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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os criadores dos temas aqui apresentados.
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Tenho vindo a publicar letras (de autores que já partiram) sem indicação de intérpretes ou compositores na esperança de obter informações detalhadas sobre os temas.
<> 7.765 LETRAS <> 3.982.000 VISITAS <> 30 DE JUNHO DE 2025
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Leva-me aos fados

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Ana Moura

Chegaste a horas c
omo é costume
Bebe um café 
Que eu desabafo o meu queixume
Na minha vida 
Nada dá certo
Mais um amor 
Que de findar me está tão perto

Leva-me aos fados

Onde eu sossego
As desventuras 
Do amor a que me entrego
Leva-me aos fados

Que eu vou perder-me
Nas velhas quadras 
Que parecem conhecer-me

Dá-me um conselho
Que o teu bom senso
É o aconchego 
De que há tempos não dispenso
Caí de novo mas quero erguer-me
Olhar-me ao espelho 
E tentar reconhecer-me

Fado vestido de fado

Mote de Fernando Maurício / Glosa de Mário Rainho / Popular *fado corrido*
Repertório de Ana Moura


Se fado é tristeza e dor
Se é ciúme, se é pecado
Que serás tu, meu amor
Todo vestido de fado


Talvez sejas o quebranto 
Meu pranto em horas tardias
Rosário de Avé-Marias 
Que rezo quanto te canto;
Pois fico neste entretanto 
Dum acorde desenhado
Porque te chamo num fado
Te canto com tal fervor
Se fado é tristeza e dor
Se é ciúme, se é pecado


Os meus sentidos dispersos 
Não me conseguem dizer
Razões da minh’alma ser 
Refúgio de tantos versos;
Mistério dos universos 
P'ra onde foi atirado
Este desejo rogado 
Na minha voz em clamor
Que serás tu, meu amor
Todo vestido de fado

Na palma da mão

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Ana Moura

Eu queria escrever-te umas quadras diferentes
Daquelas repletas de amores e de pó
Versejar constante, consequente e urgente
Onde o protagonista acaba sempre só

Quadras dispersas, distintas, pontuadas
A roçar um ponto algures na emoção
À beira do abismo, arriscada escalada
Ao ponto mais alto que tem o coração

Mas se eu cair tonta, das altas alturas
Por sobre os penhascos das linhas da mão
Peço que a feches, que em boa ventura
Sentirás parar o meu coração

Mantém-na fechada que o riso do susto
Pode arredondar os teus olhos e então
As pupilas lassas revelam-te a custo
Que sou mais uma linha na tua palma da mão

Não é um fado normal

Letra e música de Amélia Muge
Repertório de Ana Moura

Olhas p’ra mim com esse ar reservado
A estoirar pelas costuras
Nem sei se estou em Lisboa
Será que é Tóquio ou Berlin?
Tu não me olhes assim!
Porque o teu olhar tem ópio
Tem quebras nos equinócios
Pitadas de gergelim

Mas se isto é fado

Ponho o gergelim de lado
Vou buscar o alecrim

E tu sempre a olhar p’ra mim;
Como se alecrim aos molhos

Atraíssem os meus olhos
Não tenho nada com isso
Alguém que quebre este enguiço
Que eu não respondo por mim


E já estou, quase a trocar 
O mal pelo bem e o bem pelo mal
Se isto é fado
Não é um fado normal
A trocar, o mal pelo bem 
E o bem pelo mal
Não é um fado normal

Vou por lugares 
Nunca dantes visitados
E há que ter alguns cuidados 
Porque bússola não há
E baralham-se os sentidos 
Se andamos ao Deus-dará
Sem sentinelas nos olhos 
Vou confiar no ouvido
E nada vai estar perdido

Mas se isto é fado

Vou entristecer o quadro
P’ra tom de cinza acordado

Que eu não quero exagerar;
No meio do nevoeiro
Teimo em ver o teu olhar
Que sei não ser derradeiro
Alguma coisa se solta

Que talvez não tenha volta

Talvez depois

Jorge Fernando / Custódio Castelo
Repertório de Ana Moura

Deixei de mim as frases que trocámos
Os beijos e o tédio de os não ter
Sem querer nós nos cegámos
Sem querermos ver

As roupas e os livros não os trouxe
Que se envelheçam cobertos de pó
Por querermos que assim fosse
Deixo-te só

Recuso a sombra
Triste véu sobre minh’alma
Quero-me longe 
E sem tremores fujo de mim
Esmorece o dia
Cai a noite e não se acalma
O querer saber 
Qual a razão de ver-me assim

Não sei ser razoável nem te espero
No tempo que pediste p’ra nós dois
Amar-te assim não quero
Talvez depois

Marcaste a minha dúvida cinzenta
Do sentimento que te unia a mim
Sabê-lo não me alenta
Melhor o fim

Palavras... só palavras que como alento
Seduzem a minh’alma a querer-te tanto
Atrais-me o pensamento

Como um quebranto

Fado das mágoas

Jorge Fernando / José Manuel David 
Repertório de Ana Moura 

As mágoas não me doem, não são mágoas 
No plano da minh’alma já não moram 
Se as águas se evaporam, não são águas 
São etéreas lembranças do que foram 

O canto que então frágil não contive 
Do cimo dos meus olhos se lançou 
Que de tanto chorar não mais o tive 
Nem a última das lágrimas me ficou 

Não deitei fora as dores, mas hoje trago-as 
À beira do meu ser de ti deserto 
O que vês nos meus olhos não são mágoas 
São penas dum amor que não deu certo

Por minha conta

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Ana Moura

Fiquei por minha conta 
Mercê dum passo incerto
A culpa em mim se apronta 
Ronda-me a alma por perto

Fiquei num olhar fundo 
Perdido não sei onde
Só sei cede-me ao mundo 
Onde o meu ser se esconde

A noite é fria, nu
blosa bruma
Que me seguia a parte nenhuma

Tudo é vazio na mão fechada
Cerra-se o frio, não dou por nada

Fiquei ao fim de tudo 
Num tudo sem ter fim
E a voz dum grito mudo 
Anseia saber de mim

Que dizer de nós

Jorge Fernando / Ana Moura
Repertório de Ana Moura

A sombra ensombra-me os dias 
Num divagar lento
As mãos dobradas vazias 
Por sobre o próprio lamento

Que dizer de nós amor?
Sentam-se as horas
Rodopiam os segundos 
Na perseguição de nós;
Como abismo escuro e fundo
Que atrai-me assim o ser e a voz
Não é mais do que um 
Perdido lamento atroz

Perdidos olhos vagueiam 
Olham sem ver, cegos
Redondas frases anseiam 
Fazer-se voz eu nego

Que dizer de nós amor?
Tudo se oculta
Tudo é estreito e estreita 
Em nós a margem da culpa
Como a sombra a que me dei
Que atrai-me assim o ser e a voz
Não é mais do que um perdido 
Lamento atroz

Fado das águas

Mário Rainho / Alfredo Marceneiro *fado bailado*
Repertório de Ana Moura

Dentro do rio que corre
No leito da minha voz;
Há uma saudade que morre
Dentro do rio que corre
Em lágrimas até à foz

Dentro do mar mais profundo 
Refletido em meu olhar
Não pára o pranto um segundo
Dentro do mar mais profundo 
No meu rosto a desmaiar

Dentro das águas nascentes 
Das fontes que a alma canta
Num crescendo de correntes

Dentro das águas nascentes 
Correm mágoas p’la garganta

Dentro da chuva caída 
Como franjas do meu fado
Eu encharco a minha vida
Dentro da chuva caída 
Meu canto é d’águas lavado;
Eu encharco a minha vida

Dentro da chuva caída
Como franjas do meu fado

Esta noite

Jorge Fernando / Alfredo Marceneiro *marceneiro*
Repertório de Ana Moura

Esta noite saio à rua
Não vou carpir mais as mágoas
Neste meu quarto fechado;
O que no peito se amua
São dores, e eu triste trago-as
Na boca em forma dum fado

Esta noite não me escondo
Entre as mãos trémulas frias 
Da solidão a buscar-me
Sai-me do peito redondo
Um suspiro e as agonias 
A que não quero mais dar-me

Esta noite não reclamo
A luz sombria do quarto 
Em que a mágoa se acentua
Ponho de parte o que eu chamo
A dor de um passado ingrato 
Esta noite saio à rua

De quando em vez

Mário Raínho / João Maria dos Anjos
Repertório de Ana Moura

De quando em vez lá te entregas
Nesse sim em que te negas
Ou nesse não que me é tanto;
Não te pergunto os porquês
Deste amar de quando em vez
Ou talvez de vez em quando

Quase sempre de fugida
Como criança escondida 
Nosso amor brinca com o fogo
Se queremos dizer adeus

Porque dizemos *Meu Deus* 
Simplesmente um *até logo*

E o enleio continua
À mercê de qualquer lua 
Que nos comanda os sentidos
E a paixão que não tem siso
Deixa-nos sem pré-aviso 
De corpo e alma despidos

Por teimosia ou loucura
Algemamos a ventura 
Do amor em nós reencarnando
Prefiro, como tu vês
Amar-te de quando em vez 
Ou talvez de vez em quando

Crítica da razão pura

Nuno Miguel Guedes / José António Sabrosa*fado velho* 
Repertório de Ana Moura 

Porque quiseste dar nome 
Ao gesto que não se diz 
Ao jeito de ser feliz 
Porque quiseste dar nome? 

 De que te vale saber 
De que é feita uma paixão 
As estradas de um coração 
De que te vale saber? 

 Porque quiseste pensar 
Aquilo que apenas se sente 
O que é alma luz e gente 
Porque quiseste pensar? 

Diz onde está a razão 
Daquilo que não tem juízo
Que junta o choro e o riso 
Diz onde está a razão?

Porque quiseste entender 
O fogo que fomos nós?
Meu amor, se estamos sós 
Foi porque quiseste entender

Como uma nuvem no céu

Letra e música de Tozé Brito
Repertório de Ana Moura

Dizem as crenças, as leis, as sentenças

Lê-se em anúncios, na palma da mão
Como uma nuvem no céu
O nosso amor não tem solução


Dizem os sábios, os lábios, os olhos

Vem em jornais e revistas que li
Como uma nuvem no céu

O nosso amor já não passa daqui

Mentira, como uma nuvem no céu
Ou como um rio que corre para o mar
Também eu corro para ti
Isso nunca irá mudar

Dizem os livros, os astros, a rádio 
Vem nos horóscopos, nos editais
Como uma nuvem no céu 
O nosso amor já não dura mais

Dizem as folhas do chá e as notícias 
Dizem as fontes bem informadas
Como uma nuvem no céu 
O nosso amor tem as horas contadas

Dizem os sonhos, as lendas, a história 
Vem num artigo, saiu num decreto
Como uma nuvem no céu 
O nosso amor carece de afeto

Dizem os homens, as fadas, os fados 
E vem no código da nossa estrada
Como uma nuvem no céu 
O nosso amor não vai dar em nada

Caso arrumado

Manuela de Freitas / Pedro Rodrigues
Repertório de Ana Moura

Não te via há quase um mês
Chegaste e mais uma vez
Vinhas bem acompanhado;
Sentaste-te à minha mesa
Como quem tem a certeza
Que somos caso arrumado

Ela não me queria ouvir
Mas tu pediste a sorrir 
O nosso fado preferido
Fiz-te a vontade, cantei
E quando à mesa voltei 
Ela já tinha saído

Não é a primeira vez
Que começamos a três 
Eu vou cantar e depois
O nosso fado que eu canto
É sempre remédio santo 
Acabamos só nós dois

Eu sei que tu vais voltar
P’ra de novo eu te livrar 
De um caso sem solução
Vou cantar o nosso fado
Fica o teu caso arrumado 
O nosso caso é que não

Águas passadas

Jorge Fernando / José Mário Branco
Repertório de Ana Moura


Sei que os dias hão-de dar-me a paz que eu quero
Sei que as horas hão-de ser menos pesadas
E que as noites em secreto desespero
Hão-de ser recordações, águas passadas

Sei que tudo tem um fim e o fim de tudo
É o tudo que me resta por viver
E o teu olhar inquieto onde me iludo
É o desvio da minh’alma a se perder

Sei que sempre que te sei em outros braços
Há um punhal a atravessar todo o meu ser
Os meus olhos a alongarem-se num traço
São o espelho da minh’alma a não querer ver

Sei no entanto, que há uma luz no horizonte
Que antevejo, entre lágrimas resignadas
Que esta história seja a história onde se conte
O que um dia em mim serão águas passadas

A penumbra

Letra e música de: Jorge Fernando
Repertório de Ana Moura

Uma noite em claro estou, eu não sei rezar
Pensamento inútil vou tentar-me anular
Fiquei triste, triste sou, eu não sei rezar

Vem que a alma se afunda
Nesta imensa penumbra
Que a noite me está morrendo
Que a noite me está morrendo

Minha noite um brilho tem, um sinal plebeu
Não tenho malícia mãe, o descuido é teu
O amor não se nega nem a quem nega o seu

Uma noite em claro estou a saber de mim
À flor da minh’alma sou princípio do fim
Quem me prendeu, quem me amou
Não cuidou de mim

Meus lindos olhos

Letra e música de Mafalda Arnauth
Repertório de Mafalda Arnauth

Meus lindos olhos, qual pequeno Deus
Pois são divinos de tão belos os teus
Quem tos pintou, com tal condão
Jamais neles sonhou 
Criar tanta imensidão

De oiro celeste
Filhos de uma chama agreste
Astros que alto o céu revestem
E onde a tua história é escrita

Meus lindos olhos, de lua cheia
Um esquecido do outro
A brilhar p’ra rua inteira
Quem não conhece teu triste fado
Não desvenda em teu riso 
Um chorar tão magoado

Perdões pedidos
Num murmúrio desolado
Quando o réu morava ao lado
Mais cruel não pode ser

Este fado que aqui canto 
Inspirou-se só em ti
Tu que nasces e renasces 
Sempre que algo morre em ti

Quem me dera poder cantar
Horas, dias, tão sem fim
Quando pedes só p’ra mim
Por favor, só mais um fado

O Marceneiro

Armando Neves / Alfredo Duarte *fado cuf* 
Repertório de Alfredo Marceneiro
Existe outro registo deste tema cantado por Alfredo Marceneiro
com música de Júlio Duarte

Com lídima expressão e voz sentida
Hei-de cumprir no mundo a minha sorte 
Alfredo Marceneiro toda a vida 
Para cantar o fado até à morte 

Orgulho-me de ser em toda a parte 
Português e fadista verdadeiro 
Eu que me chamo Alfredo, mas Duarte 
Sou para toda a gente o Marceneiro 

Este apelido em mim, que pouco valho 
Da minha honestidade é forte indício 
Sou Marceneiro, sim, porque trabalho 
Marceneiro no fado e no ofício 

Ao fado consagrei a vida inteira 
E há muito, por direito de conquista 
Sou fadista, mas à minha maneira 
À maneira melhor de ser fadista 

E se alguém duvidar crave uma espada 
Sem dó numa guitarra, para crer 
A alma da guitarra mutilada 
Dentro da minha alma há-de gemer

Serás sempre Lisboa

Letra e música de Mafalda Arnauth
Repertório da autora

Tens sempre na ponta da língua 
Resposta p’ra tudo com teu ar certeiro
Tens esse grito que ecoa 
E nunca magoa, porque é verdadeiro
Tens nas varinas a raça e no gingar a pirraça
Pois pode o tempo passar, serás sempre Lisboa

Ai, Lisboa... ai, tão bela
Tens a Graça por janela
De onde vejo 
O quanto tenho para amar

E vou correndo até ao rio
Pelo caminho beijo a Sé
Chego a Alfama em desvario
Porque é maior a minha fé
Canto, canto, canto
Ao fado, a Lisboa, à minha vida

Tens esse jeito dos simples 
Que à hora da janta cabe sempre mais um
E abres os braços aos outros 
Dizendo “são loucos” não é favor nenhum
E até das brigas de amor 
Dizes que são o calor
Que te alimenta o sentir
Que te faz ser Lisboa

Ai, Lisboa.. ai, tão bela
Tens a Graça por janela
Que aos amantes 
Dá motivo p’ra sonhar

Talvez a marcha já não passe 
E a boémia está esquecida
E haja mesmo quem arraste 
Esta Lisboa qual vencida
E eu canto, canto, canto
Ao fado, a Lisboa, à minha vida

O bêbedo pintor

Linhares Barbosa / Alfredo Duarte *fado laranjeira* 
Repertório de Alfredo Marceneiro 

Encostado sem brio ao balcão da taberna 
De nauseabunda cor e tábua carcomida 
O bêbado pintor a lápis desenhou 
O retrato fiel duma mulher perdida 

Impudica mulher, perante o vil bulício 
De copos tilintando e de boçais gracejos 
Agarrou-se ao rapaz e cobrindo-o de beijos 
Perguntou-lhe a sorrir, qual era o seu oficio

Ele a cambalear, fazendo um sacrifício 
Lhe diz a profissão em que se iniciou 
E ela escutando tal, pedindo alcançou 
Que então lhe desenhasse o rosto provocante 

E num sujo papel, as feições da bacante 
O bêbado pintor a lápis desenhou 
Retocou o perfil e por baixo escreveu 
Numa legível letra o seu modesto nome 

Que um ébrio esfarrapado, e o rosto cheio de fome 
Com voz rascante e rouca à desgraçada leu 
Esta, louca de dor para o jovem correu 
Beijando-lhe muito o rosto, e abraço-o de seguida 

Era a mãe do pintor, e a turba comovida 
Pasma ante aquele quadro, original, estranho; 
Enquanto o pobre artista amarfanha o desenho 
O retrato fiel duma mulher perdida

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*


Quanto a purismo fadista, uma letra avulta entre a vasta produção de Henrique Rego: 
O Bêbado Pintor. Longuíssima glosa em quatro décimas a uma quadra, ainda por cima 
em versos alexandrinos – os mais longos que se conhecem –, foi vítima de algo que também
aconteceu a outros fados: a amputação. 
A rádio da década de 60 do séc. XX já não suportava, de bom grado, trechos 
musicais superiores a três minutos. Então, a editora Valentim de Carvalho
quando gravou o paradigmático LP «O Fabuloso Marceneiro» (com o título em inglês 
mais visível do que o português, o que indiciava a captação de públicos anglófonos 
ou pacoviamente anglófilos), obrigou a que metade da letra, aqui entre parêntesis retos
fosse cortada:
- - - 
- - 
-
ORIGINAL

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Encostado, sem brio, ao balcão da taberna
De nauseabunda cor e tábua carcomida
O bêbado pintor, com lápis desenhou
O retrato fiel duma mulher perdida


Era noite invernosa, o vento desabrido
Num louco galopar ferozmente rugia
Vergastando os pinhais, pelos campos corria
Como um triste grilheta ao degredo fugido
Num antro pestilento, infame e corrompido
Imagem de bordel, cenário de caverna
Vendia-se veneno à luz duma lanterna
À turba que se mata ingerindo aguardente
E a um jovem pintor, que atrofiava a mente
Encostado sem brio, ao balcão da taberna

Rameiras das banais, num doido desafio
Exploravam do artista a sua parca féria
Ele, na embriaguez do vinho e da miséria
Cedia às tentações daquele mulherio
Nem a mortiça luz, nem mesmo o próprio frio
Daquele vazadouro, onde se queima a vida
Faziam incutir, à corja pervertida
Um sentimento bom de amor e compaixão
P’lo ébrio que encostava a fronte ao vil balcão
De nauseabunda cor e tábua carcomida

Impudica mulher, por entre o vil bulício
De copos tilintando e de boçais gracejos
Agarrou-se ao rapaz e, cobrindo-o de beijos
Perguntou-lhe, a sorrir, qual era o seu ofício
Ele, a cambalear, fazendo um sacrifício
Lhe diz a profissão em que se iniciou
Ela, escutando tal, pediu-lhe e alcançou
Que então lhe desenhasse o rosto provocante
E, num sujo papel as feições da bacante
O bêbado pintor, com lápis desenhou

Retocou o perfil e por baixo escreveu
Numa legível letra o seu modesto nome
Que um ébrio esfarrapado, e rosto cheio de fome
Com voz rascante e rouca à desgraçada leu
Esta, louca de dor, para o jovem correu
Beija-lhe muito o rosto, abraça-o de seguida
Era a mãe do pintor! A turba comovida
Pasma ante aquele quadro original e estranho
Enquanto o pobre artista amarfanha o desenho
O retrato fiel duma mulher perdida

Quando se gosta de alguém

Letra e música de Amália Rodrigues
Repertório de Amália 
Esta melodia aparece também atribuída a Carlos Gonçalves

Quando se gosta de alguém
Sente-se dentro da gente
Ainda não percebi bem
Ao certo o que é que se sente

Quando se gosta de alguém 
É de nós que não gostamos
Perde-se o sono por quem 
Perdidos de amor andamos

Quando se gosta de alguém 
Anda assim como ando eu
Que não ando nada bem 
Com este mal que me deu

Quando se gosta de alguém 
É como estar-se doente
Quanto mais amor se tem 
Pior a gente se sente

Quando se gosta de alguém 
Como eu gosto de quem gosto
O desgosto que se tem 
É desgosto que dá gosto

Arma certeira

Carlos Conde / Frederico de Brito *fado britinho*
Repertório de Nuno de Aguiar

Tenho p’ra me defender
Uma arma bem singela
Mas de um enorme valor
Pois venha lá quem vier
Quando manejo com ela
Fico sempre vencedor

Venço a má língua, a arrogância
A calúnia mais brutal 
Os fins da mais torpe ação
Até venço a relutância
Daqueles que dizem mal 
E no fim, pedem perdão

Nada temo nesta vida
Nem as almas malfazejas 
Nem os ditos lés a lés
Tudo levo de vencida
Até as próprias invejas 
Caem de rojo, a meus pés

Nada pois me causa medo
Nem o ódio dos irados 
Aumenta as minhas fadigas
Esmago o devasso enredo
Dos concluios fomentados 
Ante as mais baixas intrigas

Arma de golpes certeiros
Perante o reles motejo 
De quem ri do indefeso
Vence exércitos inteiros
Essa arma que eu manejo 
E que se chama desprezo

Quase imortal

Letra e música de Mafalda Arnauth
Repertório da autora

Quis soltar o grito que me queima
O lamento que em mim teima
Em não ficar calado
Quis soltar a mágoa, a ansiedade
Dos dias da verdade
Tão diferentes do passado

E agora que soltei o meu grito
Não menos triste me sinto
Que o cantar não leva a dor
Pois o meu canto não muda o destino
De viver em desatino
Eu, a vida e este amor

Quis viver, um amor quase imortal
Que não me levasse a mal
Ter tamanho o coração
Fui amada na ilusão de quem não era
Talvez porque tanto dera
Sem saber que era em vão

E o meu pecado é ainda acreditar
Ser possível querer e amar
Dando ouvidos à razão
Se o amor é louco como dizem por aí
Eu que a mim sempre menti
Vou escutar o coração

Fado das juras

Pedro Bandeira / Alfredo Medes *fado fininho*
Repertório de Esmeralda Amoedo 


Juro que nunca mais falo contigo
Juro que nunca mais te torno a olhar
E juro que serei, p'ra teu castigo
Remorso que te há-de acompanhar

Julgas que eu talvez por ti chorei
Ou saudades de amor, por ti senti
Pois eu juro que sempre te odiei
E que nem afeição senti por ti

Eu juro que hei-de rir só de pensar
Que um dia te jurei eterno amor
E juro nunca mais tornar a amar
E juro viver sempre alheia à dor

Juro que não irei no teu encalço
Juro não perdoar as tuas queixas
E juro que te estou a jurar falso
E que morro de amor, se tu me deixas

Zé grande

Carlos Conde / Raul Pereira *fado zé grande*
Repertório de Raúl Pereira

O Zé grande, um cocheiro de rotina

Muito embora vergado pela idade
Falou-me, agora mesmo, ali à esquina
Da Travessa do Poço da Cidade

Fiz praça, no Rossio, na Horta Seca
E andei, noites inteiras, com rambóias
Corri os arrabaldes, Seca e Meca
Com a melhores parelhas e tipóias

Levei muitos brasões fora de portas
Fadistas à abertura do bom vinho
Cantoras do S. Carlos, para as hortas
E coristas, p’ras ceias do Charquinho

Conduzi o Ginguinha e o Janota
Ao Zé da Basalisa, muita vez
Levei damas da alta, à Porcalhota
E ciganas, à Feira das Mercês

Depois de rebuscar algum dinheiro
Resolveu afogar uma saudade
E pediu três do lote ao carvoeiro
Da Travessa do Poço da Cidade

Velho marujo

Pedro Homem de Mello / Lima Brummon
Repertório de Teresa Tarouca

Velho, um marujo sonha... onde ele for
Hão-se arrastar-se as cordas da viola
Outrora jovem, mendigava amor
E sendo pobre, recusava esmola

A quem de noite lhe pedisse lume
Com um sorriso ingénuo, respondia
E logo a rua má tinha perfume
E em todos os relógios era dia

Hoje vagueia no jardim deserto
Sómente as ondas vêm bater no cais
E a sua enxerga sórdida, já perto
Revela manchas que não saem mais

Nenhuma estrela rasga a escuridão
Nenhuma prece oculta nos inspira
Nem mesmo a glória de esconder em vão
Seus olhos, cor de pérola e safira

Os ranchos iam passando

Pedro Homem de Mello / Lima Brummon
Repertório de Teresa Tarouca

Os ranchos iam passando
Mata escura de Cabanas
Sob as naves da verdura
Tudo eram formas humanas

Cenário... tudo cenário 
Ramos de sombra e silêncio
Cenário... tudo cenário 
Cenário que tudo ilude
Beleza que era beleza 
Só porque era juventude

Onde tens as tuas filhas? 
Casei-as... estão casadas!
E a que foi para a cidade? 
E a que anda pelas estradas?
A mãe, se souber, que o diga 
Que os filhos não sabem nada!

Diz-me o nome do teu pai! 
Porque tens cara lavrada?
Que é da Custódia da Fonte? 
Que é da Ofélia de Caxenas?
A mãe, se souber, que o diga 
Que os filhos não sabem nada!

Os ranchos iam passando!
Elas de roupa vermelha
Os ranchos iam passando! 
Eles de faixa entrançada!

E assim foi até ao dia 
Cada qual vivendo a vida
Sem saber porque a vivia!

Fado nosso

Homenagem aos vultos do nosso fado
Por: António Torre da Guia

Mestre Alfredo era a cantar
A matriz da oração
Que à alma ia buscar 
P'ró corpo, consolação

Na zonza telefonia 
Minha avó e a vizinha
Choravam de nostalgia 
Quando ouviam o Farinha

Dava, Fernanda Maria 
Ao Pintadinho tal jeito
Que a rima até parecia 
Um rouxinol perfeito

Toni de Matos, total
P'rós amantes sem esperança
Foi a voz de um vendaval
A transformar-se em bonança

Maurício, à dor do verso 
Como o sol que se levanta
Abria-lhe o universo 
Ao soltá-la da garganta

Amália, em todos nós 
Fazia a alma acender
Com a saudade na voz 
A queimar-nos de prazer

Carlos do Carmo, marfim 
Do velho anuncia ao povo
Que o fado chegando ao fim
Começa sempre de novo

Argentina, prata pura 
Santos, altar que se abre
Sobe o fado a grande altura 
Até parece milagre

Quem o ouvisse cantar 
O Bailinho da Madeira
Não podia imaginar 
O Max sem brincadeira

Qual marialva outrora 
Pelo "Fado Português"
O Nuno parece agora 
O Vimioso outra vez

Lucília, brisa suave
Do castiço genuíno
Que embalava a saudade 
Com o Carmo do destino

Beatriz da Conceição 
Fado a fado se ilumina
E ouvi-la ao vivo, então
 A emoção é divina

Dulce Pontes, alvorada
 Da lusitana paixão
Cada vez mais semeada 
Nas searas da ilusão

De menino na levada 
Camané, fado de mais
Entre os amigos sem fada 
Que ao vento cantam seus ais

Do Nuno, que hei-de dizer 
Grato pelo que lhe devo?
Da meada em fado-ser 
Foi a ponta do que escrevo

Esta Maria tripeira
Tinha tanta, tanta Fé
Que ao Tejo logrou maré 
Pró rabelo da Ribeira

Rodrigo da voz do mar 
Trouxe o benquisto lamento
Para em fado consolar 
As fainas do sentimento

A vida que eu sofro em ti

Vasco de Lima Couto / Alfredo Duarte *fado mocita dos caracóis*
Repertório de Beatriz da Conceição


Trago minha voz cansada
Cansada de solidão
Por cantar este meu fado
Que é teu corpo decepado
Dentro do meu coração

Peço ao vento essa coragem 
Que anda na tua memória
Sou maré alta no olhar

Porque é nos longes do mar 
Que roubam a nossa história

Na angústia do nosso quarto 
Cheio de sombras aflitas
Vivo as palavras paradas

As saudades esmagadas 
Que tu nas cartas me gritas

Anda o tempo devagar
Parece que se esqueceu
Ó meu amor, nesta espera

Como eu sofro a primavera 
Que a tua vida me deu

Estranha contradição

Maria Manuela de Freitas / Pedro Rodrigues
Repertório de António Mourão

Andei a dizer, andei
Que não queria ver-te mais
Que não queria te falar
Calcula que até jurei
Não ir aonde tu vais
P’ra nunca mais te encontrar

Pobre de mim, a razão
Que se perde na tortura 
De não querer o que eu desejo
E em estranha contradição
Eu ando à tua procura 
E ando a ver se te não vejo

Falo-te e não te conheço
Olho sem te encontrar 
Tu sabes que não mudarei
Duma coisa me convenço
Sempre te hei-de procurar 
Nunca mais te encontrarei

Acordem as guitarras

Letra e música de Frederico de Brito
Repertório de Lucília do Carmo

Acordem os fadistas 
Que eu quero ouvir o fado
P’las sombras da moirama
P’las brumas dessa Alfama
P’lo Bairro Alto amado

Acordem as guitarras
Até que mãos amigas
Com a graça que nos preza
Desfiem numa reza
Rosários de cantigas

Cantigas do fado, retalhos de vida

Umbrais dum passado de porta corrida
São ais inocentes que embargam a voz
Das almas dos crentes que rezam por nós

Acordem as vielas
Aonde o fado mora
E há um cantar de beijos
Em marchas de desejos
Que vão pela vida fora

Acordem as tabernas
Até que o fado canta
Em doce nostalgia 
Aquela melodia
Que tanto nos encanta

Esta contínua saudade

Vasco de Lima Couto / Joaquim Campos *fado vitória*
Repertório de Camané

Esta contínua saudade

Que me afasta do que digo
E me deserta do amor
Tem uma voz e uma idade
Contra as quais eu não consigo
Mais força que a minha dor

Esta contínua e perigosa
Saudade que prende a mágoa 
E enfraquece o entendimento
É uma fonte rigorosa
Onde eu bebo a angústia d’água 
Que me assombra o pensamento

Mas para um tempo tão puro
Como é o de esperar 
O sonho no olhar que trazes
É que eu no vento procuro
Todo o bem que posso dar 
Em todo o mal que me fazes

Mote

Fernando Pessoa / Fontes Rocha *fado isabel*
Repertório de Camané

Quando a dor me amargurar
Quando sentir penas duras
Só me podem consolar
Teus olhos, contas escuras

D’eles só brotam amores 
Não há sombra d’ironias
Teus olhos sedutores 
São duas Avé-Marias

Quando a vida os vem turvar 
Fazem-me sofrer torturas
E as contas todas rezar 
Do rosário d’amarguras

Ou se os alaga a aflição 
Peço para ti alegrias
Numa fervente oração 
Que rezo todos os dias

Teus olhos, contas escuras 
São duas Avé-Marias
No rosário d’amarguras 
Que rezo todos os dias

Disse-te adeus

Manuela de Freitas / Frederico de Brito *fado dos sonhos*
Repertório de Camané
Este tema foi originalmente gravado por Beatriz da Conceição 
com o título *Por saudade ou por memória*

Disse-te adeus não me lembro
Em que dia de Setembro
Só sei que era madrugada;
A rua estava deserta
E até a lua discreta
Fingiu que não deu por nada

Sorrimos à despedida

Como quem sabe que a vida 
É nome que a morte tem
Nunca mais nos encontrámos
E nunca mais perguntámos 
Um p’lo outro a ninguém

Que memória ou que saudade
Contará toda a verdade 
Do que não fomos capazes
Por saudade ou por memória
Eu só sei contar a história 
Da falta que tu me fazes

Saudades trago comigo

António Cálem / Popular *fado mouraria*
Repertório de João Braga
Esta letra também aparece com o título *Saudades do teu corpo*

Saudades trago comigo
Do teu corpo e nada mais
Pois a lei por que me sigo
Não tem pecados mortais

Talvez tu queiras saber 
Porque em vida já sou morto
São apenas, podes crer 
As saudades do teu corpo

E tu que sentes por mim 
Desde essa noite perdida?
Sentes esse frio em ti 
Que eu sinto na minha vida?

Eu sei que o teu corpo há-de
Sentir a falta do meu
Por isso eu tenho a saudade 
Que o meu corpo tem do teu