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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.350' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Fado do estudante

José Galhardo / Raúl Ferrão / Raúl Portela
Versão do repertório de João Braga 
Criação de Vasco Santana no primeiro filme sonoro  feito em Portugal, 
A Canção de Lisboa, em 1932 (A Severa, de Leitão de Barros
foi sonorizado em França). 
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Que negra sina, ver-me assim 
Que sorte vil, degradante 
Ai que saudade eu sinto em mim
Do meu viver de estudante 

Nesse fugaz tempo de amor 
Que dum rapaz é o melhor 
Era um audaz conquistador das raparigas 
De capa ao ar, cabeça ao léu
Só para amar vivia eu 
Sem me ralar e tudo mais eram cantigas 

Nenhuma delas me prendeu 
Deixá-las eu, era canja 
Até ao dia em que apareceu
Essa traidora da franja 

Sempre a tenir, sem um tostão
Batina a abrir por um rasgão 
Botas a rir, um bengalão e ar descarado 
A vadiar com outros mais 
Ia dançar prós arraiais 
P'ra namorar, beber, folgar, cantar o fado 

Recordo agora com saudade
Os calhamaços que eu lia 
Os professores, a faculdade
E a mesa de anatomia 

Invoco em mim 
Recordações que não têm fim 
Dessas lições frente ao jardim 
Do velho campo de Santana 
Aulas que eu dava e se estudasse 
Ainda estava nessa classe 
A que eu faltava sete dias por semana 

O fado é toda a minha fé 
Embala, encanta e inebria 
Pois chega a ser bonito até 
Na rádio ou telefonia 

Quanto é tocado com calor
Bem atirado e a rigor 
É belo o fado
Ninguém há quem lhe resista 
É a canção mais popular
Tem emoção faz-nos vibrar 
E eis a razão de eu ser doutor 
E ser fadista

É difícil dizer se foram alguns fados-canção verdadeiramente geniais que ajudaram ao enorme 
êxito dos filmes portugueses desta época, ou se foram estes filmes da idade de oiro do cinema português que deram visibilidade, audibilidade e perenidade a fados como este.

Certo é que, hoje em dia, já não se estuda Medicina no Campo de Sant’Ana, os estudantes já não andam de capa e batina senão em dias muito especiais ou quando atuam em tunas já ninguém usa bengalão, mas este fado ouve-se com frequência e sempre com agrado.

Noites sem fim

Artur Ribeiro / Francisco José Marques *fado zé negro*
Repertório de Artur Batalha 

Ai quantas noites perdidas
Contigo compartilhadas
A semear vendavais;
Horas falsas mal vividas
À minha vida roubada
Que não quero viver mais

Ai quem me dera esquecer
Aquelas noites sombrias 
Vividas sem qualquer fim
Horas e horas sem ver
Sem ver que tu não valias 
Nem um minuto de mim

O que sofri ninguém sonha
Das tuas noites já fartas 
De mudarem de paixão
E hoje tenho vergonha
Por não conseguir que partas 
De vez, do meu coração

Fadinho da internet

Helder Amoroso / Nuno Nazareth Fernandes 
Repertório de Piedade Fernandes

Caro Garcia
Desculpa escrever à pressa 
Mas a gente atravessa 
Um momento aflitivo 
É que hoje em dia 
As coisas mudaram tanto 
Que eu não caibo em mim de espanto 
Com o processo evolutivo

 lá tu bem
Que esta carta se chegar 
Demora p’ra entregar
Um tempo que eu nem te conto 
Hoje porém 
No correio não se mete 
Ligamos a internet 
Escreve-se um email... e pronto 

Mas não é só:
Se tu souberes copiar 
Na rede de cá para lá
Até cais p’ró lado 
Mesmo um totó 
Pode comprar o que queira 
Embrulhar a montra inteira 
E levar tudo fiado 

Levar a carta ao Garcia 
É pela internet, é pela internet 
Mesmo que aumente a franquia 
A coisa promete, a coisa promete 

E qualquer dia
Sem que a gente esteja à espera 
Vemos a velha quimera 
Numa mudança total 
Não deixaria 
De ser muito engraçado 
Termos um grande ordenado 
Em dinheiro virtual

Eu vou dizer amor

Torre da Guia / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Lenita Gentil


Eu vou dizer amor, como um poema
Que nunca consegui realizar
E por amor sentir se vale a pena
Até num mentira acreditar

Eu vou dizer amor e vou sonhar
Que fico nos teus braços toda a vida
Às vezes é tão bom imaginar
A dor da natureza adormecida

Eu vou dizer amor à despedida
Com beijos inocentes de criança
E guardar no vazio da partida
A fé infinita da esperança

Eu vou dizer amor, palavra mansa
Com silabas inteiras de ternura
Amor, amor, amor, que não se cansa
De repetir cem vezes com loucura

Varandas

David Mourão Ferreira / Franklim Godinho 
Repertório de Mercês da Cunha Rego 

Nas varandas desta rua 
Há uma que vive nua 
Outra que não tem lençol; 
A terceira é um catavento 
Em Março noiva do vento 
Em Julho amante do sol 

As outras não têm história 
Ou perderam a memória 
Ou passam a vida à espera 
Mas há ainda mais uma 
Que é confidente de bruma 
E prima da Primavera 

Quase ninguém a conhece 
Apenas quando anoitece 
Toda ela ela se alumia 
E no entanto essa luz 
Ganha a forma de uma cruz
Através da gelosia 

Entre as varandas, são tantas 
Há pecadoras e santas 
Umas ricas outras pobres
Mas não sei que há uma rainha 
Nem direi qual é a minha 
A ver se tu a descobres

Amor que chega ao luar

Dãna / Casco Lima
Repertório de Dãna


Caminho entre o verde 
No verde fico a chorar
Trago no peito um suspiro 
Um suspiro de cantar

Canto ao vento que leva 
Notas cheias de vida
Vida vai, leva os sons 
Os sons da alegria

Ai meu amor, meu amor
Vem abraçar-me baixinho
Enche de cores este canto
Leva p’ra longe a minha dor

Não canto por cantar 
Nem por cantar digo
Canto para te dar
O amor que trago comigo

Sinto na voz o calor 
Que aquece o coração
Coração que bate de amor 
Amor que chega ao luar

Borda d’água dos meus olhos

Sebastião Mateus Arenque / Ferrer Trindade
Repertório de Dãna 
Letra sujeita a confirmação

Nas terras da borda d’água 
Cheias são mágoa, desolação 
Perdem-se bens e vidas 
Que deixam feridas no coração 
Mas se o sol sorri ardente 
Heróica gente ribatejana 
O seu pesar se amaina 
Lançam-se à faina com maior gana 

Refeitos os bens e os lares 
Que são manjares de mãos obreiras
Nas searas inquinadas 
Cantam ranchadas de mondadeiras
Avieiros na zavara
A pesca é cara, o rio a dá 
Lezíria de verde manto
Tamanho encanto igual não há 

Nas lavras e sementeiras
Crescem fogueiras, lindas, primores 
Nas campinas e arneiros 
Que são celeiros dos lavradores
Aproxima-se o suão
Desponta o grão entre praganas
Dá volta à apeiragem
A criadagem nas arribanas 

Maiorais do Ribatejo 
Que dão no Tejo beber ao gado
Fragata faz-se à maré
O arrais à ré trauteia um fado 
Os campinos bem montados 
E arrojados, lidam os toiros 
Na eira trigo dourado 
É debulhado nos calcadoiros

Perdida

Artur Ribeiro / Carlos Rocha 
Repertório de Max 

Não rias, não faças troça 
De quem passa enquanto danças
Já foste menina e moça
Já tiveste louras tranças 

Agora louca e perdida
De tudo o que já foi teu 
Andas a rir divertida
Do mundo que te perdeu 

Assim perdida 
Da vida ausente 
Estás convencida 
Que esta vida é só o presente 
Mas não te esqueças 
Que a boa estrada
Sempre aparece 
Depois da má terminada 

Deixa a roupa da desgraça
Cair de manso a teus pés
E verás que bem se passa
Sem luxos nem cabarets 

E de novo assim vestida
Duma maneira diferente
Deixarás de ser perdida
Serás mulher novamente

Entre nós dois, o silêncio

José Freire / Renato Varela *fado varela*
Repertório de José Freire


Os teus cabelos negros noutro ombro
O teu rosto colado noutro rosto
Nos meus olhos parados o assombro
Nos meu lábios franzidos o desgosto

Nas minhas mãos vazias o calor
Do calor doutras mãos doce e recente
Nos teus lábios distantes o sabor
Sem sabor do amor que se não sente

Entre nós dois silêncio e um adeus
Sem lágrimas capazes de entristecê-lo
E ao longe tão ao longe beijos meus
Vão de leve poisar no teu cabelo

Lembrei-me que na vida tudo é breve
Pois os sonhos mal chegam logo vão
Não há bem que o destino nunca leve
Nem sonho que não seja frustração

Nada me dás

António Rocha / Alfredo Duarte *fado bailado*
Repertório de António Rocha


Dá me o calor do teu peito

Aquece minha alma fria;
Encosta-te a mim com jeito
Dá-me um pouco de alegria
Dá-me o calor do teu peito

Dá-me a luz do teu sorriso / Tal como outrora fizeste
Vem porque eu de ti preciso / Cumpre com o que prometeste
Dá-me a luz do teu sorriso

Dá-me um só beijo mulher / Peço-te pouco, bem vês
Acaba com o meu sofrer / Ainda que mais me não dês
Dá-me um só beijo mulher

Nada me dás vai-te embora / Foge do meu pensamento
Porque há-de chegar a hora / Do teu arrependimento
Nada me dás vai-te embora

Pedras soltas

Linhares Barbosa / Armandinho
Repertório de Natércia da Conceição

Se as frias pedras sentissem
Sentissem e se falassem
Talvez que não permitissem
Que os teus dois pés as pisassem

Em todo o caso cuidado 
Quando a vaidade te exalta
Muitos têm tropeçado 
Porque uma pedra é mais alta

Quando na rua tropeças 
E quase vais a cair
É porque trazes promessas 
E que não podes cumprir

Olha que um passo mal dado 
Traz uma queda ainda mais
Uma queda no passado 
Deixa p’ra sempre sinais

Dei um dia um tropeção
Foi a minha desventura
Caí no teu coração
Que é feito de pedra dura

Morrer de saudades

Manuel Carvalho / Júlio Proença *fado proença*
Repertório de Rosa Cruz


Meu amor se é verdade

Que se morre de saudade
Então está perto o meu fim;
Pressinto a vida a fugir
Que ás vezes chego a sentir
Mesmo saudades de mim

A tua presença invento
E à noite há um momento 
Que estás comigo deitado
Pois ando assim como louca
Com o teu nome na boca 
A chamar por todo o lado

Meu coração não resiste
À solidão que persiste 
Em viver nesta ansiedade
Se não voltas meu amor
Vai acabar esta dor 
Porque morro de saudade

As sete mulheres do Minho

Letra e musica de José Afonso
Repertório de Dulce Pontes

As sete mulheres do Minho
Mulheres de grande valor
Armadas de fuso e roca
Correram com o regedor

Essa mulher lá do minho
Que da foice fez espada
Há-de ser na lusa história
Uma página doirada

Viva a Maria da Fonte
Com as pistolas na mão
Para matar os Cabrais
Que são falsos á nação

Fado do castanheiro

Vasconcelos e Sá / Pedro Rodrigues
Repertório de Maria Teresa de Noronha

No cimo daquele Outeiro

Debruçado castanheiro
Morre de sede e fadiga;
Torcendo os braços ao vento
Dando à visão tormento
Sobre uma rocha inimiga

Tão velhinho e tão mirrado
Perdeu as folhas coitado 
Fogem dele os passarinhos
Nem mesmo em noites suaves
Ele pode abrigar as aves 
Nem pode embalar os ninhos

Um ramo de hera viçosa
Que viveu sempre amorosa 
Ao pobre tronco segura
Abraça o pobre velhinho
Cada vez com mais carinho 
Cada vez com mais ternura

Ó era que não dás flor
Teu coração para amor 
Deve ser igual ao meu
Singela planta que eu amo
Jamais se esquece do ramo 
Onde uma vez se prendeu

Eu gosto dum marinheiro

Frederico Valério / José Galhardo
Repertório de Helena Tavares

Trago o mar dentro do peito 
E ando com ele a sonhar
Até que o sonho é desfeito 
Na branca espuma do mar

Ó mar tu és um momento 
Que outro a seguir já desfez
Verde, azul, branco e cinzento 
Vais e vens com as marés

Eu gosto dum marinheiro
E vejo o mar sem ter fim
E a minha cruz é um cruzeiro
Em que ele embarca sem mim;
Na outra volta sustenta
Que um dia me há-de levar
Cruzeiro em mar de água benta
Cruzeiro em cima do altar

Fiz uma santa promessa 
Fui um milagre implorar
Para que voltes depressa 
E não me esqueças no mar

Por cada vela da Sagres 
Hei-de uma vela acender
À Senhora dos Milagres 
Que o milagre vai fazer

Azenha velhinha

Letra e musica de Frederico de Brito
Repertório de Manuel de Almeida


Aquela azenha velhinha
Na margem da ribeirinha
Que por vales serpenteia;
Foi testemunha impassível
Da tragédia mais horrível
Que houvera na minha aldeia

Naquela noite de inverno
O céu parecia um inferno 
Estavam os astros em guerra
E a ribeira mal sustinha
A grande cheia que vinha 
Pelas vertentes da serra

Vendo a ribeira a subir
O moleiro quis fugir 
Levando o filho nos braços
Pela ponte carcomida
Já velhinha e ressequida 
A desfazer-se em pedaços

Mas ai, a ponte quebrou-se
E o moleiro como fosse 
Na cheia da ribeirinha
Levou o filho consigo
E nunca mais moeu trigo 
Aquela azenha velhinha

Beijos

António Amargo / Jaime Santos *fado alfacinha* 
Repertório de Maria Valejo 

Tantos beijos de carinho 
Já deram nos lábios teus 
Que nem lá vejo um cantinho 
Onde possa pôr os meus 

Embora sinta desejos 
Beijos de amor não te os dou 
Pois não quero poisar beijos
Onde outra boca os poisou 

Cada beijo que eu te desse 
Sobre um beijo que outra deu 
Não blasfemo mas parece 
Que o beijo não era meu 

Eu nunca perdoaria 
Que tu pela vida além 
Confundisses qualquer dia 
Meus beijos com os de alguém

Amor de mãe

Henrique Rego / Armandinho *fado bacalhau*
Repertório de Alfredo Marceneiro


Há vários amores na vida

Lindos como o amor-perfeito
Belos como a Vénus querida;
De tantos que a vida tem
Só um adoro e respeito
É o santo amor de mãe

Da mulher desventurada
Nesta vida ninguém fuja 
Se ela acaso um filho tem
Deixá-la ser desgraçada
Porque a desgraça não suja 
O santo afeto de mãe

Minha mãe amor em prece
Eu sinto tão bem viver 
Esse amor que ainda me invade
Que se mil anos vivesse
Não deixaria morrer 
Por ti a minha saudade

Se para ser homem, Jesus
Precisou que uma mulher 
O desse à luz deste mundo
O amor de mãe é a luz
Que torna o nosso viver 
Num hino de amor profundo

Fado Alentejano

José Régio / Jorge Ganhão
Repertório de Jorge Ganhão


Alentejo solidão, solidão ai Alentejo
Alentejo solidão, solidão ai Alentejo
Solidão ai Alentejo
Alentejo solidão

Oceano de ondas de oiro 
Tinhas um tesoiro perdido
Nos teus ermos escondido 
Vim achar o meu tesoiro

Convento de céu aberto 
Nos teus claustros me fiz monge
Perdeu-se a terra ao longe 
Chegou-se-me o céu mais perto

Padre-nosso de infelizes 
Vim coberto de cadeias
Mas estas com que me enleias 
Deram-me asas e raízes

Madrugada de Alfama

David Mourão Ferreira / Alain Oulman
Repertório de Amália


Mora num beco de Alfama
E chamam-lhe a madrugada
Mas ela, de tão estouvada
Nem sabe como se chama

Mora numa água-furtada 
Que é a mais alta de Alfama
E que o sol primeiro inflama 
Quando acorda à madrugada;
Mora numa água-furtada

Que é a mais alta de Alfama

Nem mesmo na Madragoa 
Ninguém compete com ela
Que do alto da janela 
Tão cedo beija Lisboa

E a sua colcha amarela 
Faz inveja à Madragoa
Madragoa não perdoa 
Que madruguem mais do que ela;
E a sua colcha amarela
Faz inveja à Madragoa

Mora num beco de Alfama 
E chamam-lhe a madrugada
São mastros de luz doirada 
Os ferros da sua cama

E a sua colcha amarela 
A brilhar sobre Lisboa
É como a estatua de proa 
Que anuncia a caravela;
A sua colcha amarela
A brilhar sobre Lisboa

A marca do tempo

José Fernandes Castro / Raul ferrão *fado carriche* 
Repertório de Nano Vieira 

No rosto, a marca do tempo 
Determinando a idade 
Na força do pensamento 
O pulsar da mocidade 

Sou verso que se não lê 
Sou alma no esquecimento 
Olhando p'ra mim, se vê 
No rosto a marca do tempo 

Tenho nos cinco sentidos 
A cor da minha verdade 
Tenho sonhos proibidos 
Determinando a idade 

Tenho mil paixões floridas 
Soprando a alma do vento 
Tenho força de mil vidas
Na força do pensamento 

Ao tempo que vai surgir 
Imponho a minha saudade 
Quero de novo sentir 
O pulsar da mocidade

Olhando o sol se pôr

Letra e musica de Alice Pimenta *fado elisabete*
Repertório de Alice Pimenta

Vencida p’lo cansaço e nostalgia
De tristeza estampada no meu rosto
Gritando ao deslizar a ironia
Do destino e da beleza d’um sol posto

Ali naquela praia onde nasceu
O nosso amor queimado pelo tempo
As ondas vão bailando e ali estou eu
Olhando o pôr-do-sol saudoso e lento

Olhando o mar bater-me a solidão
Falei sobre a razão da minha dor
Tu foste noutras ondas e eu então
Fui pr’ali recordando o nosso amor

Algo me disse, a brisa que chorei
Escutando o mar cantar em seu temor
Também virás um dia, eu bem o sei
Olhando como eu, o sol se pôr

Tudo é saudade em mim
Eu sabia que sim
Que voltaria ali p’ra recordar
Os teus beijos salgados
Nossos corpos molhados
E os risos que tu davas ao beijar

A procurar me perdi

Manuel Carvalho / Nel Garcia
Repertório de Eduardo Alípio

Eu juro que procurei
E a procurar me perdi
Na hora que t’encontrei
Fiquei perdido por ti

Para não mais te perder / Segui na vida teus passos
Acabei por me prender / Na cadeia dos teus braços

E quando a sede chegava / Em tua boca eu bebia
Quantos mais beijos te dava / Mais a ti eu me prendia

E se um dia mesmo assim / Eu me perder por castigo
Vai à procura de mim / E fica de vez comigo

A voz

Diogo Clemente / Armando Machado *fado licas* 
Repertório de Carminho 

Às vezes há uma voz que se levanta
Mais alta do que o mundo e do que nós
E faz chover-me os olhos, quando canta
Num pranto que emudece a minha voz 

Afunda-me os sentidos e o tempo
Ao ponto mais distante do que sou
E abraça aquele lugar que tão cinzento
Se esconde sobre a névoa que ficou

E grita-me no peito quando sente
Chegar a face triste de um amor
Mais alta do que o mundo e do que a gente
A voz já não é voz... chama-se dor

Voltar a ser

Letra e musica de João Monge
Repertório de Carminho

Eu vou voltar a ser
Tudo o que eu já fui um dia
Tudo o que eu já queria ser
Antes de te querer

Eu vou voltar a ver 
O lado bom das pessoas
As suas coisas boas 
Antes de entristecer

Mais vale somar paixão 
Somar desilusão
Até tudo nos doer
Porque eu vou voltar a ser 
Tudo o que eu já fui um dia
Tudo o que eu já queria ser 
Antes de te querer

Eu sei que vou voltar 
Ao coração por um fio
Porque é do meu feitio 
Nem sei como mudar

Palavras dadas

Carminho / Joaquim Campos *fado rosita*
Repertório de Carminho


Não digas palavras dadas
Que não sabes, que não sentes
Pois elas trazem as mágoas
Que só vêm porque mentes

Não consegues entender 
Que nesse vazio poeta
Podes as palavras ter /
Mas nunca a palavra certa

Se não mentisses, seria 
O amor que tanto espero
O da verdade mais fria 
O da verdade que eu quero

Pois é esse frio do amor 
Que nos prende de ansiedade
Também há calor na dor 
A dor que traz a saudade

O rio corre no Tejo

Alexandre O’Neill / Fernando Tordo
Repertório de Carminho

Tu que passas por mim tão indiferente
No teu correr vazio de sentido;
Na memória que sobes lentamente
Do mar para a nascente
És o curso do tempo já vivido

Por isso, á tua beira se demora
Aquele que a saudade ainda trespassa
Repetindo a lição que não decora
Deve ser aqui e agora
Só um homem a olhar para o que passa

Não, Tejo
Não és tu que em mim te vês
Sou eu que em ti me vejo


Tejo desta canção, que o teu correr
Não seja o meu pretexto de saudade
Saudades tenho de sim, mas de perder
Sem as poder deter
Ás águas vivas da realidade

Carta a Lisboa

Diogo Clemente / Ricardo Rocha *alexandrino do rocha* 
Repertório de Carminho 

Tal qual o velho Tejo e as águas p’ra depois
Aqui me tens na espera de quem partiu de mim
Em ti Lisboa, eu vejo as horas de nós dois
E sei não ser quem era num tempo antes do fim

Como eu, barcos parados cansados deste mar
Ocultam liberdades na frágil luz das velas
Que ás mãos doutros recados que o vento quis roubar
Perderam-se as saudades, fecharam-se as janelas

Assim vivo comigo num rio de mim para mim
Maiores os dias de hoje, são menos que outros dias
Talvez por ser abrigo d’alguém que antes do fim
Me chega e que me foge, deixando as mãos vazias

E há tanto por dizer nas linhas desta dor
Que a voz do que magoa confunde-me o desejo
Aqui espero por ter o rio do meu amor
Correndo em ti, Lisboa, tal qual o velho Tejo

Meu amor marinheiro

António Campos / Joaquim Pimentel
Repertório de Saudade dos Santos


Tenho ciúme 
Das verdes ondas do mar
Que teimam em querer beijar
Teu corpo erguido às marés
Tenho ciúme 
Do vento que me atraiçoa
Que vem beijar-te na proa
E foge pelo convés

Tenho ciúmes 
Do luar, da lua cheia
Que no teu corpo se enleia
Para contigo ir bailar
Tenho ciúmes 
Das ondas que se levantam
E das sereias que cantam
Que cantam p’ra te encantar

Ó meu amor marinheiro

Ó dono dos meus anelos
Não deixes que à noite, a lua
Mude a cor aos teus cabelos;

Não olhes para as estrelas
Porque elas podem roubar
O brilho que há nos teus olhos
Teus olhos da cor do mar

Marcha da Mouraria

Amadeu do Vale / Frederico Valério
Repertório de Amália

Alma, nervo e coração
Das cantigas da Severa
Olha o Bairro da Severa
Na noite de São João


A Rua da Amendoeira 
Foi ao Muro do Derrete
P’ra deixar de ser solteira 
E casar com o Alegrete

Haja festa, animação 
E Alfazema nos caminhos
Que a Rua do Capelão 
Vai casar os dois pombinhos

Cigarras a cantar, guitarras a vibrar
Cantigas a bailar pelas vielas
Crianças a correr, esperanças a nascer
E cravos a aparecer pelas janelas

Roseiras a florir, velhinhas a sorrir
Ungidas pela fé e p’la virtude
Fadistas a rezar e sinos a tocar
Na igreja da Senhora da Saúde

P'ró enlace ter mais linha 
E o noivo ir mais vaidoso
Vai a Guia ser madrinha 
E o padrinho é o Bem-Formoso

Nesse dia, muita calma 
Sem pregões e sem berreiros
Lá vai a Rua da Palma 
Ao lado dos Cavaleiros

Emigrantes

Aníbal Nazaré / Carlos Rocha
Gravado por: Emílio dos Santos


Embaixador da saudade
Da sua terra distante
Em permanente ansiedade
Ele vive, o emigrante

Foi levado p’lo destino
P’la má vida ou p’la ilusão
Mas Portugal pequenino
Leva-o em seu coração

Emigrantes... 
Vêm de terras distantes
São cavaleiros andantes
Da sua terra natal
Emigrantes... 
São heróis que a pátria ignora
Que espalham p’lo mundo fora
O nome de Portugal

Na sua vida modesta
Cada carta uma saudade
Cada notícia uma festa
Cada dia, a eternidade

Deixando a terra que adora
Uma verdade se encerra
O corpo a viver lá fora
E a alma na sua terra

Bailado das folhas I

Henrique Rego / Alfredo Marceneiro
Repertório de Alfredo Marceneiro


Foi numa pálida manhã de Outono
Soturna como a cela dum convento
Que num vetusto parque ao abandono
Dei largas ao meu louco pensamento

Cortava o espaço a lamina de frio
Que impunemente as nossas carnes corta
E o vento num constante desvario
Despia as árvores da folhagem morta

Folhas mirradas como pergaminhos
Soltas ao vento como os versos meus
Bailavam loucamente p’los caminhos
Como farrapos a dizer adeus

Das débeis folhas lamentei a sorte
Mas reflecti depois de estar sereno
Que bailar à mercê de quem é forte
É sempre a sina de quem é pequeno

Desde então, o meu pobre pensamento
Fugiu para não bailar ao abandono
Como a folhagem que bailava ao vento
Naquela pálida manhã de Outono

Das cinco às sete

Rosa Lobato de Faria / Mário Pacheco
Repertório de Carlos Zel


Pelas cinco da tarde é que o sonho começa
A tua mão na minha
E a minha cabeça encostada ao meu ombro
Depois é o assombro do amor reencontrado 
A sós no nosso canto
O silêncio e o espanto
A paixão, o segredo
A recusa do medo

O meu falar alegre, o teu livro tão sério
A música tão leve
O instante tão breve, o motivo, o mistério

P'las sete da tarde é que o sonho termina
Afrontamos a rua
A tua mão na minha
Um trejeito na alma, um tremido na boca
Até que a multidão me leva e me sufoca
E nos desprende e solta os meus dedos dos teus

Há um barco que grita, um comboio que chora
Num mar de gente à deriva
E eu, náufrago da hora
Ergo um braço no ar p’ra te dizer adeus

Nossa senhora do fado

Gabriel Duarte / João Maria dos Anjos
Repertório de Natércia da Conceição

É a lua uma guitarra
Há no Tejo uma viola
Bailam no vento mão nuas
Quem não dorme e se desgarra
Pede-te um fado de esmola
Nossa senhora das ruas

Alguém me deixa sózinha
Lágrimas buscam-me a cara
É a saudade um açoite
Já só a noite é bem minha
Só esta prece me ampara
Nossa senhora da noite

Já o amor não é festa
Foi-se o meu único amante
Sabe o silêncio a pecado
Já só o fado me resta
Deixa pois que eu chore e cante
Nossa senhora do fado

Milagre de Santo António

Vicente da Câmara / Alves Coelho Filho *fado maria vitória* 
Repertório de Vicente da Câmara

Encontrei abandonada
Uma rosa que te dei;
Tão triste olhei-a desolada
Quase morta, desprezada
Que tive pena e parei

Foi bela sem ter igual 
Hoje triste e pobrezinha
Não tive culpa afinal 
Que de mim pensasses mal
E não quisesses ser minha

Mas Santo António que estava 
Ali perto, em oração
Pediu-me se lhe emprestava 
Essa flor que eu tanto amava
E levantara do chão

Entreguei-lhe o que pedia 
E ele rezou novamente
Era noite, fez-se dia 
E a rosa que envelhecia
Fez-se em botão de repente

O pastor

Pedro Ayres Magalhães, Rodrigo Leão
Gabriel Gomes, Francisco Ribeiro
Repertório de Madredeus


Ai que ninguém volta

Ao que já deixou
Ninguém larga a grande roda
Ninguém sabe onde é que andou

Ai que ninguém lembra
Nem o que sonhou
E aquele menino canta
A cantiga do pastor

Ao largo ainda arde
A barca da fantasia
E o meu sonho acaba tarde
Deixa a alma de vigia

Ao largo ainda arde
A barca da fantasia
E o meu sonho acaba tarde
Acordar é que eu não queria

Pedaços de vida

Artur Ribeiro / Carlos Simões Neves *fado tamanquinhas*
Repertório de Maria Valejo


Às vezes não me pressinto
Dentro dos versos que canto
Mas cerro os olhos e minto
E a mim própria me pinto
Da cor do riso ou do pranto

Às vezes sinto diferente 
Do que o poeta escreveu
Mas fico de mim ausente 
E no fado tão presente
Que o fado parece meu

Meus pensamentos à solta 
Vão por mundos infinitos
E quem fica à minha volta 
Sente gritos de revolta
Que nem sempre são meus gritos

Mas quando acontece ter 
A minha mente guarida
Então é fácil de ver 
Nos meus lábios a tremer
Pedaços da minha vida

A sombra

*fado noturno*
Rui Machado / António Chainho
Repertório de: Teresa Salgueiro

Se a noite escura demora
Cativa dentro do peito
Pressinto quando me deito
A voz de alguém
Que hoje não vem
E mora em mim a toda a hora

Falando grave e escondida
Por entre as coisas reais
Suspende a força da vida
E não é ninguém:
Ah, não é ninguém
Somente sombra e nada mais

Porém a voz que se ouvia
Morre com a noite no cais
E o sol agora me alumia

Melros

Frederico de Brito / José Marques *fado rigoroso* 
Repertório de Raúl Pereira 

Aquele melro negro e zombeteiro 
Que à beira do regato fez o ninho 
Andou a assobiar o dia inteiro 
A querer desafiar um pastorinho 

Tão bem soube imitar suas baladas 
Do alto das ameias dos silvados 
Que as pobres ovelhinhas enganadas 
Perderam-se nas sombras dos valados 

Assim, foi descambando a tarde fria 
E o Sol guardou no mar seu rubro disco 
Nenhuma das ovelhas conhecia 
Qual era o bom caminho do aprisco 

Quando a noite desceu e o luar brando 
Pedia aos rouxinóis canções de amor 
Ainda o melro andava assobiando 
A rir, das ovelhinhas do pastor 

Agora, este conceito guardo apenas 
Da história que me serve a mim também 
Ninguém deve fiar-se em cantilenas 
Há melros que assobiam muito bem

Renasce

Letra e música de: João Veiga
Repertório de Katia Guerreiro


Renasce a cada instante que passa 
No meu pensamento
Os poentes passados contigo à beira mar
Quando as marés não mudavam
E as ondas para nós cantavam
Vezes sem conta
Este fado sem nunca parar

Renasce em cada hora q
ue passa 
Esta enorme saudade
De te amar sempre assim
Assim como agora
Pode o mundo dar as voltas que der
Que o nosso amor neste fado há-de ser
Cantado de mim para ti pela vida fora

Beijo o teu corpo
Sabe a madrugada por acontecer
Sabe a água fresca
Sabe a flores silvestres e a renascer
Ao perfume dos dias
Sabe a tarde calma, sabe a ilusão
Sabe à tua alma, sabe a sedução

Renasce a cada tarde q
ue passa 
Esta estranha ilusão
Parece sentir-te chegar 
Ouvindo os teus passos
De repente toda a saudade
Se desvanece na claridade
No brilho dos teus olhos e dos teus abraços

Renasce em cada noite q
ue passa 
Uma saudade maior
De tudo o que a vida nos deu 
De bom e diferente
Mas na praia ficaram na areia
Nossos beijos feitos maré-cheia
E a lua como nós ficou em quarto crescente

Deve ter sido por graça

João Monge / João Gil
Repertório de Ana Sofia Varela

Piscaste o olho e sorri 
Deve ter sido por graça
Virei a cara e fingi 
Que só estava a a ver quem passa
E só reparei em ti
Porque dançavas com raça
Piscaste o olho e sorri
Deve ter sido por graça

Pus um xaile adamascado
Para ver passar Alfama
E se vinhas destacado 
É porque andavas em fama
Com o teu olhar de fado

Quando olha já chama
Pus um xaile adamascado
Para ver passar Alfama

Deste-me o braço ao passar 
Deve ter sido por graça
E levaste-me a marchar 
Do Marquês até á Praça
Santo Antóno no altar
Dá o nome a quem enlaça
Deste-me o braço ao passar
Deve ter sido por graça

As luvas de minha mãe

João Monge / João Gil
Repertório de Ana Sofia Varela


De onde vem
O regaço permanente
Esse beijo transparente
Que me dás só de o pensar
De onde vem
A promessa de alegria
A doce melancolia
Que eu herdei do teu olhar

De onde vem
Este amor que me pressente
Que me dói se estou ausente
Dessa dor que ele me tem
De onde vem
O saber não aprendido
Do coração aquecido
Nas luvas de minha mãe

Fadinho da comida

António Avelar Pinho / Nuno Rodrigues
Repertório de Tonicha

Quem me dera o velho gosto do cozido
Como dantes se fazia
Quando a gente e
nchia o nosso próprio enchido
Ai que bem que me sabia
Como dantes se fazia

Quem me dera ainda a
quele pão caseiro
Que bom cheiro que ele tinha
Quando a gente então p
assava p'lo padeiro
De manhã, de manhãzinha

Ai que gosto que a comida tinha outrora
Ai que gosto que nos dava então comê-la
Porque agora em vez de gosto 
Tem um preço que por subir de hora a hora
Já nem dá vontade vê-la

Quem me dera que a batata ainda tivesse
Sendo nova. o gosto antigo
E ao casar com o bacalhau então pudesse
A gente cá chamar-lhe um figo, ao gosto antigo

Quem me dera ter alfaces bem verdinhas
Mas são quasi clandestinas
Pois agora nestas hortas alfacinhas
Só lá cheira a pesticidas

Quem me dera que soubesse o carapau
Como dantes me sabia
E pensar que agora sei já não ser mau
Não saber a porcaria, como dantes não sabia

Quem me dera fosse puro o meu azeite
Como era antigamente
Quando a vaca já nem gosto põe no leite
Com franqueza, francamente

É de Lisboa

António José / Lídia Lurdes da Costa
Repertório de Amália Rodrigues

Cidade assim tão bonita
Não há no mundo, eu aposto
A ninguém com isto iludo
Pois tem lá tudo
Do que eu mais gosto

Na viela mais antiga
Ou numa rua qualquer
Os versos duma cantiga são
Quantas vezes o pão
Que a gente quer

É de Lisboa 
A Sé já tão velhinha
Onde o povo alfacinha
Reza por ela
É de Lisboa 
A tela de mil cores
Pintada com as flores 
Que tem cada janela

É de Lisboa 
O pregão da varina
Que ao virar duma esquina 
Alegre soa
E a verdade 
Que salta tanto à vista
A saudade fadista 
Também é de Lisboa

Num arraial popular
Ao som do vulgar harmónio
Quem não gosta de bailar
Sempre que chega o Santo António

A saltar uma fogueira
Na noite de São João
Fui sozinha mas voltámos dois
Porque queimei depois
Meu coração

Para lá do nevoeiro

Afonso Dias / Franklin Godinho *fado franklin*
Repertório de Afonso Dias

Fardado de marinheiro
Fiz-me ao sonho, num veleiro
E apontei aos horizontes
Sobre as águas alteradas
Desenhei rotas e estradas
No medo projetei pontes

Tracei o mapa com estrelas
E o alinhavo das velas 
Foi cordame de guitarras
Em remansos ancorado
Dei enseadas ao fado 
Nos nós com que atei amarras

Para lá do nevoeiro
Soletrei o som e o cheiro 
Do batuque e da canela
Na estranha pele de veludo
Dei-me todo e tive tudo
À sombra da minha vela

Fado a fado, se fizeram
Os passos que se cruzaram 
Na rota das minhas pontes
E ao meu porto regressado
Fiquei para sempre ancorado 
Na ponta dos horizontes