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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os criadores dos temas aqui apresentados.
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Tenho vindo a publicar letras (de autores que já partiram) sem indicação de intérpretes ou compositores na esperança de obter informações detalhadas sobre os temas.
<> 7.765 LETRAS <> 3.982.000 VISITAS <> 30 DE JUNHO DE 2025
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Não há fado sem verdade

Maria Manuel Cid / Popular *fado menor*
Repertório de António Mourão


Minha voz embora triste
Cumpre um destino de amor
O direito que lhe assiste
De gritar a própria dor

Nenhuma ilusão que tive 
Me tornou um prisioneiro
Mesmo preso era mais livre 
Que a alma do carcereiro

Não se pode abrir o peito 
E matar o sentimento
Não há força com direito 
De calar o pensamento

Não há fado sem verdade 
Nem verdade arrependida
Nem cantador sem vaidade 
De cantar a própria vida

Quando as nuvens chorarem

Letra e música de Carlos Paião
Repertório de Dulce Guimarães

Não chores, se o tempo não ri
Ficarei a teu lado esperando por ti
Perdidos na noite
Unidos na sorte e na dor
Guardando as palavras 
Que temos pensadas de amor

Quando as nuvens chorarem
E as águas secarem 
Teus olhos, enfim
Partirei nessa hora
Chovendo lá fora 
Por dentro de mim

Contigo, consigo chegar
E partir na magia de um dia voltar
Não tenho o direito 
De ter o que aceito e não dou
Em troca de tanto
Entre nós o encanto ficou

Coração embriagado

Valente Rocha / João Alberto
Repertório de Artur Batalha

Entrei num bar 
Com desejos de beber
Somente para esquecer
O que não quero lembrar
Bebo por perder a esperança

Da sorte que o mundo me nega
Com a sede da vingança
Só a bebida me sossega

Um homem embriagado
É aos olhos de quem passa
Um corpo abandonado
Vivendo a sua desgraça;
Mas essa alma vencida
Entregue ao vicio à loucura
Encontra num bebida
Tudo aquilo que procura

Eu procurei ser feliz, não consegui
Tudo o que tinha perdi
Do que foi meu já não sei;
Ao lembrar o que já tive

Desde que me fui esquecendo
A gente pensa que vive
E afinal vai morrendo

História linda

Letra e musica de Carlos Paião
Repertório de Dulce Guimarães

Ouve... 
Quero contar-te uma história de amor
Dessas que a gente já sabe de cor
Igual a tantas que esta vida tem
Vais conhecer 
Duas pessoas como outras quaisquer
Dois namorados que foram viver
A história linda de quem se quer bem

Apaixonados com o tempo à frente
Tinham carícias a queimar na mão
Tocando a dor de quem se sente
Um escravo do seu coração;
E num só corpo quando se abraçavam
Beijando as horas com melancolia
Nunca as palavras lhes chegavam
P’ra tudo o que no peito havia

Ela, sempre bonita na sua ternura
Dava alegria de forma insegura
Dos que procuram sonhar o real
Ele, tinha um emprego nas ondas do mar
Pescava os versos do seu navegar
E as despedidas sabiam-lhe a sal

Adeus querida que me vou embora
Levo as saudades que te vou deixar
Hei-de lembrar-te noite fora
Assim como quem quer chorar;
O mar é longe e longa é nossa espera
E as palavras vão de encontro ao cais
Adeus querida quem me dera
Que eu não partisse nunca mais

Depois os dois casaram como era suposto
Sonhos em alma, sorrisos no rosto
Como as pessoas mais belas do mundo
Lado a lado, criando as ruas do seu dia-a-dia
Dobrando esquinas que a sorte trazia
Como nós todos fazemos no fundo

E então perguntas-me a razão da história
Assim tão simples como respirar
Sabes; amar é uma vitória
E a vida é simples de contar;
Eu aprendi a perceber melhor
A importância das coisas normais
É que eu fui filha desse amor
Da história linda dos meus pais

Eu sou a filha desse amor
Palavras já não dizem mais

Só porque somos latinos

Letra e música de Carlos Paião
Repertório de Dulce Guimarães

Só porque somos latinos 
Temos a vida no peito
Uma vaidade a morrer 
Uma saudade a doer
Mais um ou outro defeito

Quase adoramos sofrer 
Choramos negros destinos
Mas quantas vezes sem querer 
Deitamos tudo a perder
Só porque somos latinos

Apaixonados, das tropelias 
Do amor enamorados
E num romântico torpor, embriagados
Somos amantes, ao sabor da fantasia
As amarguras que fazem lágrimas sangrar
São as loucuras 
Dos que se perdem por amar
Ai desventuras
Noites morenas a sonhar um outro dia

Só porque somos latinos 
E todo o céu nos pertence
Não vamos nós decidir 
Entre pensar e sentir
O coração é que vence

E num romance sem fim 
Tudo o que amamos é pouco
Falo por ti e por mim 
É porque somos assim
Que tu me deixas tão louco

Elegia do ciúme

David Mourão-Ferreira / Nuno Rodrigues
Repertório de João Braga

A tua morte, que me importa
Se o meu desejo não morreu?
Sonho contigo, virgem morta
E assim consigo, mas que importa?
Possuir em sonho quem morreu

Sonho contigo em sobressalto 
Não vás fugir-me, como outrora
E em cada encontro a que não falto
Ainda me turbo e sobressalto 
À tua mínima demora

Onde estiveste? onde? com quem? 
Acordo, lívido, em furor
Súbito, sei: com mais ninguém
Ó meu amor! com mais ninguém 
Repartirás o teu amor

E se adormeço novamente 
Vou, tão feliz, sem azedume
Agradecer-te, suavemente
A tua morte que consente 
Tranquilidade ao meu ciúme

Pergunta a quem quiseres

Mário Raínho / Alfredo Marceneiro *fado laranjeira* 
Repertório de Fernando Maurício 

Pergunta a quem quiseres, ao vento, à madrugada
Se deixei de te amar, se acaso te esqueci 
Pergunta até às flores quando a noite orvalhava 
Se não eram meus olhos a chorarem por ti 

Pergunta à verde cor dos sonhos que sonhei 
À lua, aos lábios frios que beijei e esqueci 
Pergunta à minha dor quantos fados cantei 
Nos mil dias vazios em que esperei por t

Pergunta à ilusão das luas do pecado 
Aos amores que não quis e que deixei pr’aí 
Pergunta à solidão do meu quarto alugado 
Se as loucuras que fiz, não foi pensando em ti

Apelo

*soneto da separação*
Vinícius de Moraes / Baden Powell
Repertório de João Braga 

Ah, meu amor não vás embora
Vê a vida como chora
Vê que triste esta canção
Ah, eu te peço, não te ausentes
Porque a dor que agora sentes
Só se esquece no perdão

Ah, minha amada me perdoa
Pois embora ainda te doa 
A tristeza que causei
Eu te suplico, não destruas
Tantas coisas que são tuas 
Por um mal que já paguei

Ah, meu amado se soubesses
Da tristeza que há nas preces 
Que a chorar te faço eu
Se tu soubesses, um momento
Todo o arrependimento 
Como tudo entristeceu

Se tu soubesses como é triste
Eu saber que tu partiste 
Sem sequer dizer adeus
Ah, meu amor, tu voltarias
E de novo cairias 
A chorar nos braços meus

*Soneto declamado*

De repente, do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente, da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a ultima chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sózinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo, o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente

Há uma palavra perdida

Manuel Alegre / Pedro de Lafões *fado das mágoas*
Repertório de João Braga


Há uma palavra perdida
Na boca da madrugada
Uma palavra de amor
Ou talvez de despedida

Alguém que está de chegada 
Alguém que vai de partida
E traz um pouco de tudo 
E deixa um pouco de nada

Uma lâmina escondida 
Uma rosa de veludo
Uma lembrança esquecida 
Numa página dobrada;
E uma palavra perdida
Na boca da madrugada

Maria

José Fernandes Castro / Amadeu Ramim *fado zeca*
Repertório de José Giesta

Maria, meu amor, minha doçura
Meu verso de prazer, minha verdade
És tu a luz suprema da loucura
E tens contigo o sol da felicidade

Maria, minha doce melodia
Meu rumo em direção ao paraíso
És tu quem me vai dando dia a dia
O brilho redentor dum bom sorriso

Por ti trago na voz mais sentimento
E canto com a alma agradecida
Contigo descobri o tal momento
P’ra dar rumo feliz á minha vida

E quando a minha voz te procurar
Nos versos dum poema sonhador
Terei sempre uma rosa p’ra te dar
Para simbolizar o nosso amor

Cantor latino

João Henriques Gonçalves
Repertório de Tony de Matos


Uma plateia vazia 
Um ensaio no salão
Com o acabar de uma poesia 
O nascer de uma canção

Umas vidas p’ra viver 
Uma história para contar
Tudo vai acontecer 
Com uma orquestra a acompanhar

Um certo tremor na voz 
E algum brilho no olhar
P’ra cantar p’ra todos vós 
O cantor vai chegar

Cantor latino, latino
Cada canção um destino
Tanto canta o amor como a solidão
Cantor latino, latino
Este cantor existe
Muitas vezes alegre, outras triste

Depois de cada canção 
Muito público a aplaudir
Sente até obrigação 
De cantar outra a seguir

Quando o espetáculo acabar
Quando a cortina correr
Tudo vai recomeçar 
A própria vida vai viver

Eu trago um fado

Manuel Alegre / João Braga
Repertório de João Braga

Eu trago um fado escondido
Na palavra navegar
Onde o fado é mais sentido
E antes de ser fado é mar

Eu trago um fado guardado
Dentro da palavra amor
Que é onde o fado é mais fado 
E antes de ser fado é dor

Trago um fado que nasceu 
Na palma da minha mão
Onde o fado é teu e meu
E antes de fado é paixão

Guitarra de todos nós

José Fernandes Castro / Jaime Santos *fado jaime*
Repertório de Rosina Andrade

A guitarra portuguesa
Tem a beleza, dum coração
Nas cordas tem poesia
Tem fantasia, tem emoção

Quando a saudade acontece
Logo aparece, um fado novo
A Guitarra Portuguesa
Tem a nobreza, na voz do povo

A Guitarra tem a cor
E o calor, dum bom sorriso
Tem segredos tem ciúmes
E tem perfumes de paraíso

Quando a guitarra se exprime
É sublime, seu ritual
Guitarra de todos nós
A tua voz, é Portugal

Barco naufragado

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de António Mourão

Este cais á luz da lua 
É o cais da minha vida
Foi aqui que a encontrei 
Quando ela andava perdida

Gostei dela, tanto tanto 
Que a minh’alma ainda a adora
E um dia, sem mais nada 
Voltou ao cais, foi-se embora

Partiu, partiu, partiu, p’ra lá do mar
Fiquei, fiquei, fiquei, só no meu fado
Mentiu, mentiu, mentiu, dizendo amar
E eu, e eu, sou barco naufragado

Cais da vida, vida minha
Traz-me o barco onde ela anda
A saudade é o destino
E o destino é quem manda

Velas brancas junto ao céu 
Tenham dó do meu lamento
Becos e mulheres perdidas 
Abafem meu sofrimento

Saudade

João Linhares Barbosa / Carlos Ramos
Repertório de João Braga

Sabendo que em tua ausência
Prazer algum me conforta
No momento em que saíste
A saudade entrou-me a porta

Andou em volta da casa 
Como se ela sua fosse
Chegou pertinho de mim 
Puxou um banco e sentou-se

Estavas só e tive pena 
Disse-me então a saudade
Vamos esperar por ela 
Podes chorar à vontade

E não me larga um momento 
Toda a noite e todo o dia
Enquanto tu não voltares 
Não quero outra companhia

Como é bom gostar de alguém

Graciete de Vasconcelos / Alves Coelho Filho
Repertório de Francisco José

Quando se sente o sofrimento
Doce momento, isso é gostar
Quando se tem alma ansiosa
Ora ditosa, isso é gostar

Quando se sofre e se padece
E a dor se esquece, isso é gostar
Quando se vive na incerteza
Tem a certeza, isso é gostar

Ai como é bom gostar de alguém
Viver, sonhar
Ai como é bom gostar de alguém
Sofrer, amar
Ouvir dizer que sou feliz como ninguém
Pois nossas bocas mesmo assim
Dizer como é bom gostar de alguém

Quando se vai pela vida andando
Triste e chorando, isso é gostar
Quando o ciúme um dia vem
Por outro alguém, isso é gostar

Quando a saudade fere e dói
Deus me perdoe, isso é gostar
Quando souberes como eu sofri
Dirás para ti isso é gostar

Pedro Homem de Mello

Eduardo Valente da Fonseca / Arlindo de Carvalho
Repertório de João Braga

Chamaram-te mil nomes
Mil nomes, e sorriste
Sorriso magoado
Correram-te à pedrada 
E aguentaste, e aguentaste
Puxaram-te para um lado e resististe
Quiseram-te num outro e recusaste

E foi sózinho
Tendo o povo como astro
Que nobre e lentamente
Que nobre e lentamente
Lentamente te apagaste

Chamaram-te mil nomes
Mil nomes, e sorriste
Sorriso magoado

Aurísio Gomes

José Fernandes Castro / Júlio Proença *fado esmeraldinha*
Repertório de Manuel Barbosa


Agora que p’ra nós já és saudade
Decerto viverás dentro de nós
Partiste, mas deixaste uma verdade
Expressa no fulgor da tua voz

Na tua caravela desejada
Há sempre uma mensagem diferente
A dor da tua ausência magoada
Mantém a tua imagem bem presente

Não tinhas ambições descontroladas
Nem tinhas o instinto da vaidade
Mas tinhas qualidades comprovadas
P’la forma como davas amizade

Um verso não traduz a tua história
Nem é o ideal p’ra te lembrar
Porém no firmamento da memória
Aurísio, é uma estrela a cintilar

Romântico

Letra e musica de João Henrique
Repertório de Tony de Matos

Eu vou começar 
Uma cantiga sobre a vida de um cantor
Que para cantar
Cantava a vida mas com muito mais amor

Eu não vou esquecer 
Na minha vida os amores que eu vivi
Nem posso deixar de me lembrar 
De tudo aquilo que sofri

Eu sou romântico
Em toda a minha vida fui romântico
Em cada despedida fui romântico
E ainda sou
Sou romântico
Cada cantiga agora é um cântico
Canção p'la vida fora de um romântico
Que sempre amou

Eu não vou esquecer 
Que às vezes sinto que me falta uma razão
De poder contar 
Histórias da vida que canto nesta canção

Mas vou recordar 
Pequenas coisas que não se podem esquecer
E poder sentir 
Aqueles momentos que se voltam a viver

Cartas portuguesas de Soror Mariana

Manuel Alegre / João Braga e Jaime Santos Jnr. 
Repertório de João Braga 

Eis a que tudo deu e nada tem 
Senão as cartas que a si mesma escreve 
Nelas só arderá por quem não vem 
A eternidade do seu corpo breve 

Escreve cartas de amor para ninguém
Seu nome de mulher é Mariana
Escreve cartas e reza como quem
Está mais perto de Deus por ser humana

Amou talvez o amor mais que o amante
Escreve cartas e dói-lhe um corpo ausente
Em seu corpo tão perto e tão distante

O resto é nunca mais haver depois
Escreve cartas de amor a si somente
Como quem só por si ama por dois

Ser não ser

Mote: Manuel Bobone / Glosa: Ana Maria Caeiro / Joaquim Campos “fado puxavante*
Repertório de João Braga

Por dentro somos ninguém
Por fora somos talvez
Na vida, somos também
Na morte, somos de vez


Em horizonte de assomos 
Qualquer vulto nos detém
E na paisagem que somos 
Por dentro somos ninguém

Mas tendo de ser alguém 
Cada qual na sua vez
Às vezes, sendo ninguém 
Por fora somos talvez

Enredados nos porquês 
D’horizonte sempre aquém
Humanos que alguém nos fez 
Na vida, somos também

O que somos só de assomos 
O que somos de porquês
E a paisagem que supomos 
Na morte, somos de vez

Guitarra

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Ana Moura

Ó guitarra, guitarra, por favor
Abres-me o peito com chave de dor
Guitarra emudece 

O som que me entristece
Vertendo sobre mim a nostalgia
Ó guitarra, guitarra, vais ter dó
Não rasgues o silêncio ao veres-me só

Guitarra o teu gemer
Mais dor me vem fazer
Como o vento a afagar a noite fria

Guitarra emudece 
O som que me entristece
Pois se te ouço chorar 
Também eu choro
Maior do que a madeira 
Em que te talham
Guitarra, é o teu mundo 
Onde eu moro

Ó guitarra, guitarra, por favor
Abres-me o peito com chave de dor
Vertendo sobre mim a nostalgia

Ó guitarra, guitarra, fica muda
Sem ti talvez minh’alma inda se iluda
Vais ter que responder

Se em mim tudo morrer 
Ao peso desta enorme nostalgia

Ó guitarra, guitarra, por favor

Maria da minha terra

José Fernandes Castro / Filipe Pinto *fado meia-noite*
Repertório de José Giesta


Maria da minha terra
Que nasces com a manhã
O sol que tu’alma encerra
É um doce talismã

Tens contigo a singeleza 
Duma varina formosa
E tens a doce pureza 
Da mais perfumada rosa

Maria que tens contigo 
A mais terna suavidade
No teu coração amigo 
Moram versos de saudade

Ai Maria portuguesa 
Meu brasão tão natural
Simbolizas a grandeza 
Dum povo nobre e leal

A origem do fado

Manuel Alegre / Fontes Rocha e João Braga 
Repertório de João Braga 

A origem do fado não importa 
Ele é a própria origem ou "talvez" 
D. Pedro coroando Inês já morta 
Ou a história escondida atrás da porta 

Onde se aninha o medo português 
Não procures a origem: ele é a origem 
Antes do antes e antes do começo 
Como oiro no avesso da fuligem 

Ou Lisboa e Pessoa e aquele verso 
Onde os sentidos sentem o que fingem 
Não procures na história: ele está fora 
E estando fora ele é o próprio centro 

A hora antes da hora e aquela hora
Onde o dentro está fora e o fora dentro
Do momento que passa e se demora
Não busques noutro lado: ele é aqui

E sendo aqui é sempre o outro lado
O presente e o passado e o nunca achado
País que é e não é dentro de ti
Onde tudo começa e tudo é fado

Novo fado das horas

António Cálem / Popular
Repertório de João Braga

Horas e horas que passam
Que passam sem te passar
Horas e horas que matam
O sonho de te sonhar

Como se fora um punhal 
O luar fere o jardim
É noite morta lá fora 
Quase morta dentro em mim

Passo assim horas inteiras 
A sonhar os teus abraços
Vão-se as horas ficam as penas 
Entre ilusões e cansaços

Primavera, primavera 
E há só frio no meu ser
Quem me dera ser quem era 
Antes de te conhecer

Mentiras do malmequer

Francisco Branco Rodrigues / Alberto Janes
Repertório de Vicente da Câmara

Repara bem no que fizeste ao malmequer
Ao malmequer que à minha vista desfolhaste
Ele respondeu-te duma maneira qualquer
E convencida, concerteza, tu ficaste

O malmequer nem sempre diz a verdade
Se o desfolhares com intenção por alguém
É branca flor, mas às vezes por maldade
Diz malmequer, quando deve dizer bem

Ai malmequer branquinho
Tão maltratado és
Quando desfolhadinho
Picam-te os pés
É bem modesta a flor
Mas certo é que a mulher
Leva a falar de amor
O malmequer

O malmequer com quem não és carinhosa
Não é flor que em aromas se deleita
Mas faz aquilo que não não faz a bela rosa
Dizendo coisas que o teu coração aceita

Ao desfolhá-lo a sorrir vais perguntando
Aquilo que só no céu podem saber
Mas porque o estás a toda a hora maltratando
Ele tando diz ou desdiz no seu dizer

Sino da minha aldeia

Fernando Pessoa / Popular *fado das horas*
Repertório de António Zambujo


Ó sino da minha aldeia

Dolente na tarde calma
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma

E é tão lento o teu soar 
Tão como triste da vida
Que já a primeira pancada 
Tem o som de repetida

Por mais que me tanjas perto 
Quando passo, sempre errante
És para mim como um sonho 
Soas-me na alma distante

A cada pancada tua 
Vibrante no céu aberto
Sinto mais longe o passado 
Sinto a saudade mais perto

Nasci ao pé do teu mundo

Vasco de Lima Couto / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Carlos Macedo

Vou dar-te aquele tempo de criança
Que tem vontade de gritar às aves
Para voar aquela doce esperança
Que não conhece as horas que são graves

Vou dar-te a minha infância sem medida
Primeiro passo dos regaços quentes
As praias que eu amava de escondida
Onde enterrava o corpo das sementes

Vou dar-te a geração do palco frio
Onde inventei o meu total deserto
De correr o meu corpo em desafio
E a minha boca a soluçar mais perto

E vou dar-te este canto que é já triste
Mas que ultrapassa ainda, a maresia
Para saberes que o meu amor existe
No teu amor onde nasci um dia

O corvo

João Monge / Carlos Simões Neves *fado tamanquinhas*
Repertório de Mísia

Tenho um corvo à flor da pele
Vive de uma ferida aberta;
Acorda quando me deito
Levanta voo do meu peito
Sempre, sempre à hora certa

Passa por aquela casa 
Onde resta uma roseira
Dá contigo junto ao mar
Beija-te sem te acordar 
Depois fica a noite inteira

Entra pela minha vida 
Como a lua no jardim
Pendura tudo o que valha
No gume de uma navalha 
Traz-me pedaços de mim

Tenho um corvo à flor da pele 
Um irmão da minha idade
Acorda quando me deito
Levanta voo do meu peito 
Diz que se chama saudade

Mãos cheias de amor

Clemente Pereira / Popular *fado corrido* 
Repertório de Manuel de Almeida 

Pus a minha mão direita 
Na tua, com afeição 
E vi como ela se ajeita 
Ao jeito da tua mão 

Sem maneiras estudadas 
Entre nuvens de carinho 
Vamos seguir de mãos dadas 
Agora, o nosso caminho 

E passe lá quem passar 
Não terá força nem voz 
P’ra as mãos separar 
Ao passar por entre nós 

Neste amor sem desvarios 
Diremos, seja a quem for
Não há corações vazios 
Quando há mãos cheias d’amor

Cais do desencontro

Fernando Lito / Franklim Godinho
Repertório de Norberto Martinho

Fui ao cais p’ra ver a rota
Desenhada p’la gaivota
Que levou recados meus
Nesse cais tão triste e escuro
Ficou o nosso futuro
Entregue aos cuidados teus

Fui ao cais da tua ausência
Tanto, tanto, me atormenta 
O meu desgosto é profundo
Noite escura, vultos negros
Olhos tristes, olhos cegos 
Que já não vêem o mundo

Não sei que mal fiz á vida
P’ra que a simples despedida 
Afinal fosse o meu fim
Fui ao cais, falou-me o fado
Tinhas passado há bocado 
No mar da vida, sem mim

Fado da minha vida

José Fernandes Castro / Raúl Ferrão *fado alcântara*
Repertório de Angelina Pinto

A minha vida, qual bola descolorida
Tem a cor desmaecida p’la lei do amor
Neste meu peito bate um coração sem jeito
Porque meu sonho perfeito perdeu a cor

Sabe-se lá, porque é que a vida nos dá
Dentro de cada manhã, um sol tristonho
Este meu pranto tem a cor do desencanto
Porque sofro tanto tanto que já nem sonho

Não consigo 
Lidar com o inimigo
Pois sei que corro o perigo 
De me perder
Por não saber 
Qual a cor da minha lei
Sinceramente não sei
O que fazer;
Quero apenas 
Que as dores sejam pequenas
Para que nos meus poemas 
Haja mais céu
A minh’alma tem fado magoado
Da cor dum pecado 
Que alguém cometeu

Na minha mente há um sopro diferente
Que me dá constantemente prantos de dor
E quando o dia me traz mais melancolia
Só o sol da poesia me põe melhor

Quando preciso do brilho dum bom sorriso
Imagino o paraíso no olhar do mundo
E a minha voz canta poemas por nós
Gerando um sonho veloz e mais profundo

Não vás amor, fica comigo

Letra e música de Manuel Viegas
Repertório de Pedro Lisboa

Não vás, espera por mim
Eu sei qual o teu rumo
Talvez a minha vida seja tua
Não vás pois esse mundo não é teu
Não deixes que o teu nome caia na rua

Não vás
Longe de mim ninguém irá valer-te
É bom nos maus momentos, um braço amigo
Se o mundo nos condena
Ninguém de nós tem pena
Não vás amor, fica comigo

Não quero que tu vás assim perdida
Por isso me cruzei na tua vida

Não vás, fica por nós à luz dum novo dia
Talvez o teu anseio seja eu
Depois da encruzilhada é longa a caminhada
Mas já teu coração será no meu

Depois da encruzilhada estarei sempre contigo
Não vás, não vás amor... fica comigo

Um hino à vida

António Rocha / Manuel Mendes 
Repertório de António Rocha 

E fez-se dia 
E fez-se o mar largo e profundo 
Com a magia do teu olhar 
Eu fiz o mundo 
E renasci
Qual alvorada na primavera 
Quanto te vi na madrugada 
À minha espera 

Aves cantaram
Fontes brotaram límpidas águas 
Rios inventei 
Onde afoguei as minas mágoas 
Surgiu o amor 
Com o fulgor do astro-rei 
Os olhos teus fixos nos meus
Então cantei 

Um hino à vida
Um canto à esperança 
Olhei de novo o arco-íris da felicidade 
Um hino à vida e fui criança 
Num sonho bom que se tornou realidade

Um chão de estrelas, o rumo certo 
De quem por fim achou a terra prometida 
Soltar as velas em mar aberto 
Espalhando ao vento um canto à esperança 
Um hino à vida

Se soubesse que sentias

Letra e música de Amélia Muge
Repertório de Mísia


Se soubesse que sentias 
O amor na minha voz
Não me importaria nada 
De povoar este fado
De um sentido inacabado
De uma conversa adiada
Não me importaria nada

Ai tanto amor que assim fica 
Como verso com defeito
Tanta alma que abdica 
Como rima sem proveito

Se te soubesse enleado 
Desta sina não fugia
Nem deste fado falhado 
Se soubesse que sentias
Se soubesse o que sentias

Eu não sei como mostrar 
Que falo de coração
Se não digo, coração
Dito assim é só tornar 
Mais banal este falar
Se soubesse que sentias

Mas se assim tua atenção 
Ficar presa ao meu cantar
Não me importa que este fado 
Seja o que há de mais vulgar
Se te soubesse enleado 
Desta sina não fugias
Nem deste fado falhado
Se soubesse que sentias

Viagem em tom de fado

António Lúcio Coutinho Vieira / Paco Bandeira
Repertório de António Mourão

O fado andou no cais e sabe a espuma
O fado andou nas naus e cheira a mar
O fado é um país, o fado é uma garganta
O fado é uma bandeira popular

O fado canta a fé e a desgraça
E traz a voz do sangue a latejar
Que o fado não é só aquilo que se canta
Também é a dor que ficou por cantar

Assim cantando o fado, canto a gente
Por isso o fado é livre como o vento
No fado, a voz do povo está presente
Em versos de esperança e de lamento;
Eternamente em movimento

Olhai, o fado é sol, é noite escura
É vinho e pão e carta por escrever
O fado é uma prece de água pura
É um fogo sempre eterno, sempre a arder;

Que nos faz entender... e faz viver