A mestria dos letristas do Fado-Canção, associada aos recursos de
extraordinários compositores, produziram peças de antologia, como esta. É
patente um trabalho conjunto, oposto ao habitual no Fado Tradicional, em que as
músicas são independentes da letras, sendo os seus autores distantes no espaço
e no tempo, podendo até nem se conhecer nem terem sido contemporâneos.
Originalidades métricas e rítmicas como este «Fui ao Baile», impondo extrema
criatividade ao compositor, representam também igual exigência de mestria ao
intérprete, pois a articulação da letra de forma perceptível, num andamento
vivo como o deste fado, não está ao alcance de qualquer um. Maria José da Guia
foi uma das nossas maiores fadistas, injustamente esquecida fora dos círculos
dos apreciadores.
Fui ao baile
Amadeu do Vale / Fernando Carvalho
Versão do repertório de Fernanda Batista
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Criação de Maria José da Guia na revista *Saias curtas*
Teatro Maria Vitória 1953
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção
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Vesti a blusa nova estreei o meu xaile
Para contigo ir ao baile e dançar juntinha a ti
E até, p'ra tu me achares mais airosa e vistosa
Pus no cabelo uma rosa e chinelinha no pé
Mas mal entraste, bem vi que falaste c'oa Rosa Maria
Aquela que namoraste na Rua da Mouraria
P'ra não te dar o prazer de mostrar todo o meu azedume
Tirei o xaile, calei-me, e afastei-me sem um queixume
Fingi não ver e fui dançar
Com um rapaz que me andava a fazer um namoro a valer
P'ra comigo casar
Julgavas ter com quem brincar
Mas vê bem como tu te iludiste, quando no baile me viste
Nos braços dum outro a bailar
Saí depois do baile era já madrugada
Mas desta abraçada já a outro e não a ti
E sei que tu e a Rosa Maria se riram
Quando na rua assistiram ao abraço que eu lhe dei
Como é costume, bem vi no azedume do vosso embaraço
Que os torturava o ciúme, por ir com outro p'lo braço
E vi depois zangarem-se os dois, porque tu lhe disseste
Que estavas desiludido e arrependido do que fizeste