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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.330' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Sinais de cinza

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


No beco abandonado 
Sem horas que distinga
Com letra que se vinga 
Do sangue atormentado
Vai inscrevendo o fado 
Na trémula restinga
Do corpo macerado
E a pena é uma seringa

Quase em andrajos, nua
No olhar parado voga
Torpor de asas de droga 
Na palidez da sua
Face, de quem se afoga
Chupou-lhe o rosto a lua
Sonâmbula flutua 
E nada aos deuses roga

Tão longe a juventude 
Em cinzas deslembrada
E tão desfigurada
Ajude ou desajude
Já não lhe vale de nada
Mesmo que a sombra mude
Na sombra se degradada 
Sem que anjo algum a escude

Menina e moça assim 
Em casa de seus pais
Criada entre alecrim 
E rosas no jardim
Levaram-na os sinais 
Das luzes irreais
Agora é quase o fim
Que a vida estava a mais

Tu serás

Artur Ribeiro / Pedro Rodrigues “quintilhas*
Repertório de Maria Valejo


Tu serás na minha vida
O passar dos dias meus
Nos teus braços escondida
Bem pequenina e atida
Ao mexer dos lábios teus

Tu serás meu dia a dia 
Sem um dia repetido 
Meu fugir da ventaina
Neste sentir alegria 
Por haver-te conhecido

Tu serás teimosamente 
O meu corpo sem marés
Este meu sentir-me gente
O meu amar loucamente 
Tudo aquilo que tu és

Tu serás, se Deus quiser 
Meu renascer hora a hora
A minha razão de ser
Meu ficar até morrer 
A teu lado, vida fora

De ti

Rosa Lobato Faria / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Luís Manhita


De ti só quero o cheiro dos lilases
E a sedução das coisas que não dizes
De ti só quero os gestos que não fazes
E a tua voz de sombras e matizes

De ti só quero o riso que não ouço
Quando não digo os versos que compus
De ti só quero a veia do pescoço
Vampiro que já sou da tua luz

De ti só quero as rosas amarelas
Que há nos teus olhos cor das ventanias
De ti só quero um sopro nas janelas
Da casa abandonada dos meus dias

De ti só quero o eco do teu nome
E um gosto que não sei de mar e mel
De ti só quero o pão da minha fome
Mendiga que já sou da tua pele

Portugal triste

Letra e música de Lima Brummon
Repertório de Teresa Tarouca


Meu país esperando na esquina do tempo
De braços abertos a todo o momento
Vou seguindo sempre calculando os passos
E se o que criei desfaço e refaço;
Meus olhos despertos abrem-se pró mundo
E eu caio em mim cada vez mais fundo

Meu país perdido na esquina do tempo
Triste Portugal tão pequeno e imenso
Pois eu te garanto país, que este povo
Traz no coração sempre um amor novo

Não quero que pensem que já me perdi
Nem quero que julguem que fujo de mim
Tenho lucidez p’ra poder viver
Eu sou vertical, não me hão-de torcer;
Sempre fui mais forte quando me quiseram
Tornar serva ou fraca e nunca me venceram

Tenho a dimensão do que quero alcançar
E nada que fiz tenho a lamentar
Pois p’ra me encontrar, ainda vos digo
Que nunca vendi meu cantar amigo

Portugal que eu canto 
Deixa a boca amarga
Mas eu estou bem firme 
Não estou derrotada

Toada de Goa

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Com um nó na garganta
Com o sarro de tanta noitada de Lisboa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser o resgate do coração que bate
Descompassado à toa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser uma espuma de já coisa nenhuma
Só lembrança que voa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser o inseguro fogo-fátuo no escuro
Lá no mastro da proa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser este brusco silêncio ao lusco-fusco
Que nas almas ressoa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Entre azul e lilás
Pode ser que o fugaz tempo, que não perdoa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa 

Nesta dura deriva da memória cativa
Que a saudade magoa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Manhã

Castro Infante / Eduardo César
Repertório de Maria Valejo


Era a manhã que se abria nos teus braços
E a promessa que sorria nos teus beijos
Era o mar que se envolvia em teus braços
O sol que ardia em teu corpo de desejos

E fui primavera na tua manhã
Enorme sol do teu corpo quente
Na suavidade azul do teu olhar
Afoguei-me lentamente, lentamente

Renasci no calor dos teus sentidos
Despertei totalmente em tua idade
Acordei a cidade em selvas de gritos
E madrugadas de claridade;
Ai meu amor, meu amor, nesse dia
Fomos só nós em toda a verdade

Ficção e realidade

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Ela cantava o fado e de repente
Fez-se na tasca enorme zaragata
Chegara o seu amante da fragata
E não gostou de ouvi-la tão ardente

E ao ver que os olhos dela se cravavam
Nos olhos de um rufia, devagar
A cena foi de faca e alguidar
Como depois os outros relatavam

Calaram-se o guitarra e o viola
E os mais à meia-luz emudeciam
Pois só passos felinos se mediam
No lampejar riscado a ponta e mola

É quando um deles cambaleia e vence-o
A golfada fatal de sangue e vinho
Tingindo peito, mangas, colarinho
E a quebrar num soluço esse silêncio

Já não há casos destes na cidade
E eu já não sei quem estendeu a mão
Mas num golpe certeiro ao coração
Tornou-se esta ficção realidade

De madrugada em segredo

Jorge Fernando / Popular
Repertório de Nuno da Câmara Pereira


Se acaso eu não voltar cedo
Se acaso vires que eu demoro
Minha mãe, não tenhas medo
É tudo porque eu namoro
De madrugada em segredo
Descansa que eu não te acordo


Vou rondar sua janela
Eu sei que ela vem espreitar
E ao pôr os meus olhos nela
Os dela vou encontrar
E a lua junto à viela
P’ra que eu possa namorar


Se o galo cantar cedinho
Sou eu que venho a chegar
Vou cuidar-me no caminho
P‘ra ninguém de mim falar 
A ti, que me tens carinho
O meu amor vou contar

Fado do recado

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Leva a Lisboa azul quadriculada
Que a Vieira da Silva já pintou
E a última gaivota que riscou
A sua leve luz acidulada

Leva a névoa que cai pela amurada
E a corrente do tejo não lavou
Leva as pedras que o tempo afeiçoou
E a saudade na voz sobressaltada

Leva uma vela branca desfraldada
A que no mar salgado desenhou
Um rumo que dos mapas não constou
E se desfez depois sob a nortada

Leva também a vida amargurada
Que o pobe coração desgovernou
E o recado febril que não chegou
Contando da paixão desesperada

Leva o tempo que foi e não voltou
E levarás contigo tudo e nada

Toca p’ra mim

Matilde Cid / Martinho d’Assunção *fado faia*
Repertório de Matilde Cid


Ligaram-me ainda agora
P’ra jantar fora, p’ra ir ao fado
Fui lá parar por magia
No outro dia vi-te pasmado
Não poderia supor
Que um tal amor surgisse assim
Mas a verdade foi esta
Será que é desta que eu estou afim

Quando estás a meu lado
Ficas calado, tocas p’ra mim
Não é preciso falar
Quando há no ar olhares assim
Só te quero ouvir tocar
E decifrar tua mensagem
Naquele momento és meu
E eu vou ao céu numa viagem


O whisky já foi bebido
Vem o corrido e o triplicado
Quero que toques p’ra mim
E ter-te enfim aqui a meu lado
Não quero cá mais conversa
Pois não me interessa ouvir tua voz
Quero os meus olhos fechar
Imaginar o amor em nós

Reencontro

Matilde Cid / Ricardo Rocha *alexandrino*
Repertório de Matilde Cid


Nós eramos crianças naqueles belos dias
No tempo em que vivias inteira, a liberdade
O tempo não passava, parecia infinito
E tudo era bonito sem ódio nem maldade

Levavas-me ao jardim sem um cruzar de olhares
Voando no vaivém, por vezes lá te rias
Sentia borboletas, soltava gargalhadas
Um pouco envergonhadas, sabia que me querias

Voltei a ver-te há dias, ficaste ali sem jeito
E eu com nó no peito não soube o que senti
Tornei a ser criança ao ver aquele amor
O mesmo antigo ardor e tudo o que eu vivi

Fado da corda bamba

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Dueto de António Pinto Basto com Maria João Quadros


Se você me deixou na corda bamba
E se eu me estatelei mordendo o pó
Não sei se isto é um fado 
Ou se é um samba
Se mantém a toada ou se descamba
Sei que se foi embora e fiquei só;
Não sei se isto é um fado 
Ou se é um samba

Não sei se isto é um fado 
Ou se é um samba;
Se é um fado 
Deixaste-me no Tejo
Se é samba 
Foi no Rio de Janeiro
Duas medidas para um só desejo
Em fado ou samba 
Assim no duplo ensejo
Da mesma língua 
A dar-lhe um só roteiro;
Duas medidas para um só desejo


Duas medidas para um só desejo;
Antes fique eu a meio do caminho
Da nossa vida para recordá-la
Ou mais depressa 
Ou mais devagarinho
Poderei sussurá-la num fadinho
Ou num sambinha doce murmurá-la;
Ou mais depressa 
Ou mais devagarinho

Ou mais depressa 
Ou mais devagarinho;
Se é fado direi “tu” mas imagina
Que se é samba 
Prossigo com “você”
Em qualquer caso nunca desafina
Sujeito e predicado são rotina
De em fado ou samba 
Perguntar porquê;
Em qualquer caso nunca se desafina

Chapéu escuro

Letra e música de Vitorino
Repertório de Nathalie Pires


Foste embora, fecha a porta
Deixaste o quarto vazio
Da tua voz, dos teus passos
Eu agora tão perdida
Fujo da rua onde mora
A má sorte de uma vida

Mas não tenhas a ilusão
Que o quarto vai ficar escuro
De ausência de solidão
Continados e janelas
Abrem-se de para em par
Podes voar, coração

Abrem asas os encontros
Que a vida sempre nos guarda
Ao virar da outra esquina
E não esqueças sobre a colcha
O chapéu escuro que fez sombra
À minha alma de menina

Fado da sereia

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Ela era cantadeira e um caso sério
Rainha sem rival no seu ofício
E já tinha levado só por vício
Três faias e um banqueiro ao cemitério

A voz, despia-a toda se cantava
No arfar do xaile preto e do decote
Tinha a força noturna de um archote
E a raiva e a revolta de uma escrava

Na boca o seu vermelho era sangrento
Nas mãos curvava as unhas como garras
Nas ancas tinha a curva das guitarras
As fúrias no cabelo eram do vento

Os olhos eram de aço se os abria
Cravando-os em incautos corações
E ao serem mais funestas as paixões
Todo o seu corpo branco estremecia

Cantava como o fogo que devasta
As almas e as cidades de repente
Chamavam-lhe “a sereia” toda a gente
E era como a maré quando ela arrasta

Morreu de um desespero de facadas
No peito, nas carótidas, na cara
Deu-lhas alguém que um dia atraiçoara
E preferiu as mãos ensanguentadas

Não vi mulher mais bela em toda a vida
E em forma de mulher, mais tempestade
Nem voz ouvi que fosse mais verdade
Nem verdade a cantar mais incontida

Baixou por sua vez ao cemitério
Rainha sem rival no seu ofício
O que era de contar agora disse-o
Fica por desvendar o seu mistério

Senhora dona piela

César de Oliveira / João de Vasconcelos
Repertório de António Mourão


Senhora dona piela
Só eu e mais ela 
É que é português
Gostamos da noite 
E dum pastelinho
Regado com vinho 
Em baldes de três

Senhora dona piela
Aos tombos mais ela
Batemos o fado
Amiga leal que ensina o caminho
Vai mais um copinho 
Com ela a meu lado

Companheira das antigas
Senhora dona piela
Que também entra nas brigas
Senhora dona piela
A boca sabe-te a mosto
Tu bebes o que eu bebi
Sinto o teu fogo no rosto
Ai como eu gosto 
De passar a noite agarrado a ti
Senhora dona piela
De passar a noite agarrado a ti


Senhora dona piela
Não és sentinela 
Do último copo
Conforto dum homem 
Que quer esquecimento
Viver no momento
É isso que eu topo

Mal a manhã se levanta
Também se levanta 
A dona piela
E salta em silêncio 
Da cama p’ra fora
Depois vai-se embora 
Sem eu dar por ela

Jardins de Portugal

Lima Brummon / Luís Alexandre
Repertório de Teresa Tarouca


Nos jardins de Portugal 
Vão morrendo lentamente
Alegrias dos mais velhos 
Momentos de bem e mal 
No que fizeram e foram
Meditam, perdem seus sonhos

Faces que o tempo marcou 
Nos jardins de Portugal
Vejo passar junto a mim 
E no que a vida os tornou
Homens sombrios de olhar triste
Pressinto um dia o meu fim

Tenho remorso de vê-los 
Nessa enorme solidão
P’los jardins de Portugal 
De nada fazer por eles 
E ter ainda alegria
Para os poder alegrar

Em cada rosto enrugado 
Sinto lembranças de amor
Sofrimento e frustração 
Portugal tão mal amado
Nos bancos dos seus jardina
Sofre em cada coração

A estrela da minha vida

José da Câmara / Raúl Ferrão *fado carriche*
Repertório de José da Câmara com Teresa da Câmara


A estrela da minha vida
Brilhando me viu nascer
E a sua luz foi seguida
Porque era luz a valer

Com ternura e com amor
Seguiu meus passos pequenos
Deu sua paz interior
Aos meus sonhos tão serenos

A sua voz de encantar
Segurando na guitarra
Com a luz do seu olhar
Iluminou a minha estrada

Partilhamos emoções
Era a estrela que sorria
Mesmo nas desilusões
Sua voz era poesia

Sinto-me na escuridão
Não vejo a estrela mais querida
Chora triste o coração
P’la estrela da minha vida

Trovas do meu povo

Lima Brummon / Luís Alexandre
Repertório de Teresa Tarouca


Lá vem num corcel o príncipe real
Vem saber dos favos, vem medir o mel
Vem ver os pastores pastarem o gado
São seus os pastores e é seu todo o prado

Lá vem num cavalo o senhor regedor
Vem ver como cumprem as ordens do rei
Pela terra alheia vem ver lavradores
Vê o que semeiam, vem contar as flores

Lá vem num burrico o senhor abade
Vem pedir prás almas, prás almas salvar
São suas as almas que o povo lhes deu
Partilha por todos a fé que perdeu

Lá vem todo o povo a pé no povoado
De Cristo nos ombros à cruz arrancado
Pois Cristo resiste, não morre entre o povo
Porque em cada um há sempre um Cristo novo

O meu cavalo passeia

Maria Manuel Cid / Custódio Castelo
Repertório de João Pedro


O meu cavalo passeia
Comigo, à beira do mar
Vai ele beijando a areia
E eu vendo o tempo passar 

O meu cavalo não gosta
De rédeas, para correr
Só ele me dá resposta
Só eu o posso entender

O trote do meu cavalo
Pode levá-lo, ao caminhar
A descobrir, vagabundo
Um novo mundo para me dar
É livre como andorinha
Que vai sózinha onde lhe apraz
Eu posso, sempre que queira
Desta maneira viver em paz


As crinas bailam à solta
O vento a bailar com elas
São andorinhas à volta
Das grades dumas janelas
Aberta na estrada viva
Do mundo do sentimento
Canoa vogando à deriva
No mar do meu pensamento

Amigo

Letra e música de José da Câmara
Repertório do autor


À noite eu sentei-me
Olhei p’ra dentro de mim
Pensei e perguntei-me
Que tal a vida assim?

Porque é que estou tão triste 
Se nada vai mal p’ra mim
Mas o mal-estar insiste 
Que tenho eu de ruim?

Será que é por inveja 
De não ter essa coragem
Do teu humor que rega 
A mais bela paisagem

És o primeiro a ver 
Que o sério é banal
Aconteça o que acontecer 
És prova do fundamental

Então eu entendi 
Que tenho uma imensa sorte
Podendo estar ao pé de ti 
Aprendo a ser alguém mais forte

Amigo, eu cá estou 
P’ra tudo o que der e vier
Esta tristeza já passou 
Contigo aprendi a viver

Pobre pátria trigueira

Letra e música de Lima Brummon
Repertório de Teresa Tarouca


Ó pobre pátria trigueira
Dás filhos como dás flores
Nossa Senhora das Dores
A chorar a vida inteira

Dás filhos a todo o mundo
Como um tronco sem raíz
Mãe das mães que perdem tudo
E morrem no seu país

Ó pobre pátria trigueira 
Mãe da dor e da tristeza
Separada pela fronteira 
Da nossa grande pobreza
Com boca que ninguém beija 
E a tua mesa vazia
Longe de quem te deseja 
Envelheces dia a dia

Ó pobre pátria trigueira
Quando abraçarás teus filhos
Que andam p’lo mundo perdidos
A chorar a vida inteira

Lá vão ao sabor das águas
Em barquinhos de papel
Com o mar à pele das mágoas
E ao sol que lhes cresta a pele

Como nasceu o fado

Francisco Rodrigues / Alberto Lopes *fado dois tons*
Repertório de Vicente da Câmara


Se há quem lhe interesse saber
Como é que nasceu o fado
Cantando vou responder
Porque estou bem informado

Ele nasceu, era fatal 
Num certo e tristonho dia
Duma união natural 
Prós lados da Mouraria

Aos nascer logo é fadado 
Co’a tradição por virtude
E batizam-no de fado 
Na Senhora da Saúde

Fez-se adulto, quis sair 
Coisa a que ele não resiste
E foi a Alcácer Quibir 
Mas voltou ‘inda mais triste

Foi nobre e foi plebeu 
É tudo onde a raça impera
P’los dotes que Deus lhe deu 
Foi amado p’la Severa

Mas eu não disse, afinal 
Quem foi a mãe, a meu ver
Ele é filho natural 
Duma guitarra qualquer

Fado da noite do fado

João S. Martins / José Luís Iglésias
Repertório de Fátima Santos


Triste a noite, triste vem
Nos fados que a noite abraçam
Na rua que tanto tem
Na rua que tanto tem
Tristezas que por lá passam

Nas vozes que a noite esconde 
Por muito escuro que faça 
Uma luzinha presença
Uma luzinha presença 
Brilha por trás da vidraça

Vendem-se imagens e luz 
Nas janelas da ilusão
Capa que encobre a tristeza
Capa que encobre a tristeza 
Das noites de solidão 

Nas estrelas que viajam 
Há uma esperança e uma prece
Sonhos das horas que passam
Sonhos das horas que passam 
Enquanto a noite adormece

Estamos aqui

Daniel Gouveia / Armando Machado *fado maria rita*
Repertório de José da Câmara

Amigos, aqui estou eu
Vejam o que aconteceu
Uma história de pasmar
Ainda há pouco era menino
E tive por meu destino
Passar a vida a cantar

Não julguem tudo ser rosas
Pois as rosas são espinhosas
E ferem de quando em vez
Mas no fim, deu tudo certo
Nascem rosas num deserto 
Quando canto p’ra vocês

Pisar o palco é tremer
Medo de tudo esquecer 
Ansiedade, confusão
Mas tenho Deus p’lo meu lado
Eu rezo a cantar o fado 
Porque fado é oração

Trinta anos a cantar
Quantos mais irão passar 
Só o futuro o dirá
Mas sinto-me acompanhado
Amigos, muito obrigado 
Por terem vindo até cá

Pinto auroreal

Letra e música de Edgar Nogueira
Repertório de Catarina Rosa


Eu pinto a noite e o dia
Com as tintas da alvorada
Pinto a dor e a alegria
Com tons de brisa dourada

Meus olhos são duas estrelas 
Que dão mais luz ao meu quadro
Até meu amor ao vê-las 
Ficou logo enamorado

Eu pinto o teu olhar 
Com tintas do arco-íris
Mas só te posso amar 
Meu amor, se não mentires

Eu pinto o sol e a lua 
Eu pinto os peixes e o mar
Ai amor… eu serei tua 
Se tu me quiseres amar

Eu pinto a escuridão 
Com a ponta dum cigarro
Em forma de coração 
Loucamente apaixonado

Eu pinto o tempo que passa 
Com verde meio azulado
Cor de esperança e de graça 
P’ra cantar sempre o meu fado

Eu vi o que tu vias

Aldina Duarte / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Francisco Salvação Barreto


Eu vi naquela noite o que tu vias
No brilho dos teus olhos, quando olhaste
Bem sei que tudo aquilo que dizias
Não era tudo aquilo que mostraste

Promessa revelada, indiscreta
Perdida noutra vida a começar
Fechaste para sempre a porta aberta
Perdemos para sempre aquele olhar

Apenas sede e frio que não se esquece
Deixaste num sorriso quase triste
P’ra mim, tu foste mais do que parece
P’ra ti, eu fui alguém que não existe

Serás da minha noite a madrugada
E o tempo que não esteve ao nosso lado
Promessa duma história mal contada
Paixão que não se apaga neste fado

Vindimeiro

Lima Brummon / Vitor Manuel Rodrigues
Repertório de Teresa Tarouca


Amaduram-se os cachos 
Torna o tempo da vindima
Bagos novos, bagos novos 
Arde-lhes o oiro em cima

Vergam-se as vides pesadas 
Bagos ciosos se animam
Vindimeiro, vindimeiro 
Velho moço em velha vinha

Vindimeiro vindimado
Quem te vindima a ansiedade
Cachos verdes, quem tos dera
Para vindimares a saudade
Tens mais sede de vindima
Do que tem a farta uva
A sede de ser colhida
Se cai a primeira chuva


Como cachos pró lagar 
Saltam os seios às vindimeiras
Bagos cheios, bagos cheios 
De desejo e bebedeiras 

Anda a serpente da terra 
Na dança das parras soltas
Vindimeiras vindimadas 
Rebentam bagos na boca

Regresso

Sophia de Mello Breyner / Lima Brummon
Repertório de Teresa Tarouca


Quem cantará vosso regresso morto
Que lágrimas, que grito hão-de dizer
A desilusão e o peso em vosso corpo
Portugal tão cansado morrer

Portugal tão cansado morrer
Ininterruptamente e devagar
Enquanto o vento vivo vem do mar
Enquanto o vento vivo vem do mar

Quem são os vencedores desta agonia?
Quem os senhores sombrios desta noite
Onde se perde, morre e se desvia
A antiga linha clara e criadora;
A antiga linha clara e criadora
Do nosso rosto voltado para o dia

Amigos, amigos

Ana Vidal / José da Câmara
Repertório de José da Câmara


Amigos amigos que a vida nos deu
São portos de abrigo, a luz do postigo
Em noites de breu
Amigos amigos, os do coração
Se a gente precisa
Despem a camisa sem hesitação


Fizeram a nossa história
Desde os tempos do liceu
Um ou outro se perdeu
Numa esquina da memória

De outros recantos da vida
Outros vieram depois
Sejam vinte, ou sejam dois
São a nossa guarida

Paixões são chamas, não dura
Morrer mais cedo ou mais tarde
Mas uma luz sempre arde
No amigo que perdura

Mulher-amor

Lima Brummon / António Chaínho
Repertório de Teresa Tarouca


Mulher chegada ao sonho adolescente
Botão de esperança num sorriso alegre
Mulher inteira, coração contente
Que guarda com ternura
A última boneca
P’ra quem o amor é coisa pura

Mulher capaz de ter nas mãos serenas
Toda a força do amor que habita em si
E sabe pôr nas coisas mais pequenas
Um gesto de ternura
Mulher igual a mim
Mulher que és mãe, és a mulher mais pura

Mulher que chega à esquina da idade
Carregada dos seus anos doirados
Cada ruga lhe traz uma saudade
E afaga com ternura
Seus cabelos grisalhos
Bebebdo o amor da sua fonte pura

Não digas sorte, diz Deus

João Dias / Joaquim Campos *fado rosita*
Repertório de Vicente da Câmara


Não digas sorte, diz Deus
Não digas fado, diz lida
Junta teus sonhos aos meus
E vamos viver a vida

Diz luto em vez de destino
Diz só hoje e não saudade
Diz humano ao que é divino
Diz justiça à caridade

Em vez de negro, diz luz
À noite exige luar
E nos teus gestos mais nus
Põe a graça de te dar

Foi assim

Diogo Clemente / Valter Rolo e Diogo Clemente 
Repertório de Matilde Cid

Primeiro dei-te as mãos, depois o olhar
Morria de vergonha por te ver
O amor tem destas coisas, faz corar
E eu que sou tão menina, fui mulher

Por tudo o que me dás aqui me tens
Por tudo o que t’espero e sei de ti
Eu vim do mundo longe de onde vens
E vi a vida porque em mim te vi

Como é que foi acontecer assim
Tão certa a minha vida e tão inteira
Que jeitos teve Deus p’ra ver em mim
Alguém que é feito à minha maneira


Chegaste calmamente ao meu lugar
Das coisas que ainda guardo para mim
Como se a vida fosse p’ra te esperar
Chegaste p’ra fazeres morada em mim

Se fomos rendilhados pela sina
De que outros dizer ser um grande amor
Que saibam que é só ele que domina
E que nos leva a vida p’ra onde for

Nosso fado

Maria Teresa de Noronha / Popular
Repertório de Maria Teresa de Noronha


Queria deixar de pensar
Em quem não posso esquecer
É tão grande a minha luta
Sempre a pensar sem o querer

Não queiras prender de novo
Os laços que o tempo solta
Amor que foi, já não é
Amor que foi, já não volta

Há muito que ando a pensar
Sem nunca compreender
Porque foi que te encontrei
Se tinha de te perder

Não julgues p’las gargalhadas
Alegrias de ninguém
Que às vezes elas encobrem
Tristezas que a gente tem

Lenços de Portugal

Teresa Nunes / Hermano da Camara 
Repertório de José Luís

O lenço tem a magia 
De tornar a mulher bela
Até a Virgem Maria 
O trazia ao peito dela

Eu sinto um prazer imenso
Em trazer a vida presa
Aos quatro pontas do lenço
Duma mulher portuguesa


Tendo um coração bordado 
O lenço lembra o carinho
Que há no dia de noivado 
Duma cachopa do Minho

Dá um ar afadistado 
O lenço posto com graça
Dum colorido engraçado 
Que há no lenço de Alcobaça

O lenço que marca a vida 
Duma alma torturada
Acena na despedida 
Enxuga o pranto à chegada

Quem sabe um dia

Paulo Abreu Lima / Eduardo Espinho
Repertório de Buba Espinho


Minha saudade deita-se tarde se tu não vens
E acorda cedo com esse medo de não voltares
Contigo assim perto de mim o mundo existe
Mas se não vens eu vou ao fundo e fico triste

O tempo tarda e tudo é nada longe de ti
E ao ver-te o beijo, morde o desejo de estares aqui
Quem sabe um dia, a fantasia da minha dor
Seja a alegria da eterna noite e muito amor

A lua sempre foi um sol de encanto
Que aquece as madrugadas do meu pranto
E faz da luz o dia com que canto
As mágoas com que caio e me levanto

Deixa-o lá

Natália dos Anjos / Joaquim Campos *fado amora*
Repertório de Maria Valejo


Quando ontem a porta abriste
E ao saíres de repelão
Nem sabes como feriste
O meu pobre coração 

Meu coração que se ofende 
Com esse alguém que o tortura
Ou é parvo ou não entende 
Que adoece não tem cura

Já te pedi que tivesses 
Mais calma no teu bater
Coração, não me obedeces 
Acabas por me perder

Coração, tu és um louco 
Deixa-o fazer o que quer
Bates muito, vivo pouco
E eu preciso de viver

Os beijos que ela me deu

Armando Costa / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Gil Costa


Deu-me tudo o que a vida tem de belo
Amor, dinheiro a rodos, alegria
Vivemos longo tempo num castelo
De sonho, de prazer e de magia

Pôs o mundo a meus pés, e a chorar
Pediu que eu aceitasse o corpo dela
Cheguei a ser o rei desse lugar
Dono dessa mulher formosa e bela

Deu-me os lábios de fogo em noites calmas
Entre beijos selvagens, delirantes
Eram como uma só as nossas almas
Unidas, sequiosas e amantes

Um dia ela abalou, e a saudade
Aos poucos foi morrendo, notem bem
Mas nunca me chegou a dar metade
Dos beijos que me deu a minha mãe

Sou Maria de Lisboa

Letra e música de Pedro Vilar
Repertório de Ciça Marinho


Dizem que sou atrevida
Mas é da vida que por mim passa
Trago na boca um pregão
Dum coração cheio de raça

Vaguendo p’las vielas
Em todas elas deixo o meu canto
Faço da noite meu dia
Espalho alegria por onde ando

Sou Maria de Lisboa
Cantando na proa 
Num barco que passa
Sou Maria na avenida
Vou cantando a vida 
O amor e a desgraça
Canto a Lisboa da noite
Onde as almas se perdem
Canto o fado das vielas
E em todas elas 
Me vejo e revejo

Testamento

Júlio Vieitas / Raúl Pinto
Repertório de Fernando João


Fadistas, quando eu morrer
Vou deixar em testamento
Uma guitarra a vocês
P’ra com ela se faz
er
O mais belo monumento
Ao coração português

Quero à minha cebeceira
A guitarra, a companheira 
Que tanto tenho amado
E vós, fadistas de fama
Sentados na minha cama 
Cantai-me baixinho um fado

Eu quero ao morrer, senti-lo
Sou fadista e sendo assim 
Hei-de morrer com o fado
Pode ser que a morte ao ouvi-lo
Tenha até pena de mim 
E espere mais um bocado

É cantando

Letra e música de Maria Durão
Repertório de Matilde Cid


É cantando 
Que te abraço, que me tens
É cantando 
Que te falo bem de dentro
E é cantando 
Que me fazes querer entrar
Foi cantando 
Que me quiseste acordar

Mas é chorando 
Que o coração te vê
E é caindo 
Que te estendo a mão
E é sofrendo 
Que a gente aprende a ser
Todo teu, todo teu

Passarinho da Ribeira

Armando Costa / Popular *fado mouraria*
Repertório de Gil Costa


Passarinho da Ribeira
Emudece o teu cantar
Porque morreu a moleira
Mais bonita do lugar


Deixou de cantar a fonte 
Quedou-se o labor, não vês?
O velhinho camponês 
Há muito desceu o monte;
Ao longe, no horizonte 
Andam lábios a rezar
Só tu, louco sem pensar
Gorjeias dessa maneira
Passarinho da Ribeira
Emudece o teu cantar


O rouxinol no choupal 
Não faz ouvir sua voz
Preso também como nós 
A esta dor sem igual;
A toutinegra real 
Anda de luto a chorar
Pára também de cantar 
Nesta hora derradeira
Porque morreu a moleira
Mais bonita do lugar

Doméstica solidão

Duarte / José António Sabrosa 
Repertório de Duarte


Doméstica solidão
Condição dos mal-amados
As crianças onde estão?
Não as vejo em nenhum lado

Mar de voz que anda perdida
Rio de tormenta calada
Eu sou dum amor sem vida
Sou porta quase fechada

Descrença frágil e fria
Por ventura bem fadada
Sou qualquer coisa vazia
Qualquer coisa sem mais nada

Doméstica solidão
Condição dos mal-amados
Atiraste ao coração
Quando ao meu; passou-lhe ao lado

Olhar puro

Matilde Cid / Raúl Pinto
Repertório de Matilde Cid


Olho p’ra ti não me vês
Meu amor, não sei quem és
Foste p’ra mim a verdade
Não sabes que um olhar
Por mais que nos queira amar
Não tem essa liberdade

Chegou o frio do inverno 
Foi-se embora o calor terno
Vejo o nosso amor cansado
E a chuva que caía 
Era o amor que fugia
Mesmo tendo-te a meu lado

Na pureza de um olhar 
É impossível negar 
O que sente um coração
Meu amor, olha p’ra mim 
Porque eu quero, mesmo assim
Ver teus olhos dizer não

Pescador do mar gigante

Armando Costa / Joaquim Campos *alexandrino*
Repertório de Gil Costa


Desembarcou na foz do mar das tempestades
E trazia no corpo o cheiro o maresia
Sentou-se ao pé de mim, e p’ra matar saudades
Ficou ouvindo o fado até romper o dia

Partira novo ainda, em busca de riqueza
Correu terras sem fim e nada amealhou
Voltou à sua aldeia, e p’ra maior tristeza
Não encontrou a mãe que outrora cá deixou

Depois de tudo ouvir, tornei-me seu amigo
E já sobre a manhã, à luz tosca da vela
Cantei com sentimento aquele fado antigo
O doce amor de mãe que foi a nossa estrela

E o velho pescador que tinha a voz do mar
E sabia de cor o jeito das nortadas
Chorou a sua sorte, e o pranto a deslizar
Tinha o brilho e a cor das ondas rendilhadas

Que amor não me engana

Letra e música de José Afonso 
Repertório de Vânia Duarte

Que amor não me engana com a sua brandura
Se da antiga chama mal vive a amargura
Numa mancha negra, numa pedra fria
Que amor não se entrega na noite vazia

As vozes embargam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito
Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira


Em novas coutadas, junto de uma hera
Nascem flores vermelhas pela primavera
Assim tu souberas, irmã cotovia
Dizer-me se esperas o nascer do dia

Mordi a tua mão

Duarte / Alfredo Duarte *fado cuf*
Repertório de Duarte


Mordi a tua mão, depois morri
Caí sobre o teu corpo inanimado
Que importa se estou preso ou se prendi
Quem morre assim, não tem que ser julgado

Mordi a tua mão, depois morri
Passei por um lugar que não tem nome
Que fica muito além do que sofri
Maior que a dor, que o mar, maior que a fome

Mordi a tua mão, depois morri
Deixei-me ali ficar de olhos fechados
Ainda perguntei: tu estás aqui?
Depois dormi nos braços arranhados

A Hermínia canta yé yé

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de Hermínia Silva


Juro que não estou à rasca
Pois mesmo assim é que é
Cá a Hermínia é moderna
Também canta yé yé

Com versos que estão na moda
Que ninguém entende nada
E que eu não quero entender
Para não ficar chalada

Yé yé yé yé Yé yé yé yé 
Yé yé yé yé Yé yé yé yé 
Assim sem versos 
Aos gritos é que é
Yé yé yé yé Yé yé yé yé
Yé yé yé yé Yé yé yé yé 
É rapaziada, assim é que é 
O que é preciso 
É fazer banzé
Yé yé yé yé Yé yé yé yé 
Yé yé yé yé Yé yé yé yé 

Sou moderna e bem moderna
Té dei sopa na ginjinha
Só bebo o Body Mary
E depois fico à rasquinha

Eu já uso mini-saia
De pequenino tamanho
P’ra ser ‘inda mais moderna
Vou deixar de tomar banho

A ceia de Alcochete

Maria Manuel Cid / Alberto Costa *fado dois tons*
Repertório de António de Noronha

Encostado na boleia
Da minha velha charrete
Fui a trote para a ceia
Do Morgado de Alcochete

O branco luar brilhava 
Nas folhas dos olivais
E o meu cavalo saltava 
Da negrura dos varais

Apertei os alamares 
Aconcheguei a samarra
E fui lembrando os cantares 
Que me ensinou a guitarra

Chegado que fui à porta 
Corri a cantar o fado
E voltei já noite morta 
Farto de vinho e cansado

Foi a custo que saltei 
P'rá minha velha charrete
E a passo que voltei 
Do palácio de Alcochete

O beijo

Alexandre O’Neill / Paulo Ribeiro
Repertório de Inês Duarte


Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo
Querela de aves, pios, escarcéu
Ainda palpitante voa um beijo

Donde teria vindo! não é meu
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha, colorida
Vai batendo como a própria vida
Um coração vermelho pelo ar

E é a força sem fim de duas boca
De duas bocas que se juntam, loucas
De inveja as gaivotas a gritar

Dizem

Duarte / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Duarte


Dizem que nunca te amei
Que fui sempre um *bon vivant*
E que vou ser sempre assim
Também dizem que sou gay
Que durmo em qualquer divã
Quando a noite chega ao fim

Dizem que não te mereço
Que p’ra mim tudo tem preço
Sou ooferta e oferecido
Dizem que eu ando à mercê
Que não sou o que se vê
Bandido e caso perdido

Dizem que fui e não vou
Dizem que estive e não estou
Mas que devia ter ido
Também dizem, quando estou
Que o dia bom já passou
Não sou tido nem ouvido

Dizem uns, que outros não dizem
Porque não querem saber
Do tanto que há por dizer
Dos tantos que tanto dizem
Nada sabem do que dizem
E mais nada vão saber

Um pedido ao Pai Natal

Armando Costa / António Moreira (ou?) Paco Gonzalez 
Repertório de Armando Costa


Ó Pai Natal de barbas cor do linho
Meu pai Natal dos tempos de criança
Eu vou pôr esta noite o sapatinho
Na minha chaminé de luz e esperança

E como outrora fiz, vou-te pedir
Mas desta vez não é um carrocel 
Um palhaço de seda ou de papel
O meu desejo é outro, vais ouvir

Aonde houver tisteza, fome e guerra
Acode aquela gente, a dor é tanta
E leva a cada pobre que há na terra
A paz que vem do céu, humilde e santa

Mas antes de seguires o teu caminho
E te perderes lá longe na distãncia
Deixa ficar no velho sapatinho
Um beijo a recordar a minha infãncia

Pétalas soltas

Elsa Laboreiro / António Neto
Repertório de Elsa Laboreiro


São como pétalas soltas
Os fados que canto
Os versos que digo
Mais do que amor, são revoltas
São risos de pranto 
Que trago comigo

São como velas ao vento
Tantas noites luas 
Tantos sóis manhãs
Mais do que um simples lamento
São saudades tuas
São saudades tuas

Eu dou-te a minha mão, o meu sorriso
E beijo o teu olhar e oiço a tua voz
Para estar junto de ti só é preciso
Imaginar que nunca estamos sós

São como pétalas soltas
Os fados que canto
Os versos que digo
Porque será que não voltas
Se por ti eu chamo
Meu amor amigo

São como velas ao vento
Que vão pelo mar fora
Dentro do meu ser
Vives no meu pensamento
Não te foste embora
Não te foste embora

Às tantas

Letra e música de Duarte
Repertório de Duarte com Mara


Porque às tantas dei por mim
A gostar de canções tristes
Quando um amor chega ao fim
É que sabemos que existe

Porque às tantas dei por mim
Com alguns vícios do mar
Paixões perdidas nos portos
Partidas sem querer chegar

Já não choro amores perdidos
Já não me prendem amarras
Porque às tantas a beleza do naufrágio
Está na paz que vem das águas


Porque às tantas dei por mim
Como quem não quer saber
Quem ama nunca tem fim
Quem ama, deixa de ser

Porque às tantas dei por mim
Qualquer coisa que sonhei
E mesmo quando não fui
Muitas vezes lá fiquei

Inspiração

Lina Morgado / João Blak *fado menor do porto*
Repertório de Elsa Laboreiro


Nesta fronteira do medo
Onde vegeto meus dias
A madrugada vem cedo
Vestir-me de fantasias

E sonho mares inventados 
Com fundos de transparência
Onde morrem afogados 
Pedaços de consciência

Minh’alma parte cansada 
Quando o sol vem poisar
No pedaço de almofada 
Que guardo p’ra te deitar

E tão distante já vai 
Minha vontade de ser
Que meu sonho de mim sai 
Com desejos de morrer

Digo-te adeus a sorrir 
Chorando raiva vencida
De tão bem saber mentir 
Fujo à verdade da vida

Velho faroleiro

João de Freitas / Alfredo Duarte *fado cravo*
Repertório de Júlio Peres


Naquela rocha escarpada
Sempre batida p’lo mar
Onde um farol existia
Quase sempre uma balada
Quando era lindo o luar
A altas horas se ouvia

Era um velho faroleiro 
Fadista antigo, de garra  
Que tivera uma voz d’oiro
E que cantava altaneiro 
Tocando a sua guitarra
P’ra ele o maior tesoiro

E nos murmúrios do vento 
Levada como um lamento 
Sua voz entristecida
Era uma eterna saudade 
Relembrando a mocidade 
Da sua cansada vida

Mas aconteceu um dia 
O farol ser demolido
E ele à dor não resistiu
E nunca mais a magia 
Do velho fado corrido
Naquela rocha se ouviu

Farra sem fim

Mónica Pinto / João Alvarez
Repertório de Mónica Pinto


A noite vem beijar o dia a terminar
E o sol já vai contar à lua
Que o povo vai sair com a alma a sorrir
Para a noite passar na rua


Espelho das estrelas a marcha a passar
Brilham as mais belas moças a dançar 
E os bairros cobrem-se de cor e de folia
Que do mais singelo ao mais castiço contagia

A noite vem beijar o dia a terminar 
E o sol já vai contar à lua 
Que o povo vai sair com a alma a sorrir 
Para a noite passar na rua 

Cai a madrugada, ninguém se recolhe
Vive-se a noitada que o alvor acolhe 
E o povo segue o seu destino alegremente
Quando a noite cai, vive-se a festa novamente

A cantar e bailar na rua
Para a noite passar na rua

A vida é bela

Cátia Oliveira / Valter Rolo
Repertório de Inês Duarte


Iludem as aparências
Faço as malas mas não quero ir
Doem as reticências
Do que não me dizes ao partir

A vida é bela
Dizes tu meu amor
Mas amargo o sabor
Das noites em que o teu abraço 
Não vem

Humanas intermitências
Não te quero mas por ti anseio
Tristes inconsistências
Boas intenções, inferno cheio

A vida é bela
Digo eu sem rancor
É cerejeira em flor
Vai alta a noite e a manhã 
Que aí vem

Se me desvia a estrela guia
E outra vez, só por um triz
Te encontro à beira do metro 
E desta vez, tu me sorris

Se não há coincidências
Caprichoso firmamento
Somos claras evidências
Astros baralhados pelo vento

A vida é bela
Já sabemos os dois
E antes que depois
Estou de viagem ao futuro
Meu bem

Quem me dera o luar

Elsa Laboreiro / António Neto
Repertório de Elsa Laboreiro


Ai quem me dera o luar
Refletido sobre as águas
Do meu ser a despertar
Lavado de quaisquer mágoas

Ai quem me dera o azul 
Mais puro que o céu contém
Bordado a nuvens de tule 
Pelas mãos de minha mãe

E o verde da primavera 
Salpicado de mil flores
Deus sabe quanto quisera 
Ofertá-lo aos meus amores

E em cada onda do mar 
Que meu pai soube de cor
Quem me dera flutuar 
Num barco feito de amor

Resta-me então este canto 
Que é fado da minha vida
Coberta de negro manto 
Porém de sonhos vestida

O Fado e nós

António Rocha / Arménio de Melo
Repertório de Mónica Pinto


Tu dizes que me enganei mas eu sei
Que és tu que estás enganado
Porque quando te encontrei e te amei
Já tinha outro a meu lado

É o fado que amo tanto e que canto
Sem dele poder esquecer-me
Não me digas p’ra deixar de o cantar
Não consegues convencer-me

Podes ficar descansado
Embora saibas que ao fado
Dou o meu amor também
Só a fadista é que o quer
Porque afinal, a mulher
É tua, de mais ninguém


Há no fado tal magia que eu queria
Só p’ra mim o seu carinho
Mas tem mais duas amantes vibrantes
A quem se dá inteirinho

A viola e a guitarra bizarra
Sua grande paixão
Tal como eu as tolero, não quero
Teus ciúmes sem razão

Não cantes p’ra mais ninguém

Maria Manuel Cid / Armandinho *fado da adiça*
Repertório de Elsa Laboreiro


Quando menina cantava
Ao escutar minha mãe
Quase a medo murmurava
Não cantes p’ra mais ninguém

Pelo sentido profundo 
Na forma de me expressar
Sabia que neste mundo 
Tinha muito que chorar

E do seu olhar cansado 
Uma lágrima caída
Vinha tornar mais pesado 
O fardo da minha vida

Minha mãe compreendera 
E com ela estremeci
Que esta tristeza nascera 
Comigo quando nasci

E porque o fado é sofrer 
Eu sinto que minha mãe
Tinha razão ao dizer 
Não cantes p’ra mais ninguém

Na tua mão

Mónica Pinto / João Alvarez
Repertório de Mónica Pinto


Nasceu esta canção do coração
Pensando em ti... no que vivi
Naquela noite e
Em que eu na tua mão 
Escrevi... pertenço a ti

Na palma da tua mão 
Depositei o meu mundo
Naquela hora arrisquei
Perder o teu amor 
Que desejei mais profundo
Minh’alma a ti entreguei

A partir desse momento 
A minha vida é mais vida
O meu ser é mais ser
Partilhamos lado a lado 
A felicidade escondida
Na aventura de viver

Sexta-feira

Carlos Leitão / Carlos Menezes
Repertório de Carlos Leitão


Não é costume o atraso
Demorei-me no caminho
Fui comprar o melhor vinho
E umas flores ao acaso

O carro não quis pegar
Não me habituo à cidade
E quando teimo em chegar
Mais se demora a saudade

Depois foi o jantar que se queimou
O disco que escolhi estava riscado
Maldito seja o gás que se acabou
E o tempo cada vez mais despachado

O beijo mais certo desse sexta-feira
Deixou-me tão perto de uma vida inteira
Se amanhã vieres traz tu o jantar
Tentamos de novo na sala de estar

Desliguei a televisão
Corri a acender as velas
Abri portas e janelas
À espera de inspiração 

A mesa está requintada
Já me vesti a rigor
Só faltas tu à entrada
Para a coisa se compor

Dezembro em flor

Odete Mendes / Carlos Gonçalves *fado lágrima*
Repertório de Elsa Laboreiro


Foi em Dezembro, era inverno estava frio
E hoje relembro teu rosto por desvendar
Dentro de mim havia um grande vazio
E havia um rio de um amor por despertar

Andei no tempo a ver o tempo a passar
Mas nunca é tarde, nunca é tarde para amar
Ai meu amor, porque tardaste a chegar
Andei perdida, perdida por te encontrar

Cheia de sonhos, cheia de sonhos no peito
Quando me deito no calor dos teus abraços
Olho prá vida, lho prá vida com calma
Espreguiço a alma  e 
adormeço nos teus braços

Sorrir à luz do sol

Mónica Pinto / João Alvarez
Repertório de Mónica Pinto


Sorrir à luz do sol em cada renascer
De um novo dia… é viver


De cada vez que o sol prazenteiro
Brilha em cada viveiro
Dum amor primeiro
Amor verdadeiro
Amor de ternura
Amor de loucura
É amor, amor

É louvar cada dia a alegria
De uma nova poesia
De uma nova cantiga
De luz e de vida
Cantiga de fado
De orgulho e pecado
Cantiga de amor

Até amanhã

Cátia Oliveira / Valter Rolo
Repertório de Inês Duarte


Não te via há tanto tempo já
Que amor lascado te trará por cá?
E eu que sofro de memória má
Respiro fundo e deixo p’ra lá

Espero sempre que este entra e sai
Termine e amanhã talvez
Se de novo o coração te cai
Quem sabe fiques de uma vez

Nós temos tudo p’ra dar certo
Pão e água e meio teto
Com vista aberta p’ró céu
Dizes que sou louca e não está certo
Que preferes o deserto
Do que chamar-te de meu

Mas fosse o que dizes verdade
Não te daria a saudade
Do meu cheirinho a maçã
Sei que um dia ainda é verdade
Hás-de voltar com vontade
Ao dizer até amanhã

São Martinho

João Ferreira Rosa / Alfredo dos Santos *fado correeiro*
Repertório de António de Noronha


Um fadista já velhinho
Muito triste, coitadinho
Contou-me quase a chorar
As saudades do passado
Quando ele cantava o fado
Que todos qu’riam escutar

Contou-me então como eram
As noitadas que fizeram 
Fadistas e cavaleiros
O alegre São Martinho
Nos retiros com bom vinho 
E o calor dos fogareiros

De olhos semi-cerrados
Baixinho cantou-me uns fados 
Sua tristeza aumentou
Mas mudando de repente
Olhando-me bem de frente 
Com voz mais firme afirmou

A minha grande tristeza
Não me é dada p’la pobreza 
Nem lembranças que contei
É o medo de morrer
Sem de novo poder ver 
Portugal ter o seu rei

Esta dor adormecida

Ana Goês / José António Sabrosa
Repertório de Elsa Laboreiro


Esta dor adormecida
Que ao meu próprio colo embalo
É a dor da minha vida
Que acorda quando eu lhe falo

Esta dor adormecida 
Que calo em meus próprios braços
É a dor da minha vida 
Que acorda ao som dos meus passos

Esta dor adormecida 
Não dorme profundamente
É a dor da minha vida 
Que acorda quando me sente

Esta dor adormecida 
Já não posso mais com ela
Vou falar-lhe, vou ouvi-la 
Vou acordá-la e sofrê-la

Sofrê-la de novo ferida 
De novo aberta a doer
É a dor da minha vida 
Não a posso adormecer

Gaivotas

António Calém / José Lopes *fado lopes*
Repertório de António de Noronha


Disse-te em ondas verdades
Que foram morrer na areia
Falei de amor e saudades
Duma noite em maré cheia

Só as gaivotas voltaram
O resto ficou no mar
Os olhos que te sonharam
Não mais te podem sonhar

Por isso esta praia nua
Que eu vim encontrar depois
Não sei se um dia foi tua
Ou se foi de nós os dois

Varinas longe do cais

Hélder Moutinho / António Neto
Repertório de Elsa Laboreiro


Vem daí ver as colinas
Onde dormem as varinas
Desta formosa Lisboa
Na madrugada suprema
Guardo versos de um poema
Que o fado do povo entoa

Vem daí ver os poetas
Esses famosos profetas
A rimar trovas ao vento
Nas vozes das cantadeiras
Andam saudades brejeiras
Trovas de amor e lamento

Foram-se embora 
Os pregões da Madragoa
Já cá não mora a
 varina de Lisboa
E agora o Tejo 
Que anda sempre apaixonado
Até já canta outro fado


Vem daí p’ra ver se encontras
À venda por essas montras
Chinelinhas para os pés
Na lota já não há nada
Demoliram a bancada 
Foram todas para Algés

Quando um dia tiver tempo

Valentim Matias / Franklim Godinho 
Repertório de Valentim Matias


Quando um dia tiver tempo
Vou escrever-te um poema
Quer este rime ou não rime
O amor será o tema

Será de versos ligeiros 
Ligeiros como andorinhas
Que em manhãs de nevoeiros 
Te levam mensagens minhas

Vai falar do nosso amor 
Do amor que te dedico
Do perfume duma flor 
Que ao teu corpo identifico

E essas quadras singelas 
Falam de mim e de ti
Daquelas coisas tão belas 
Que contigo já vivi;
Afinal, já tive tempo
E o teu poema escrevi

A rapariga das violetas

Fernanda de Castro / Lima Brummon
Repertório de Teresa Tarouca


Éramos três
Quando passou por nós
Quando passou por nós
Com o cesto das violetas
Disse a primeira:
Como vai cansada
E descalça
Coitada, coitada

Disse a outra:
Tão suja e desgrenhada
Olham os pés sem cor
As unhas pretas
Eu, a terceira
Eu não disse nada
Não disse nada
Que lindas as violetas

Verbo amar

Carlos Leitão / Júlio Resende
Repertório de Carlos Leitão


Guarda-me todos os medos
Limpa-me as feridas de outrora
Deixa-me o colo mais terno
Das horas más do inverno;
Manda as tristezas embora
E fica só com os segredos

Agarra o meu coração
Os meus enleios da alma
Deixa que seja o desejo
A falar por entre o beijo;
E enquanto o peito se acalma
Deixa-me apenas o chão

Perdoa-me o verbo amar
As mil vezes que o gastei
Se sobra algum Deus para mim
Sabe que amar-te é assim;
Guarda tudo o que não sei
E deixa o mundo acabar

Aquela alvorada

Valentim Matias / Armando Machado *fado marana*
Repertório de Valentim Matias


O sol nos teus cabelos veio brilhar
Teus olhos acenderam-se pra mim
Eu tive a tua boca p’ra beijar
Nessa alvorada que nasceu sem fim

Havia lavaredas no teu corpo
Como fogueira acesa a crepitar
Colamos nosso peito um contra o outro
Na madrugada que nasceu sem par

Nesse dia, p’ra nós maravilhoso
Em que a luz do amor em nós se entranha
Foi um nascer de sol tão radioso
Que nos levou ao cimo da montanha

Bendita a luz que nos iluminou
Nesse belo raiar de um novo dia
Feliz e bela imagem nos deixou
A recordar momentos de magia

Formiga bossa nossa

Alexandre O’Neill / Alain Oulman
Repertório de Amália Rodrigues


Minuciosa formiga
Não tem que se lhe diga 
Leva a sua palhinha
Não tem que se lhe diga 
Leva a sua palhinha
Asinha, asinha

Assim devera eu ser
Assim devera eu ser
Assim devera eu ser
Assim devera eu ser


Assim devera eu ser
E não esta cigarra 
Que se põe a cantar
E não esta cigarra 
Que se põe a cantar
E me deita a perder

Assim devera eu ser
De patinhas no chão
Formiguinha ao trabalho
De patinhas no chão
Formiguinha ao trabalho
E ao tostão

No fim de contas

Tiago Torres da Silva / Fernando Freitas *fado pena*
Repertório de Pedro Galveias


Já não tenho pensado ultimamente
Nos dias que passavas a meu lado
Até um grande amor dentro da gente
Acaba por se transformar em fado

Já ando mais alegre nestes dias
Se até a solidão me tem gritado
Tristezas são iguais a alegrias
Se no final das contas já são fado

Talvez tenha sentido o coração
Bater daquela vez descompassado
Agora quando bate, bate em vão
E é por bater em vão que eu canto o fado

As coisas que me custam a lembrar
Já vão fazendo parte do passado
E só não as consigo perdoar
Porque preciso delas para o fado

A magia da Pimenta

Letra e música de Alice Pimenta
Repertório de Alice Pimenta


A magia deste fado que é o nosso
O dstino deste povo português
A ternura dum abraço fecha o fosso
De onde emanam as negativas marés

Heróis do mar, tanta bravura
Heroicidade, feliz loucura
Que nos ergueu
Por todo o mar, por toda a terra
Dizendo ao mundo
Sim à paz, e não à guerra


Por alto mar, em jangadas feitas luz
Em barcaças de ilusão e de magia
Sob a benção desse mestre que é Jesus
Somam feitos grandiosos noite e dia

Nasci em lençol bordado

José Raposo / Popular *fado mouraria*
Repertório de Nuno Rocha


Nasci em lençol bordado
Meu berço foi a guitarra
Cresci nos braços do fado
Que hoje canto com garra

Meu padrinho, o Bairro Alto 
A madrinha, a Madragoa
As pedrinhas de basalto 
Calçada da minha rua

Rua onde o fado passeia 
Por entre casas velhinhas
Nas noites de lua cheia 
Cantando saudades minhas

Saudades que são sinais 
Gravados no pensamento
Que ferem como punhais 
Cravados no sentimento

Sentimento é o que sinto 
Sempre que canto o fado
Ao coração nunca minto 
Nasci em lençol bordado

É como o amor

António Rocha / João Alberto
Repertório de Miguel Ramos


Já te escolhi numa outra vida
Como nesta, a tua vida
Eu vivo em mim e só por ti
Rompi os laços com a descrença
Pedi a Deus tua presença
Em longas preces, pedi por ti

Tu que és assim
Vê como sou assim também por ti
É como o amor que vive em dor
Só vive bem assim


Que a tua alma se fundisse
Com a minha e redimisse
Os sobressaltos que já passei
E a verdade que te encontro
Em que acredito e não confronto
Que estás aqui, que te encontrei

O mosquito mordeu-me o olho

Amália / Amélia Muge
Repertório de Amélia Muge


Passou um mosquito, mordeu-me no olho
Não vi a lagarta, comi o repolho

Comi a lagarta que o repolho tinha
E disse à lagarta que a couve era minha

E a lagartinha deu-me uma resposta
E eu não repito, que você não gosta

O raio da lagarta tão mal se portou
Um raio que a parta, tanto me enojou

Comi a lagarta, fiquei enjoada
Mordeu-me o mosquito e não vejo nada

Vejo agora ali aquilo que eu queria
Vi o que já vi, que é da minha tia

É o seu burrico que passa na estrada
Aqui já não fico, vou nele montada

Burro sem ser burro, burro sem burrice
Burro inteligente, que grande chatice

Sem andar prá frente, nem andar p’ra trás
Apanhou-me rente, deu um coice… zás

O abrigo que me déste

Valentim Matias / Adriano Ruiz Batista *fado macau*
Repertório de Valentim Matias


Quando as ondas batem forte
E o vento é muito agreste
A chuva cai e a sorte
É o abrigo que me deste

Abrigo do teu regaço 
Sob a vista dos teus olhos
Teu coração marca o passo 
E afasta os escolhos

Mão com mão entrelaçadas 
Um sentimento de posse
As bocas ficam coladas 
Assim a vida é mais doce

Neste nosso encantamento 
Que tanto nos satisfaz
Vivemos cada momento 
Sem nunca olharmos pra trás

Já as ondas se acalmaram 
E a brisa está serena
Nossas bocas se encontraram 
Meu amor, valeu a pena

Janela virada p’ró sol

Letra e música de Alice Pimenta
Repertório de Alice Pimenta


Janela escancarada p’la manhã
Paira no ar um cheiro de harmonia
Aromas de cidreira e hortelã
Abençoado seja o novo dia

Janela rasgada pela esperança
Onde a felicidade não é mito
Onde não há fantasmas de criança
Nem o amargo som do cruel grito

Janela aberta que o vento descobre
De onde não há tragédia que se aviste
Nem mulher que com medo o rosto cobre
Nem sequer se desenha um olhar triste

Janela de vida que a vida seduz
Tem raios de sol que à vida dão luz
Janela alegria, janela esplendor
Janela riqueza, pois só mostra amor

Eu fui aos fados

Valentim Matias / Popular
Repertório de Valentim Matias


Eu fui aos fados
Certa noite, há muito tempo
E o que então vi n
ão me saiu da memória
Uma mulher cantava de xaile preto
Versos de amor, no velho fado Vitória

O fado é lindo
O fado é verdade
Não tem idade 
Mas tem paixão
Canta ao amor 
Tal qual uma flor
Que lança perfume 
Bem dentro do coração

Ouvi guitarras 
A trinar doces arpejos
Ouvi silêncio que o silêncio é pra se ouvir
Senti na alma um baque de mil desejos
Senti o fado que o fado é pra se sentir

Como vai longe 
A noite que então vivi
P’ra todo o sempre a mesma vou recordar
Não sei exprimir tudo aquilo que senti
Nessa mulher de xaile preto a cantar

Tenho uma cabra cabrita

Amália / Amélia Muge
Repertório de Amélia Muge


A rola põe-se na rua 
O botão põe-se na casa
Vem o sol e vai a lua 
E a formiga perde a asa

Perco eu a inspiração 
Tudo o que faço não rima
Já perdi o que foi p’ra baixo 
E vou perder o que vem p’ra cima

Tenho uma cabra cabrita 
Que lindos saltos me dá
É uma cabra tão bonita 
Que é cabra mas não é má

Tenho um grilo na gaiola 
Um galo na capoeira
Tenho na porta uma argola 
E vivo desta maneira

Vinho leva o garrafão 
Cheia de água vai a bilha
Já tenho a fava na mão 
Já só me falta a ervilha

Um dia contigo

Tiago Simões / Pedro Galveias e Tiago Simões
Repertório de Pedro Galveias


Assim que amanhece
O teu sorriso aparece 
A lua dorme por fim
Bate o sol na janela
Que tua sombra revela 
Luzente só para mim

Com um bom dia sonolento
O teu sorriso inquieto 
Se dirige a mim num beijo
Num repente, esse bom dia
Faz acontecer magia 
De um comum desejo

Contigo amor, se vê o sol nascer
Bom dia amor, eu te quero dizer


Apressada, a manhã sumiu
Entre conversas que em nós surgiu 
E chega a hora de cear
Em nós emana a paixão
Que faz voar o tempo e então 
Acaba a noite por chegar

Contigo amor, o dia passa a correr
Assim amor, se vê a noite a nascer


A noite cai e num instante
O dia já vai distante 
Olhamos as estrelas em seu esplendor
Os dois nos vamos deitar
A noite irá passar 
E novamente te direi *bom dia amor*

Pranto nos teus olhos

Maria Manuel Cid / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de António Melo Correia


Choravam teus olhos tristes
Quando poisaram nos meus
Ficaram tristes meus olhos
E mais alegres os teus

E quando teus olhos viram
Nos meus o pranto bailar
Embora alegres, não riram
Por ver meus olhos chorar

Se teus males infinitos
Tornam meus olhos vidrados
Os teus olhos tão bonitos
Ficam logo embaciados

O pranto dos olhos teus
Cá para mim, não sei bem
É como dizer adeus
A tudo o que a gente tem

Fado é doença ou paixão

Valentim Matias / Alfredo Marceneiro
Repertório de Valentim Matias


Jamais poderei dizer
Que o fado não faz sofrer
Que o fado não é paixão
Mais que paixão, é doença
Que marca sua presença
Bem fundo no coração

É loucura, é sofrimento 
Por vezes, só um lamento 
Tantas outras. desatino
Porta aberta à nostalgia
Mas também é alegria 
O fado é o destino

Canta o amor, a saudade
Nem sequer sabe a idade 
É sentimento de um povo
E se recorre ao humor
É p`ra disfarçar a dor 
Fado também é renovo

Fado é vida, é solidão
Amargura, ilusão 
É amor principalmente
Se é doença, se é paixão
Sei que sai do coração 
E é tudo o que a gente sente