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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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Fado das caravelas

Isidoro de Oliveira / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Ao partir as caravelas
Levavam cruzes nas velas
Enfoladas pelo vento
Levavam fé em Jesus
Todo o padrão tinha cruz
A cruz do descobrimento

Missionários e soldados
Todos a Deus devotados 
Deixando a pátria e os seus
Cruzavam o mar profundo
Dando mais mundos ao mundo 
Dando mais almas a Deus

O mar com todo o seu p’rigo
Dividia o mundo antigo 
Com medo de navegar
Já não há mundo perdido
Não há mundo dividido 
Mas unido pelo mar

Pelos cinco continentes
Juntam-se terras e gentes 
Mundo velho e mundo novo
Sujeitos à mesma lei
Muitos reinos, um só rei 
Muitas raças, um só povo

Descendentes de soldados
Tão temidos e honrados 
Degenerando dos seus
Cruzam hoje o mar profundo
Tirando mundos ao mundo 
Roubando almas a Deus

Ao voltar as caravelas
Não trazem cruzes nem velas 
O vento só as destroça
Renegamos a Jesus
Abandonamos a cruz 
Triste cruz será a nossa

Rouba ao vento a liberdade

Mote (5ª estrofe) Augusto Gil / Glosa: Fezas Vital / António Chaínho
Repertório de Teresa Siqueira

Lava as mãos em alfazema 
Vai ao campo ver crescer
Razões de ser dum poema 
Se um crime tens de fazer

Rouba ao vento a liberdade 
De ser raiva, e abandono
Pois se tu não fores verdade 
Antes fique vago um trono

Fizeram de ti soldado 
Corpo em flor de quem quiser
Ai menino mal mandado 
Antes um palácio a arder

Antes o medo, a tristeza 
E a dor de não ter sono
Mais valem flores d’incerteza 
Do que uma enxada sem dono

Se um crime tens de fazer
Antes fique vago um trono
Antes um palácio a arder
Do que uma enxada sem dono

Fado Carlota

Manuel Andrade / Fernando Pinto Coelho
Repertório de António Pinto Basto
Copiado do livro do poeta
                                                                                       
No tempo em que te amei
Sonhos lindos semeei
Num canto do meu jardim
E as sementes dolorosas
Fizeram-se lindas rosas
Que sorriam para mim

Já tudo o vento levou 
E do nosso amor ficou
Um roseiral de saudade
Para sempre me lembrar 
A sina triste de amar
Um dia de felicidade

E nos dias mais risonhos
Vivem ali os meus sonhos
As rosas riem p’ra mim
O teu rosto vive ainda 
Dentro da rosa mais linda
Das rosas do meu jardim

Vive ali por todo o dia 
Esse amor que me fugia
No teu riso sem igual
Para o mundo e para a vida 
Na paisagem recolhida
Do meu lindo roseiral

Amor perfeito

Isidoro de Oliveira / Raúl Ferrão *fado carriche*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Desfolhas um malmequer
Buscando um amor perfeito
Anda não viste, mulher
O que trago no meu peito

Buscando um amor perfeito 
Tu destróis qualquer flor
Mas não encontras amor 
Procurando desse jeito

Há que ter maior respeito 
Por quem nos ama e nos quer
O teu desprezo só fere 
Tu não queres falar comigo
Em vez de ouvires o que digo 
Desfolhas um malmequer

Anda não viste, mulher 
Que te tenho amor profundo
P’ra mim só existe mundo 
No dia em que te tiver

Tu não vês quem bem te quer 
Com carinho e com respeito
É este o amor perfeito 
Não o que buscas em vão
Já é teu um coração 
O que trago no meu peito

O que trago no meu peito
Não é um amor qualquer
Aceita este amor perfeito 
Deixa em paz o malmequer

Processo de loucura

João Fezas Vital / António Chaínho
Repertório de Hélder Cruz


Olhos de ave perdida num longe que não é seu
Como se o horizonte fosse mesmo o que era
O peito a arder de febre dum sol fechado ao céu
Tortura de ter falhado o tempo da primavera

Asas de ave perdida num voo feito de nada
E que a dor amordaçou como insulto derradeiro
Desespero de criança em busca da alvorada
Entontecida p’lo espanto do medo ser verdadeiro

Nudez de ave perdida no espaço do meu pecado
Soluço de abandono em acesso de aventura
Tão triste a liberdade de nunca ter cantado
Ave branda, minha sede, meu processo de loucura

Calçada de Carriche

Isidoro de Oliveira / Popular *fado mouraria*
Repertório de Teresa Siqueira

Carriche, a velha calçada
Tinha campo e liberdade
Era uma horta encantada
Mesmo às portas da cidade

Lisboa saía as portas 
Quando o calor apertava
E com prazer abancava 
Gozando o fresco das hortas
Só regressava horas mortas 
Depois da sardinha assada
Do peixe frito e salada 
E mesmo com muito vinho
Encontrava o seu caminho 
Carriche, a velha Calçada

Mal se falava em toirada 
Lá no Campo de Santana
Lisboa de traquitana 
Partia para a Calçada
A passo vinha a manada 
Bem conduzida, à vontade
Mas ganhava velocidade 
E então, se um toiro fugia
Começava a picardia 
Tinha campo e liberdade

Tudo era morto e fechado 
Na cidade adormecida
Lisboa buscando a vida 
Ia a Carriche ouvir fado
Num retiro improvisado 
Até alta madrugada
Cantava-se à desgarrada 
E a água nas regadeiras
Respondia às cantadeiras 
Era uma horta encantada

Se Lisboa fatigada 
Quer descansar de Lisboa
Percorre estradas à toa 
E regressa mais cansada
Lembrando a velha Calçada 
Com sua simplicidade
Decerto sente saudade 
Dos tempos que ali passava
De tudo o que ela lhe dava 
Mesmo às portas da cidade

Todo feito de rosas

Manuel Andrade / Fontes Rocha *fado Isabel*
Repertório de Carlos Mendes Pereira
No livro do poeta o tema aparece com o título *É todo feito de rosas*

É todo feito de rosas
O trilho do teu caminho
São mil pétalas formosas
Que eu desfolho sozinho

E na esteira que deixaste 
A tua estrada florida
São rosas que desfolhaste 
No jardim da minha vida

Quando as pétalas caírem 
Hei-de pisar com carinho
Essas flores que cobrirem 
O trilho do teu caminho

E quando a noite cair 
Fazendo negras as rosas
O leito onde irei dormir 
São mil pétalas formosas

Em passadas dolorosas 
Hei-de ferir-me p’lo caminho
Nos espinhos dessas rosas 
Que eu desfolho sozinho

Janeiro proíbido

João Fezas Vital / Alfredo Duarte *fado louco*
Repertório de João Braga 

Mãos abertas fui ausente
Em jeito de primavera
Meu amor ficou contente
Pois sabia quem eu era

Trago mais claro, no rosto 
O meu amor tão sentido
Hoje é raiva, foi desgosto 
Num janeiro proibido

Ando doido p’la cidade 
E ninguém repara em mim
Julgo morrer de saudade 
Mas meu amor é assim

Os seus braços voltarão 
Como ramos, aos meus braços
E onde bate um coração 
Sentiremos nossos passos

Segredo sagrado

Tiago Torres da Silva / Pedro Rodrigues
Repertório de Clara

Quis saber o teu segredo
Mas depois fiquei com medo
De não o saber guardar
As palavras que se calam
Parece que às vezes falam
No fundo do nosso olhar

Jurei pela minha vida
Nunca dar por repartida 
A história que te escutei
Quiseste algo mais sagrado
Então jurei pelo fado 
E nunca mais o cantei

Antes não o ter sabido
Do que escutar o Corrido 
Refém daquela promessa
Nas juras com que me amarras
Eu sei que ao som das guitarras 
Qualquer alma se confessa

Guitarra!... sei os segredos
Que bailam por entre os dedos 
Da alma do tocador
Mas se um dia, por loucura
Eu quebrar a minha jura 
Toca... toca, por favor

Cantar é desabafar

Mário Rainho / Paco Gonzalez
Repertório de Jaime Dias  

A minha voz cantou p’ra não chorar
Porque a saudade dói, quando acontece
Às vezes, cantar é desabafar
E o frio que há em nós, quase arrefece

A minha voz cantou dum jeito terno
Numa oração sentida onde se espera
Alcançar o final dum longo inverno
Florir um novo fado em primavera

A minha voz cantou a noite inteira
Para afastar de mim, a solidão
Que teimou em ficar à minha beira
A envelhecer meu tonto coração

A minha voz cantou um novo fado
Marcado pelo tom da despedida
E mal se despedia do passado
Voltaste tu de novo à minha vida

Onde nem entra a saudade

Tiago Torres da Silva / Carlos Neves *fado tamanquinhas*
Repertório de Clara

Numa tasca escura e fria
Onde nem entra a saudade
Não há mar nem maresia
Mesmo assim, a poesia
Sente-se ali à vontade

Na mesa mais recolhida 
Está um poeta sentado
Busca o mar numa bebida
Onde ele encontre outra vida 
Que talvez se chame fado

Rabisca numa toalha 
Uns versos que ela lhe ensina
Cada verso é uma mortalha
Onde o poeta agasalha 
Os gritos de uma varina

E depois, quando eu lhe canto 
Os versos que ele escreveu
Ele afasta-se no espanto
De descobrir que o seu pranto 
É tão grande como o meu

Nossa Senhora das Neves

Tiago Torres da Silva / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Anamar 
Copiado do livro de poesia de TTS

Nossa Senhora das Neves
Aves flocos nuvens leves
Vozes em silêncios… tantos
Pés a fazerem a estrada
Que pisam não pisar nada
Brancos brancos brancos brancos

Corpo-luz onde cintila 
O nada que feito argila
Abre o dia em cada peito
Dias e dias e dias 
Mãos de nuvens mãos vazias
Fazem novo o sempre feito

Nossa Senhora das Neves 
Eras dias pausas breves
Silêncios são vozes… tantas
Bocas mãe bocas de calma 
Que só nos beijam a alma
Brancas, brancas, brancas, brancas

Regresso

*janelas ao vento*
Fezas Vital / Francisco José Marques *fado zé negro*
Repertório de Maria da Fé 

Abram janelas ao vento
Que pelo vento sem tempo
O meu amor vai voltar
Noutra asa mais esguia
Vai chegando a alegria
Vou ser contente a chorar

Em cada rua deserta 
Eu quero uma porta aberta
E que haja flores pelo chão
Em cada peito fechado 
Quero que seja guardado
Muito do meu coração

Espalhem uvas p’lo caminho 
Crianças farão o vinho 
De beber ao pé do mar
Ergam castelos a mais 
Pintem no céu catedrais 
Que o meu amor vai chegar

Nem meus olhos nem meus dias

Manuel Andrade / Joaquim Campos *fado rosita*
Repertório de João Braga
                                                                             
Nem meus olhos, nem meus dias
Alguma vez serão teus
Nem roubados os terias
São livres, nasceram meus

De meus dias não alcanças 
Nem ao de leve o sentido
Nos teus olhos vão lembranças 
Do tempo p’ra mim perdido

Meus beijos e meu amor 
Nunca os queiras confundir
Dei-te beijos sem calor 
Dei-te beijos sem sentir

Meu amor e meu olhar 
Só sabem falar verdade
Meus dias, quem mos roubar 
Rouba vida e mocidade

Alguma vez voltarei 
A dar-te tudo o que querias
Somente não te darei 
Nem meus olhos, nem meus dias

Saudades da tua voz

João Fezas Vital / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de João Braga

Não quis que tu me visses tão diferente
Parti para mais longe, desta vez
Deixei poemas meus a toda a gente
E a ti, uma oração em que não crês

Fui andando sozinho sem pensar
Em tudo quanto foi amor em nós
Andavam mais saudades pelo ar
Que o vento arrancou à tua voz

Talvez que eu regresse qualquer dia
E traga comigo outra vontade
Que tudo entre nós seja alegria
E nada mais nos faça ter saudade

A luz dos teus olhos

Isidoro de Oliveira / Alberto Correia *fado solene*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

O teu olhar de ternura
Era a luz da minha vida
Eu vivo na noite escura
Depois da tua partida

Era a luz da minha vida 
Essa luz dos olhos teus
Que parecia vir dos céus 
Das mãos de Deus emitida

Luz duma estrela caída 
Cintilante, bela, pura
Tinha beleza e doçura 
Era a minha felicidade;
Hoje lembro com saudade 
O teu olhar de ternura

Eu vivo na noite escura 
Pedindo à Virgem Maria
Que contigo, um novo dia 
Ponha fim nesta amargura

Só tu podes ser a cura 
Da dor que vem desta ferida
Que tira o gosto da vida 
Tirando à vida beleza;
Na vida só há tristeza 
Depois da tua partida

Depois da tua partida
Eu vivo pedindo a Deus
Que dê luz à minha vida
Com a luz dos olhos teus

Em negros véus te envolvias

Manuel Andrade / Popular *fado menor*
Repertório de Francisco Pessoa
             
Em negros véus te envolvias
Trazias vermelhas vestes
E as tuas mãos eram esguias
Como a sombra dos ciprestes

Vinhas toda de vermelho 
E vinha a noite contigo
Era chão dum musgo velho 
Era ar dum vinho antigo

Era altivo o teu olhar 
Como de águia ou de rainha
Quando deixaste poisar 
A tua mão sobre a minha

Sorria entre os teus dedos 
Um lírio de branca cor
Foram beijos ou segredos 
Foi saudade ou foi amor

Fraga

João Fezas Vital / Alain Oulman *fado gaivota*
Repertório de Carlos Guedes de Amorim

Se eu soubesse quanto tempo
Levava o tempo a passar
Mandaria pelo vento
Noutro barco mais antigo
Outra história por contar
Do tempo que anda comigo

Que canoa levaria 
Na viagem que fizesse
O segredo d’algum dia
E em segredo me dissesse 
Que na fraga me perdia

A matar a minha esperança
O mar quebrou-se na fraga
E era mais que uma vingança
Nas ondas que se afastaram
Dormiam dores de chaga
E mais dores me ficaram

Punhal de primavera

João Fezas Vital / Júlio Proença *fado esmeraldinha*
Repertório de Carlos Macedo

Querer-te, é um punhal de primavera
Que rasga a minha carne à luz do dia
E o sangue que em mim corre à tua espera
Arde no fogo em brasa da alegria

E vens, e a tua pele traz o suor
Da raiva dos poemas que te chamo
És cor, e sol, e pátria, e riso, e dor
E dás-te num suspiro de oceano

Há rios de fúria e espanto no abraço
Da morte que tu foste e que eu não era
Morreste, e eu nasci no teu regaço
Teu corpo é um punhal de primavera