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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os criadores dos temas aqui apresentados.
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Tenho vindo a publicar letras (de autores que já partiram) sem indicação de intérpretes ou compositores na esperança de obter informações detalhadas sobre os temas.
<> 7.765 LETRAS <> 3.982.000 VISITAS <> 30 DE JUNHO DE 2025
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É saudade o que sinto

Maria do Sameiro / Amável Carneiro
Repertório de Maria do Sameiro


É saudade o que sinto, é saudade
Se te vais embora
Se não estás um segundo é um minuto 
E um minuto é uma hora

Uma hora é um dia e um dia é um ano 
E é sempre assim
E por mais que procure não me encontro
Sem ti não sei de mim

Não há pranto, nem riso, nem canto 
Que evite esta mágoa
Se não estás nada mata esta sede
Nem vinho nem água

Meu amor vem depressa tirar-me 
Esta dor que é tortura
Quando estás, este amor é amor
Se não estás é loucura

Saudade... 
Só ela faz sentido
Tristeza que me invade
Quando não estás comigo
Saudade... 
Quando chorar, chamo por ti
E o meu coração arde
Quando não estás aqui

Dorme criança

Joaquim Mendes / Samuel Paixão
Repertório de Fernanda Moreira

Dorme criança
Como um passarinho
Velarei teu sono
Guardarei teu ninho


Se eu fosse rica comprava-te um berço
Um berço d’oiro para te embalar
Mas eu sou pobre e apenas posso 
Adormecer-te a cantar

Anda cá meu anjo, meu sonho bonito
Dá-me a tua mão, serei tua amiga
Dorme tranquila
Não estarás sózinha

Se eu fosse rica comprava-te um mundo
Um mundo inteiro para te adorar
Mas eu sou pobre e apenas posso 
Adormecer-te a cantar

Se eu fosse rico comprava-te um sonho
Um sonho lindo para tu sonhares
Mas eu sou pobre e nem sequer
Nem sequer sonhos posso comprar

Bomba-relógio

Letra e música de Sérgio Godinho
Repertório de Cristina Branco


O teu amor, quando palpita
Verdade seja dita
Põe rastilho no meu peito
Trinta batidas 
Num só beijo sem defeito

Feito tac o tic... 
O teu amor rebenta o dique
Feito tic o tac... 
O teu amor passa ao ataque
Feito tac o tic... 
O teu amor rebenta o dique
Feito tic o tac... 
Eu à defesa ele ao ataque

O teu amor, quando palpita
Verdade seja dita
Faz-me atrasar os ponteiros
Como a ostra esconde 
A pérola aos viveiros

Feito tac o tic... 
A pérola solta-se a pique
Feito tic o tac... 
Faz do coração um baque
Feito tac o tic... 
A pérola solta-se a pique
Feito tic o tac... 
Faz no corpo todo um baque

E toca e foge, e toca e foge
É uma bomba-relógio

Soldado do fado

Frederico de Brito / Frederico Valério
Repertório de Hermínia Silva


Vestiram-me uma samarra 
Toda assim a dar nas vistas
E deram-me esta guitarra 
Que é a arma dos fadistas

Pus-me a cantar e dei brado 
Um hino, uma prece, com altivez
Pois quando se canta o fado
Um homem não esquece que é português

Minha mãe, jurei bandeira
No regimento do fado
Embora queira ou não queira
Sou fadista, sou soldado

Eu vou bater-me na guerra 
Do fado, meu companheiro
Que partiu da nossa terra 
E deu volta ao mundo inteiro

Soldado, embora miúda 
Defendo essa canção bem nacional
Que o fado p'ra mim é tudo 
É o coração de Portugal

Saudades dos olhos teus

Cancioneiro popular / Luís Pedro Fonseca
Repertório de Cristina Nóbrega

Da Laranja quero um gomo
Do Limão, quero um pedaço
Dos teus lábios quero um beijo
Do teu amor um abraço

Saudades dos olhos teus 
Tive-as logo que te vi
Quanto mais vezes te vejo
Menos posso estar sem ti

Para tudo há remédio 
Procurando na botica
Só para as saudades, não 
Quem as tem com elas fica

Rosa branca, Rosa branca 
Rosa branca quero ser
Quero beijar tua boca 
Até mais não poder ser

Coração, não vivas triste 
Vive alegre, se puderes
Olha que por andares triste 
Não alcançarás o que queres

O pouco que Deus nos deu 
Cabe numa mão fechada
O pouco com Deus, é muito 
O muito sem Deus, é nada

Barcos do Tejo

Lopes Victor / Martinho d'Assunção
Repertório de Fernanda Maria

Cá do alto do Castelo 
Está São Jorge a dominar
Olha o Tejo com desvelo 
A vê-lo correr pró mar

Vejo as velas tão branquinhas 
Branquinhas a deslizar
Os barcos são alfacinhas 
E não vão, não vão p'ró mar

Barcos do Tejo p'lo rio afora
Eu bem os vejo namorar Lisboa
Iguais as velas que deram fama
Às caravelas de Vasco da Gama
Barcos do Tejo a navegar
Eu bem os vejo olhando p'ró mar
Barcos do Tejo, velas à vela
São filigrana de Lisboa nobre e tão bela

Destas muralhas com glória 
Cá no alto do Castelo
Deito os olhos p'ró Restelo 
E oiço falar a história

Velas ao vento 
Tal qual as vês lá em Belém
Mostraram ao mundo bem 
O valor de Portugal

Deixo o vento passar

Mário Martins / Hermano da Câmara
Repertório de Frei Hermano da Câmara


No cimo daquele monte 
Pus um facho e apagou-se
Ventos contrários disseram 
A voz do mundo calou-se

Voltei a subir ao monte 
Rasguei os pés nas areias
Mas Deus foi a minha fonte 
Vozes do mundo calei-as

Mas deixo o vento passar
Recolho só a mensagem
Que o adeus da despedida
Não vai tolher-me a viagem


Ao subir aquele monte 
Descalço, forte e sózinho
As areias eram rosas 
Pois Deus foi o meu caminho

Ele nasce todos os dias 
No orvalho da manhã
Rubro de sol e unido 
Como os bagos da romã

Trago um fado

Manuel Alegre / Ricardo Dias
Repertório de Cristina Branco


Eu trago um fado escondido
Na palavra navegar
Onde o fado é mais sentido
E antes de ser fado, é mar

Eu trago um fado guardado
Dentro da palavra amor
Que é onde o fado é mais fado
E antes de ser fado, é dor

Trago um fado que nasceu
Na palma da minha mão
Onde o fado é teu e meu
E antes de fado, é paixão

Recordando o Alentejo

Carlos Escobar / Filipe Pinto *fado meia noite*
Repertório de João Tenreiro


Estou sentado à minha porta
Vou olhando o Alentejo
E o meu olhar não suporta
O tanto que sinto e vejo

Vejo planura, distância 
Vejo o sol naquele monte
Vejo o tempo da infância 
Com a escola ali defronte

Dor e sede a trabalhar 
Amarrados à charrua
Homens e mulas lavrar 
A terra que não é sua

O suor regou o trigo 
E o sangue de cada flor
A enxada foi castigo 
A cavar a nossa dor

Mas quando sinto este cheiro 
O sofrimento… que importa
Cheiro os cravos do craveiro 
Sentado na minha porta

Palavra à solta

António de Vasconcelos / Joaquim Campos *fado alexandrino* 
Repertório de Carlos Zel 

Na boca dum poeta que não morreu de amor
Mas bebeu da raiz do medo e da revolta
Na alma duma preta e duma branca flor 
Anda no meu país uma palavra à solta

No peito dum amigo que não morreu soldado
Nos barcos e nas redes, nos campos duma herdade
Na raiva do mendigo, nas palavras dum fado
Escrita nas paredes e muros da cidade

No gesto da mulher que passa à minha rua
Levando pela mão uma criança nua
Há todo o meu país, há um grito d'esperança
E uma palavra à solta nas mãos duma criança

Encontrei uma guitarra

Lima Brummon / Carlos Neves *fado tamanquinhas*
Repertório de Deolinda Rodrigues

Encontrei uma guitarra
Que se perdera no tempo
Quando a achei já não trinava
Porque quem a dedilhava
Deixou-lhe as cordas ao vento

Prendi-lhe as cordas com jeito
Cantei-lhe fados sem fim
Enlacei-a no meu peito
E fiz-lhe um fado perfeito
Do melhor que havia em mim

As nossa mágoas juntámos
Fizemos do Fado a amarra
Nunca mais nos separamos
Juntas rimos e choramos
Eu, o fado e a guitarra

Veio a saudade

Aníbal Nazaré / Miguel Ramos
Repertório de Carlos Ramos 

Veio a saudade
Sentar-se junto de mim
Falou-me com amizade
Ninguém me falara assim
Veio a saudade
Com amor a recebi
Ficamos muito à vontade
E só falamos de ti 


Que bom amar
Que bom poder recordar
Horas de encanto e de dor

Voltar de novo a sonhar
Que felicidade
Agora que te perdi
Ter junto a mim a saudade

P'ra poder falar de ti 

Veio a saudade
E agora que me deixaste
Eu penso se na verdade
Não foste tu que a mandaste
Veio a saudade
Mas seja lá como for
Meu amor, tem piedade
Vem antes tu, meu amor

Sonho perdido

João Ferreira Rosa / João Braga e J. Ferreira Rosa
Repertório de João Braga

Saber meu amor, que já não somos
Aquele sonho que eu tentei não acordar
Saber meu amor, que já não somos
Aquele tempo de te ouvir de te falar

Penso...
E só contigo em pensamento
Neste naufrágio de nós dois não tem sentido
Perdido no som da água
Perdido no som do vento
Qualquer de nós, meu amor, ficou perdido


Saber meu amor, que nos perdemos
E que longe morreremos sem nos ver
Saber meu amor que apenas temos
A lembrança da alegria de viver

Gaivotas

Letra e música de Alves Coelho Filho
Repertório de Carlos Ramos

Um bando de gaivotas maneirinhas
Voando em voos francos 
Por entre o mar e os céus
Agitam suas asas tão branquinhas
Lembrando lenços brancos 
Que nos dizem adeus

E sempre, por capricho original
Essas gaivotas vão até ao fim da rota
E de hora a hora no mastro real
Sem luta, sem questão
Descansa uma gaivota

Gaivotas, mensageiras sem ter par
Que levam de Lisboa
Saudades de além mar
Gaivotas que voando sempre à toa
Nos trazem de além mar
Saudades pra Lisboa

Voando sem cansaço, sem fadiga
Acompanhando as naves
Lá vão cumprindo a lida
Dos velhos marinheiros, há quem diga
Que essas mesmas aves 
Regressam à partida

Por isso as gaivotas maneirinhas
Voando em voos francos 
Por entre o mar e os céus
Parecem, com as asas tão branquinhas
Um mar de lenços brancos 
A dizerem adeus

Ó vida dá-me outra vida

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de António Mourão

Ó vida dá-me outra vida 
Só essa esperança me resta
Ó vida dá-me outra vida
Que esta que tenho não presta
Dá-me o amor, dá-me o ciúme 
Que abrasa a alma da gente
Ó vida dá-me outra vida 
Mas uma vida diferente

Nessa vida que eu te peço
Dá-me amargura também
Dá-me ternura e tristeza
Tudo isso que a vida tem

Não quero nada que tenho
Nem o tempo que há-de vir
Quero ser outro diferente
Ser diferente o meu sentir

Sonho louco

António de Vasconcelos / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Carlos Zel


Vivi sempre na vida um sonho louco
Que por amor de alguém tudo lhe dá
Mas tudo se perdeu a pouco e pouco
Na ansiedade de te procurar

Dei beijos que recordo com saudade
Em pétalas de rosas coloridas
Se ser poeta é ter a liberdade
Matei a escravidão em muitas vidas

Dei sonhos dei promessas, dei lembranças
Dei pedaços de amor ao mundo inteiro
Dei sorrisos abertos às crianças
O mais que havia em mim de verdadeiro

E quando finalmente te encontrei
Estavas só, no caminho junto ao mar
Estendi as mãos p'ra dar, mas nada dei
E o teu amor morreu no meu olhar

Nos campos de amar o dia

Vasco Lima Couto / Raúl Ferrão *fado carriche*
Repertório de António Mourão
Este poema também foi gravado por Nuno de Aguiar
com música do próprio Nuno de Aguiar


Meu amor, minha saudade 
Nos campos de amar o dia 
Deste ao corpo aquela sombra 
Que outra sombra repetia 

Tu que foste a primavera 
És agora a solidão
Onde a memória se prende 
Dentro e fora da razão

Gastei contigo as palavras 
Meu amor, a quem pedi
O louco desejo verde 
Que me perdeu porque o vi

Mas abandonei a vida 
Quando aprendi a canção
De quem parte e vai sózinho 
Com o silêncio na mão

Por isso esta voz fechada 
Que já quis a tua idade
Nada mais te pode dar 
Meu amor, minha saudade

Carta do expedicionário

Linhares Barbosa / Alberto Ribeiro 
Repertório de Alberto Ribeiro 

Angra do Heroísmo, Açores
Quarta-feira 6 de Agosto
Minha mãe, estou no meu posto
Portugal tem defensores


Isto é um jardim de flores 
Como outro mundo não tem
Terra de sonho... porém 
Para falar-lhe a verdade
Ando cheio de saudade
Minha boa e santa mãe

É a pátria, felizmente 
Que dos seus braços me aparta
Não chore ao ler esta carta 
Que pode crer, estou contente

Não é só o Continente 
Que é Portugal, é todo ele
A Terceira, São Miguel 
Corvo, São Jorge, Graciosa
Mas falando de outra coisa
Beije por mim a Isabel

Diga-lhe que me desgosta 
Estar aqui há três meses
Já lhe escrevi cinco vezes 
Sem ter obtido resposta

Posso jurar que ela gosta 
Só de mim, de mais ninguém
Mas saber-me-ia tão bem 
Ter notícias qualquer dia
Diga-lhe que, todavia
Aceite beijos, também

Tem graça! mesmo só visto 
Chegou agora o correio
E um maço de cartas veio 
Da Isabel, tudo isto

P'las cinco chagas de Cristo 
Sinto na alma um tropel
A boca sabe-me ao mel 
Dos beijos dela e dos seus
Sem mais minha mãe, adeus
Do seu filho Manuel

Virtudes do fado

Letra e música de Artur Machado
Repertório de Rui de Mascarenhas

O fado é trova singela 
Nascida da natureza
É das canções, a mais bela 
Desta terra portuguesa

É chama que nos anima 
E nos domina sem tirania
É o farol que ilumina 
E nos incita a ter valentia

Viajou nas caravelas 
Foi companheiro de Gama e Cabral
Tem páginas das mais belas 
Na grande história de Portugal

E será eternamente 
Canção dolente, sentimental
Como um sol que nos aquece 
E alumia a terra natal

É a canção mais bizarra 
Das que andam pelo mundo
E quando vibra á guitarra 
Tem um sabor mais profundo

O seu perfume embriaga 
E nos afaga com devoção
Terás como melhor paga 
Sempre lugar no meu coração

Passeou pelas vielas
Tendo chegado até aos salões
Quebrou peias e cancelas 
Dando conforto até nas prisões

Tu és o canto divino 
De projeção universal
Tens valor e tradição 
E a tua fama é imortal

Inspirou grandes artistas 
P'ra quadros cheios de graça
É cantado por fadistas 
E por fidalgos de raça

Teu passado glorioso 
É bem honroso e tem esplendor
E o teu cantar mavioso 
É chama acesa que inspira amor

O teu futuro é brilhante 
Nunca terás no mundo rival
Aguarda pois, confiante 
Ó filho amado de Portugal

Tens fibra e galhardia 
Dum nobre povo, honrado e valente
Não te falta valentia 
Para lutares de frente a frente

Nada e ninguém

António Lampreia / Manuel Viegas
Repertório de Tony de Matos

Nada e ninguém
Poderá conseguir, eu sei bem
Modificar este meu coração
Quando amar, tem de amar de verdade
Se odiar, não se esconde a mentir
E não se entrega sem uma razão

Nada e ninguém poderá censurar
A causa que alguém defendeu
Nada e ninguém poderá atirar
Pedras a quem se perdeu

Não há degraus p'ra subir
Quando as vidas se encontram
Muito sós, sem carinhos de alguém
Mas por isto mesmo
Serei sempre também p'ra toda a gente
Só, nada e ninguém

Rua da esperança

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de Ada de Castro


Na rua da esperança espero o meu amor
Uns olhos morenos, ciúme e ardor
Mãos junto das minhas, um falar baixinho
Um mundo de amor, olhar de carinho

Na rua da esperança
Espero o meu amor
Enquanto ele não chega 
Sou sol sem calor
Na rua da esperança
Espero o sol chegar
Afinal na vida 
O bom é amar

Na rua da esperança há esperança no ar
E a esperança que trazer nesse teu olhar
Na rua da esperança sou esperança sem fim
Esperança que puseste cá dentro de mim

Quadras soltas

Linhares Barbosa / L. Frias Matos / João Blak *fado menor do porto*
Repertório de Tony de Matos

Tu não chores se algum dia
Te disserem que eu morri
Pois mesmo na campa fria
Hei-de lembrar-me de ti

Tu falas-me tristemente 
Do perigo que aqui se corre
Que importa morrer a gente 
Se o pensamento não morre

Do poial da tua porta 
Uma pedra eu queria ser
P'ra quando tu me pisasses 
Eu ainda te agradecer

Tua mão que a minha enleia 
Tão enleadas as duas
Que eu sinto nas minhas veias 
Correr o sangue das tuas

Eu sou filha de Lisboa

Maria de Lourdes Carvalho / Maximiano de Sousa
Repertório de Ada de Castro

Tive por berço o Castelo, que é belo
Meu padrinho foi São Jorge, com fé
Tenho a honra por brasão
No nome que alguém me deu;
É o fado o meu condão
Que a glória conheceu;
Eu sou filha de Lisboa
E Lisboa ali nasceu

Vivo mais quando é de noite
Embalada p'lo luar 
Que o Tejo torna de prata
Sinto mais nas madrugadas
Onde a voz do fado 
Minha alma enamorada

E nos bairros correm sonhos
Vivo eu a mocidade
Poetas cantando vida
Fadistas cantam saudade

Tricana linda

Henrique Rego / Alfredo Duarte
Repertório de Alfredo Marceneiro 


Contou-me o rouxinol velhinho, do Choupal
Que a mais linda tricana um dia se finara
Por ter repudiado o seu amor fatal
Um jovem trovador por quem se apaixonara 


Vinha a cantar na mesma as suas serenatas
Nas margens do Mondego, o gentil trovador
Sem se importar jamais nas suas canções gratas
Da pobre que morrera entregue ao seu amor 


E diz que desde então, um eco murmurante
Que no Choupal responde à banda estudantina
É da tricana a voz, que julga ser o amante
Que hoje por lá canta a sua triste sina

Xaile de silêncio

Mário Cláudio / Carlos Gonçalves
Repertório de Mísia

Soubeste a cama estreita das varinas
A malga, o beijo, o sono das colheitas
O vulto dos amantes nas esquinas
O voo da gaivota mais perfeita

Ao anjo português, branca tormenta
Que o fado te embalou, rezaste o terço
E os barcos carregados de pimenta
Por ti se tornariam nosso berço

As mães em ti cantavam docemente
Doridas pela chama da amargura
E o urze dos pinhais, nascia rente
Á terra, que lhes fôra sepultura

Que xaile de silêncio nos deixaste
Que forma tão estranha de viver
Ó voz que ardes na sombra, espinho e haste
Lenço acenando em cada entardecer

Maria da Graça

Letra e música de Artur Ribeiro
Repertório de Carlos Ramos

Maria da Graça infinda
Era a mais linda das raparigas
Deixava sempre, ao passar
Frescas no ar, lindas cantigas

Mas uma tarde abalou
E regressou já noite morta
Desde então, que sina a sua
Dizem na rua de porta em porta

Já foi Maria da Graça
Já teve graça ao passar
E agora quando ela passa
Nem graça tem no andar
Entrou com ela a desgraça
No dia em que ele a deixou
Já foi Maria da Graça
Mas só Maria ficou

Tem um filhinho pequeno
Muito moreno, que atira ao pai
E adoça um pouco o desgosto
Beijando o rosto de sua mãe

Conserva o seu ar infindo
E um fogo lindo nos olhos belos
Mas o sol, quando ela passa
Já não esvoaça nos seus cabelos

O teu jeito de me amar

J.J.Galvão / Rui Filipe
Repertório de Rosa Negra

O teu jeito de olhar sem dizer nada
Que me deixa transtornada
Sem saber o que esperar
No teu peito desnudado de vaidade
Ponho o xaile da vontade
Da vontade de te amar

E eu que só queria andar sózinha
Quero agora estar ao pé de ti
Cada um percorre o seu caminho
E o meu por ti, chegou ao fim;
Meu inverno foi a tua ausência
Primavera quando estás aqui
Se o amor se apaga na distância
Vem aqui mais perto, junto a mim

Esse jeito que parece não ter jeito
Mas parece ter direito
A ficar dentro de mim
Se me deito, só me deito na saudade
E adormeço no desejo
Do teu jeito de me amar

Fado ladino

J. J. Galvão / Rui Filipe
Repertório de Rosa Negra

Sopra uma brisa quente que me leva
Ao Oriente que há em mim
Como um tapete que no ar se eleva
E que me tira os pés do chão
Memórias do meu coração

Será miragem este meu caminho
Será que um dia vai ter fim
Será que o vento esconde o meu destino
Detrás da sombra, solidão
Fado ladino, coração

Há uma rosa negra á minha espera
Entre as delícias do jardim
E num oásis de esperança eterna
Um sentimento de jasmim
Memórias do meu coração

Pequenas felicidades

Letra e música de Mário Moniz Pereira
Repertório de Lucília do Carmo

O nosso amor 
São pequenas felicidades
São sorrisos, são tristezas
Algumas leviandades
E também muitas certezas

Cresce sempre, nunca cansa 
Tudo nele são verdades
É certeza não é esperança
Não tem lugar p'ra maldades

O nosso amor 
São pequenas felicidades
São sorrisos, são tristezas
Algumas leviandades
E também muitas certezas 

Aumenta todos os dias 
Desde manhã ao sol-pôr
Aquece as noites mais frias 
Enfim, é o nosso amor

O nosso amor 
São pequenas felicidades
São sorrisos, são tristezas
Algumas leviandades
E também muitas certezas

Um dia tem de morrer
E muitos virão depois
Quando isto suceder 
Já não estamos os dois

A lenda duma guitarra

Hermenegildo Figueiredo / Jenny Telles
Repertório de Maria da Nazaré

Numa casa abandonada
Em ruínas, esburacada 
Duma viela sombria
Foi encontrada sózinha
Uma guitarra velhinha 
Dos tempos da fidalguia

Ninguém sabe de quem era
Seria até da Severa 
Dum fidalgo, dum rufia
Essa guitarra encontrada
Numa casa abandonada 
Às portas da Mouraria

Velha guitarra
Abandonada e escondida
Naquela casa bizarra

Da Mouraria esquecida
Ai quem me dera

Ouvir-te trinar agora
O fadinho rigoroso

Como nos tempos de outrora

Mas quando a noite está calma
E não se ouve viv'alma 
Alguém diz, sem fantasia
Que naquela casa, então
Se ouve estranha canção 
Em dolente melodia

É talvez o choro de alguém
Que do etéreo além 
Soluçando em voz sentida
Assim canta tristemente
Com saudades, certamente 
Dessa guitarra perdida

Senhora da saúde

Francisco Santos / Joaquim Campos
Repertório de Lucília do Carmo
Este tema foi gravado por Tony de Matos com o título 
*Ronda dos bairros*

Sentindo-me fadista e reforçando a amarra
Que prende no meu peito a sensibilidade
Sobraçando contente uma velha guitarra
De noite percorri os bairros da cidade

Em todos eu cantei uma trova de amor
Alfama, Mouraria, Alcântara e por Belém
Subi à velha Graça, ao bairro sonhador
Aonde o fado vibra eternamente bem 

Eu quis saber ao certo onde melhor cantava
Unida à conclusão da minha nostalgia
Às quatro da manhã eu reparei que estava 
Junto duma capela, ali na Mouraria

Senhora da Saúde, a santinha benquista
Parece que escutou a trova que eu cantei
Senti-me mais mulher, senti-me mais fadista
Na velha Mouraria aonde o fado é rei

Pescador que vais p'ró mar

Eduardo Damas / Manuel Paião
Repertório de Maria da Nazaré

Pescador que vais agora 
Partir prás águas do mar
Deixas cá alguém que chora 
Rezando aos pés do altar

Pescador, a tua vida 
É como o sol a brilhar
Se na hora da partida 
Tens um lenço a acenar

Adeus, adeus, adeus meu amor
Ao dizer-te adeus eu choro de dor
Adeus meu amor, eu fico a pensar
Que ás vezes o mar os leva
E não os deixa voltar

Entre as velas a brilhar 
Eu rezo cheia de fé
Protegei-o lá no mar 
Senhora da Nazaré

Ele partiu satisfeito 
Disfarçando a emoção
E levou dentro do peito 
Todo o meu coração

Velho estudante

José Galhardo / Rey Colaço / Raúl Portela
Repertório de José Viana

O povo de hoje que admira
No palco, ainda os atores
Não viu como eu, os valores 
Por quem a cena suspira
Vi o Pepa e o Sinira 
Entre os grandes veteranos
O Brasão, o Joaquim Costa 
Vi a estreia da Palmira
Deixa ver há quantos anos?
Não digo que ela não gosta

Ai que saudades, ai, ai
Ter mocidade, o quê? 
São tudo enganos
O tempo, vai, vai
E mal vivemos 
Já fizemos sessenta anos

Eu sou do tempo jucundo 
Das revistas Sol e Dó
Trinta e um e Dominó 
Que evoco, meditabundo
Recordo o encanto profundo 
Dum teatro já distante
Estar velho é que me zanga 
Bons tempos dum novo mundo
Quando o Estevão Amarante
Cantava o Fado do Ganga

Saudades tenho-as aos montes

Mário Martins / Raúl Portela *fado magala*
Repertório de Maria da Nazaré

Não me digas tenho medo
O amor é ousadia
Da noite do teu sorriso
Faço a aurora do meu dia

Saudades tenho-as aos montes 
Não de ti, mas doutra vida
Meus olhos são duas fontes 
Chorando a paz prometida

Vejo-me só, estremeço 
Sem passado não se vive
Só me restam as saudades 
Do passado que não tive

Junto a ti não fui feliz 
Longe de ti, também não
Mas que triste é ter de andar 
Às ordens do coração

Menina Lisboa

Frederico de Brito / Raúl Ferrão *lisboa não sejas francesa*
Repertório de Maria Clara


Quando à noite, à luz da vida
Já nada resiste
Em minh'alma colorida
Eu sinto a mesma noite triste

Morta de ansiedade 
Vejo a claridade
Que me alenta o coração
E é então que, com saudade
Canto comigo esta canção


Lisboa, menina bonita 
De blusa de chita, chinela a bailar
Lisboa dos bairros fadistas 

Das trovas bairristas de noite, ao luar
Lisboa do céu cristalino 
Do sol diamantino, como outro não vi
Lisboa, tu vês que eu não minto 

Crê bem que já sinto saudades de ti

Busco às vezes a alegria
Mas ai, só a vejo
No fado da Mouraria
E na beleza do meu Tejo

Presa nesse encanto
Sofro tanto, tanto
Que o meu pobre coração
Só se anima quando canto
Intimamente, esta canção

Não voltes à minha porta

Frederico de Brito / Pedro Rodrigues 
Repertório de Lucília do Carmo  


Não voltes à minha porta
Não ponhas aqui os pés
Nem passes estes umbrais
Sofro com isso, que importa?
Agora sei quem tu és
És de quem eu gosto mais

A vida assim não tem graça
Nada consegue prender-te 
Eu tinha de ser assim
Mas na vida tudo passa
Agora nem quero ver-te 
Nem quero ver-te sem mim

Além de falso és trocista
Muito embora reconheça 
Que de amor meu peito arde
Some-te da minha vista
Não quero que me apareças 
Que me apareças tão tarde

Eu sei que finjo com arte
Tua boca jura e mente 
Teu olhar, chora e sorri
Se eu voltar a procurar-te
Eu seja a mulher mais cega 
Mais cega de amor por ti

Maria do Tejo

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de José Viana


Maria do Tejo
Maria que eu vejo
A olhar o mar
Teu amor primeiro
Foi um marinheiro
Que não quis voltar

Maria do Tejo
Sem que o teu desejo
É um marinheiro
Pois pensas com dor
Que não há amor
Como aquele primeiro

Maria do Tejo, tens mar no teu rosto
Por isso és bonita, és mesmo a meu gosto
Maria do Tejo fica a lamentar
De ti é que eu gosto, mas não sou do mar

Duas janelas

Artur Ribeiro / António Mestre
Repertório de Maria Clara 

Quando na hora marcada 
Chegas à tua janela
A minha fica mais bela 
Pela tua enamorada

E depois, numa conversa 
Levada pela nossa voz
De casarem como nós 
Fazem a louca promessa

Duas janelas
Morando na mesma rua
Uma é minha, a outra é tua
Juntas na mesma oração
Rezam horas esquecidas
O noivado de nós dois
Para ficarem unidas
Em nossa casa, depois

Depois do nosso noivado 
Hás-de ver as janelinhas
A viver muito juntinhas 
Em nosso ninho encantado

E quando, lá das estrelas 
Vier alguém por bendigo
Verás nascer um postigo 
Filho das duas janelas

Quebranto

Letra e música de Jorge Fernando 
Repertório do autor 

Nesse teu olhar timbre de mel 
Onde deito os olhos a perder 
Descubro que o querer-se ser fiel 
Não depende só de queremos ser 

Desce em mim um silêncio 
Um leve quebranto 
Que triste paira no ar 
E p'la calada da noite 
Me faz voltar 
Me faz voltar 

Não posso pôr a mão no pensamento 
Reduzi-lo ao fechar da minha mão 
Mas sempre a ti regressa em voo lento 
Como te sou fiel, descubro então 

Por isso, minha amada de olhos doces 
Onde me traio p'ra te ser fiel 
Assim eu não seria, se não fosse 
Esse teu olhar timbre de mel

Marquês de Linda-a-velha

Carlos Conde / Manuel Maria Rodrigues *manel maria*
Repertório de Rodrigo


Nos fins do século passado
Um breque lindo, tirado
Pela mais bela parelha
Pára alta noite, hora morta
Guizalhando junto à porta
Do Marquês de 
Linda-a-Velha

Lá dentro há rambóia e farra
O Marquês toca guitarra 
P'rá Júlia da Amendoeira
E nos salões do Marquês
Há palmas de quando em vez 
Aos motes da cantadeira

Do breque sai uma dama
Senhora nobre e de fama 
Nos anais da fidalguia
Que sente um certo azedume
E uma ponta de ciúme 
P'la mulher da Mouraria

Ela entrou, calou-se tudo
E nesse ambiente mudo 
Uma voz sobressaiu
A Júlia, altiva e bizarra
Cantou mesmo sem guitarra 
Um fado triste e saiu

A assistência entreolhou-se
O portão nobre fechou-se 
E guizalhou a parelha
O Marquês vive isolado
E nunca mais se ouviu fado 
Nos salões de Linda-a-Velha

Fado das tamanquinhas

Linhares Barbosa / Carlos Neves 
Repertório de Amália Rodrigues
Também publicado com o título *Esta Lisboa* 
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

De cantigas e saudades 
Vive esta linda Lisboa 
Faz loucuras e maldades 
Mas no fundo, pura e boa 
Nas suas leviandades

Burguesinha no Chiado
No seu pátio, costureira
Nos retiros, canta o fado
No mercado é regateira 
E o Tejo é seu namorado

Faz das cantigas pregões 
Gosta do sol e da lua
Vai com fé nas procissões
Doida nas marchas da rua 
Tem ciúmes e paixões

Vive esta linda Lisboa 
Diferente doutras cidades
É bairro azul, Madragoa
Defeitos e qualidades 
Tudo tem esta Lisboa

Despedida

Pedro Homem de Mello / José Marques do Amaral 
Repertório de João Ferreira Rosa 

Porque é que adeus me disseste 
Ontem e não outro dia 
Se os beijos que ontem me deste 
Deixaram a noite fria 

Para que voltar atrás 
Ver uma esperança perdida 
Se as horas boas são más 
Quando chega a despedida 

Meu coração já não sente 
Nem eu sei se já te vi 
Lembro-me de tanta gente 
Que nem me lembro de ti 

Quem és tu que não existes 
Se entre nós tudo acabou 
Mas pelos meus olhos tristes 
Poderás saber quem sou

Um dia

Mário Rainho / Jorge Fernando
Repertório de Jorge Fernando


Um dia hei-de apagar desta memória
Esse amor que bebi como veneno
E só depois então, cantar vitória
Rasgando os versos em que me condeno


Um dia hei-se soltar de novo o canto
Ser poema que alcance um outro espaço
Não me quedar aqui neste entretanto
Morrendo na distância dum abraço

Um dia hei-de chegar a ser razão
No alto precipício que dominas
E com golpes de rosto, dizer não
Como um cavalo a sacudir as crinas

Um dia hei-de enxugar todo este rio
Nascente no olhar de água tão fria
Um dia hei-de aceitar o desafio
De te voltar a amar... um dia, um dia

A ilha do meu fado

João Mendonça / José Medeiros
Repertório de Carla Pires

Esta ilha que há em mim
E que em ilha me transforma
Perdida num mar sem fim
Perdida dentro de mim
Tem da minha ilha a forma

Esta ilha incandescente 
Derramada no meu peito
Faz de mim um ser diferente
Tenho do mar a semente 
Da saudade tenho o peito

Trago no corpo a morraça 
Das brumas e nevoeiros
Há uma nuvem que ameaça
Desfazer-se em aguaceiros 
Nestes meus olhos de garça

Neste beco sem saída 
Onde o meu coração mora
Oiço sons de despedida
Vejo sinais de partida 
Mas teimo em não ir embora

Fado 23 de Agosto

João Gigante Ferreira / Raul Ferrão *fado carriche*
Repertório de Helena Sarmento

As gaivotas perfiladas 
No silêncio do sol-pôr
Barcos, velas amarradas 
Tudo olha o meu amor;
As gaivotas mergulhadas
No silêncio do sol-pôr

Esqueci-me dos teus dedos 
Debaixo da minha pele
São dez, esses segredos 
Todos feitos do teu mel;
Apetecem-me os teus dedos
Debaixo da minha pele

Perfumada do sorriso 
Dos teus lábios, tenho a boca
Fecho os olhos se preciso 
Cantar-te com a voz rouca;
Segredar-te ao ouvido
Dos teus lábios tenho a boca

Labirinto da cidade 
Acaso de andar perdida
Encontrar-me de verdade 
No meio da minha vida:
Adormecer sem idade
Do sonho fazer partida

E tudo levar comigo 
As gaivotas no meu bolso
Os teus dedos no umbigo 
Do amor, o alvoroço;
Alfazema do teu riso
Quatro beijos no pescoço

A Rosa e o Chico

Rui Rocha / Miguel Rebelo 
Repertório de Miguel Rebelo 

A Rosa de Alfama 
Trabalha na copa dum bar afamado
Já criou a fama 
S fazer a sopa a cantar o fado
E diz quem provou
Que nunca encontrou um sabor assim
Um gosto a guitarra
A noites de farra e paixões sem fim

E o Chico das mesas 
Ganhou pela Rosa amor e carinho
E cheio de incertezas
Pediu-a por esposa dizendo baixinho
És mulher prendada
Tem dotes de fada e és destemida
Eu sonho acordado 
Viver a teu lado p'ró resto da vida

E tal foi o espanto
Que a Rosa Maria ficou sem falar
E Chico entretanto 
Da copa fugia com o rosto a corar
E ninguém pensava 
Que a Rosa aceitava noivar o lacaio
E contra o esperado 
Ficou combinado casamento em Maio

Juntaram mobília
Faiança do norte e mudas de cama
Fotos de família
Medalhas de sorte e um quadro de Alfama
E num lar modesto 
Feliz e honesto ficaram depois
E criando os filhos sem terem cadilhos
Viveram os dois