lisboa

Na minha primavera desejada
Há rosas com aromas divinais
Que vão pondo perfumes d'alvorada
No tempo onde o amor não é demais

Na minha primavera sedutora
Há cravos dum desejo de vencer
São frutos duma força sonhadora
Que nascem no mistério do prazer

Na minha primavera sempre nova
Há dálias com essências de desejo
Que vão submetendo à dura prova
O sabor tão fugaz dum longo beijo

Na minha primavera dos poemas
Os versos, são o fruto desejado
No meu desabrochar de novos temas
Há sempre primaveras no meu fado

O fado que me traga

Samuel Lopes / Miguel Rebelo
Repertório de Ana Laíns

Desta luta constante
O futuro é meu alento
Numa roda gigante
Tão gigante que pára o tempo

Uma volta sem regresso
Até uma terra esquecida
E na minha sorte tropeço
Sózinha na madrugada perdida

O fado que me traga 
O que o tempo me levou
A saudade que me abra 
O caminho do que sou
O fado que me traga 
O que a saudade não deixou
O sentido das palavras 
Que o tempo apagou

Uma lágrima no mar
Perdida na voz do silêncio
Aprisiona a ternura
E adormece o meu encanto

Quando me sinto nua
Não me quero ver mais ao espelho
O destino não me quer tua
Porque o amor morreu no desejo

Era tão bom ser menino

António Avelar de Pinho / Carlos Alberto Vidal
Repertório de António Pinto Basto

Esfolei os joelhos
Rasguei os calções
Guardei bons conselhos 
P’ra melhores ocasiões

Fiz mil tropelias, levei-as ao extremo
Desbravei os dias como herói supremo

Fui índio, cowboy
Polícia, ladrão
Mas contigo é que foi
Fui um bom cirurgião

E as anatomias não tinham segredo
O que eu descobria a tremer de medo

Era tão bom ser menino
Valentino ou Aladino
Pirata, Rei, ou Maltês
Era tão bom não ter tino
Mas chorar com o Marcelino 
Pão e Vinho, às matinés

Era tão bom ser menino
Justiceiro, clandestino
Actor galante cortês
Tudo em grande, em pequenino
Que eu só queria ser menino
Ao menos mais uma vez

Trocei dos vizinhos
Assaltei quintais
Até fui aos ninhos 
Nas alturas dos pardais

Fui sei lá o quê, a tudo brinquei
Aprendi o ABC do fora-da-lei

Com Os Cinco lutei
Na cartilha aprendi
Até me aventurei 
Com o Emílio Salgari

Controlei o tempo, mas o tempo voou
E como nesse tempo, nunca mais parou

Minha razão de vida

José Fernandes Castro / Jaime Santos *fado jaime*
Repertório de José Fernandes Castro

Minha filha meu poema
Meu doce tema, d’inspiração
Amor por mim inventado
Musa dum fado, feito paixão
Meu pedacinho de vida
Com olhos lindos, da cor do céu
Minha roseira florida
Prémio que a vida, me ofereceu

Minha filha minha amada
Minha alvorada d’encantamento
Meu respirar de alegria
Meu novo dia, meu novo alento
Tens no rosto tal beleza
Que à natureza, fazes ciúme
Tens perfil de terna flor
E o teu amor, é meu perfume

Meu quadro d’amor sublime
Por ti se exprime, meu coração
Meu sonho realizado
Fado cantado, com devoção
Meu sol de cada manhã
Meu talismã, minha verdade
Poema mais que desperto
Caminho aberto, p’ra felicidade

Clara identidade

Sílvia Filipe / Armando Machado *fado maria rita*
Repertório de Sílvia Filipe

Meus sonhos são a morada
De alegres corpos dançando
Ao som da harpa e da lira
Melodia improvisada
Onde os anjos vão cantando
A canção desconhecida

Dança sem qualquer compasso
Uma estranha harmonia 
Nestes vales verdejantes
Não há solidão, cansaço
Tudo é pura poesia 
Em paisagens cintilantes

Há vastos campos floridos
Envoltos num manto d'água 
Onde a sede não existe
Embalando meus sentidos
Não há dor, não há mágoa 
No meu sonho o amor resiste

Aqui vivem meus desejos
Despertos p'la luz divina 
Num encontro com a verdade
São perfeitos como beijos
Água pura e cristalina 
Numa clara identidade

Se tu viesses

Florbela Espanca / Diogo Clemente
Repertório de Ana Laíns

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha
A essa hora dos mágicos cansaços
Quando a noite de manso se avizinha
E me prendesses toda em teus braços

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos
O teu sorriso de fonte... os teus abraços
Os teus beijos... a tua mão na minha

Se tu viesses quando, linda e louca
Traça as linhas dulcíssimas de um beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca
Quando os olhos se me prendem de desejo
E os meus braços se estendem para ti

Se te não vejo

José Fernandes Castro / Popular *fado moleirinha* 
Repertório de Nelson Duarte

Não há gaivotas no céu da minha cidade
Não há luar nas noites da minha dor
Não há poemas no meu livro de saudade
Se te não vejo, a vida já não tem côr

Não há sorrisos no rosto da madrugada
Não há segredos no brilho da primavera
Não há promessas numa jura apaixonada
Se te não vejo, a minh’alma desespera

Não há flores no jardim do desalento
Não há fronteiras nas margens do meu país
Não há aromas no peito do sentimento
Se te não vejo, não consigo ser feliz

Não há sequer uma nuvem de desejo
No firmamento do teu rosto iluminado
Tu não me dás a intensidade do teu beijo

Se te não vejo, sou alma triste dum fado

Não sei

Manuela de Freitas / Alfredo Duarte *fado versículo*
Repertório de Camané

Não sei que rio è este em que me banho
Que destrói todas as margens que escolhi
Que leva para o mar tudo o que tenho
E me traz da nascente o que perdi

Não sei que vento è este de repente
Que tudo o que eu desfiz ele refaz
Que me empurra com força para a frente
Quando caio desamparado para trás

Não sei que tempo è este em que carrego
Com a memória das coisas que não guardo
Que me obriga a partir sempre que chego
E a chegar cedo demais sempre que tardo

Não sei que sol è este que me abrasa
Quanto mais tapo os olhos e me abrigo
Que abre a tudo o que é estranho a minha casa
Quanto mais eu me fecho só comigo

Que não saber è este que não quer
Saber do não-saber que lhe ensinei
E que faz com que eu aprenda sem querer 
A saber cada vez mais o que não sei 

Chamaste-me trigueirinha

José Lima / João do Carmo Noronha *fado joão*
Repertório de Ana Laíns

Ó que lindos olhos tem
A filha da moleirinha
Tão mal empregada ela
Andar ao pó da farinha

Trigueirinha me chamaste
Eu de sangue não o sou
Isso de andar à farinha
Foi o sol que me crestou

Trigueirinha me chamaste
Por isso não me zanguei
Trigueirinha é a pimenta
Que vai à mesa do rei

Pera madura

Popular (1.ª quadra) e Tiago Torres da Silva / Diogo Clemente
Repertório de Ana Laíns

Oh minha pera madura
Diz-me quem te amadurou
Foi o sol, foi a geada
E o calor que ela apanhou

E o calor que ela apanhou 
Não n’o apanhou sózinha
Diz-me quem te amadurou 
Minha pera madurinha

Minha boca anda à procura 
Da tua boca escondida
Como uma fruta madura 
A pedir p’ra ser colhida

Os versos do meu amor 
Como lágrimas sorrindo
P’ra acalmar a minha dor
Quatro a quatro vão caindo

Oh minha pera madura 
Diz-me quem te amadurou
Foi o sol, foi a geada 
E o calor que ela apanhou

Pecado d'amor

José Fernandes Castro / Francisco J. Marques *fado zé negro*
Repertório de Amélia Maria

Tu não és a sombra negra
Tu és sublime pecado
Cometido com fervor
Num jogo d’amor sem regra
O amor foi o culpado
Deste pecado d`amor

Se a vida não nos condena
É porque a nossa paixão 
Por ser pura, calou fundo
P’ra que ninguém sinta pena
Troquemos de coração 
Calando as vozes do mundo

Acreditando na vida
Tudo o que vier depois 
Para nós será bem vindo
Deixa que o tempo decida
Se ficaremos os dois 
Vivendo este sonho lindo

Viver junto de ti

Hélder Moutinho / Diogo Clemente 
Repertório de Ana Laíns 

Viver junto de ti, perto do mar
Como se fosse o vento a melodia
Das ondas e da noite a respirar
Num canto de ternura e fantasia

Nenhuma praia pode ser perfeita
Se não tiver no ar esse perfume
Daquela madrugada que se ajeita
À chama do amor desfeito em lume

Sonhamos ter um dia a solidão
Guardada simplesmente p’ra nós dois
A força do amor não tem razão
Nem hão-de haver momentos p’ra depois

Viver junto de ti, perto do mar
Como se fosse o vento uma paixão
Como se fosse todo o teu olhar
A naufragar no meu mundo de solidão

Viver junto de ti, perto do mar
Como se fosse a noite a mensageira
É ter a noite inteira para amar
E cada uma ser sempre a primeira

Beatriz da Conceição

Tributo do poeta Carlos Conde
---
O fado já não lhe chega
Mas como nada lhe falta
Tanto canta numa adega
Como à luz de uma ribalta

E embora sentindo a chama
Que leva à celebridade
Não se deslumbra na fama
Nem se perde na vaidade


A Beatriz da Conceição
Não é somente fadista
Muito mais do que atração

Ela impõe-se como artista!

Já vives dentro de mim

José de Vasconcellos e Sá / António Pinto Basto
Repertório de António Pinto Basto


Meus pecados, teu desgosto 
Teus perdões, o meu desejo
Acariciavas-me o rosto 
Também me davas um beijo

Olho no céu as estrelas 
Procurando o teu olhar
A mais brilhante, entre elas 
Serás tu que hei-de encontrar

Numa manhã delicada
Quando eu ia de jornada
A meu lado vi-te assim
Tu sorrias encantada
Já vives dentro de mim

Teus devaneios dispersos 
Nossos passeios de encanto
Agora canto-te versos 
Para esquecer o meu pranto

Tu, a fonte dos meus ais 
Dormes em Deus, que te abriga
Não vou calar nunca mais 
Que tu foste minha amiga 

Eu

Florbela Espanca / Miguel Rebelo
Repertório de Ana Laíns

Eu sou a que no mundo anda perdida
Eu sou a que na vida não tem norte
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida

Sombra de névoa ténue e esvanecida
E que o destino amargo, triste e forte
Impele brutalmente para a morte
Alma de luto sempre incompreendida

Sou aquela que passa e ninguém vê
Sou a que chamam triste sem o ser
Sou a que chora sem saber porquê

Sou talvez a visão que alguém sonhou
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

Sopram ventos adversos

Manuela de Freitas / José Mário Branco
Repertório de Camané

Sopram ventos adversos

Junto à praia que se quis
E há sentimentos dispersos
Que são barcos submersos

No mar do que se não diz 
Nos mastros que vão quebrar
Soltas velas de cambraia 
E é cada remo a tentar

Menos um barco no mar
Mais um cadáver na praia
O dia nunca alcançado 
Morre em todas as marés
E é sempre dia acabado
Junto ao sargaço espalhado 
De tudo o que se não fez

Meu fado meu verso triste

José Fernandes Castro / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Rosina Andrade
Gravado por Rita Santos na música do Fado Perseguição de Carlos da Maia

Pelas notas do meu fado
Anda um sonho magoado
Carpindo mágoas d'amor;
Já nem sei dizer teu nome
Porque a dor que me consome
Tem sempre o mesmo sabor

Já não consigo sonhar
Sem ter que te procurar 
Nas ruas da solidão
Sem ti, é tudo mais triste
E nada de bom existe 
Na minha imaginação

As guitarras, vertem pranto
E as notas do meu canto 
Simbolizam nostalgia
Nem mesmo a luz do luar
Consegue reconfortar 
A minha vida vazia

Esta minha condição
Define aquilo que sou 
Quando não estás a meu lado
Ai meu louco coração
Só por ti, é que me dou 
Aos versos dum triste fado

Fadinho do bacalhau

Ary dos Santos / Paulo de Carvalho
Repertório de Paulo de Carvalho

Dantes era o mais fiel 
Dos amigos deste povo
Até com espinhas na pele
Marchava com couves
Com alho e com ovo

Agora subiu de posto
Está pela hora da morte
Quem quiser saber-lhe o gosto
Vai pagar com juros 
E tem muita sorte

Ai que saudades do meu bacalhau
Das pataniscas, das postas na brasa
Com cebolinhas e com colorau
Com feijão frade à moda da casa

Ai pastelinhos, onde é que eles estão?
Meia-desfeita quando é que eu a faço?
E até aquilo que se faz à mão
Sem bacalhau, nunca mais faço

Quando fores à mercearia
Não compres por lebre gato
Se é abrótea é porcaria
Enrola no tacho 
E não sai barato

O que é preciso é a malta 
Exigir de muitos modos
Que se acabe com a falta
E haja bacalhau 
Com todos, p’ra todos

Canto serena

Sílvia Filipe / João Blak *fado menor do porto*
Repertório de Sílvia Filipe


Adormeço por instantes
O som da água lá fora
Dentro de mim tão distante
Que o sono prolonga a hora

Mais uma noite morreu 
E eu fui sua companheira
Mais o luar que desceu 
Paz imensa e verdadeira

O teu corpo está ausente 
Num futuro adiado
Apenas eu e o presente 
Sem presença do passado

E desperto docemente
Ao som desta chuva amena
O tempo não é urgente 
Minha voz canta serena

Tragédia da Rua das Gáveas

Letra de música de Victorino
Repertório de Mísia

De rosa ao peito 
Sobe a rua airoso
Co'a cruz ao pescoço
Que a Rosinha lhe ofereceu
Contra o enguiço 
De voltas mal dadas
Vermelhinha às tantas
Vai parar ao invejoso

Bate um fadinho 
Na rua dos mouros
Mas silêncio é oiro 
Quando a autoridade aperta

Rua das Gáveas
Vai, passo apressado
Bom dia alegre 
Dá p’ra todo o lado
Rosinha amante
Ai se eu não te encontro
Desta vez não busco 
Os beijos doutra mulher
Sinto os teus passos 
A fugir ao canto
Teu coração trago 
A tiro de revólver

Cantiga de Maio

Joaquim Pessoa / Carlos Mendes
Repertório de Carlos do Carmo

Trago dentro da garganta 
As letras do teu nome
Quando um homem se levanta 
Grita fúria em vez de fome

Só a força das palavras 
Fez do medo esta verdade
Quando é teu o chão que lavras 
O arado é liberdade

Meu país vontade 
Corcel de saudade vencida
Meu povo em viagem 
Ganhando a coragem perdida
Meu trigo, meu canto 
Meu maio de espanto doendo
Meu abril tão cedo 
Tão tarde meu medo morrendo
Meu amor ausente 
Meu beijo por dentro queimado
Num tempo tão lento 
Tardamos no vento até quando
Até quando?

Trago as palavras desertas 
Na canção que eu inventei
E nas duas mãos abertas 
Estas veias que rasguei

Por isso o meu sangue corre 
Na seiva da primavera
Sou um homem que não morre 
Sou um povo que não espera

Ponto de encontro

Manuela de Freitas / Franklim Godinho
Repertório de Camané

A medida em que me meço

Mede a medida de um ponto
De encontro do que conheço
Com aquilo com que não conto

Ponto de encontro da sorte 
Com o traçado da corrida
Em que a coragem na morte 
Nasce do medo da vida

Veneno, punhal, saída 
Porta aberta para o fim
Loucura comprometida 
Com o que conheço de mim

É nesse ponto-momento 
Que no limite do excesso
Me transformo no que invento 
E finalmente apareço

Digam

Manuel de Andrade / Frederico de Brito *fado dos sonhos*
Repertório de Rodrigo da Costa Félix

Se hoje alguém, me procurar
Digam que não pode entrar
Que não estou para ninguém;
Fechem-lhe a minha janela
E mesmo que seja ela
Digam, que não estou também

Digam que a não quero ver
Que não me faça sofrer 
Digam-lhe, que se vá embora
Digam que há muito mor
Mesmo que nunca existi 
Digam que aqui ninguém mora

Façam o que lhes lembrar
Digam que não pode entrar 
Que não estou para ninguém
Que a porta ficou trancada
Ou então, não digam nada 
Porque eu sei, que ela não vem

Os meus olhos são dois círios

Linhares Barbosa / Popular *fado menor*
Repertório Amália


Os meus olhos são dois círios
Dando luz triste ao meu rosto
Marcado pelos martírios
Da saudade e do desgosto

Quando oiço bater trindades 
E a tarde já vai no fim
Eu peço às tuas saudades 
Um padre nosso por mim

Mas não sabes fazer preces 
Não tens saudades nem pranto
Por que é que tu me aborreces 
Por que é que eu te quero tanto

És para meu desespero 
Como as nuvens que andam altas
Todos os dias te espero 
Todos os dias me faltas

Passarinho trigueiro

Popular
Repertório de Sílvia Filipe

Passarinho trigueiro salta cá fora
Tenho o pé queimado, não posso lá ir agora
Hei-de ir, hei-de ir e não hei-de mandar
Não quero cá coisas armadas no ar

Armadas no ar, armadas no chão
Passarinho trigueiro salta cá p'rá minha mão
P'rá minha mão, aqui p'ró meu lado
Numa cadeirinha de pau encarnado

Passarinho trigueiro, onde vais pôr os ovos
No meio da vinha ao pé dos rapazes novos
Passarinho trigueiro, oliveiras, olivais
Ó ai ó linda, pintassilgos e trigais

Uma nova primavera

José Fernandes Castro / Casimiro Ramos *fado três bairros* 
Repertório de Amélia Maria 


Quando senti que batias
Na janela do meu peito
Com o desejo de entrar
Recordei noites vazias
Cheias dum amor perfeito
Que vai teimando em ficar

Mas porém, nada mudou
Porque meu peito cansado 
Já não te quis receber
Quando tua mão parou
O meu coração, coitado 
Sentiu-se desfalecer

Depois, fiquei à espera
Duma nova primavera 
Que te fizesse voltar
Porque sem o teu carinho
Não há calor no meu ninho 
E nem o sol quer brilhar

Na janela do meu peito
Mora um sonho já desfeito 
Pelo vulcão da saudade
És o meu amor ausente
E quero que brevemente
Me tragas felicidade

Antigamente

Frederico de Brito / Júlio Proença *fado modesto*
Repertório de Lucília do Carmo

Antigamente, era coito a Mouraria
Daquela gente condenada a revelia
O fado ameno, canção das mais portuguesas
Era o veneno p’ra lhes matar as tristezas

A Mouraria
Mãe do fado doutras eras
Que foi ninho da Severa
Que foi bairro turbulento
Perdeu agora 
Todo o aspecto de galdéria
Está mais limpa, está mais séria
Mais fadista cem por cento

Adeus tipóia com pilecas e guizeiras
Adeus rambóia e cafés de camareiras.
Nada mais resta da Moirama que deu brado
Do que a funesta lembrança desse passado

A Mouraria 
Que perdeu em tempos idos
A nobreza dos sentidos
E o pudor de uma virtude
Salvou ainda 
Toda a graça que ela tinha
Agarrada à capelinha
Da Senhora da Saúde

Vaga no azul amplo solta

Fernando Pessoa / Pablo Andion
Repertório de Ana Moura


Vaga no azul amplo solta
Vai uma nuvem errando
O meu passado não volta
Não é o que estou chorando

O que choro é diferente 
Entra mais na alma da alma
Mas como no céu sem gente 
A nuvem flutua calma

E isto lembra uma tristeza 
E a lembrança é que entristece
Dou à saudade a riqueza 
De emoção que a hora tece

Mas, em verdade, o que chora 
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora
Está para além da saudade

Não sei o que é nem consinto 
À alma que o saiba bem
Visto da dor com que minto 
Dor que a minha alma tem

Sua voz

Sílvia Filipe / Ricardo Cruz
Repertório de Sílvia Filipe

Meu canto primeiro 
Foi choro da minh'alma, desespero
De um quero e não quero
Um grito e a calma
Deu-me a luz, esta estrela de vida
Seu manto de amor fez esquecer a dor 
Bendita e sofrida

Sua voz ensinou-me a verdade
Suas mãos, ternura e bondade
Seu olhar a minh'alma embalou
Este amor que me ensinou
O Universo em unidade

Meu passo primeiro 
Na rua do destino, desespero
De um quero e não quero 
Seguir meu caminho
Me conduz esta estrela da vida
Mostrando-me o norte
Trazendo-me a sorte
Não me sinto perdida

Nada sou por nada ter

José Fernandes Castro / Popular *fado mouraria*
Repertório de José Fernandes


Nada sou, por nada ter
Mas sei que tenho razão
Nada tenho por não ser
Aquilo que alguns são

Sou verdade nua e crua 
Sou razão de pensamento
Sou barco que não flutua 
À força de qualquer vento

Sou solidão demarcada 
P’la injustiça da dor
Sou raiz abandonada 
Na terra fria do amor

Sou vida fora da lei 
Que não tem lei como guia
Sou bobo triste do rei 
Num mundo de fantasia

Sou o que quero e não quero 
Ser diferente, só por ser
Sou fé e na fé espero 
Algo ser, sem nada ter

Raminho de paixão

José Fernandes Castro / Samuel Cabral 
Repertório de José Fernandes Castro 


Meu raminho de oliveira
Estrela em forma de gente
Minha flor de laranjeira 
Meu clarão incandescente;
És a minha vida inteira
Meu futuro, meu presente

Minha luz celestial 
Minha promessa cumprida
Poema tão natural 
Como as coisas desta vida;
Meu pecado original
Minha paixão prometida

Meu guardião do futuro 
Neste futuro risonho
Meu porto mais que seguro 
Meu amor p’ra lá do sonho;
És rima que não descuro
Nos versos que te componho

Meu luar mais que bendito 
Meu cravo purificado
Minha luz, meu infinito 
Meu sorriso imaculado;
Minha esperança, meu grito
Minha certeza, meu fado

Um fado nasce

Letra e música de: Alberto Janes
Repertório de Amália

Um fado nasce e só conseguirá viver
Andar nas asas do vento
Se quem o canta tiver sofrido a valer
P'ra lhe emprestar sentimento


Não pode cantar-se a dor 
Se a dor é desconhecida
E não pode dar calor 
Se o calor não for ideia sentida
Ninguém pode cantar rindo
Se estiver sentindo as penas da vida

Cantar o fado não tem segredo, pois não?
Todos o podem fazer
Quem é fadista põe o coração na mão
E canta o que ele disser!


Dá alma vem a expressão 
Que na dor é reflectida
E então o coração 
Faz a confissão toda de seguida
É como quando se chora
Logo se melhora as penas da vida

Um fado nasce e só conseguirá viver
Andar nas asas do vento
Se quem o canta tiver sofrido a valer
P'ra lhe emprestar sentimento
Cantar o fado não tem segredo, pois não?
Todos o podem fazer
Quem é fadista põe o coração na mão
E canta o que ele disser

Sonhar e cantar

José Fernandes Castro / Armando Machado *bolero do machado*
Repertório de Soraia Maria

Canto poemas d’espanto 
De maneira diferente
E na força com que canto 
Sinto a força de ser gente

Sinto a divinal verdade 
Na minha voz peregrina
Cantando a felicidade

Do fado que me domina

Sonhar... é marcar o pensamento
Cantar... é gerar mais sentimento

Sonho com novas marés 
No mar da vida marcada
E sonho ter a meus pés 
A pureza tão sonhada

Quero sentir o sabor 
Que tem a felicidade
Quero descobrir a cor 
Do meu amor sem idade

Sonhar... é marcar o pensamento
Cantar... é gerar mais sentimento

Eu trago fado nas veias 
Trago amor no coração
E até nas minhas ideias 
Trago montes d’ilusão

Guitarras do meu país
Ajudai-me a ser feliz

Quem me desata

Mafalda Arnauth / Jaime Santos *fado alfacinha*
Repertório de Mafalda Arnauth

Quem me desata o mistério
Que anda a rondar-me sem trégua
Já se tornou caso sério
Mas não é mais que uma névoa

Entendo a sua presença 
Mais do que sinto a inconstância
É todo feito de ausência 
E é mesmo assim abundância

Se alguém me pode entender 
Faça-me o favor maior
De me explicar que, sem ver 
Eu sei amá-lo de cor

Talvez por isso eu prefira 
Deixar o nó por inteiro
Sei que não sendo mentira 
Não pode ser verdadeiro

Quantos os nós desta vida 
Que ficam por entender
Como este nó sem saída 
De amar de cor, sem o ver

O teu bom dia

José Fernandes Castro / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Manuel Júlio

Bom dia meu amor, minha ternura
Bom dia minha musa inspiradora
Tens sabor a luar e a frescura
Tens brilho de manhã encantadora

Bom dia minha estrela do futuro
Que brilhas com maior intensidade
Tu és fonte real dum amor puro
E tens côr de maior felicidade

Bom dia minha nuvem mensageira
Que trazes o amor que sempre quis
Por ti eu passarei a vida inteira
Lutando só para te ver feliz

Por ti inventarei novas manhãs
E não rejeitarei a nostalgia
No prazer que na vida me darás
Serei eternamente o teu bom dia

Tu e eu

Alberto Costa / António Pinto Basto
Repertório de António Pinto Basto

Eu passo muito tempo
Horas inteiras
A supor que te falo e vejo
E sinto o teu mimoso ser
Imagino-te então
De mil maneiras
E na tela ideal, convulso
Pinto, o que não sei dizer

Falo contigo então 
E duplamente
Minha’alma se divide 
E dentro dela escutam-se dois eus
É que de tanto amar-te
Ardentemente
Nem sei se tu és eu
Também a estrela 
Se confunde com os céus

Parece-me falar-te
E quando atento
Eu oiço a tua voz melodiosa
Escuto a minha voz
Parece-me sentir-te
E quando intento beijar 
A tua mão branca e mimosa
Encontro as minhas sós

Confundo-me contigo 
E caso estranho
Nem sei se vivo ou não
Olha procura a minha alma aí
Talvez, quem sabe?
Deste amor tamanho
Resulte o tu ser eu
E por ventura o eu viver em ti

Grito de paz e amor

José Fernandes Castro / Martinho d’Assunção 
Repertório de Fernando João

Eu hoje quero a lua em forma de mulher
Vou deitar-me na terra e olhar o infinito
Por sobre a noite nua, eu quero ver nascer
O sol que vai brilhar no seu tom mais bonito

Eu hoje quero o dia mais longo e mais feliz
Quero a hora mais curta das horas de sofrer
Eu quero a maresia dum horizonte novo
Quero a alma dum povo contente por viver

Eu quero um amanhã cheio de poesia
Eu quero um paraíso onde não haja guerra
Quero dormir sonhando com hinos d’alegria
Quero amor reinando por sob o mar e a terra

Eu quero primaveras nos dias do futuro
Quero romper fronteiras e acabar c’oa dor
Quero milhões d’estrelas no firmamento escuro
Quero aos deuses gritar, a paz e o amor