-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
* 7.330' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

. . .

Colo de mãe

Letra e musica de Jorge Fernando
Repertório do autor

Vou descansar meu cansaço nos teus braços
Só em ti encontro a paz de não pensar
É no teu colo de mãe que aperto os laços
Que se afrouxam num teimoso desatar

Tua voz é como um vento que segreda
Quando em meus cabelos passas tua mão
Só assim não troco a alma pela pedra
Em que a vida transformou meu coração

Porque não paraste tu a minha idade
Porque não paraste o tempo que a sustém
Dava tudo pela minha ingenuidade
Pela inocência da criança a olhar a mãe

A cor dos olhos que gosto

Alexandre Fontes / António Severino
Repertório de António Severino

A cor dos olhos que eu gosto
Estão comigo dia a dia;
São os mais lindos aposto
Nunca me dão um desgosto
Deles só tenho alegria

Eles são a minha luz 
Encanto dos olhos meus
O seu olhar me seduz 
São também a minha cruz
Que me foi dada por Deus

Todos os dias eu beijo 
Seus olhos com fé sentida
Outros assim eu não vejo 
De vê-los sinto desejo
Juntos de mim toda a vida

Tão brilhantes tão formosos 
Têm p’ra mim raro brilho
Esses olhos misteriosos 
Tão belos e amorosos
São os olhos dos meus filhos

Esquina do céu

Tiago Torres da Silva / Alfredo Duarte *fado laranjeira*
Repertório de Linda Leonardo

Não sei se andei na lota
Não sei se senti frio
Mas sei que fui gaivota 
Voando sobre o rio
Gaivota que insinua
No céu que existe em mim
A sombra de uma rua 
Que nunca mais tem fim

O meu coração voa 
Sem conhecer a rota
Que lhe traçou Lisboa 
No voo de gaivota
Deus queira eu não me esqueça 
Que o céu tem uma esquina
Onde quem vai depressa
Não vê a própria sina

Quem não acreditar
Que a sua alma voa
Não deve procurar
Os beijos de Lisboa
Um beijo ressuscita
Um beijo também mata
Quem finge que acredita 
Que o Tejo é todo em prata

Uma bala percorre 
Um triste entardecer
Mas Lisboa não morre 
Sem antes me dizer
Por teres sido gaivota 
Talvez um dia eu faça
Um céu que abrace a rota 
Da dor que me trespassa

Noutro tempo

Linhares Barbosa / Alberto Simões Lopes *fado dois tons*
Repertório de Maria do Espírito Santo

Noutro tempo, eu não sabia
Para mal dos meus pecados
Que o fado da Mouraria
Era afinal rei dos fados

Pegava e picava toiros 
Tinha uma amante, a guitarra
Nascera nos bairros moiros 
Na desordem, na algazarra

O fado da Mouraria  
Esse velho lindo fado
Era o pão de cada dia 
Dos fadistas do passado

Esta estrofe faz parte da letra mas não foi gravada
Toda uma noite de moina 
Até ao romper da alva
Ora chapéu, ora boina 
Ora trajo à marialva

Quase perfeito

Linda Leonardo / Popular *fado menor*
Repertório de Linda Leonardo

E tudo ficou diferente
Diferente, quase perfeito
Os meus olhos se sorriem
E há um jardim no meu peito

Meu cavaleiro, de onde vens? 
Do mar, da terra, ou do céu?
Que não me esqueço do beijo 
Que a tua boca me deu

Desertos por onde andei 
De tão escura claridade
Talvez porque do teu corpo 
O meu sentia saudade

E tudo ficou diferente 
Já nem sei viver sem ti
Meu amante, meu amor
Do teu beijo renasci

Agora sou primavera 
Florida em tela pintada
Sou aquele pássaro azul 
No alto da madrugada

Sou latina

José Luis Gordo / Ada de Castro
Repertório de Ada de Castro

Gosto muito de cantar 
Meus fados na romaria
Pôr toda a gente a sentir 
Tristezas e alegria

E nas feiras desta terra
Entre o pó e a algazarra
Ouvir o lindo tocar 
Do cavaquinho ou guitarra

Sou latina
Trago no sangue, nas veias
Esta terra portuguesa 
E o fado desde menina
Sou latina
Sinto da mesma maneira

O pregão de uma varina
E o palavrão da ribeira
Sou latina
Mulher de raça e de brio

Que traz no peito a saudade 
Que traz nos olhos o rio

De vinho tinto de sede
Beber três ou quatro copos
Pôr os corações em festa 
Na embriaguês dos corpos

Gosto do sol a brilhar 
Nessas tardes soalheiras
Que veste brilho ao olhar 
Das moças lindas solteiras

Olá puto reguila

Rui Manuel / Vital D’Assunção
Repertório de Chico Madureira

Puto reguila do sorriso tão travesso
Que enches de vida  c
ada rua da cidade
Lisboa é tua, e cada dia é o começo
Dessa aventura e
m que o tempo ganha idade

Puto reguila do cabelo em desalinho
Que roubas fruta n
o mercado da Ribeira
Se tu pudesses, roubavas também carinho
Que repartias pela malta mais porreira

Puto reguila que és gaivota e cacilheiro
Irmão do vento, irmão da chuva
Irmão do Tejo, dão-te uma esmola a muito custo
E o dinheiro não mata a fome, mata apenas o desejo

Puto reguila, andorinha sem beiral
A flor da vida c
om se enfeita o Rossio
Tens como cama, a tua raiva e um jornal
De letras mortas q
ue não dão calor ao frio

Puto reguila da coragem transparente
Quanta porrada t
ens no teu corpo franzino
Cresces depressa, tão depressa e de repente
Mora um adulto no teu rosto de menino

Morrer-me devagar

Jorge Fernando / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Jorge Fernando


Cruza-se o olhar e cai o céu
Na esfera circundante, do olhar
Sem distinguir o meu olhar do teu
Recuso nossos olhos descruzar

E as mãos, que do meu corpo se distinguem
Apenas p’la suave cor da tez
Pedem aos meus dedos que se vinguem
No deslumbre e no risco da avidez

Assim, eu me harmonizo no confronto
Das ancas, num intenso compassar
E quando meu amor me sentir pronto
Dentro em ti, vou morrer-me devagar

Pois é

Jorge Fernando e Sam The Kid / Jorge Fernando
Repertório de Jorge Fernando e Sam The Kid


Pois é, a vida está uma…

Pois é

Tenho a mão vazia dentro do meu bolso
Que está tão vazio como a minha mão
Aperto o vazio tanto quanto posso
Nesta encruzilhada, que vida de cão

Este é o fado da classe atarefada 
Que passa o dia inteiro com a massa 
E o cimento no braço a pensar:
Como é que eu faço 
Para sair deste escasso vencimento
Ou caio no esquecimento 
Num curto espaço de tempo
E se eu protestasse ao meu presidente
O que me vai no pensamento
Talvez ele não gostasse
Ah pois é, não és o desempregado

Não és o pregado de sempre 
Que tá sempre apertado
Para mim qualquer coisa é bem-vinda 
Ao meu agregado
Fico agradecido mas 
Nem sempre bulo com agrado
Aquilo que eu oiço 
É sempre igual em todo o lado
Que a culpa é do Estado que tem estado 
Num estado bastardo
Chega ao Domingo vou pró estádio 
P’ra estar com o Mário
É aí que eu me vingo 
Para afastar-me do obstáculo diário
O Mário é o meu puto
Tem sete anos e grande cenário
Respeita-me muito e já sabe 
Que eu sou um mercenário
Tê-lo por perto um dia 
É só um segundo bem breve
Porque eu liberto euforia 
Até que a segunda me leve
Mas como tenho teimosia 
Estou a pensar fazer greve
No bolso tenho a mão vazia
O patrão ainda me deve

Todo o santo dia enchem-me a cabeça
Velhas frases feitas, manipulação
Falam de milagre e à espera que aconteça

Vamos desvivendo, que vida de cão

Num sonambulismo telecomandado
Cumprimos os dias em resignação
Não há luz no túnel é o nosso fado
Presos por uma trela, que vida de cão

Tou preso por uma trela
Vivo uma vida de cão
Minha rotina é uma cela 
Que cancela uma ambição
Que me revolta e indigna
Mas dá-me resignação
Só oiço velhas frases feitas
E a manipulação
Que se alivia à noite 
Quando eu ligo a televisão

Passam-se as promessas p
or nunca cumpridas
Enganosas frases dão por explicação
Na vida sou um número entre tantas vidas
Resta-me ser digno como é o cão

Pois é, a vida está uma… pois é
Tou preso por uma trela
Vivo uma vida de cão
Pois é, a vida está uma… pois é
Vivo uma vida de cão
Vivo uma vida de cão

Tempo de gaivotas

Humberto Sotto Mayor / Marino de Freitas
Repertório de Linda Leonardo

Como vai longe aquele tempo das gaivotas
Como vai longe aquele mar que nos unia
Como trilhámos novas ruas, novas rotas
Como ganhámos esta vã melancolia

Como vai longe a nostalgia dessa tarde
Como vai longe o pôr-do-sol daquele outono
Como é eterno o nosso fogo que não arde
E como é de hoje esse sossego, este abandono

Como está perto esta lonjura, esta distãncia
Tua presença de não estares ao pé de mim
E como é louca a tua ausência, a nossa infãncia
O nosso lago, o nosso banco de jardim

Como vai longe este querer de não te querer
Como anda perto desta boca o desalento
Ai cmo dói esta saudade de te ver
E como é longo de passar este momento

Lisboa noite triste

Jorge Fernando e Jean Claude Acquaviva / Jorge Fernando
Repertório de Jorge Fernando

Chegam ventos, mares, águas de Maio
Projecta-se o sol sem regras d’ouro
Ai Lisboa

A noite triste ilumina o teu ar moiro
Régio Paço, o Tejo assiste
Lua cheia, mau agoiro

Vintere, nuli e nebbie torna
Vicinu à u timone aspitta in darnu

Ai Lisboa a noite triste
Da retta à a mio ghitara
A storia hei n cio chi resiste
Quandu sbirba a vita amara

Chegam ventos, nuvens, nevoeiros
De esperas inúteis junto a barra
Ai Lisboa

A noite triste solta os trinos da guitarra
História é tudo o que resiste
Quando o tempo solta a amarra

Mistério do fado

Carlos Baleia / Marino de Freitas
Repertório de Linda Leonardo


Há um mistério qualquer
Que ninguém sabe entender
Á tua volta, Lisboa
Um segredo de mulher
Que nunca diz o quer
Silêncio que se perdoa

Talvez saudades de amante
Que assim te põem distante 
E calam a tua dor
Ou talvez a cada instante
Num silêncio provocante 
Recordes noites de amor

Depois do sol se deitar
Quando a lua já brilhar
Com a guitarra a teu lado
A tua voz, ó cidade
Num mistério de saudade 
Confessar-se-á num fado

Um cigarro e um beijo

Maria Nelson / Jorge Fontes
Repertório de Saudade dos Santos

Pedi-te um dia um cigarro
Acedeste ao meu desejo
E tu num gesto bizarro
Em troca pediste um beijo

Com esta troca afinal 
Que fizemos a brincar
O bolo não era igual 
E tu ficaste a ganhar

Fumei-o por brincadeira 
Achaste graça e sorriste
Puxaste da cigarreira 
E outro beijo me pediste

Mas a culpa foi só minha 
Beijar por coisa tão pouca
Não sei o que o beijo tinha 
Que queimou a minha boca

Desse cigarro queimado 
Um grande amor resultou
Mas em tipo o meu pecado 
Do beijo nada ficou

Vocês são todos iguais 
No amor e nos desejos
E eu jurei p’ra nunca mais 
Trocar cigarros por beijos

Se eu lhe disser o teu nome

Tiago Torres da Silva / José António Sabrosa *fado pintadinho*
Repertório de Linda Leonardo


Fui queixar-me a uma guitarra
Do meu coração cativo
No instante em que se agarra
A incerteza em que vivo

E eras tu que me faltavas / E eras tu que me dizias
Que o lugar por onde andavas / Era escuro e nada vias

Veio a saudade, abraçou-me / Mas depois fugiu depressa
Se eu lhe disser o teu nome / Ele nunca mais regressa

E era eu que te esperava / E era eu que te sabia
Nos fados que alguém cantava / Entendendo o que eu sofria

Depois o fado encontrou-me / E disse quase em segredo
Se lhe disser o teu nome / Ele há-de voltar mais cedo

Fado da triste stripper

Jorge Fernando / Alfredo Duarte *fado versículo*
Repertório de Jorge Fernando

Unhas grandes e de vermelho pintadas
Um cigarro sem ter filtro, a esfumar
Na TV duas crianças raptadas
E o inspetor, que nada tem a declarar

O seu peito arredondado, quase emerge
À revelia da blusa, que o acolhe
O decote sinuoso não protege
O herege recurvar para quem o olha

Há baton a mais naqueles lábios ternos
Que na chávena de café, ficam marcados
Os joelhos que se cruzam, são infernos
Para quem espera ainda vê-los descruzados

Em Belgrado estão os pais, num prédio antigo
Manda cartas de saudade e algum dinheiro
Está a aprender o português com um amigo
A Dolores, que é um travesti brasileiro

Faz do strip, a sua arte e o seu brilhar
Ao desejo dos olhares mostra desdém
Despe a roupa, hábil jogo de encantar
Dá-se a todos, mas não dá a ninguém

Entre o rímel e as sombras sobre as celhas
Nos seus olhos há um luto e, certamente
Suas formas hão-de um dia estar mais velhas
Quando a vida for despindo cruelmente

Escrevo o teu nome

Carlos Baleia / Marino de Freitas
Repertório de Linda Leonardo

Escrevi teu nome na areia
E juntei-lhe um coração
Veio um mar de mará cheia
Levou-os em turbilhão

Ao longe, a onda rolando 
Envolvida no teu nome
E um coração deslizando 
Na loucura que o consome

Na espuma, há sinais de ti 
Em vez de virem saudades
E em meus braços que estendi 
Só agarrei tempestades

Nesta praia onde me estendo 
Do coração já me esqueço
Mas vou teu nome escrevendo 
À espera do teu regresso

Alucinação

Jorge Fernando / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Jorge Fernando

Redobrado som, que me vagueia
Vozes que ouço, sem querer ouvir
Será que é a loucura que passeia
À espera de por fim me possuir

Põem-me no ser imagens vivas
Intuídas dentro em mim tenho de as ver
E as noites cada vez me são mais esquivas
Nas margens de um temido enlouquecer

Num ecrã de formas e de cores
Às vezes preto e branco inusitado
Desfilam o futuro e seus temores
Sem que eu esteja a dormir ou acordado

Depois tudo se apaga no meu ser
Tudo em mim se cala pouco a pouco
Só perdura a dor de não saber

Se estou a enlouquecer ou já estou louco

Cara a cara

Tiago Torres da Silva / Carlos Gonçalves
Repertório de Linda Leonardo


Não sei se o meu coração
Se fartou da condição 
De bater só por bater
Se um segundo é uma hora
Desde que te foste embora
E eu não te voltei a ver

Oiço barulho na rua
Quando a saudade insinua 
Que te tirei da cabeça
E és tu quem por lá anda
De olhos na minha varanda 
À espera que eu apareça

O tempo pára 
E ficamos cara a cara
Como alguém que se prepara
Para matar ou morrer
Mas a verdade
É que vejo a eternidade
A desfazer a saudade
Que tu me deste a beber

Passam dias, passam meses
Com sorrisos muitas vezes 
Mas com lágrimas também
O tempo vem de mansinho
E ao ver-me faz-me um carinho 
Sorri, mas não se detém

Quando já nem penso em ti
E julgo que já esqueci 
O calor dos teus abraços
Por um acaso ou por sina
Vou a dobrar uma esquina 
E tropeço nos teus passos

À flor da pele

Letra e musica de Jorge Fernando
Repertório do autor


Entreabro lentamente, o que mais escondo
Que o negro à flor da pele, é flor da vida
Presumo que me queres e me vais pondo
À mercê de uns tremores, a pele despida

Que misteriosa dor me vem ao ser
Dos confins de mim, p’ra me tomar
Que faz que esta ansiedade dê prazer
E eu não pare do teu corpo procurar

As nossas bocas cegam p’ra não ver
Por onde se passeiam endoidadas
E as mãos tremendo num ávido querer
Acariciam as formas despertadas

E quando dentro em mim, longe me tocas
Num fundo precipício além da mente
Reduzo-me a um suspiro ao som das bocas
P’ra me voltar a ser tão lentamente

A nossa guerra

Letra e musica de Jorge Fernando
Repertório do autor

Roça-me a saudade aquém de mim
Como nuvens rasas sobre a terra
E a minha alma triste olha por fim
Fizemos deste amor a nossa guerra

Não há paz nos nossos corações
Nem sinais de tréguas sobre a cama
Nenhum cede ao outro e as razões
São velas gastas quase já sem chama

Sei que este meu pranto há-de secar
Que as lágrimas por mim serão esquecidas
E que a minha alma um dia há-de se dar
A quem fizer da sua as nossas vidas

Dou-me ao meu cansaço, roda-me no peito
Um soluço intenso que não sai
Falta-me o teu braço, onde eu fiz meu leito
E a saudade imensa se vai

Estranha vontade

João Monge / João Gil
Repertório de Ana Sofia Varela

Negro é o meu vestido
Tem da noite o seu encanto
Faz reelçar o sentido
Do sentimento contido
Nas outras cores que canto

O fado não é razão
Que dê o saber aos sábios
É como a respiração
Nasce ao pé do coração
E morre á porta dos lábios

Onde mora esta ansiedade
Que domina a minha voz
Deve morrer na saudade
Ou então é a vontade
De alguém maior do que nós

Lamento sem abrigo

Letra e musica de Jorge Fernando
Repertório do autor


Quando a noite promete l
ançar-me 
Na senda do frio
Quando a chuva se atreve no rosto 
Gelado e cansado
E a névoa da montra reflete 
Meu olhar vazio
Porque a olho e não vejo senão 
O rosto do pecado

Quando a calça molhada p'la água 
Que o vento me atira
E o corpo reclama a atenção 
Que o pensamento nega
É que eu sinto que às vezes 
A alma de mim se retira
E suspensa só espera um sinal 
Para a última entrega

Quando o asfalto molhado recusa 
O descanso breve
E o cansaço me toma nos braços 
Das sombras que assomem
A criança que fui volta a mim
E os sonhos que teve
São a voz do menino que pede
Não queiras ser homem

Quando a angústia gastar o meu tempo 
E a minha coragem
De não querer nem sequer resistir 
Ao caminho traçado
Não há chuva, nem vento, nem frio 
Que me impeça a viagem
E eu serei apenas a lembrança 
De um triste pecado

Fado barco

Letra e musica de Fernando Tordo
Repertório de Linda Leonardo

Se navego nas águas de nova viagem
Sinto o vento a empurrar-me para o que não sei;
Leio cartas e mapas que ensinam a aragem
Que nas velas desenha a imagem
Do amor que aprendi e te dei;
Sinto o vento a levar-me para o que já sei

Quanto mais longe vou neste barco do tempo
É maior esta esperança se houver temporal;
Quero ganhar às ondas vencendo o lamento
Contra a dor e até contra o vento
Vou por mar sem me lembrar do mal;
É maior esta esperança quando há temporal

As vidas são marés
E as marés são luas
Que iluminam ou tudo escurecem 
Em volta de nós
Bem mais longe as estrelas
São sinais que nos guiam
E nos pedem p’ra sermos na terra 
A sua própria voz

Sendo a vida este barco que agora vos canto
Sendo o canto esta vida de rumos e velas;
Sendo o vento o destino que eu própria levanto
É no fado que encontro o encanto
Das futuras palavras mais belas

A palavra é um barco com rumos e velas
Este fado é um barco com rumos e velas
A palavra é um fado com rumos e velas

Feliz saudade

João Monge / João Gil
Repertório de Ana Sofia Varela 


Nunca dissemos adeus
Mas já toda a gente sabe
Por muito amor que se jure
Não há mal que sempre dure 
Nem bem que nunca se acabe

Nunca dissemos adeus 
Nem trocámos direções
Mas desde a primeira hora
Cada um sabe que mora 
Dentro de dois corações 

A terra tem tanto mar
E o mar tem tantos destinos
Ainda te quero encontrar 


É feliz esta saudade 
Não me dói nem arrepia
Amor e recordação
Brilham sempre aonde vão 
São a nossa estrela guia

Nunca dissemos adeus 
Era uma jura dos dois
Em qualquer esquina da vida
Na hora da despedida 
Dizemos *até depois*

Cantiga do charnequeiro

João Dias / Estevão José Machado *fado sem pernas*
Repertório de Rodrigo


Sou maltês e charnequeiro
Não tenho nada de meu
Trago um cão por companheiro
Que é tão pobre como eu

Respiro o sabor do mato 
E a restolhada das lebres
Tenho corpo de falcato 
P’ra galgar pedras e sebes

Procuro de monte em monte 
Castigos de magra jorna
Mato a sede em qualquer fonte 
Da água que o céu entorna

A foice que trago ao ombro 
Não é p’ra matar ninguém
Não há sombra nem assombro 
Quando um homem nada tem

Durmo no chão da campina 
Um alforge por travesseiro
É assim a minha sina 
De maltês e charnequeiro

Dia da perdição

João Monge / João Gil
Repertório de Ana Sofia Varela

No dia em que eu me perdi 
Nas vielas de outro olhar
Confesso que sofri 
Com medo de me encontrar
Ter o coração partido 
E não ser capaz
Pensei em ti, pensei em ti
E perdida olhei para trás

No dia em que eu me perdi 
De nós, nesta cidade
Confesso que encontrei 
A morada da saudade
Ela dormia a meu lado~
No mesmo andar
Chamei por ti, chamei por ti
Mas tu estavas noutro lugar

Quem não se perdeu
Que atire uma flor
Foi Deus que nos deu
As vielas do amor

No dia em que eu me encontrei 
A sós com a paixão
Foi só em ti que pensei
Na tua mão
Onde um coração partido 
Tanto batera
Chorei por ti, chorei por ti
E tu estavas em casa à minha espera

Poesia é oração

Maria Manuel Cid / Alberto Correia *fado solene*
Repertório de Rodrigo

Se morrer e não souberes
Rezar por minha intenção
Diz teus versos se quiseres
Que poesia é oração

Se não queres, ó minha querida 
Porque não tens a certeza
Pinta aguarelas de vida 
A pintar também se reza

Ou canta, canta na hora
Em que a voz é dor e pranto
Mesmo sendo pecadora 
Deus há-de ouvir o teu canto

Mas na guitarra a trinar 
Meu amor, podes enfim
Em cada nota rezar 
Um padre-nosso por mim

Quatro caminhos

Amélia Muge / Diogo Clemente
Repertório de Ana Laíns

Quatro caminhos abertos
P’ra prever qualquer viagem
Virada p’rós quatro pontos
Dos cardeais das aragens

Quatro caminhos perdidos
Quem sabe até se existiram
Estão no rasto de outros passos
Que deles não se serviram

Quatro caminhos á espera 
Do tempo que os vem trazer
Dois foram dados á vida 
E outros dois ao morrer;
Quatro caminhos traçados 
Aqui na palma da mão
Preveem vidas e mortes
Dias sim e dias não

Quatro caminhos roubados
P’los ladrões que andam nos sonhos
Figuras, monstros, fantasmas
Que nos perseguem, medonhos

Quatro caminhos arados
Pelos terrenos do peito
Depois de tanta canseira
Nasceu um amor perfeito

Direito de sonhar

Rosa Lobato Faria / Paco Bandeira
Repertório de Luísa Basto

É velho, é pobre, é louco 
Anda a sonhar co'a lotaria
Conhece bem a solidão e foi por pouco 
Que não esqueceu a alegria

Tem fome, tem frio, tem fé 
Que a vida ainda lhe sorria
Aquece mais a sua manta de jornais 
Do que a noite que é tão fria

Mas quando acertar no totoloto
Vai tornar cada garoto um rei
Não haverá mais bairros da lata
Porque ele é quem vai fazer a lei


Vai reconquistar e
ssa mulher 
Que o desprezou
Vão recuperar o tempo que passou
Passado a inventar aquele eterno amor

Vai mandar erguer um casarão
P’ra cada velho, cada irmão, morar
Vai organizar uma excursão,
P'rá criançada conhecer o mar

Não deseja mais 
Que dividir, que partilhar
Mas hoje apenas tem direito de sonhar
E fome e frio e ruas para andar... pois é


É velho, é pobre, é santo 
Anda a sonhar co'a lotaria
Conhece bem toda a tristeza 
E no entanto 
Não desistiu da alegria

Tem fome, tem frio, tem fé 
Que a vida ainda lhe sorria
Aquece mais a sua malga de café 
Do que a noite que é tão fria

Mas quando acertar no totoloto

Vai tornar cada garoto um rei
Não haverá mais bairros da lata

Porque ele é quem vai fazer a lei

Vai mudar o mundo 
Porque vai curar as dores
Vai mudar o pranto, a vida dará flores
E riso, e paraíso, e paz, e sol, e cores


Anda amanhã a roda... 
Meus senhores

Lua de todos

João Monge / João Gil
Repertório de Ana Sofia Varela


Quem vai esperar por mim, um dia
Quando as ribeiras são a foz
E o cavalo renuncia

Verdes horas, verdes águas
Ó lua de todos nós

Quem vai levar este barquinho 
A dar à praia derradeira
Onde a noite faz o ninho 
Verde névoa, verde véu
Lança de ponta certeira

Quem leva o toiro que caiu 
E lava a praça de manhã
As papoilas pelo estio 
Verde espada, verde rosa
Verde sangue de romã

Batem as cinco horas da tarde 
Lua brava se eu puder
Dou-te o peito á descoberta 
Verde sonho, verdes asas
O peito de uma mulher

Quando parto

*partida*
João Ferreira Rosa / Pedro Rodrigues 
Repertório de Isabel de Oliveira 

Quando parto é p’ra chegar 
Mais junto a ti meu amor
Parto p’ra não te deixar
E sabendo que ao voltar 
Parte a saudade e a dor 

Na partida vou sabendo 
Que nunca nos afastamos 
Vou cantando e vou sofrendo 
Mas muito melhor vou vendo 
Que ao longe mais perto estamos 

Não sei chorar á partida 
Que em nós está sempre chegando 
Não se parte tendo vida 
E enquanto em mim for sentida
Não posso partir chorando

Não conheço o meu destino

Alexandre Fontes / Fontes Rocha
Repertório de Artur Batalha

Não conheço a felicidade
Que anda perdida no vento
Conheço bem a saudade
Que não me deixa um momento

Não conheço madrugadas 
Mais medonhas do que as minhas
Conheço vidas erradas 
Voando como andorinhas

Não conheço o desespero 
Da paixão que é herdada
Conheço gente que é zero 
Vivendo sempre do nada

Não conheço meu destino 
Eu não sei pra onde vou
Neste mundo em desatino 
Eu nem sequer sei quem sou

Quase um anjo

João Monge / João Gil
Repertório de Ana Sofia Varela


Sei que já foste gaivota 
És tão antiga a voar
Sabes da ilha remota 
Que só se encontra no mar

Leva-me ave do destino
Faz de mim o teu poente
Tu que és quase, quase um anjo
Faz-me perto de ser gente

Sei que já foste gaivota 
Candeia de um pescador
Amante de caravela 
Aquele voo incolor

És um anjo sem andor 
À procura de uma estrela
Quase nada, quase dor 
Quase vão de uma janela

Sei que já foste gaivota 
Sei de cor por onde andaste
Sei de cor todos os mapas 
Do coração que traçaste

Fado fracasso

Linhares Barbosa / Alfredo Marceneiro *fado menor-versículo* 
Repertório de Berta Cardoso 

Quando há bocado me viste / reparaste 
Que eu trazia um ar cansado / um ar doente 
Eu ando cansada e triste / e arrependida 
De ter andado a teu lado / ultimamente 

Jurei aos pés do altar / piedosamente 
E jurei a uma Virgem / de olhos doces 
Em sempre te acompanhar / como uma sombra 
Fosses tu ao fim do mundo / aonde fosses 

Mas um dia, um dia veio / um dia não 
Reparei que o teu amor / era aparente 
E fiquei abandonada / desprezada 
Porque tu sem reparar / seguiste em frente 

Eu cansei de ser sombra / de ser crente 
E por isso tu me viste / com cansaço 
Arrastando tristemente / e arrependida 
A falência do meu sonho / o meu fracasso

Fado vadio, má fama

João Monge / João Gil
Repertório de Ana Sofia Varela


Já andei pelos telhados
Para me vingar do céu
Abri feridas na lua
Mas de todos os pecados
Aquele que me prendeu
Foi demorar a ser tua

Fui de viela em viela
Bebi a água da chuva 
Dormi onde me acolhiam
Tive casas sem janela
Mais de mil vezes viúva 
Dos amores que me morriam

Já marquei homens dos tais
Roguei pragas a quem passa 
Ganhei fama de vadia
Como os gatos dos quintais
Fui caçadora e fui caça 
Mas só queria companhia

Fado de um dia só

João Monge / João Gil
Repertório de Ana Sofia Varela


Ainda faço tudo com uma pitada de sal
Ainda não perdi a minha mão
Ás vezes ponho a mesa como era habitual
E janto com a minha solidão

Ainda passo meia hora ao espelho, de manhã
Ainda pinto os lábios de carmim
Ás vezes traço ao peito o meu xaile de avelã
Era assim que tu gostavas de mim

Eu sei que estás... aonde eu estou
Eu sei estás... sempre onde eu vou
Eu sei que estás.. aonde eu vou
Eu sei estás... sempre onde eu vou

Ás vezes ainda leio as notícias em voz alta
Para sentir a tua companhia
Mas quando o amor acaba eu só sinto a tua falta
A esperança que tinha a tua alegria

Ás vezes ainda desço a avenida atá á foz
Ao canto dos pardais ao escurecer
Casais de namorados só me recordam de nós
Só tu me dás vontade de viver

Fado da idanha

Ricardo Borges de Sousa
Repertório de Maria Teresa de Noronha

Quem me dera que voltasse

O doce tempo de além
Sentada junto à lareira
A ouvir cantar minha mãe

Ó tempo, tempo ditoso 
Da vida eterno sorriso
Que ternas em paraíso 
Um mundo tão enganoso;
Quando à minha mãe, choroso 
Após um beijo na face
Lhe pedia que cantasse 
Uma trova de bonança
Esse tempo de criança
Quem me dera que voltasse

Tempos que não voltam mais 
Da nossa infância ridente
Em que eu vivia contente 
Correndo atrás dos pardais;
Das paredes dos casais 
Que a nossa aldeia contém
Branquinhas como a cecém 
Mudas como a gratidão
E recordam com paixão
O doce tempo de além

Instante

João Rios / Joaquim Campos *fado amora*
Repertório de Eliana Castro

Alma minha se demora
Neste meu corpo, resiste
Na negra língua do fado
Só o instante me assiste

E é voz pesando esperas 
Na luz ténue mais vadia
Que esgarça as quimeras 
No corrido nó da poesia

Tinta madre que sustenta 
Chão de mãos esfomeadas
Que só no canto acalenta 
O solo das vagas alteradas

Se digo lamento, é manto
Dissonante da felicidade
Assalto de ave o espanto 
Quero desnuda a saudade

Desengano

Mário Piçarra /José Marques *fado triplicado*
Repertório de Maria Teresa de Noronha

E adorei-te e acreditei

No bem que eu ambicionei
Dum amor sinceridade;
As tuas promessas puras
E o calor das duas juras
Tinham a luz da verdade

Mas um dia te esqueceste
De tudo o que me disseste 
Em confissões tão ardentes
Iludiste duas vidas
Com mil palavras fingidas 
Que não sentiste nem sentes

Ao contemplar o passado
Como um golpe já fechado 
Que ainda sinto doer
Vejo em teus falsos carinhos
Que as rosas têm espinhos 
E também fazem sofrer

Fado da boa sina

Rui Machado / António Chainho
Repertório de Teresa Salgueiro

Guardei duas palavras que escondi no coração
Nas linhas cruzadas da palma da minha mão
Ambas prosseguem cada qual com o seu tino
E só por instantes as reúne o seu destino

É quando enlaço os dedos em sinal de oração
E a Deus me confesso ignorando a razão
Sorte ou desventura elas são como sinais
E sendo bem diferentes aparecem como iguais

Filhas do mistério que em mim tenho gravado
Traçam o caminho das linhas do meu fado
E como a água que percorre a corrente
Ambas são futuro passado e presente

Uma é o sonho que nos cega de ansiedade
Arde como o lume e comanda a vontade
A outra é segredo que ignoro e não pergunto
Se no fado há lei só Deus sabe desse assunto

Fado em mim guardado

Tó Maria Vinhas / Joaquim Pimentel
Repertório de Joana Veiga

Este fado que eu canto 
Tem segredos de ternura
Traz carinhos leva amor 
Tem saudades á mistura

Eu canto só para ti 
Este fado minha canção
Vive aqui dentro de mim 
Mora no meu coração

Quem me dera ter garganta
P’ra cantá-lo a qualquer hora
Vou prendê-lo á minha voz
Para que nunca vá embora
Não acaba a melodia
Quando o refrão terminar
Porque aqui neste meu peito
Este fado eu vou guardar

Canto apenas por amor 
É por ti que hoje eu canto
Pois és tu que sinto em mim 
Quando a minha voz levanto

Não há outro fado assim 
Porque amor só temos um
E enquanto amor houver 
Eu não quero mais nenhum

Ironia

Armando Neves / Alfredo Marceneiro *fado louco*
Repertório de Alfredo Marceneiro 

Na vida de uma mulher
Por muito séria que a tomem
Há sempre um homem qualquer
Trocado por qualquer homem

O homem com dor sentida 
Ou com sentido prazer
Deixa pedaços de vida 
Na vida de uma mulher

Embora terna e amante 
Jurando amar um só homem
A mulher não é constante 
Por muito séria que a tomem

Tanto vale a mulher bela 
Como a mais feia mulher
Perdido de amor por ela 
Há sempre um homem qualquer

E por mais amor profundo 
Por mais juras que se somem
Há sempre um homem no mundo 
Trocado por qualquer homem

Alma do norte

Claudia Madur / Armando Machado *fado marana*
Repertório de Claudia Madur


Descalço os meus pés nesta Ribeira
Cansados de percorrer pela cidade
Avisto ao de longe uma peixeira
Apregoando o seu peixe com vaidade

Vagueio p’la calçada até á Foz
E descubro lá ao fundo um brilho d’ouro
Distraida com as varinas a uma voz
Reconheço o meu rio, o Rio Douro

Cidade de luz e tradição
Que segredos tu escondes nas colinas
Tal como em noites de São João
Fazes tuas travessuras p’las esquinas

Tens a força nos pregões e na tua gente
Tens a alma do do norte em teu corpo
Acredita nesta voz que não te mente
És a cidade que eu amo.... és o meu Porto

No Porto também há fado

Fernando Campos de Castro / Victor Cardoso
Repertório de Natércia Maria

No Porto também há Fado
Quando a noite se avizinha
E a cidade nos parece
Que é mais triste e mais sozinha

Quando o silêncio descansa
Com ternura a nosso lado
No Porto também se canta
No Porto também há Fado

Quando há sombra nas vielas
E se acendem as janelas 
Num beco mal afamado
Quando os amantes se beijam 
E dois corpos se desejam 
No Porto também há Fado

No Porto também há Fado
Quando a dor a nós se agarra 
Quando alguém amargurado
Veste a voz de uma guitarra

Quando vens para meu lado
Enquanto dorme a cidade
No Porto também há Fado
Com sabor a liberdade

Fado do Ary

Fernando Campos de Castro / Victor Cardoso
Repertório de Natércia Maria

Fizeste de Lisboa amiga e tua amante
A mãe donde nasceste magoado
Sonhaste um céu sem fim, ali do Alecrim
A rua onde brincaste com teu fado

No ventre das colinas fizeste a tua cama
Bebeste a noite em taças de desejo
Amaste nas esquinas da tua velha Alfama
Os corpos que se vendem por um beijo

Ary das noites loucas
Que deste às nossas bocas
O fado mais bonito que se fez
Poeta d’alegria
Que deste à poesia
A voz de todo o povo português

Olhaste do castelo o corpo de Lisboa
Por quem te encontravas e perdias
Fizeste da Ribeira a tua companheira
Em cada madrugada que sentias

Nas ruas de basalto correndo para o Tejo
Cantaste-nos ao verso esta cidade
Até que adormeceste na casa onde viveste
Ali na velha rua da saudade

Cantigas

José Régio / Raúl Ferrão *fado carriche*
Repertório de Eliana Castro


Ser poeta é achar deleite
Nas suas próprias feridas
Ai dos seios que dão leite
A bocas tão iludidas

Que o filho lhe mal pagava 
Queixou-se-me certa mãe
Nem a vida lhes chegava 
Se os filhos pagassem bem

Quem tem um filho apartado 
Sofre com dois corações
Um, tem-no em si bem fechado 
Outro, lá longe aos baldões

Se me lembro de morrer 
Certa voz me apazigua
Ouço a minha mãe dizer 
Essa vida não é tua

Cria uma mãe, seu menino 
Cresceu... seguiu novos trilhos
E é para esse destino 
Que as mães dão asas aos filhos

Minha mãe, se eu te perder 
Farei de branco o meu luto
Que é santa toda a mulher 
Que dá poetas por fruto

Rasga o passado

Letra e musica de: Alvaro Duarte Simões
Repertório de Amália


Tu fizeste
Do meu viver um sonho agreste
E a minha mocidade
P'la tua maldade em troca eu te dei
Querias mais
Mais que o corpo e a alma
Mais que a paz e a calma
Que em ti nunca encontrei


Dia a dia
Em vez do amor, a nostalgia
E ao fim de tantos anos
Queres mais desenganos 
De novo a meu lado
Não posso esquecer
Que é já tarde demais p’ra te querer
Como carta que rasgas sem ler
Rasga o passado

O passado 
Não deve nunca ser guardado
Quer em cada momento
Se viva um lamento ou um sorriso fugaz
Pois mais tarde
Numa carta esquecida
Encontrámos a vida
Que já ficou p’ra trás

É diferente
O sol feito de luz ardente
Do mesmo sol poente
Que arrasta consigo um dia acabado
Já basta saber
Que há em nós a saudade a doer
Se afinal recordar é sofrer
Rasga o passado

Minha madrugada

José Guimarães / Resende Dias
Repertório de Arlindo de Oliveira


Foi na madrugada que um sonho encontrei
Foi na madrugada que um sonho perdi
Nas horas passadas no amor que inventei
Palavras caladas guardei para ti

Foi na madrugada á luz já velada
Que vi nos teus olhos não sei não sei quê
Nem beijos trocados, nem mãos encontradas
Desejo sentido que a gente não vê

Nos silêncios vagos momentos vividos
São tudo e são nada, são raiva e loucura
Segredos guardados, sossegos perdidos
Tudo é madrugada, tudo é noite escura

Espero que o dia enfim amanheça
Transforme o desejo em realidade
Que a minha alegria enfim apareça
E eu prenda num beijo a nossa verdade

No teu poema

Letra e música de José Luís Tinoco
Repertório de Carlos do Carmo


No teu poema
Existe um verso em branco e sem medida
Um corpo que respira, um céu aberto
Janela debruçada para a vida

No teu poema
Existe a dor calada lá no fundo
O passo da coragem em casa escura
E aberta, uma varanda para o mundo

Existe a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da Senhora da Agonia e o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria


Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte

No teu poema

Existe o grito e o eco da metralha
A dor que sei de cor mas não recito
E os sonos inquietos de quem falha

No teu poema
Existe um cantochão alentejano
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano

Existe um rio
O canto em vozes juntas, vozes certas
Canção de uma só letra 
E um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas


Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta 
De quem cai ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte

No teu poema
Existe a esperança acesa atrás do muro
Existe tudo o mais que ainda me escapa
E um verso em branco à espera de futuro

Fado dos fados

Leonel Neves / António Mestre
Repertório de Amália Rodrigues

Aquele amor derradeiro
Madito e abençoado
Pago a sangue e a dinheiro
Já não é amor, é fado

Quando o ciúme é tão forte 
Que ao próprio bem desejado
Só tem ódio ou dá a morte
Já não é ciúme, é fado 

Canto da nossa tristeza 
Choro da nossa alegria
Praga que é quase uma reza 
Loucura que é poesia
Um sentimento que passa 
A ser eterno cuidado
É razão duma desgraça 
E assim tem de ser, é fado

Um remorso de quem sente
Que se voltasse ao passado
Pecaria novamente
Já não é remorso, é fado

E esta saudade de agora
Não de algum bem acabado
Mas as saudades de outrora
Já não é saudade, é fado

Sou miúda

Luís Ribeiro / João Fernandes
Repertório de Hermínia Silva

Nasci nos dias pequenos
E quando alguém me saúda
Ao ver-me assim desta raça
Diz sempre em ar de chalaça:
Lá vai ali a miúda

Sou miúda, mas que importa 
Ai, não me rala o ser franzina
Gosto até da sorte minha 
Que a mulher mais a sardinha
Só se quer da pequenina

E se Deus me fez assim 
Tornou-me mulher benquista
Deu-me esta voz para cantar 
Deu-me um coração para amar
E deu-me alma de fadista

Por isso, vivo contente 
Sou como os outros mortais
Sou pequena, mas em suma 
Não dou a palma a nenhuma
Chego onde chegam as mais

Fado excursionista

Ary dos Santos / José Mário Branco e José Afonso
Repertório de Carlos do Carmo


Anda depressa ó Elvirinha 
Já chegou a camioneta
Pega na cesta e vem asinha 
Vamos é pôr-nos na alheta

O pão-de-ló não dispenso 
Nem o arroz de cabidela
Não há quem faça um farnel tão bom
Não há mulher como ela
Vem passear Elvirinha, vem 
Tens um lugar á janela

Portugal que eu desconheço 
Em permanente excursão
No caminho em que tropeço 
É que eu meço a solidão

Solidão de andar parado, ai 
Sou um motor em viagem
Será que vem? Será que vem? 
É só questão de embraiagem

Anda Elvirinha, anda meu bem 
Segura na melancia
Se não te importas traz-me também 
O arroz doce da tia

Não te esqueças da mantinha 
Nem do banco desdobrável
Traz Elvirinha, traz a sombrinha
Que o campo é descapotável
Ai Elvirinha, traz a sombrinha 
Que o tempo está variável

Portugal que eu desconheço 
Em permanente excursão
No caminho em que tropeço 
É que eu meço a solidão

Anda Elvirinha p’ra camioneta 
Já vejo a nossa comadre
E mais a outra da roupa preta 
Que é irmã do senhor padre

Temos bela companhia 
Que excursão tão porreirinha
Mas o que é isto? a tua tia? 
Não disseste que não vinha?
Se for com ela estraga-se o dia 
Volta p’ra casa Elvirinha
Não vou á bola com a tua tia 
Ficas em casa Elvirinha
Ficas comigo Elvirinha 
Vamos p’ra casa Elvirinha
Ai que domingo, Elvirinha