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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.350' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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O frio da castidade

João Fezas Vital / António Chaínho
Repertório de Vasco Rafael

Abri a porta do quarto
Ao frio da castidade
E penetrei a cidade
Com que vivo de mim farto;
Cansado de ter saudade
Das partidas que não parto

De noite, como em segredo 
Que a luz do dia engana a gente
Fiz-me de raça diferente 
Animal com menos medo;
E dei por mim, de repente 
A não ser tarde nem cedo

E vieste, semi-nua 
Dei-te a mão, e foste minha
E toda a raiva que eu tinha 
Se fez seiva ali na rua
E toda a pedra foi vinha 
E a minha esperança foi tua
Quando voltei ao meu quarto 
Estavam lá o sol e a lua

Só a morte de passagem

João Fezas Vital / Joaquim Campos *fado puxavante*
Repertório de Teresa Siqueira

Deixaremos aberta a porta
Quando o frio é lá de fora
Ser senhores da noite morta
E do medo que lá mora;
Obriga o corpo sem dono
A desabrigos de hora

Cachos de uva madura 
Teu corpo de lentidão
Lume aceso que perdura 
O tempo da solidão;
Segredos de água pura 
Que trago em cada mão

Meu amor, minha verdade 
Caso de ser sol oculto
Lá fora a noite é cidade 
E a cidade é um insulto

Porta aberta, grande estrada 
Em delírio de viagem
Não a feches, não foi nada 
Só a morte de passagem

Quis-te tanto, meu amor

João Fezas Vital / Verónica
Repertório de Vasco Rafael

Quis-te tanto, meu amor
Como quem quer um lençol
Onde se guarda o suor
Dum cansaço com razão;
Lençol que me acolhesse
Quando se me acaba o sol
E tudo em mim, entristece
Bordado p’la tua mão

Quis-te tanto, meu amor 
Que me traí em segredo
Num soluço com a dor 
De quem trai uma criança
Quis cantar tudo o que sei 
Como quem grita de medo
Fora de casa e da lei 
Quando o amor é já sem esperança

Quis cantar o que te quero 
Com a voz com que te chamo
Meu amor de desespero 
Minha raiva e aflição
Cantar, cantar, e morrer 
Na varanda de oceano
Que se ergueu de ti, mulher 
Nesta minha solidão

Tarde negra

Manuel Andrade / Alfredo Duarte *fado cravo*
Repertório de Carlos Mendes Pereira

Vida, que vida é a nossa
Feita de escolhos, sem porto
De gaivotas sem voar
Já não há sonhos que eu possa
Sonhar, nesse sonho morto
Que matamos a sonhar

Passou triste a claridade 
Dessa madrugada fria
Em que o mar nasceu p’ra nós
E voltou nua a verdade 
Verdade que o mar dizia
Para além da sua voz

Mar que foi meu pensamento 
Gaivota que foste um dia
Incertezas que cruzamos
Praias perdidas no vento 
Tarde negra, negra e fria
Em que nós mudos ficamos

Eu só te pedi um beijo

Isidoro de Oliveira / Jaime Santos *fado vadio*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Eu só te pedi um beijo
Que me deste por favor
Mas depois por teu desejo
Deste-me um beijo d’amor

Deste-me um beijo d’amor 
Tudo começou assim
Pedi mais do teu calor 
E tu disseste que sim

E tu disseste que sim 
Ao amor feito verdade
Toda te entregaste a mim 
Vivemos a felicidade

Vivemos a felicidade 
Que hoje pertence ao passado
Desse amor tenho saudade 
Tu nesse amor vês pecado

Tu nesse amor vês pecado 
Eu confesso que não vejo
Eu apenas fui levado 
Ao sabor do teu desejo
Não digas que fui culpado
Eu só te pedi um beijo

Andorinha perdida

Isidoro de Oliveira / Alves Coelho *fado maria vitória*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Uma andorinha perdida
Não pode ao ninho voltar
Sem refúgio nem guarida
Está em perigo sua vida
É obrigada a voar

É obrigada a voar 
Só pode contar consigo
Ninguém a pode ajudar
E se poisa, vai ficar 
À mercê do inimigo

À mercê do inimigo 
Vagueia teu coração
Ouve bem o que te digo
Toma cuidado contigo 
Não cedas à tentação

Não cedas à tentação 
Não entregues tua vida
Se perdes o coração
Serás, como tantas são 
Uma andorinha perdida

Meu amor se tu quiseres

João Fezas Vital / José António Sabrosa
Repertório de João Braga
No livro do poeta este tema aparece com o título 
“Se tu quiseres, meu” amor

Amor, inverno acabado
Gaivota numa traineira
Inverno, quarto fechado
Amor à luz da lareira

Se tu quiseres meu amor 
Dar-te-ei a madrugada
E plantarei uma flor 
Onde nunca houve nada

Amar é deixar de ser 
Alguém para ser mundo
Também o sol vai nascer 
Onde o rio é mais profundo

Meu amor se tu quiseres 
Da noite farei um fado
E de noite se vieres 
Morreremos noutro lado

Nada é eterno

José Fernandes Castro / Armando Machado *fado santa luzia
Repertório de Joaquim Macedo


Na vida, nada é eterno
O outono traz o inverno
O inverno traz tempestade
Depois vem a primavera
Que já tem à sua espera
Um sopro de liberdade

Há andorinhas felizes 
Que chegam doutros países
Em busca de céu aberto
Regressa então o verão
Que nos dá libertação
Mas nunca traz tempo certo

Com o regresso do outono 
Vão ficando ao abandono
As folhas no chão caídas
No amor, nada é eterno 
Às vezes temos inverno
No tempo das nossas vidas

Pedi a Deus

João Ferreira Rosa / Popular *fado corrido*
Repertório de João Ferreira Rosa
                        
Sonhei ver os olhos teus
Muito tristes, a chorar
A sonhar pedi a Deus
Para teu sofrer me dar

Com tanto fervor rezei 
Que fui escutado nos céus
A sofrer por ti fiquei 
A chorar os olhos meus

Sofri, mas deixei de ver 
Esses teus olhos chorando
Não me importei de sofrer 
Pois tua dor foi passando

Acordei, pus-me a rezar 
Novamente a Deus pedi
Que me deixasse chorar 
Toda a dor que vejo em ti

Os teus olhos

Conde Sobral / Alfredo Duarte *fado bailarico*
Repertório de Maria Jô Jô

Os teus olhos são dos tais
Que só se encontra uma vez
Deus fez os teus, não fez mais
Por ver o perigo que fez

Perdida no teu olhar 
A minha vida mudou
E nunca mais encontrou 
Outro caminho a trilhar;
Mas nada tenho a ganhar 
Pois sei bem que tu não l

Na minha alma nem crês 
Que distintos dos demais
Os teus olhos são dos tais
Que só se encontra uma vez

Os olhos que Deus te deu 
São para mim tal tormento
Que o meu cruel sofrimento 
Foi conhecido no céu;
E a santa lei entendeu 
Tão cruel o meu revês
Que com divina altivez 
Quebrou os moldes fatais
Deus fez os teus, não fez mais
Por ver o perigo que fez

O arrais

Isidoro de Oliveira / Miguel Ramos *fado margarida *
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Sentado com o neto, o velho arrais
Olhando o cais lembrava com saudade
A noite em que aportara a esse cais
Debaixo duma enorme tempestade

P’ra Lisboa a fragata navegava
Já então era extinta a luz do dia
Eis que uma tempestade levantava
Quando voltar p’ra traz já não podia

Batendo a vela grande parte a amarra
Que o mastro vai quebrar já se adivinha
Ao timão que lhe resta então se agarra
Pedindo a Deus as forças que não tinha

Rota era a vela, o mastro já quebrava
Quando enfim conseguiu entrar no cais
A fragata com custo navegava
Mas firme no timão vinha o arrais

Eu sei que lidei sempre com a morte
Disse por fim ao neto, em voz sentida
Mas se hoje me sentisse novo e forte
Voltava a viver a mesma vida

E tudo se desfez

Carlos Conde / Miguel Ramos *fado margaridas
Repertório de Manuel Dias

Quando eu te quis e logo te perdi
Só tarde neste mundo me encontrei
Não queiras tu sofrer o que eu sofri
Nem passar os martírios que passei

Bebi nas ilusões que te me davas
Um mundo de tão loucas fantasias
Que até para falar-te onde não estavas
Chegava a procurar-te onde não ias

Mas despertei a tempo, olhei em frente
E vi na minha frente uma mulher
A tal mulher a mais, onde há somente
Não o gosto de amar ou de perder

Já ontem não te vi, quando passaste
Nem hoje te falei, quanto te vi
Nem tu perdeste o tempo que ganhaste
Nem eu ganhei o tempo que perdi

Neste jogo de cintura

Letra e música de Amélia Muge
Repertório de Sandra Correia

Tu danças tão bem a salsa 
Temperas o meu coração
E eu troco as voltas ao fado 
Bem no meio do salão
Bates o pé, estremece 
O chão da minha paixão
E num voar compassado 
Meus olhos em salsa estão

Vai a minha voz roçando 
O teu pescoço aprumado
Vão-se os teus olhos chegando 
E mais me enredo no fado
Neste jogo de cintura 
Nem sei bem quem mais s’espanta
Fica a salsa insegura 
Porque do fado se encanta

E bate o fado enrolado 
Num jeito desconhecido
Já nem sei se canto a salsa 
Se canto o fado corrido
Passas por mim e um gesto 
Fica parado no ar
Eu já desmancho o meu fado 
Prá salsa poder dançar

Tu danças tão bem a salsa 
Temperas meu coração
E eu troco as voltas ao fado 
Bem no meio do salão
A salsa que há nos teus olhos 
Quem me dera acompanhar
Até já nos falta o chão 
Onde nós vamos parar

O céu, o mar, a terra

José Gonçalez / Raul Pereira *fado zé grande*
Repertório de José Gonçalez

O meu amor diz que partiu pró mar
Que tem um novo amor lá numa ilha
Eu sei que com o tempo há-de voltar
Não há amor assim em qualquer ilha

Meu amor diz que foi com as gaivotas
Conquistar um novo amor nos altos céus
Eu sei que não vai dar lá muitas voltas
Não há amor assim lá pelos céus

O meu amor diz que partiu prá serra
Que tem um novo amor feito d' ar puro
Não se vai demorar muito lá na serra
Não pode haver assim amor tão puro

O meu amor chegou de madrugada
Entrou fechou a porta de mansinho
Fingi que não ouvi, não disse nada
Encostou-se e abraçou-me com carinho

O meu amor diz que acordou feliz
Que não há amor assim cá sobre a terra
Sabe lá o meu amor o que é que diz
Qualquer dia volta ao mar, ao céu, à serra;
O meu amor diz que diz o que não diz
Sabe lá se está no céuu, no mar, na terra

Não sei meu amor, não sei

Tiago Torres da Silva / Frederico de Brito *fado dos sonhos
Repertório de Beatriz da Conceição
Copiado do livro do poeta editado pela
Academia da Guitarra e do Fado

Não sei, meu amor, não sei
Se os poemas que cantei
Algum dia foram escritos
Ao cantar cada palavra
Parecia que a inventava
Na tragédia dos meus gritos

Cantei poetas ausentes
Cantei os versos das gentes 
Dos bairros de tradição
Desde Alfama à Madragoa
A minha voz foi Lisboa 
À procura de um pregão

As palavras dos poetas
Feitas de emoções secretas
Têm de ser reveladas
E só mesmo quem as sofre
É que pode abrir o cofre 
Onde elas foram guardadas

Por isso é que eu te repito
Gostaria de as ter escrito 
Mas sabendo que as cantei
A minha alma inquieta
Também se sente poeta 
Não sei, meu amor, não sei

Se dum tiro nasce a flor

João Fezas Vital / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Hélder Cruz

Se m’esperam e me condenam
A ser eu, para além de mim
Como querem que entre grades
Amarrado a saudades
Mais do que eu, eu seja assim

Se do tempo que me resta
É só uma a primavera
Como ter as mãos em festa
Sem as encostar à testa
E ao suor de quem eu era?

Se dum tiro nasce a flor
Que a estar assim me condena
Então, nem seiva nem cor
E nem ódio e nem amor
Nem desgosto e só pena

Um estranho silêncio

Jorge Rosa / Popular *fado corrido*
Repertório de Eurico Pavia

Um estranho silêncio mora
Na minh’alma de poeta
Nenhuma musa indiscreta
Me vem visitar agora

Tive uma, mandei-a embora 
Esqueci-me dos meus versos
Andam no vento, dispersos 
Perdi-os, deitei-os fora

Mal que partiste, partiu 
A força do meu talento
Que a força do desalento 
Os meus olhos destruiu

Mal me deixaste, deixou-me 
O mundo de inspiração
O mel do meu coração 
Azedou-se e azedou-me

Nenhuma musa indiscreta 
Me vem visitar agora
Um estranho silêncio mora 
Na minh’alma de poeta

Regresso

Mário Rainho / João Maria dos Anjos
Repertório de Artur Lobo

Depois de tanta distância
Regressei à minha infância
Ao meu berço de menino
Trouxe o fado que cantei
Nos lugares aonde andei
A cantar, qual peregrino

Ao Porto do meu regresso
Rimo um verso e outro verso 
Na alegria de chegar
A minha voz embargada
P'la comoção da chegada 
Vai cantando a soluçar

Por isso, minha cidade
Meu granito de saudade 
De pontes beijando o céu
Agora que regressei
P'lo fado que te cantei 
Jamais te direi adeus

Fogo imenso

Artur Lobo / Amadeu Ramim *fado zeca*
Repertório de Artur Lobo

O fogo, intenso fogo que me aflora
De chamas crepitantes, colossais
É a prova de te ver a toda a hora
E a realidade de te não ver mais

A ânsia desmedida paira em mim
Fazendo ver-te aqui e em qualquer lado
Pois vou ficando louco e quando assim
Por louco ser por ti, canto este fado

Maldita seja a chama que ‘inda arde
Maldito fogo que ‘inda me devora
Quero ver se esqueço  logo à tarde
Sabendo estares comigo a toda a hora

Perguntas

Leonel Neves / Reinaldo Varela *fado meia-noite*
Repertório de Fernanda Maria

Perguntei à vida, um dia
Se queria o meu coração
Por maldade ou ironia
A vida disse que não

À guitarra preguntei 
Se o fado me queria a mim
Por desgraça agora sei 
Que o fado disse que sim

Perguntei, na despedida 
Se querias a minha mão
Fiquei de mão estendida 
Nem sequer dizes que não

E pergunto a toda a gente 
Se há no mundo gratidão
Nem ao menos alguém mente 
Toda a gente diz que não

Hei-de perguntar à morte 
Se esta desgraça tem fim
Dessa vez terei mais sorte 
A morte dirá que sim

Fado esquecido

Tiago Torres da Silva / José Marques *fado triplicado*
Repertório de Carlos Guedes de Amorim
Copiado do livro de poesia de TTS

Sempre fui muito esquecido
Mas duvido que um marido
Tenha de saber de cor
Todos os números e datas
Que tu tratas como exatas
Pra eu me sentir pior

Já disse que não me lembro
Se em novembro ou em dezembro 
É o teu aniversário
Se por vezes perco o Norte
Já tens sorte que eu me importe 
Que tu sejas sagitário

Nem telefones nem moradas
Nem tiradas decoradas 
Para fazer sensação
Pões-me a vida do avesso
Se eu me esqueço qual o preço 
Do anel que tens na mão

Quando às vezes te chateias
E receias que as ideias 
Me estejam a baralhar
Na esp’rança vã que eu me renda
Dás-me por prenda uma agenda 
Que eu jamais irei usar

Mas se o teu olhar me lança
Uma esp’rança na vingança 
Que se deve servir fria
Digo-te amor, na verdade
Que a saudade também há-de 
Vir a esquecer-nos um dia