Secretismo
Repertório de Ana Margarida Leal
Guarda contigo o segredo
Do beijo, que quase a medo
Trocamos em boa hora
Só o amor compreende
Que a boca nunca se rende
Ao desejo que a devora
Não contes, nem mesmo ao vento
Que vivemos um momento / De envergonhada ternura
O vento pode soprar
E ao soprar, divulgar / Contornos dessa loucura
Esse beijo envergonhado
Que fez com que o nosso fado / Tivesse novo clarão
Será sempre uma saudade
Cheia da cumplicidade / Que tem de haver na paixão
Guarda na tua memória
O beijo que fez história / Na história que a alma sente
Prometo, meu doce bem
Nunca contar a ninguém / Que te beijei…. loucamente
Ramo de venturas
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Aquela pobre cigana
A quem deste, atentamente
Tua mão pequena e fina
Ganha o pão da caravana
Lendo a sina a muita gente
E não lendo a sua sina
Ela possui o condão
Pois lê nas linhas da mão
Profetizou-te, em voz doce
Como se fosse possível
Nossos corações leais / Aos laços de amor profundo
Em que há muito nos prendemos
Já são pequenos demais / Para guardar neste mundo
As venturas que colhemos
Portanto, se és venturosa
P’ra na cigana inditosa
O Destino desfolhar / O seu ramo de venturas
À procura do fado
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Lisboa, de lado a lado
Corri de noite e de dia
Fui à procura do Fado
Que fugiu da Mouraria
Bati às portas de Alfama / Disseram-me com desgosto
Que se limpara da lama / E saiu todo bem posto
Fui depois ao Bairro Alto / Onde o Fado era benquisto
Pus o bairro em sobressalto / Mas ninguém o tinha visto
Andei pela Madragoa / Sem lá o ter encontrado
Em suma: Corri Lisboa / E não encontrei o Fado
Já as esperanças perdi / De o ver p’las tascas vizinhas
Se alguém o vir por aí / Dê-lhe lá saudades minhas
Olho para ti Lisboa
Repertório de Ana Margarida Leal
Na colina ali plantada
Vejo a musa que é Lisboa
Coroada e enfeitada
Do alto do Castelo até à Madragoa
Vives plena de alegria
Por ver o rio correr para o mar
Na proa de uma canoa faço da poesia
Um lugar p’ra te imaginar
Olho para ti Lisboa
Coberta de luz e p’las águas do Tejo
Do outro lado do rio
Procuro p’lo bairro onde me revejo
Olho aqui desta janela
Serás tu Lisboa constante tentação
Lisboa, não sei quem amo
Pois trago a incerteza dentro do coração
Do outro lado da ponte
Ao cacilheiro vou perguntar
Trago fado no horizonte
Sempre que penso em regressar
Cidade de tradição
Foste tu a caravela que perdi
Vejo na canção a contradição
P’la cidade que escolhi
A fiandeira
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Moreninha feiticeira
Chamavam à fiandeira
Porque tinha luz no olhar
Quando na roca fiava
Cantigas d’amor cantava
Que até fazia chorar
Num serão, ao desafio
A fiar horas a afio / O seu coração fiou
Com o fuso dos desejos
Fiou um fuso de beijos / E já nunca mais cantou
Pôs-se a fiar amarguras
Conheceu as falsas juras / Em que se tinha fiado
Sentiu a alegria presa
Adoeceu de tristeza / E pôs a roca de lado
Quando a neve no caminho
Lembrava montes de linho / E o inverno era tristonho
Lá morria a fiandeira
Que fiara a vida inteira / Na roca branca d’um sonho
Passa e não passa
Repertório de Ana Margarida Leal
O tempo passa e não passa
E fico assim, neste impasse
Porque ele não se ultrapassa
E eu só quero que ele passe
O tempo passa, bem sei / Pelo relógio acertado
Mas se esperamos alguém / Mais parece estar parado
O tempo será um louco / Em que, sem querer, eu tropeço
Mas ao vê-lo andar tão pouco / Quase sou eu que enlouqueço
O tempo passa e não passa / Na armadilha em que me tens
Passa no tempo que espaça / Não passa porque não vens
Balões, ilusões ao vento
Desconheço se esta letra foi gravada
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Transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Dedicada a Júlio Duarte e publicada no jornal Guitarra de Portugal em 1937
Foi um pequeno balão
De papel, branco de neve
Que deitei, por minha mão
Em noite de S. João
Ao sabor do vento leve
Tranquilamente, no ar / Sob estrelado dossel
Embebido de luar
Uma voz das mais eleitas / Segredou-me ao coração
Porque é que ao espaço não deitas
As ilusões já desfeitas / Como deitaste o balão?
A custo contive o pranto / Que inundava os olhos meus
E contemplei com encanto
Na noite daquele santo / O balão subindo aos céus
Ilusões, flores colhidas / No jardim da mocidade
Que fenecem, ressequidas
Quando vemos nossas vidas / Com os olhos da verdade
Roseira maior
Repertório de Ana Margarida Leal
Talvez para meu castigo
Sôbolos rastos da aurora
Amar, amei, sem abrigo
No corpo que me devora
Talvez até as crenças vãs / Que bebi por sua taça
Me olhem todas as manhãs / Em que sou algoz e sou caça
Sopro de loucuras vãs / Dadas à noite tão doce
Gomos em sangue das romãs / Beijos por dar, antes fosse
É de ocre, é de anil / Em que desfaço o fulgor
Coração de verde abril / Na casa breve do amor
Amor é entrega
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Quando alguém nos ocupa o pensamento
Sentimos junto a nós, seja onde for
Temos dentro do peito um sentimento
E esse sentimento é o amor
O amor é ternura e é desejo
Desejo de beijar a quem amamos
E quando com ternura surge um beijo
Com ternura, outro beijo desejamos
Recusa da ternura dum só beijo
Decerto traz tristeza e sofrimento
Pois matando o amor feito desejo
Deixa vivo o amor que é sentimento
Mas quando nós amamos de verdade
Ao amor não pedimos, só nos damos
Na vida só sentimos felicidade
Se fizermos feliz a quem amamos
Não acredites, meu bem
Disse-te adeus com a boca
Até já com o coração
Agora minh’alma anda rouca
De chamar teu nome em vão
Não acredites, meu bem / Se digo que te esqueci
Quero-te mais que a ninguém / Sempre que o neguei, menti
Procurei teus olhos doces / Só encontrei solidão
Quem dera que ainda fosses / Dono do meu coração
Já não voltas, estou ciente / O nosso amor terminou
Mas guardarei para sempre / A paixão que nos juntou
Cantador de fado antigo
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Ao nascer trouxe comigo
Uma sina fatalista
A sorte de ser fadista
Cantador de fado antigo
Ao nascer trouxe comigo / O meu destino marcado
De ter o fado por fado / É esse o fado que sigo
Mas o fado é meu amigo / E duma forma altruísta
Deu-me uma alma de artista / Deu-me a sina de cantar
Mesmo que queira chorar
Uma sina fatalista
A sorte de ser fadista / Nem sempre nos traz a sorte
E do berço até à morte / Nunca tem quem lhe resista
E nesta vida de artista / Que é do fadista o castigo
Vê-se no fado o amigo / Que se canta com amor
Por isso sou cantador
Cantador de fado antigo
Por ironia
Repertório de Ana Margarida Leal
Por ironia, quem sabe
Quando em nós temos certezas
Que nos acalmam o peito
Algo surge que em nós cabe
E nos atiça as fraquezas
pondo o coração a jeito
Por acaso ou por destino
Tropecei na tua vida / E caí no teu regaço
Procuro agora, sem tino
A razão então perdida / Que me turva a cada passo
Só sei que sem ti não quero
Viver meus sonhos vazios / Nem trilhar outros caminhos
És, para meu desespero
O sol nos meus dias frios / E na solidão, o carinho
Por pensar que já sabia
Tudo o que havia a viver / Andando assim iludida
Por pouco quase perdia
O acaso de te querer / E te ter na minha vida
No altar do Deus Amor
Desconheço se esta letra foi gravada.
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Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
No altar do Deus Amor
Até a dor é amena
Viver sem amar alguém
A meu ver, não vale a pena
Ter encantos, ter beleza / No seu mais áureo fulgor
É ter uma vela acesa / No altar do Deus Amor
O amor só tem dois extremos / Ou nos quer ou nos condena
Se é por amor que sofremos / Até a dor é amena
Enquanto a vida for nossa / Vai-se um amor, outro vem
Eu também não sei quem possa / Viver sem amar alguém
Sem ter num peito guarida / E um olhar que nos acena
A vida, só por ser vida / A meu ver, não vale a pena
Dilúvio
Repertório de Ana Margarida Leal
Corre-me dentro do peito
Um dilúvio de saudade
À noite quando me deito
Deixo que corra à vontade
Segue veloz e levando / A poeira dos meus dias
Os sulcos que vai rasgando / São fantasmas de alegrias
E no silêncio, a escutar / Julgo saber a razão
Porque há tanto, o meu olhar / Quase afoga o coração
Esta saudade sem fim / Do que me falta viver
Só se acalma quando em mim / Deixo os meus olhos chover
Fado malandro e vadio
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Manhã, noite perdida, junto ao rio
Com o cacau famoso da Ribeira
Diz-se, justificando a bebedeira
Tudo é culpa do fado, esse vadio
Malandro, conhecido cadastrado
Burlão, habilidoso, vigarista,
Diz, com um ar de queixa fatalista
A culpa é do malandro do meu fado
Por acolher com fome, sede e frio
A miséria que há na vadiagem
Por acolher por dó a malandragem
Dizem que o fado é malandro e é vadio
Mas em paga de tanta caridade
E por tanto se dar, o pobre fado
Acabou por ser de tudo despojado
E pouco mais lhe resta que a saudade
Há, porém, na saudade uma riqueza
Nela cabe o pecado e a virtude
Convive a velhice e a juventude
Na saudade está a alma portuguesa
Passaram-se uns poucos dias
Repertório de Ana Margarida Leal
Passaram-se uns poucos dias
Desde que te foste embora
Passaram-se as alegrias
Todas que não tenho agora
Passaram-se uns poucos dias / Mas em mim, nada passou
E as coisas que me dizias / O tempo não as levou
Eu não sei se já sabias / Como corre o calendário
A conta que faço aos dias/ Tem mais contas que um rosário
Pensar nisso ainda é pior / Passaram-se uns poucos dias
Adiaste o nosso amor / E as saudades não adias
A voz do mar
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Um dia fui-me sentar
À beira do mar salgado
Nisto, ouvi a voz do mar
Com a terra conversar
Sobre as coisas do passado
Que é das tuas caravelas / Que há muito não tenho visto?
Como ‘inda me lembro delas / Traziam sempre nas velas
Parece quue ainda as vejo / Tão soberbas, tão galhardas
Saindo a barra do Tejo / Impondo um simples desejo
Como elas iam então / Todas nimbadas de luz
Desde o Brasil a Ceilão / Da Terra-Nova ao Japão
E de Macau a Ormuz
Nisto o mar olhou a terra / Estremeceu de surpresa
Altivo, como uma serra / Passava um barco de guerra
Da Marinha Portuguesa
Tudo pode vir do nada
Repertório de Ana Margarida Leal
Tudo pode vir do nada
Várias tintas, várias telas
Esta vida em que vivemos
É apenas uma delas
Mil outras no mesmo espaço
Mil outras em hora igual
Rivalizam no sonhar
O que pensamos real
E podemos ir além
Neste quadro que vos trago
Tempo é tempo imaginado
Em que se imagina espaço
Alfama é sempre fado
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Ao longo da encosta alcantilado
O povo a pouco e pouco construiu
Entre estreitas vielas sem passado
Um modesto mas belo casario
Que desce do Castelo até ao rio
Quando mercê do rei conquistador
Lisboa ficou livre da moirama
À sombra do castelo protetor
O velho casario já tinha fama
E era conhecido por Alfama
Do Tejo pelas rotas do Infante
Partem frotas abrindo as suas velas
Esse povo de Alfama mareante
Diz adeus aos seus becos e vielas
Embarca e faz-se ao mar nas caravelas
Na ausência há a mentira e a verdade
Há a virtude heróica e o pecado
Na virtude o amor é a saudade
Na mentira é ódio ao ser amado
Mas saudade ou ciúme, é sempre fado
Compasso imperfeito
Repertório de Ana Margarida Leal
Deste-me a mão e parti
Perdida à tua procura
Porém, nem sequer te vi
Tão cega a minha loucura
Deste-me um pouco de nada / Alimentando a quimera
Fazendo da madrugada / O nascer da Primavera
Deste-me um beijo e prendeste / Dentro de mim, a saudade
E o carinho que me deste / Foi em mim felicidade
Neste compasso imperfeito / De que é feita a nossa vida
Guardei teu amor no peito / E perdi-o de seguida
Espelho
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Publicada no jornal Guitarra de Portugal, de Outubro de 1939
Quantas vezes os espelhos
A reflectir ansiedades
Não falam, mas seus conselhos
Fazem-nos ver as verdades
Quantas vezes os espelhos
Mostram o grande condão
De serem quase evangelhos
Falando a voz da razão
Neles vimos nossos rostos / A reflectir ansiedades
Alegrias e desgostos / Cabelos brancos… saudades
Mas é dos feios aos velhos / A quem mais fazem sofrer
Não falam, mas seus conselhos / Nunca se podem esquecer
Se originam desesperos / Não perdoando às idades
É porque, sendo sinceros / Fazem-nos ver as verdades
Agora é que são elas
Repertório de Ruca Fernandes
Não sei como pedir à Mouraria
Que escute a minha voz com atenção
Eu canto mas não sei se cantaria
Se o meu bairro não fosse uma canção
Até posso cantar p’lo estrangeiro
Os fados de que é feito o meu país
Levando a Mouraria ao mundo inteiro
Eu tenho a sensação de ser feliz
Mas é pisando o pó destas vielas
Que o fado se transforma em tradição
Oiço a guitarra - agora é que são elas
Alguém pede que eu cante... eu digo não
Depois... vem a saudade e por magia
As noites têm medo de estar sós
Então vão segredar à Mouraria
Que o fado quer morar na minha voz
A tua sina
Repertório de Lucília Gomes
Tiraste sinas e sinas
E sempre o não te apareceu
Não sei porque te amofinas
Se a tua sina sou eu
Foste mau, foste perjuro / Seguiste nvas rotinas
Mas receando o futuro / Tiraste sinas e sinas
Depois de nelas descreres / A tua fé se perdeu
Desfolhaste malmequeres / E sempre o não te apareceu
E prossegues no teu fado / Com outras mas não atinas
Mas se tu és o culpado / Não sei porque te amofinas
E assim vagueando vais / Mas ouve um conselho meu
Amor, não procures mais / Que a tua sina sou eu
Eu depois dou-te a resposta
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
Se não sabes pegar toiros
Ser grande a conquistar loiros
E altivo numa toirada
Se não sabes ser assim
Não andes atrás de mim
Que daqui não levas nada
Se não tens alma nem garra
P’ra abraçar uma guitarra / Sentir e cantar o fado
Se não sabes ser fadista / Segue outro rumo, outra pista
Se não sabes ser gingão
Riscar e falar calão / Ter conquistas e aventuras
Persegue outras raparigas / A mim não, não me persigas
Que eu não sou quem tu procuras
Mas se és gingão ou forcado
Se dedilhas bem o fado / E o cantar não te desgosta
Então podes esperar / Que eu p’ró ano vou pensar
E depois dou-te a resposta
Oração fadista
Repertório de José Borges e Isabel de Oliveira
Numa noite, na viela
Dum bairro mal afamado
Caiu do céu uma estrela
E alguém disse que era o Fado
Desde então quem sofre e sente / Algum desgosto de amor
Tem nesta canção dolente / O lenitivo prá dor
Pois o Fado é uma reza
Que cantando nos dá calma
Sendo a canção portuguesa
Que mais fala à nossa alma
É tristeza, sofrimento / Saudade, melancolia
A expandir o sentimento / De quem sofre dia a dia
E uma guitarra a tanger
A nossa linda canção
Até parece gemer
Nas cordas dum coração
E esta canção sem igual / Quando a cantar qualquer voz
Nós sentimos Portugal / A vibrar dentro de nós
A Fernando Maurício
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
Eu nasci na Mouraria
Quando eu nasci, quem diria
Ter comigo esta virtude
O dom de cantar o Fado
Nesse bairro abençoado
P’la Senhora da Saúde
Ao começar a cantar / Fiz-me sempre apadrinhar
Pois nasci, por sina minha / Nessa viela estreitinha
Os anos foram passando / Eu fui crescendo e cantando
A Mouraria não esquece / Qualquer um que a engrandece
Pois a casa onde nasci / Onde brinquei e cresci
Tem o meu nome gravado
Do poial da tua porta
Repertório de Manuel de Almeida
Do poial da tua porta
Uma pedra queria ser
P’ra quando tu me pisasses
Eu ´inda te agradecer
Que seria humilhação
Mas como querer é poder
O resto pouco me importa;
Do poial da tua porta
Uma pedra eu queria ser
Quando saísses, falar-te
Primeiro do que ninguém
E quando entrasses também
Ser o último a adorar-te;
Com o meu auxílio ajudar-te
A subir ou a descer
Alta noite adormecer
E acordar quando acordasses;
P’ra quando tu me pisasses
Ainda te agradecer
Fado sonho
Repertório de João Ferreira Rosa
Na minha cama só estava deitado
E sem poder dormir pus-me a sonhar
Eu sonho muitas vezes acordado
E o que sonhei então vou-lhes contar
Era uma tarde linda… vinham toiros
Correndo, estrada fora, para a praça
Onde os toureiros vão conquistar loiros
Entusiasmando ao rubro, a populaça
Eu andava p’ra’li entontecido
Com o sol, com a luz e co’a algazarra
De repente, porém, fui atraído
Pelo doce trinar duma guitarra
Era o Fado… mas o Fado rigoroso
Cantava-o a Severa, a preceito
Co’a guitarra nas mãos do Vimioso
Gemia anseios de fogo no peito
Eu então, fadista como era
Peguei numa guitarra, fui tocar
Cantei ao desafio com a Severa
Há dias tive um sonho, que engraçado
Ninguém pode supor o que eu sonhei
Na tribuna da vida do passado
Em Carriche, fui eu quem mais brilhei
Na minha cama só estava deitada
Mas sem poder dormir pus-me a sonhar
Eu sonho muitas vezes acordado
E o que sonhei então vou-lhes contar
Era uma tarde linda… vinham toiros
Correndo, estrada fora, para a praça
Onde os toureiros vão procurar loiros
Entusiasmando, ao rubro, a populaça
Eu andava p’ra’li entontecida
Pelo sol, pela cor, pela algazarra
De repente, porém, fui atraída
Pelo doce trinar duma guitarra
Era o Fado… mas o Fado rigoroso
Cantava-o a Severa, com preceito
E a guitarra nas mãos do Vimioso
Punha anseios de fogo no meu peito
Sentindo-me então fadista como era
A rascoa cigana, quis cantar
Cantei ao desafio com a Severa
Mas isto, meus senhores, foi a sonhar
Ai Lisboa, Lisboa
Repertório de José Moreira
Certa noite percorri
Bairros da Lisboa amada
E não sei o que senti
Ao vê-la assim tão mudada
Comecei p’la velha Alfama / E p’la antiga Mouraria
Bairros que guardam a fama / Do fado de cada dia
Depois subi ao Castelo / Ao Bairro Alto, à Graça
E o meu sonho tão singelo / Foi como nuvem que passa
Fui de Alcântara até Belém / E por fim, na Madragoa
É que eu consegui ver bem / Como é triste esta Lisboa
Perdeu tudo, até o Fado / Já não tem a dor sentida
Ó Lisboa do passado / Teus bairros tinham mais vida
Esta estrofe não foi gravada
E mesmo assim és tão querida / És glória do passado
Tens o Tejo enamorado / Bem longe o teu nome soa;
Não há Fado sem Lisboa
Nem há Lisboa sem Fado
Loucura de amor
Para o repertório de Ana Marina
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Quando eu quis saber o que é preciso
P’ra viver esta vida e ser feliz
Disseram que a vivesse com juízo
Segui esse conselho e assim fiz
Fiz por ser virtuosa e recatada
Fugindo das paixões da mocidade
Mas penso que fui mal aconselhada
Porque não encontrei a felicidade
Cansada de ver vã minha procura
Esse velho conselha abandonei
Procurei felicidade na loucura
Na loucura o amor eu encontrei
Quem ama é feliz com coisa pouca
Bendito seja o dia em que te vi
Agora sou feliz porque estou louca
Fado Alice
Repertório de Maria Silva “Mariazinha”
Foi-se contigo a alegria
Venho triste bate que bate
Tenho a tua companhia
Na saudade que deixaste
E a saudade que tu sentes
Pouca que me faz morrer
Estaríamos ausentes
Sem deixarmos de nos ver
Tem tanta graça teus olhos
Que ainda não pude entender
Se para ver foram feitos
Ou feitos p’ra gente os ver
Nota: A música deste “Fado Alice”, não tem nada que ver com o “Fado Alice ou Raquel”
Maria, na quinta-feira
Repertório de João Casanova
A gravação apresenta algumas diferenças em relação à letra original aqui apresentada
Maria, na quinta feira
Dou-te um xaile de merino
Como queres ser cantadeira
Segue lá o teu destino
E vive à tua maneira
Mas toma muito cuidado / Porque o fado tem seus “quês”
Canta de xaile traçado
O mundo vai censurar / Ao ver-te cantar de lenço
Mas deixa o vulgo falar
O lenço é gentil brasão / Que a tradição nos cedeu
E se o Fado é oração
Não é de cabeça ao “léu” / Que se faz a confissão
A Mouraria morreu / Ficas tu p’rá recordar
Com um lenço bem plebeu / E um xaile de agasalhar
Podes dizer que sou teu
Altivez
Repertório de Filipe Duarte
Se deixaste de ser minha
Não deixei de ser quem era
Por morrer uma andorinha
Não acaba a Primavera
Se o fio do amor se parte / Quase deixa de ser linha
De que me serve encontrar-te / Se deixaste de ser minha
És o dia que passou / E o que morreu não se espera
Julgas-me triste e não sou / Não deixei de ser quem era
Não sou como o rouxinól / Daquela canção velhinha
Que odiava a luz do sol / Por morrer uma andorinha
Ninguém falece de amor / Ninguém assim desespera
Ao desfolhar-se uma flor / Não acaba a Primavera
Arrufos
Repertório de Ercília Costa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Quem nunca se casou, não pode calcular
O sofrimento atroz da vida da mulher
Por isso, com tristeza, eu vou aqui narrar
O que aconteceu e acontece a qualquer
Desconfiava dele, do seu sorrir
E andávamos há dias arrufados
Por isso, cada qual ia dormir
Em quartos bem distantes, separados
Uma noite trovejou e eu, cheia de terror
Queria mostrar-me forte e resistir ao medo
Mas um trovão maior encheu-me de pavor
Fugi p’ra junto dele e o resto é um segredo
E desde aquela noite de trovões
Em que ficámos ambos perdoados
Podemos ter centenas de questões
Que nunca mais dormimos separados
Perguntas
Repertório de Manuel de Almeida
A última estrofe foi ligeiramante alterada pelo intérprete
Tu fazes perguntas tais
Quantos beijos te dei eu
Eu não sei, mas foram mais
Do que estrelas tem o céu
Diz-me, cabecinha tonta / Se alguém poderá contar
Aquela conta sem conta / Das ondas que andam no mar
Diz-me se alguém adivinha / A água que cai no rio
Quando a chuva miudinha / Dura três horas a fio
No mundo dos impossíveis / Ninguém pode, ‘inda que queira
Contar os grãos invisíveis / Duma nuvem de poeira
Tudo isto ainda os sábios / Podem em cálculo juntar
Mas os beijos que te dei / Ninguém pode calcular
3ª estrofe original
Segundo o livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Mas tudo isto ‘inda os sábios
Num cálculo podem juntar
Mas os beijos dos meus lábios
Ninguém pode calcular
Prisioneiro
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
A noite é silêncio em mim
Solidão sem ver o fim
O fim a que hei-de chegar
Mesmo a manhã doutro dia
É outra noite mais fria
Que o mais frio despertar
Ao meu redor tudo é noite
E a lua lembra uma foice / A ceifar no céu estrelas
Oiço guitarras ao longe
E sombras de não sei donde / É noite... não posso vê-las
Mais que a noite, o coração
Bate às grades da prisão / Em que o tenho prisioneiro
E eu, que amo a liberdade
Sei que morro na verdade / De alma e de corpo inteiro
Pelas ruas da cidade
Mote de João de Deus / Glosa de Linhares Barbosa / Popular *fado das horas*
Repertório de José Pracana
O mote não foi gravado
Era já noite cerrada
Dizia o filho p’ra mãe
Debaixo daquela arcada
Passava-se a noite bem
Pelas ruas da cidade / E sem ter onde se acoite
Ao bater da meia noite / Anda a pobreza à vontade;
Sozinho, de tenra idade / Um petiz que nada tem
Lá anda nesse vai-vem / Da desgraça que o consome
É mais um dia de fome
Dizia o filho p’rá mãe
E a pobre mãe tosseando / Ao ver o filho a chorar
Não tendo pão p’ra lhe dar / Murmura, quase, rezando;
Meu Deus, que me vês penando / Tem pena de mim, coitada
Ó minha mãe, não é nada / Diz-lhe o filho a sorrir
Anda, que vamos dormir
Debaixo daquela arcada
Beijaram-se ternamente / E lá se foram os dois
Alguns momentos depois / E a mãe dizia somente;
Meu filho, como estou contente / ‘inda vens a ser alguém
E o teu pai, lá no além / Decerto vela por ti
Mas se o pai estivesse aqui
Passava-se a noite bem
Ser fadista
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Ser fadista é ser valente
Saber encarar de frente
Uma navalha a brilhar
Honrar o pai e a mãe
Não roubar nada a ninguém
E viver a trabalhar
É ser homem decidido
Audacioso, atrevido / Ter fama, falar calão
Mas da sua triste féria
Repartir com a miséria / Mostrando ter coração
É ter amantes, dar brado
Tocar e cantar o fado / Na boémia das noitadas
É também na oficina
Seguir aquela rotina / Que faz as mãos calejadas
Queixas
Repertório de Maria de Lourdes Machado
Podes ir a toda a parte, meu amor
Pois se tens prazer com isso, não me importa
Quase sempre vens para casa com o alvor
E tudo quanto te digo é letra morta;
Podes ir a toda a parte, meu amor
Que eu estarei sempre disposta a abrir-te a porta
Dizes andar toda a noite com amigos
Pode ser uma mentira ou uma verdade
Pois se a vida não é boa sem castigos
Não me castigues assim, por caridade;
Dizes andar toda a noite com amigos
Mas não vás onde houver vício e maldade
Bem, se tu pudesses ler meu pensamento
Terias pena de mim, tenho a certeza
Não me deixavas entregue ao meu tormento
De esperar noites inteiras na incerteza;
Mas se tu pudesses ler nmeu pensamento
Verias como ele está cheio de tristeza
Tu és homem, meu esposo, meu senhor
Causa justa desta vã divagação
Nossos filhos são os elos deste amor
Em que penso a toda a hora e com razão;
Tu és homem, meu esposo, meu senhor
E eu só quero para mim teu coração
Ardinas
Repertório de Filipe Duarte
Ardinas tão pequeninos
Que vindes da Madragoa
Quem vos fez, índa meninos
Os mais belos bailarinos
Das ruas desta Lisboa?
Perguntei isto na esperança / Responderam-me os ardinas
Copiámos esta dança
E lá marcharam os dois / Porque eram dois, os petizes
Cabelos em caracóis
Vi-os à noite, as silhuetas / Dos garotos, sob as luzes
Pareciam borboletas
Querem prender a mentira
Repertório de Nuno de Aguiar
Querem prender a mentira
Que é a alma da traição
Porque não prendem os sonhos
Que tão mentirosos são?
Até chega a ser incrível / Aqueles a que o bem inspira
Como se fosse possível / Querem prender a mentira
Porque a mentira afinal / Aliada à tentação
É irmã gémea do mal / Que é a alma da traição
Mas se ela é irreverente / E causa casos tristonhos
Eu pergunto a toda a gente / Porque não prendem os sonhos?
Que, cheios de fantasias / E muita vez sem razão
Dão-nos esperanças, alegrias / E tão mentirosos são
Partiu
Repertório de Henrique Manuel
Ela partiu com outro sem o amar
Talvez por um capricho de momento
Agora vive só, anda a penar
Tendo por companhia o sofrimento
Eu devia odiá-la, mas não posso
Desejar-lhe sofrer lenta agonia
Mas rezo com fervor um Padre-Nosso
P’ra que ela arrependida volte ainda
Se o amor para alguns é doce bem
P’ra outros muita vez só entristece
Pois há lá dor maior que amar alguém
Que nem sequer desprezo nos merece
Adormeceu a Mouraria
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro *Poetas populares do fado tradicional* de
Daniel Gouveia e Francisco Mendes
A chuva vai caindo na calçada
Calou-se uma guitarra que gemia
Apagou-se uma luz de madrugada
Adormeceu a velha Mouraria
O vento geme num triste assobio
Pela viela não se enxerga nada
Suavemente, num chorar macio
A chuva vai caindo na calçada
Numa garganta rouca, o fado chora
Como se fosse doce melodia
E na taberna que fechou agora
Calou-se uma guitarra que gemia
Um faia passa, num gingar piela
Uma mulher arrasta a cruz pesada
Num rés-do-chão fechou-se uma janela
Apagou-se uma luz de madrugada
Fechou-se agora o último postigo
Tudo é silêncio, nesta noite fria
À luz do gás dum candeeiro antigo
Adormeceu a velha Mouraria
Não jures
Repertório de Lucília Gomes
Esta letra (lcom algumas alteraçôes) está publicada no livro editado pela
Academia da Guitarra e do Fado com o título *Falsas promessas*
Por muito que tu jures eu não quero
Jamais acreditar nas tuas juras
Ao princípio julgava-te sincero
E perdoei-te todas as loucuras
Por muito que jurasses não podia
Esquecer as mentiras desse amor
E os dias que passei numa agonia
Sentindo o coração estalar de dor
Podes ameaçar que eu não receio
Nem custa ameaçar uma mulher
Se o amor para ti foi devaneio
Eu sofro, mas farei por te esquecer
Eu sei que continuas a jurar
A outras, falso amor com voz sentida
Mas eu prefiro isso a ter que andar
Enganada por juras toda a vida
Um beijo numa chinela
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Numa praça não sei onde
A Severa, ardente e bela
Mandou à cara dum conde
Um beijo numa chinela
A história que nada esconde / Jamais se as coisas dão brado
Fala dum caso passado / Numa praça não sei onde
Muito alegre e tagarela / Já no auge da corrida
Chegara toda garrida / A Severa, ardente e bela
Ao toiro que não responde / Mandou uma rosa brava
E a chinela que calçava / Mandou à cara dum conde
E fê-lo para mostrar / Da maneira mais singela
Como se pode atirar / Um beijo numa chinela
Tempo que passa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Foi futuro no passado
O que chamamos presente
Um dia será chamado
Passado por outra gente
O que chamamos presente / É pouco mais que miragem
É o tempo de passagem / Correndo constantemente
Tão ligeiro que nem se sente / Caminhar ao nosso lado
Sorrateiro e disfarçado / Dando e tirando o que temos
Este tempo que vivemos
Foi futuro no passado
Um dia será chamado / Ao que é nova antiguidade
Quem hoje tem mocidade / Irá ser antepassado
E quando então for lembrado / O que se vive e se sente
Vê-se de forma diferente / Seja vergonha ou glória
Será um tempo da história
Passado por outra gente
P’ra vida nasce a criança
A vida ao chegar traz esperança
Quadras à desgarrada
Trancritas do livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional* de
Daniel Gouveia e Francisco Mendes
1.ª cantadeira
Em vossa honra, senhores / Já que fui tão bem tratada
Desafio os cantadores / A cantar à desgarrada
1.º cantador
Sem que queira dar nas vistas / Aceito o repto lançado
Um fadista, onde há fadistas / Não pode ficar calado
2.ª cantadeira
Sou das fadistas mais novas / Sou da nova geração
Mas nunca me nego a provas / Contra fadistas que o são
2º cantador
A minha pobre garganta / Já não tem a voz de outrora
Mas quando canta, ainda canta / Ao pé das vozes de agora
3.ª cantadeira
Sigo a antiga tradição / Das cantigas ao despique
Sou dum bairro de eleição / Nasci em Campo de Ourique
3.º cantador
Não cedo o melhor lugar / Pertence-me a primazia
Pois venho representar / O Bairro da Mouraria
4.ª cantadeira
Depreciar não pretendo / Cantador de tanta fama
Sou bem nova mas defendo / O velho Bairro de Alfama
4.º cantador
Entre fadistas de lei / Com meu concurso não falto
Tenho orgulho em ser da grei / Nascido no Bairro Alto
Para finalizar
Cantámos ao desafio / Como fadistas leiais
Onde há fadistas de brio / Nunca pode haver rivais
O teu desprezo
Repertório de César Morgado
Ó meu amor, não desprezes
O amor que eu te quero dar
Nós desprezamos às vezes
O que nos pode faltar
A sofrer tenho vivido
Sem que ao menos me sorrias
E assim vou passando os dias
Neste amor mal sucedido
Ai, quem me dera poder
Beijar-te sofregamente
E mostrar-te finalmente
A força do meu querer
Não choro a sorte ruim
Por não me quereres dar um beijo
Sofro mais quando te vejo
E não olhas para mim
Eu não quero que me aceites
Por compaixão ou favor
Quero apenas que respeites
Quem por ti sofre de amor
De noite
Repertório de Kátia Guerreiro
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publicoo-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Passou a noite por mim
Tão de leve ela passou
Que quase que não tocou
Esta flor neste jardim
Passou a noite em luar
Em lindas quadras rimadas
Em lentos contos de fadas
Passou a noite a cantar
Mas o seu canto foi tal
Que despertou a alvorada
Foi-se o luar, foi-se a fada
Dessa noite sem igual
Podes voltar
Repertório de Fernanda Maria
Vivias num mar desfeito
Sobre as vagas soçobravas
Preso de louca paixão
E encontraste no meu peito
Aquilo que procuravas
P’ra curar teu coração
Julgava-me tão feliz
Passei dias venturosos / De inteira felicidade
Mas o destino não quis
P’ra mim dias tão ditosos / E impôs-me a sua vontade
Tornaste a vê-la e quebraste
As juras que tinhas feito / De nunca lhe perdoar
Não te censuro e ficaste
Com um lugar no meu peito / Se quiseres, podes voltar
Cantinhos
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
Papo-seco aí do canto
Escute, não seja mau
Você agrada-me tanto
Que, se escutasse o meu canto
Isso p’ra mim era um pau
Sempre metido a um canto / Você é muito acanhado
E por isso é que eu lhe canto
A ver se quebro o encanto / Do seu ar envergonhado
Oiça-me, fite-me, assim / Veja que a minh’alma é sua
Perca a vergonha por fim
Não tenha medo de mim / Que não como gente crua
Em acabando o meu canto / Vou p’ra o seu canto e depois
Com meiguice, com quebranto
Vai toda a gente com espanto / Ver sair juntos os dois
Papo-seco, seja amigo / Coragem, dê-me carinhos
E sem temer qualquer perigo
Venha esta noite comigo / Brincar aos cinco cantinhos
Não me apareças mais
Repertório de Quinita Gomes
Não me apareças mais, ó meu amor
Sem essa veste antiga que trajavas
E sem o teu chapéu posto a rigor
Que eu gostava de ver e tu usavas
Não me apareças mais sem jaquetão
E a calça justa à perna, sem alarde
Pois, por te ver assim, meu coração
Ficou louco por ti, naquela tarde
Não me apareças mais sem a melena
No teu rosto moreno a realçar
Quando não, eu farei alguma cena
E até o nosso amor pode acabar
Se o mundo censurar, eu não me importa
Que tragas trajo antigo e a banza ao lado
Pois terás sempre aberta a minha porta
Porque eu gosto de ti afadistado
Cabelo branco
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Cabelo branco é saudade
Da mocidade perdida
Às vezes não é da idade
É dos desgostos da vida
Da mocidade perdida / Só resta recordação
Do tempo em que o coração / Dava o compasso da vida;
A cabeça encanecida / Faz lembrar a felicidade
Dos tempos da mocidade / Mas nas loucuras de amor;
O cabelo perde a cor
Cabelo branco é saudade
Às vezes não é da idade / Pois o tempo que passou
Andou sempre, não parou; / Bem contra a nossa vontade
É esta a triste verdade / Andamos na nossa lida
E o tempo de corrida / A todos nós envelhece;
Mas se o cabelo embranquece
É dos desgostos da vida
Fado das mágoas
Repertório de João Ferreira Rosa
Quantas mágoas vejo eu
Em teus olhos, quando me olhas
São mágoas vindas do céu
Que minhas mágoas consolam
Em nossas trocas de olhar
Perguntas te vou fazer
Tu respondes sem falar
Eu oiço só por te ver
É por isso que agradeço
O olhar que Deus te deu
E que não vejo e não esqueço
São mágoas vindas do céu
Obreiros da mandriice
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Ao labor, que é dos pobres a divisa
Fui repousar os ossos já cansados
Nos braços indolentes da preguiça
Senti-lhe arfar o desmedido peito
Tremer-lhe as pernas, respirar a custo
Por isso, perguntei-lhe, contrafeito
Se o meu cansaço lhe metia susto
Olhou para mim franzindo as sobrancelhas
E respondeu-me com desembaraço;
Já mantenho amizades muito velhas
Com aqueles que sofrem de cansaço
Eu sei que os paladinos do trabalho
Talvez na percentagem de um por cento
Dizem, abertamente, que não valho
Um átomo de pó lançado ao vento
Não repara essa gente injusta e louca
Que por castigo ou sorte negregada
Não como nada sem abrir a boca
Sem dar aos dentes não mastigo nada
Tenho que os olhos fatalmente abrir
P’ra desviar-me deste vale de abrolhos
E quando extenuada vou dormir
Tenho o trabalho de fechar os olhos
Àqueles que me querem infamar
Pergunto-lhes, em voz potente e forte:
Se o comer, o dormir, o passear
Não é trabalho que nos leva à morte?!
Desde então eu lastimo os desgraçados
Que levam seus atarefados dias
Postados nos passeios e encostados
Às portas dos cafés e leitarias
Não conheces a saudade
Isidoro de Oliveira / Filipe Pinto *fado meia noite*
Repertório de Ana Marina
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
A saudade nunca viste
Não a podes encontrar
Ela entra porque saíste
E sai ao ver-te chegar
Vem-me fazer companhia / Quando me vê só e triste
Como és a minha alegria / A saudade nunca viste
A saudade, a presumir / Toma sempre o teu lugar
Se chegas, tem de partir / Não a podes encontrar
Se tu estás, nada me importa / A saudade nem existe
Quando sais, abro-lhe a porta / Ela entra porque saíste
Tão bem de ti vem dizer / Que se deve envergonhar
Tem vergonha de te ver / E sai ao ver-te chegar
Mentiroso
Repertório de Leonor Santos
Só p’lo prazer de mentir
Mentes a cada momento
Com um perfeito à vontade
Que até chego a sorrir
Com o teu descaramento
Em faltares tanto à verdade
Tu juras que me és fiel
Que te importa se o pecado / Faz parte da tua lida
Ou tu não fosses aquele
Já bastante acostumado / Às mentiras desta vida
São falsos os teus ensejos
Até quem sabe, se os beijos / Que me dás de quando em quando
São mentirosos também
Tu mentes quando ao falar
Em tom doce e carinhoso / A tua boca sorri
Que eu até chego a pensar
Se não fosses mentiroso / Eu não gostava de ti
Cantoria
Repertório de João Ferreira Rosa
Nasce da água uma flor
De cada noite outro dia
Ai, meu amor, meu amor
De ti nasce a alegria
Depois de fado tristeza
Outro cantar eu queria
Não ser mais candeia acesa
Triste luz de quem sofria;
Ai, meu amor, meu amor
De ti nasce a alegria
Na Vila de Salvaterra
Repertório de Inês Vila-Lobos
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Na vila de Salvaterra
Conta lenda que se aferra
Ao povo de Portugal
Que o luto toldou um dia
O calor e a alegria
Duma tourada real
Conde d’Arcos por má sorte
Viera encontrar a morte / Na vila de Salvaterra
E o brinde que é d’uso e lei
Fê-lo morrer por El Rei / Como se morre na guerra
Sai da tribuna ao terreiro
D’El Rei o velho estribeiro / Ninguém o pode deter
Solta a capa nua a espada
Firme provoca a arrancada / P’ra matar ou p’ra morrer
A praça de lés a lés / Vê o touro rolar-lhe aos pés
Na vila de Salvaterra / Cortam silêncio que aterra
Quem ma contou não sabia / Se é verdade ou fantasia
O que a velha história encerra
Eu só sei que nunca mais / Houve touradas reais
Na vila de Salvaterra
Não me chames trigueirinha
Repertório de Arminda da Conceição
Não me chames trigueirinha
Que eu não gosto, já te disse
Chama-me antes moreninha
Porque contém mais meiguice
Se tu és o meu senhor
E eu a tua rainha
Em nome do nosso amor
Não me chames trigueirinha
Posso dar-te a vida inteira
Embora seja tolice
Mas não me chames trigueira
Que eu não gosto, já te disse
Não penses que é por vaidade
Ou por qualquer birra minha
Portanto, faz-me a vontade
Chama-me antes moreninha
Pois sempre à boca pequena
Ao passar sem garridice
Todos me chamam morena
Porque contém mais meiguice
A vida
Publicadas no jornal Guitarra de Portugal de 1 de Janeiro de 1935
É mais um passo que damos / No trilho que percorremos
A Vida, só nessa idade / Sentimos que ela começa
E como é tarde dizemos / Que a vida vai tão depressa
Os anos passam correndo / E enquanto correm os anos
Vamos colhendo saudades / Na senda dos desenganos
E os anos sempre correndo / Levam-nos a outra idade
Queremos cantar a vida / E só choramos saudade
Na mocidade a tristeza / Nunca se pode encontrar
Os moços passam os anos / Sem cuidado de os contar
Vem a geada do tempo / Embranquecer-nos a fronte
Já não enxergam os olhos / Os alvores do horizonte
E quanto mais anos fazem / Sempre a correr… a correr
Os moços, sempre sonhando / Mais anos querem fazer
E como já não sabemos / Os dias que se afundaram
Vamos contando p’los dedos / Os anos que já passaram
Bendita seja essa idade / Em que os anos são esp’ranças
São qual pranto passageiro / Nos olhitos das crianças
Descendo a encosta da vida / Vamos tão velhos, tão gastos
Que levamos a nossa alma / Atrás de nós, mas de rastos
Mas o tempo vai correndo / A vida dura um instante
E temos então vontade / De não passar adiante
E a vida passa… deixá-lo / Vamos sonhar outra sorte
Somos crianças dormindo / No eterno berço da morte
É que levamos a vida / Numa constante doidice
E por mais belos que sejam / Os anos trazem velhice
Os anos que nós passamos / São o traço de união
Que liga o primeiro sonho / À derradeira ilusão
Janela da vida
Repertório de Maria da Fé
À janela debruçada
Julguei, certa madrugada
Ter passado a minha vida
E nesse instante lembrei
As lágrimas que chorei
Por tanta jura fingida
A seguir, vinha a tristeza / A dor, a mágoa, a incerteza
Que eu trazia no meu peito
A paixão, a luz, a treva / E o amor que o vento leva
Após um sonho desfeito
Atrás, vinha o nosso fado / Esse fado afadistado
O que nasceu na viela
E ao vê-lo, senti tal calma / Que o cantei com toda a alma
Debruçada na janela
Punhal de ensanguamento
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
O sentir ou não sentir
É um punhal ensanguentado
Que mata quase a sorrir
Que canta e nem sei se é fado
A ferida que tu abriste
Deixa sangue entre os meus dedos
Dei-te um amor que nunca viste
Que era todo o meu segredo
Porque não soubeste ver
Um amor que era só teu?
Nem soubeste compreender
O sonho que me perdeu?
Ó nascente do meu mal
Que já não sei estancar
O punhal, doce punhal
Sempre no peito a sangrar
Porque fingimos
Repertório de Francisco Martinho
Eu finjo que não padeço
Tu finges não dar apreço
A este ardor que sentimos
E assim, não nos entendemos
Pois se nós ambos sofremos
Afinal porque fingimos?
Tu finges não te importar
Que eu passe a vida a penar / Numa constante agonia
E eu fingindo não te querer
Tu juras amar alguém
Mas é mentira, sei bem / Não tenhas essa ilusão
Eu neste meu desespero
De fingir que não te quero / Minto ao próprio coração
Portanto, reconsidera
Dá por finda essa quimera / Que maldiz nosso viver
P’ra não andarmos assim
Tu tendo pena de mim / E eu pena do teu viver
Vergéis de sonho
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Foi uma rosa, lânguida e vermelha
Que em tempos vi, num dúlcido vergel
Abrir as folhas para que uma abelha
Perdidamente lhe libasse o mel
Pouco depois a delicada rosa
Taça divina duma cor purpúrea
Foi pela brisa, branda e vaporosa
Beijada com mil beijos de luxúria
Fui junto dela e acarinhei de leve
As veludíneas pétalas de encanto
E em seu nectário vi cair, em breve
Límpidas gotas dum orvalho santo
Anoiteceu!... e no vergel tranquilo
Já não zumbia a diligente abelha
Poisei, então, meus lábios em sigilo
Naquela rosa lânguida e vermelha
Votei à flor esta sagrada jura,
Que hei-de cumprir com muita devoção
Ao amor e aos enlevos da natura
Abrir de par em par meu coração
Letra publicada no jornal Guitarra de Portugal de 30 de Abril de 1936.
É sempre um triste fado
Repertório de Miguel Silva
Fado Luso de Armando Silva
Neste viver magoado
Deu-me o destino o condão
A voz p’ra cantar o Fado
A nossa linda canção
Fado Tamanquinhas de Carlos Simões Neves
Tenho tentado cumprir
Com sentimento e com calma
E vou vivendo a carpir
Sem nunca poder fugir
Ao que sinto em minha alma
Fado Britinho de Frederito de Brito
O nosso Fado cantando
Vou meu caminho singrando
Muita vez com desespero
Sem deixar adivinhar
Que também vivo a penar
E da vida nada espero
Fado Margarida de Miguel Ramos
Isto acontece sempre a quem cantar
Talvez por uma estranha tradição
Conseguindo no peito sufocar
Os soluções e os ais dum coração
Fado Alexandrino de Joaquim Campos
E, se alguém duvidar, não deve conhecer
A nostalgia e dor dum peito amargurado
Mas p’ra quem for fadista e saiba o que é sofrer
Esta vida afinal é sempre um triste Fado
Não me queres?
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Não me queres? é bem feito
‘Inda bem que assim preferes
Ao menos não ‘stou sujeito
A qu’er-te porque me queres
Não me queres? paciência; / ‘stá bem; eu dou-te razão
Um sim por condescendência / É bem pior do que um não
Não me queres? fazes bem / Foi o melhor que fizeste
Mas não digas a ninguém / Que um dia já me quiseste
Não me queres? pouco importa / Nada mais te vou pedir
Perdi a chave da porta / Do teu quarto de dormir
Castigo
Repertório de Maria da Fé
Porque foi, por que razão
Mataste o meu coração
Hoje nem te quero ver
Porque não foste sincero
Mas eu agora não quero
Não quero ver-te sofrer
Andas com outra, bem sei
Teu proceder odiei / Desejando o teu castigo
Que sofresses tanto, tanto
Que a amargura do teu pranto / Eu partilhasse contigo
Se ela um dia te deixar
E se vieres procurar / Outra vez meu coração
Eu irei rogar aos céus
Pedindo perdão a Deus / Por te dar o meu perdão
Um fadista
Repertório de Frutuoso França
Um bom fadista, numa revista com galhardia
Sempre que canta põe na garganta mais melodia
Deve cantar sem vacilar, uma cantiga
Num lindo fado muito arrastado à moda antiga
Não é actor, mas tem valor, nobreza e calma
Quando a cantar sabe arrancar pedaços de alma
Um bom fadista é um artista perante o povo
Deve mostrar, quando a cantar, um estilo novo
O fado antigo é um amigo por nós eleito
Ninguém o esquece, pois bem merece todo o respeito
Dizem agora que o fado outrora era canalha
E foi cretino por ser do signo de quem trabalha
Disse-te em ondas verdades
Repertório de António de Noronha
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Disse-te em ondas verdades
Que foram morrer na areia
Falei de amor e saudade
Numa noite em maré cheia
Só as gaivotas voltaram
O resto ficou no mar
Os olhos que te sonharam
Não mais te podem sonhar
Por isso esta praia nua
Que eu vim encontrar depois
Não sei se um dia foi tua
Nem se foi de nós os dois
Desilusão
Repertório de Ercília Costa
Quando deixei meu lar a minha mãe chorava
Vencida pela dor do nosso apartamento
E eu sorria então; meu peito suspirava
Por outro lar feliz, sem pranto e sem tormento
Mas a desilusão quebrou o meu encanto
Como o acordar quebra o sono mais profundo
P’las ruas da desgraça eu arrastei o meu pranto
E tornei-me da noite um astro vagabundo
Um dia fui bater ao lar abandonado
E achei a solidão na casa onde nasci
E desde então me fiz remorso dum passado
Repleto de afeição, que por amor vendi
A minha guitarra
Há muito que eu ando triste
Se o mundo nada conforta
A mágoa que em mim existe
Um rouxinol fez o ninho / Na beira do meu telhado
Para aprender, coitadinho / Comigo a cantar o fado
Minha guitarra é vaidosa / Mas vaidosa com encanto
Sente-se toda orgulhosa / Todas as vezes que canto
Dizem que o fado desgraça / O fado de muita gente
Mentira, o fado não passa / Dum fado que qualquer sente
É o fado com certeza / A alma dum desgraçado
Que na terra portuguesa / Anda a cumprir o seu fado
Fado dos provérbios
Publicada na edição nº 276 do jornal CANÇÃO DO SUL em 16.06.1941
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
O passado é letra morta
Ferida curada não dói
O que lá vai não se vê
Quando me batem à porta
Nunca pergunto quem foi
Pergunto apenas quem é
É senhor quem tem dinheiro / Nem todo o homem é mouro
O tempo é bom conselheiro / Nem tudo o que luz é ouro
A vida é feita de abrolhos
Dizem que o trabalho mói / E quem é crente descrê
Lágrimas brilham nos olhos
Ferida curada não dói / O que lá vai não se vê
Devagar se vai ao longe / Vergado ao peso da cruz
O hábito faz o monge / Da discussão nasce a luz
Pão dos pobres é ventura
Sempre Deus nos abençoe / Muito pode quem tem fé!
E, quando alguém me procura
Nunca pergunto quem foi / Pergunto apenas quem é
A Maria
Repertório de Vânia Duarte
Era uma vez uma vizinha
Que espreitava da janela
E o carteiro na viela
Veio contar-lhe a novidade
Sabes Maria, o teu rapaz voltou
De sorriso no rosto a Maria corou
Não me digas que é desta
AI que vou casar agora
Já perdida a esperança
O vestido na lembrança
Pareço uma criança
Com o coração na mão
Mas o rapaz não apareceu
O que foi que aconteceu?
Foi o amor que se perdeu
No meio da confusão
E agora a Maria
Estava triste e tão sozinha
Com o tanto que sofreu
Ainda não é desta
Já não vou casar agora
Está perdida a esperança
O vestido na lembrança
Pareço uma criança
Com o coração na mão
Se ainda não é desta
Se não vou casar agora
A esperança na lembrança
Ainda dança uma criança
Com o coração na mão
Fogueira apagada
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Eu já sei que nunca mais
Hei-de ver na minha rua
Uma festa como aquela
Que bonitos arraiais
Que voz linda que era a tua
Que saudades tenho dela
Da fogueira à minha porta / Onde ardeu minh’alma inteira
Só ficou a cinza morta / E o bailar doutra fogueira
Na fogueira dos meus olhos
Das cantigas que cantaste / Numa roda aonde entrámos
Foi um vira, me parece
Da maneira que bailaste / Dos abraços que trocámos
Podes crer que não me esquece
Dos balões que eu vi subindo
Só ficou um sonho lindo
Muito leve como o fumo / Que saía dos balões
Eu já sei que nunca mais / Me dás outros manjericos
Que saudade tenho deles
Já não voltam arraiais / Nem já vejo bailaricos
Tão bonitos como aqueles
Fado do Retiro
Repertório de Hermínia Silva no filme Aldeia da Roupa Branca / 1939
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
Como a boca da mulher
Nas tardes de romaria
Rapazes é que é beber;
Chega a gente ao fim do dia
Sem dar p’lo anoitecer
É para esquecer, é para aquecer
Que assim a beber
Tu me vês a vida inteira com este copo na mão
Quem tem de sofrer
Mais vale beber até poder ter
O sangue duma videira cá dentro do coração
Ó tristeza vai-te embora
Que a vida passa a correr
Se não te alegras agora
Quando é que o hás-de fazer;
Bota vinho a toda a hora
Canta, canta até poder
Se calha haver zaragata
Com um freguês que tem mau vinho
P’ra não estragar a frescata
É dizer-lhe com jeitinho;
Bebe lá mais meia lata
Vá lá mais um pastelinho
Recordações
Do arquivo de Francisco Mendes
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Do tempo da fadistagem
E calça à boca de sino
Conservo uma tatuagem
E os alamares do varino
Nasci num bairro fadista / Da nossa velha Lisboa
Criei-me na malandragem
Mas trabalho, sou artista / Como toda a gente boa
Do tempo da fadistagem
Num Café de camareiras / Ao som do fado corrido
Comecei a minha sina
Rodeado de rameiras / Por me verem já vestido
De jaquetão de ratina
Mais tarde, fui, como poucos / Da Rua do Capelão
Era um faia figurino
De chapéu à quatro socos / Um vistoso jaquetão
E calça à boca de sino
Toquei e cantei o fado / Saí na dança da luta
Perdi-me na tavolagem
Fui preso, fiquei marcado / E dessa minha conduta
Conservo uma tatuagem
A minha amante,vestia / Blusa de chita com rendas
E saia de castorina
É filha da Mouraria / Uma das suas legendas
Uma guitarra em surdina
De tantas leviandades / Tristezas, mágoas e penas
Vividas no meu destino
Fado ao luar
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Julguei-o da Mouraria
Julguei-o de toda a gente
Mas depois fui-o encontrar
Braço dado com o luar
Sendo da lua somente
Estranho fado que ouvia / Era a lua que sorria
E ele cantava tão bem
Que o Tejo e os seus navios / Deixavam rastos perdidos
Para o ouvirem também
Falava dum outro mundo / Que parecia mais profundo
E que era apenas o seu
Falava de longas velas / De distantes caravelas
Num reino que se perdeu
Ouvi falar dele um dia / Julguei-o da Mouraria
Julguei-o de toda a gente
Mas depois fui-o encontrar / Braço dado com o luar
Sendo da lua somente
Caminhos
Repertório de Teresa Siqueira
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Tu passaste o teu caminho
E não viste a encruzilhada
Onde um dia te apareci
É que o acaso do destino
Pôs em frente à tua estrada
Alguém que morreu por ti
Passaste e nem sequer viste
A verdade deste olhar / A cruzar-se com o teu
Tu passaste e mal sorriste
Passaste longe a cantar / Na noite que te perdeu
Que importa se num sentido
Tinhas o rasto da luz / E tu seguiste o contrário?
Ouve bem o que te digo
Dum braço ao outro da cruz / Toda a distância é calvário
Fado da triste feia
Repertório de Zulmira Miranda na revista Tic Tac
Letra retirada da gravação de Maria Fernanda Soares
Eu cá sou a triste feia
A triste feia, a triste feia
À beleza sempre alheia
Ai… sempre alheia
Quando eu era pequenina
Já minha mãe me dizia
Tu vais ter a triste sina
De ficares para tia
A feia, a feia, a feia, a triste feia
A pobre desprezada
A feia, por ser tão feia
Será sempre desgraçada
Na tristeza dos meus dias
Ai… dos meus dias
Desconheço as alegrias
As alegrias, as alegrias
Mas conforme a sorte
Eu no fundo sou feliz
Serei feia até à morte
Já que Deus assim o quis
Foi aqui na Mouraria
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Do arquivo Francisco Mendes.
Eu quis ver a Mouraria
E as voltas que ela tem dado
Só vi que já não havia
Nem Mouraria nem fado
De noite e a horas mortas / Andei buscando as vielas
Mas não vi as meias portas / Que serviam de janelas
Não vi cortinas de renda / Não vi brigões das esperas
Nem a Severa da lenda / Nem mesmo as outras Severas
Ponham numa rua antiga / Que pode ser a da Guia
Uma lápide que diga: / Foi aqui na Mouraria
Vencer não é convencer
Publicada na edição nº 292 do jornal Canção do Sul em 16.02.1942
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Pode a mentira vencer
Mas convencer é que não
Não tem razão de viver
Quem vive sem ter razão
Não havendo lealdade / Na forte razão de ser
Em luta contra a verdade / Pode a mentira vencer
A força pode esmagar / Uma forte convicção
Pode vencer e quebrar / Mas convencer é que não
São leis da vida, bem sei / Mas não podem convencer
Quem vive à margem da lei / Não tem razão de viver
Quando a verdade percorre / Os antros de perdição
Vê a razão por que morre / Quem vive sem ter razão
Não sei porquê
Repertório de Natália dos Anjos
Por ti chorei, sofri e até fui louca
Por ti, sim por ti, porque te amei
Não sei se é por ti que estou perdida
Por ti, ó grande amor da minha vida
Não, não suporto mais
Deus me faça esquecer
E nem tolero quem me condena
Longe de ti
Chorando cumpro a minha pena
Se tu me abandonaste, não sei porquê
Nem tu nem eu sabemos a razão
E assim ficamos nós dois sem saber
A causa da nossa separação
Elogio do xaile
Repertório de Adelina Fernandes
Estreado por Adelina Fernandes na opereta “Mouraria* em 1926
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
Porque pasmais do meu xaile / Foi de xaile, como nós
Que outrora, em traje de baile / Andaram vossas avós
Julguei poder vir ao baile / Com o meu xaile?
Qe coisa mais portuguesa / Senhoras d’alta nobreza?!
Até sei duma Marquesa / De beleza muito rara
Que usou dum xaile, também
P’ra reconquistar alguém / Que a Severa lhe roubara
Julguei poder vir ao baile
Bem sabeis como ela timbra / E vos conquista os doutores
Que coisa mais portuguesa
Senhoras d’alta nobreza?!
Basta, porém, de piadas / A minha mãe, que Deus tem
Era mulher muito honrada / E usava xaile também
Roleta
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Eu joguei a minha vida
Como quem joga uma flor
Tinha cor ao meio-dia
Já não a tinha ao sol pôr
No pano verde do mundo / Perdi tudo o que ganhei
No pano verde do mundo / Nem uma flor encontrei
A vida joga-se inteira / Não se diz não ou diz sim
Se a aposta for verdadeira / Joga-se a morte por fim
Eu joguei a minha vida / Como quem joga uma flor
Tinha cor ao meio-dia / Já não a tinha ao sol pôr
Cigano
Repertório de Ada de Castro
Cigano esguio e trigueiro
Não sei porque me fascinas
Se o bater do teu pandeiro
Se as tuas mãos peregrinas
Quem quem me dera ser cigana
Viver da vida os escolhos
Dentro duma caravana
E na prisão dos teus olhos
Passar a fome que tens passado
Cantar e viver sempre a teu lado
Mentir nas feiras, deixá-lo
Ser como tu, ardilosa
Pedir por um velho cavalo
Uma conta fabulosa
Compreender os dialetos
Das sensuais malaguenhas
Beijar-te os cabelos pretos
Quando a dançar te desgrenhas
Na graça do som das velhas violas
Ouvir o bater das castanholas
Ensina-me a tua fé, ensina-me tudo isto
Que a tua raça calé também possui fé em cristo
Ó meu cigano adorado
Em troca ensino-te o fado
Eu nao estou p'ra brincadeiras
Repertório de Hermínia Silva
A brincar jurei amar-te
Isto, semanas inteiras,
Mas pus a jura de parte
Eu não estou p’ra brincadeiras
Tu mentias-me brincando / E eu resolvi castigar-te
Por isso, de vez em quando / A brincar jurei amar-te
Eu passava maus bocados / Tu suportavas canseiras
E andámos sempre enganados / Isto, semanas inteiras
P’ra mentir, mesmo a brincar / ‘Inda é preciso ter arte
Eu deixei o tempo andar / Mas pus a jura de parte
Perdoa se te contristo / Mas embora tu não queiras
Vamos acabar com isto / Eu não estou p’ra brincadeiras