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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.350' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Mestre Daniel Gouveia

Tributo de José Fernandes Castro

Meu mestre, meu professor 
Defensor divulgador
Deste amor enraizado
A sua sabedoria 
Indicia que a magia 
É a mestria do fado

Todo o seu conhecimento 
Reflete o empenhamento 
De quem dá tudo o que tem
Tanto compõe como escreve 
E o dom também lhe serve
Pra provar que canta bem

Na sua voz musicada
Cada palavra é levada
Ao espaço do prazer
Canta quase como fala
E se fala, o mundo cala
Para ouvir e aprender

Meu mestre, bíblia-lição 
Coração-religião
Arte-paixão que dá brado
Feliz de quem o escuta
Com batuta ou sem batuta
A reger o nosso fado

O fado na academia

Daniel Gouveia / Luís Penedo *fado alcainça*
Repertório de Daniel Gouveia

Chamo-me Fado, meus senhores
Sou devotado aos meus valores
Cantar é lei 
Que eu adotei como brasão
Moro num beco, ainda visto
À papo-seco e não resisto
A um bom tinto
Quando sinto inspiração

Bem me consola uma guitarra
Uma viola dá-me garra
Enche-me o peito
De tal jeito que arrepia
Com o meu trinar
De alma a sorrir
Faço chorar e, a seguir
Qualquer tormento 
Ou desalento se alivia

Já tenho idade 
Mas sou moço de à-vontade
Quer na alta sociedade
Quer na tasca mais ruim
Sou bem tratado 
Por poetas, por cantores
Pessoas como os senhores
Que é que querem... sou assim

Na companhia 
Do Seixas e do Penedo
Do Chico e Raul Semedo
Sou amado, sou feliz
E há o Coutinho
O Louro e mais companheiros
Sem esquecer "Os Feiticeiros"
Desde o Mestre ao Aprendiz

E, de Coimbra
Todo o grupo das saudades
Da Sé Velha, Faculdades
Capas negras, o Choupal
Com o Segismundo
O Pracana, o João Machado
E vós todos a meu lado
Faço vibrar Portugal

Não morrerei enquanto a meta
Que marquei pró lisboeta for estilar 
Como a Severa bem sabia
Contem comigo pró futuro
E aqui vos digo: estou seguro 
Não há perigo; até já tenho Academia

Paixão

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Mariza

Há um caminho inseguro
Uma espécie de muro 
Um degrau sobre os dois
Uma energia constante
Um rodopio de amante 
À espera de ser dois

Uma carta que se atrasa
O cigarro, a brasa 
E a cinza no chão
Um desvendar de segredo
E a mão quase a medo 
A pegar-te na mão

Como é que eu hei-de 
Apagar esta paixão
Como é que eu hei-de 
Apagar esta paixão

Há um passado um presente
Gravado na mente 
Cismado na dor
Um arrepio disfarçado
Um olhar-te de lado 
E um medo do amor

A palavra que se nega
O recuo a entrega 
A balançar em mim
Uma reta que se curva
Um olhar que se turva 
E um medo do fim

Um verso que se conjuga
Um verbo e a fuga 
Por dentro de mim
Vou pôr minhas mãos no fogo
Arriscando no jogo 
E dizer-te que sim

Um verso que se conjuga
Um verbo e a fuga 
Por dentro de mim
Vou pôr as minhas mãos no fogo
Arriscar-me no jogo 
E dizer-te que sim

Corrido dos botões

Diogo Clemente / Popular *fado corrido*
Repertório de Sara Correia 

De saudades fala a gente
Tantas vezes sem razão
Saudades só quem as sente
É que sabe o que elas são

Cada noite aqui te vejo 
Junto da minha janela
Somos o vento e a vela 
De um barco que não desejo
Trazes mentiras e um beijo 
Na boca de quem não sente
Não me iludo por quem mente 
Digo eu, prós meus botões
E a fugir das ilusões
De saudades fala a gente

Hoje sol, ontem luar 
Ora luz, ora sol posto
És como as tardes de agosto 
Vão e vêm devagar
Eu acabo por esperar 
Entre nós e a solidão
Não há tempo nem razão 
Quando às tuas mãos perdida
Esqueço as horas e a vida
Tantas vezes sem razão

Fica o silêncio profundo 
Das horas em que não estás
Mas tu chegando, és capaz 
De me levar num segundo
Tendo-te, amor, por meu mundo 
Tenho o mundo à minha frente
Falam da vida da gente 
E a quem ouve são verdades
Só não falem de saudades
Saudades, só quem as sente

Depois de tanto esperar 
Entre sinais e segredos
Malfeito fora se os medos 
Não ocupassem lugar
E ainda que o teu olhar 
Siga as pedrinhas do chão
Eu dei-te o meu coração 
E aqui me tens p’lo que for
Só quem tem penas d’amor
É que sabe o que elas são

Lava a camisa com jeito

Mote de Vítor Lourenço / Glosa de Daniel Gouveia / João Maria dos Anjos
Repertório de Daniel Gouveia 

Lava a camisa com jeito
Não lhe dês algum rasgão
Que está fraquinha no peito
Do bater do coração
                                      
O rio e tu, rapariga 
Fazem um par a preceito
Com sabão e uma cantiga 
Lava a camisa com jeito

Mas tem cautela, catraia 
Que andam silvas pelo chão
Arregaça a tua saia 
Não lhe dês algum rasgão

Lava a camisa e sorri 
Mas não a esfregues a eito
Que é de suspirar por ti 
Que está fraquinha no peito

Quem me dera o teu abraço 
E esta suprema ambição
Dançar contigo ao compasso 
Do bater do coração

Hoje

Diogo Clemente / José António Sabrosa 
Repertório de Sara Correia

Hoje eu peço que me entendas
Que nos valha algum amor
No adeus tudo é preciso
Não me beijes nem me prendas
Não se turve a minha dor
No teu olhar indeciso

Hoje sei dos meus caminhos
Já corri muitas moradas 
A procurar o meu nome
Nunca foram tão sozinhos
Meus olhos de tantos nadas 
Nem tão grande a minha fome

Hoje a vida é mais pesada
Escreve-me o corpo de medos 
Tatuagens de incerteza
É das mãos da madrugada
Da solidão dos teus dedos 
Que se desenha a tristeza

Hoje eu digo tudo isto
Que sigo a minha viagem 
Que o que foi já se desfez
E diria que desisto
Se houvesse em mim a coragem 
De ser sincera uma vez

Fado rezado

Mário Rainho / Raúl Ferrão *fado alcântara*
Repertório de Sónia Santos

Cruzo o meu xaile sobre o peito, em devoção
Como fosse uma oração que vou rezar
E nos cadilhos, nervosos dedos enleio
Apenas pelo receio de me enganar

De não saber de cor, este fado-reza
Porque a alma me represa, mas com decoro
Atiro a voz, para aos céus poder chegar
Para Deus me ouvir cantar
Quase num choro

Este fado que choro a cantar
Tem o seu altar e um sacrário antigo
Num lugar onde almas dispersas
Abaixam conversas p’ra rezar comigo
Fecho os olhos e saio de mim
E esta fé sem fim a voz me conquista
É assim, por virtude, ou pecado
Que faço do fado oração fadista

Quase que queria pôr meu xaile nos cabelos
Como um véu e com desvelos orar meu fado
E que esses versos fossem contas dum rosário
A guitarra, um relicário abençoado

Deus me perdoe de lhe esmolar um perdão
De atrever uma oração desta maneira
Mas a cantar sinto melhor o que digo
Creio não merecer castigo, assim Deus queira

Fora de cena

Manuela de Freitas / José Mário Branco
Repertório de Kátia Guerreiro 

Sem a sombra que projeta à hora certa
O espaço de luz em que me exponho
Sem a voz com que a noite me desperta
Insónia em que renovo cada sonho;
No espaço de luz em que me exponho

Sem os limites a que me condeno
Na busca ilimitada de infinito
Sem a grande verdade com que enceno
A única mentira em que acredito;
Na busca ilimitada de infinito

Sem a dor partilhada com que enfrento
A solidão que me invade e desagrega
Sem essa perdição que é o momento
Da impune violência da entrega;
Na solidão que me invade e desagrega

Dispersa por sentidos sem razão
Minha alma é um fantasma adormecido
E o corpo, repousado à exaustão
Disperso, por razões, perde o sentido

Distante

Hélder Moutinho / Paulo Valentim
Repertório de Kátia Guerreiro

Porque não oiço no ar a tua voz
Entre brumas e segredos escondidos
Descubro no silêncio entre nós
Mil versos de mil cantos esquecidos

Porque não vejo no azul escuro da noite
Nas estrelas, esse brilho que é o teu
Procuro a madrugada que me acoite
Num poema que não escrevo, mas é meu

Olha o vento que se estende no caminho
E ensaia a tua ânsia de voar
És gaivota que só chega a fazer ninho
Quando o tempo te dá tempo para amar

Mas também se perde o tempo que se tem
P’ra gastar só quando chega a primavera
Veste um fato de saudade, amor, e vem
Que é inverno mas eu estou à tua espera

Dia não

Manuela de Freitas / Pedro de Castro
Repertório de Kátia Guerreiro

Acordei, era domingo 
Saltei da cama contente
Nas torneiras nem um pingo 
Nem nas tomadas corrente
Quis fugir à barulheira 
Do vizinho co'as mudanças
Na escada, a minha porteira 
Deu-me um postal das finanças
Dia não é dia não

Tentei comer sossegada 
Na tasca da minha rua
A carne vinha queimada 
A batata vinha crua
Depois fui ao “Corte Inglês” 
Para assistir à sessão
Era um filme japonês 
Legendado em alemão

Passeando à beira rio 
Apeteceu-me ouvir fado
Fui à “tasca do vadio” 
O Chico tinha faltado
Era tal a ganideira 
Quis fugir mas ao pagar
Dei por falta da carteira 
Inda tive de cantar
Dia não é dia não

Saí com um grão na asa 
Uma nódoa no casaco
Perdi as chaves de casa 
Acabou-se-me o tabaco
Deitando contas à vida 
Comecei a andar a pé
Atravessei distraída 
Fui para a São José
Dia não é dia não

Por ter uma mão dorida 
Fiquei três horas na bicha
E quando fui atendida 
Houve um engano na ficha
Acordei na enfermaria 
E alguém disse com voz terna
Correu bem a cirurgia 
Engessámos-lhe uma perna
Dia não é dia não

Em descanso finalmente 
Pensei, ao ver-me em pijama
Ele há dias em que a gente 
Não deve sair da cama
Dia não é dia não

Horas de chorar

Artur Ribeiro / Miguel Ramos *fado margaridas*
Repertório de Maria Valejo

Guitarra, fica muda neste instante
Hoje não quero ouvir o teu trinar
Guitarra não me peças que te cante
Respeita minhas horas de chorar

Guitarra, por favor, pára um momento
São horas de chorar, chorar apenas
E esta noite é tal o meu tormento
Que nem tu alivias minhas penas

Guitarra, não me causes mais saudade
Não me tragas maistristeza, por favor
Não quebres o silêncio que me invade
São horas de chorar p'lo meu amor

Sou a casa

Diogo Clemente / Joaquim Campos *fado alexandrino*
Repertório de Sara Correia 

Se quanto mais te aperto, menos te sinto aqui
Se quanto mais te aparto, és dono dos meus dias
Que sábio ou Deus incerto, no inverno em que te vi
Fez por querer deixar-te às minhas mãos vazias

Chegaste-me em segredo com tudo p’ra me dar
Levaste por conquista a minha solidão
Meu bem, não tenhas medo de quereres em mim morar
Sou a casa, não insistas fugir da minha mão

É que nem vivo eu e minto às leis da vida
Nem tu fazes morada por quereres viver de luas
O amor que hoje se deu é meia despedida
É meio fim da estrada, meias saudades tuas

E agora contas feitas, meu amor diz-me onde vais
Ou então não digas nada que as dores hão-de bastar
Deixa-as cair desfeitas, são dores, nada de mais
Que ao fim da madrugada eu sei hás-de voltar

Na volta

Manuela de Freitas / Casimiro Ramos *fado freira*
Repertório de Kátia Guerreiro

Ouvi dizer que és feliz
Que pelo mal que eu te fiz
Até queres agradecer-me
Porque outra te veio salvar
Fazendo-te acreditar
Que só ganhaste em perder-me

Mas tu sabes e eu sei
Que tudo o que eu não te dei 
Há-de p’ra sempre faltar-te
E aquilo que não me deste
Foi o melhor que perdeste 
E que ninguém pode dar-te

Vais sendo feliz assim 
Não com outra, mas sem mim 
Como se fosse um castigo
Em que afinal te confrontas
Com o acerto de contas 
Que fazes sempre comigo

No fim de mais essa história
Conta co'a minha memória 
Na volta, posso ajudar-te
Ainda não me esqueci
Como dar cabo de ti 
Para vir outra salvar-te

Aqui

João Mário Veiga / José Marques *fado rigoroso*
Repertório de Kátia Guerreiro 

Aqui neste jardim onde me sento
Ar fresco, onde respiro a madrugada
Às vezes, vez em quando, sopra o vento
Mas de ti o que resta é quase nada

A sombra não engana a solidão
Fui eu que t’escolhi neste lugar
E escondo do meu próprio coração
A vontade sem fim de te encontrar

Aqui neste jardim onde me sento
Nem água mata a sede dos desejos
Mas lava dentro em mim o desalento
Saudades infinitos dos teus beijos

As flores estão desertas de saudade
Cansadas, como eu, de estar aqui
Pudesse eu conquistar a liberdade
P’ra me sentir de novo ao pé de ti

Só a distância

Flávio Gil / Alberto Costa Lima *fado dois tons*
Repertório de Carla Linhares

E de mim só a distância
Sem tristeza nem revolta
A indiferença da infância
Ao que passou e não volta

E de mim nem o desprezo 
Que aos meus ombros não desceu
E assim não sentem o peso 
Do que não aconteceu

E de mim nem a saudade 
Hás-de ter, para tua glória
Que eu não estou presa à idade 
Que tem a tua memória

E de mim, nem que eu te veja 
Hás-de sentir a inconstância
Terás tudo, de quem seja 
E de mim, só a distância

Agora o tempo

Letra e música de Diogo Clemente
Repertório de Sara Correia

Agora já não sei o que escrever
Perdi tantas palavras no caminho
Lá fora há mais um dia p’ra nascer
E eu só quero anoitecer sózinho

Agora o fumo antigo do cigarro
É pouco p’ra calar a solidão
A vida é um corpo triste a que me agarro
E quer viver aqui na minha mão

Agora o tempo pesa-me a alma
E aos poucos deixa marcas no meu peito
Escreve o teu nome a sangue e suor;
Perdi o tempo, perdi a calma
Se o sol se pôs, a noite que me guarde
É dela que hás-de vir, oh meu amor
Eu espero-te na noite, meu amor 

Agora nada tem a mesma cor
Passou o gosto amargo da saudade
O que era verde e luz sabe-me a dor
Levou o farol, escondeu-me a liberdade

Agora arrumo as coisas pela casa
E a alma é dentro dela, um corpo nu
Falta-me o par que é par da minha asa
Falta-me o meu amor, faltas-me tu

Fado Pessoa

José Fanha / José Pedro Blanc *fado blanc*
Repertório de Kátia Guerreiro

Às vezes sou quem não sou
Basta o sopro de uma aragem
Que me leva onde não vou
Quando parto de viagem

Vivo a vida d’outras vidas 
Que nunca me hão-de habitar
Em paixões desconhecidas 
Vou ao fundo a mergulhar

Visto a pele de outro qualquer 
Olho o mar e num momento
Já não estou onde estiver 
Saio à rua e sigo o vento

Sem saber aonde vou 
Beijo a lua lá no céu
Entre o que sou e não sou 
Às vezes até sou eu

Minha margem sul

Letra e música de Daniel Gouveia
Repertório de Daniel Gouveia 

Da Margem Sul 
Vejo Lisboa inteirinha
Debruçando-se à beirinha
Do Tejo, seu namorado
Bairros castiços
Vejo-os todos de uma vez
E o canto mais português
Mora lá, chama-se Fado

A Margem Sul 
Também canta esta canção
Vizinha de rés-do-chão
De um rio que também é rua
Atravessada desde a Barra 
Ao Mar da Palha
P'lo vaivém de quem trabalha
Em margem que não é sua

Na Margem Sul 
Acorda mais cedo, o povo
Preparando um dia novo
Perfumado a maresia
Rompe a manhã
O cais fervilha de gente
Maré humana de enchente
Que em Lisboa se esvazia

Na Margem Sul 
Toda a gente é navegante
marujo humilde e importante
Formiga de um formigueiro
E as duas margens 
Trocam beijos sem cessar
Nas manobras de atracar
Quando chega um cacilheiro

À Margem Sul 
Também chamam “Outra Banda"
Mas p'ra quem anda e desanda
Trocando-as a toda a hora
A “Outra” é esta
Tão castiça e tão bairrista
Tão toureira, tão fadista
E nesta é que a gente mora

À Margem Sul
Regressa p'lo fim do dia
Com orgulho e alegria
Quem do trabalho faz lei
P'ra recolher 
Ao lar e à doce ilusão
De dormir na proteção
Dos braços do Cristo Rei