Dueto nas vozes de Fernanda Maria & Alfredo Marceneiro
Ele
Eu adoro do mar, as ondas imponentes
Eu adoro do mar, as ondas imponentes
Que vão morrer à praia em finos rendilhados
Ela
Eu adoro a campina, a rústica montanha
Adoro enfim a paz nostálgica dos prados
Ele
Camponesa, sabes lá os encantos que encerra
Camponesa, sabes lá os encantos que encerra
A cerúlea amplidão dos grandes oceanos
Quando a guitarra geme os íntimos arcanos
Do nauta que partiu em busca doutra terra
Ela
Tem mais encanto ver no alto duma serra
O sol agonizar em crispações frementes
Ouvimos as canções bucólicas, ardentes
Cantadas com amor pelas lindas zagalas
Ele
Apesar da beleza ascensa com que falas
Apesar da beleza ascensa com que falas
Eu adoro do mar as ondas imponentes
Ela
Acaso há lá no mar as fontes que gotejam
Igrejas do Senhor batendo Avé-Marias
Cantos de rouxinol e bandos de cotovias
Cruzeiros que na estrada á noite lacrimejam
Ele
No mar mais fortemente as saudades adejam
No mar mais fortemente as saudades adejam
Uma tal comoção, mais emotiva e estranha
Que a gente, ai… quanta vez, soluça e amarfanha
As mãos de encontro ao peito olhando o infinito
Ela
Concordarei enfim, mas ainda te repito
Eu adoro a campina, a rústica montanha
Ele
Também adoro o amigo e agora te acrescento
Há gente que no mar transpondo as águas cérulas
Gasta a vida colhendo as cruscantes pérolas
E chora tanta vez com falta de alimento
Ela
Também no campo existe a fome e o desalento
Entre nós os rurais morrem escravizados
Ele
Já vejo: és minha irmã, são iguais os nossos fados
Ela
Eu sou a camponesa e tu, o pescador
Adoro em ti o mar e com grande fervor
Adoro enfim a paz nostálgica dos prados
Título Original > O camponês e o pescador
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
O contraste que, nos fados iniciais, era dado pelas oposições rico-pobre, patrão-operário,
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
O contraste que, nos fados iniciais, era dado pelas oposições rico-pobre, patrão-operário,
monárquico-republicano, em Henrique Rego, quase obviamente, é-nos dado pela oposição
cidade-campo; ou então entre profissões. Esta última dicotomia foi bastante explorada por
outros letristas, usando metáforas como «o fato de ganga e o fato de fazenda»,
«o médico e a duquesa», «o engenheiro e o sapateiro».
Em Henrique Rego, quase sempre cantada em dueto, uma letra contrapõe duas profissões
Em Henrique Rego, quase sempre cantada em dueto, uma letra contrapõe duas profissões
apenas aparentemente opostas, já que o estrato social é o mesmo: o camponês e o pescador.
Acabam numa aliança proletária, deixando uma sub-reptícia mensagem anti-capitalista
já arrojada naqueles tempos («há gente que no mar […] gasta a vida colhendo as coruscantes
pérolas e chora tanta vez com falta de alimento» e «entre nós, os rurais morrem escravizados»).
Em contradição com a classe está a linguagem, de uma forçada erudição na busca das rimas
pondo na boca de tão desfavorecidas personagens expressões próprias de universidade clássica
tais como «a cerúlea amplidão dos grandes oceanos», «a guitarra geme nos íntimos arcanos do
nauta», «o Sol agonizar em crispações frementes», «as coruscantes pérolas», entre outras «pérolas».
Tudo a bem da dignificação do Fado: