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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.330' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Fado falado

Aníbal Nazaré / Nélson de Barros / António Barbosa

Fado triste… 
Fado negro das vielas
Onde a noite quando passa 
Leva mais tempo a passar
Ouve-se a voz
Voz inspirada duma raça
Que mundo em fora nos levou 
P’lo azul do mar
Se o fado se canta e chora
Também se pode falar

Mãos doloridas na guitarra 
Que desgarra dor bizarra
Mãos insofridas, mãos plangentes
Mãos frementes, impacientes
Mãos desoladas e sombrias
Desgraçadas, doentias
Onde há traição, ciúme e morte
E um coração a bater forte

Uma história bem singela;
Bairro antigo, uma viela
Um marinheiro gingão
E a Emília cigarreira
Que ainda tinha mais virtude 
Que a própria Rosa Maria
No dia de procissão 
Da Senhora da Saúde

Os beijos que ele lhe dava
Trazia-os ele de longe
Trazia-os ele do mar
Eram bravios e salgados
E ao regressar à tardinha
O mulherio tagarela 
De todo o bairro de Alfama
Cochichava em segredinhos
Que os sapatos dele e dela 
Dormiam muito juntinhos 
Debaixo da mesma cama

P’la janela da Emília entrava a lua
E a guitarra à esquina duma rua 
Gemia, dolente a soluçar

E lá em casa:
Mãos amorosas na guitarra 
Que desgarra a dor bizarra
Mãos frementes de desejo
Impacientes como um beijo
Mãos de fado, de pecado
A guitarra a afagar
Como um corpo de mulher 
Para o despir e para o beijar

Mas um dia:
Mas um dia santo Deus
Ele não veio
Ela espera olhando a lua
Meu Deus, que sofrer aquele
O luar bate nas casas
O luar bate na rua
Mas não marca
Mas não marca a sombra dele

Procurou-o como doida 
E ao voltar duma esquina
Viu-o a ele acompanhado
Com outra ao lado de braço dado
Gingão, feliz, rufião
Um ar fadista e bizarro
Um cravo atrás da orelha
E preso à boca vermelha 
O que resta dum cigarro

Lume e cinza na viela
Ela vê, que homem aquele
O lume no peito dela
A cinza no olhar dele

E então:
E o ciúme chegou como lume
Queimou o seu peito a sangrar
Foi como vento que veio 
Labareda atear 
A fogueira aumentar
Foi a visão infernal
A imagem do mal 
Que no bairro surgiu
Foi o amor que jurou
Que jurou e mentiu

Correm em vertigem num grito
Direito ao maldito 
Que a há-de perder
Puxa a navalha, canalha
Não há quem te valha
Tu tens que morrer
Há alarido na viela
Que mulher aquela
Que paixão a sua
E cai um corpo sangrando 
Nas pedras da rua

Mãos carinhosas, generosas
Que não conhecem o rancor
Mãos que o fado compreendem 
E entendem sua dor
Mãos que não mentem 
Quando sentem
Outras mãos para acarinhar
Mãos que brigam, que castigam
Mas que sabem perdoar

E pouco a pouco 
O amor regressou
Como lume queimou 
Essas bocas febris
Foi um amor que voltou 
E a desgraça tocou 
Para ser mais feliz
Foi uma luz renascida
Um sonho, uma vida 
De novo a surgir
Foi um amor que voltou
Que voltou a sorrir

Há gargalhadas no ar 
E o sol a vibrar 
Tem gritos de cor
Há alegria na viela 
E em cada janela 
Renasce uma flor
Veio o perdão e depois 
Felizes os dois 
Lá vão lado a lado
E digam lá se pode ou não 
Falar-se o fado

Guitarra coração

Mário Rainho / Pedro Lima
Repertório de Joana Baeta / David Ventura

Lisboa já devia estar na cama
Mas vejo-a a esta hora ‘inda acordada
Porque uma voz na alma a reclama
Pra se perder d’amores na madrugada

É a voz dum coração que, acelerado,
Teimosamente, ao fado ainda se agarra
Ao último suspiro arrancado
Do velho coração duma guitarra

Guitarra, coração
Duma velhinha idade
As tuas cordas são
As veias da cidade
Se a mágoa no teu peito
É gemido que magoa
Choram os bairros a eito
Guitarra, coração desta Lisboa

Já se levanta o sol, meio ensonado
Quando a casa regressa, da noitada
Esta Lisboa qu’ainda cheira a fado
Um fado que lhe serve de almofada


Sossega o coração, mas não a chama
Até que o sono à alma lhe apareça
Dá voltas e mais voltas sobre a cama
Com o estribilho dum fado na cabeça

Umas quadras de saudade

Fernando Peres / Jaime Santos
Repertório de Maria Amélia Proença

Há quem julgue ser verdade
Que a saudade faz morrer
Eu vivo de ter saudade
E morro se a não tiver

A saudade é na verdade 
O mal que sabe tão bem
Que às vezes sinto vontade 
De ter saudade de alguém

O fado que a noite dá 
É ter saudade sem querer
Um sonho que chegue e vá 
Na saudade que vier

Querer à vida é querer mais tempo 
Mais tempo a vida não faz
Saudade é tempo de tempo 
Da saudade que me dás

Última carta

José Galhardo / Acácio Gomes *fado bizarro*
Repertório de Francisco José

Em primeiro lugar que estejas bem
É todo o meu desejo e quanto a mim
Cá sofro o teu desprezo, o teu desdém
Mas não te quero mal por seres assim

Eu não merecia mais, fui um louco
Tão louco que cheguei a acreditar
Nos falsos madrigais da tua boca
No venenoso brilho desse olhar

E nunca mais insistas em pedir
As cartas que escreveste e não sentiste
Quero aprender com elas a mentir
Tal como tu com elas me mentiste

Maria da Madragoa

Domingos da Silva / Manuel Fernandes
Repertório de Manuel Fernandes

Maria da Madragoa 
Olhos azuis cor do mar
Não há em toda a Lisboa 
Mais fresco e bonito olhar

Tuas gargalhadas francas 
Contém uma graça infinda
E o quebrar das tuas ancas 
Mais graça te dão ainda

Maria, Maria, gaivota que voa
Nas ruas garridas da linda Lisboa
Escuta p’ra teu bem, donzela
Minha boneca engraçada;
Cautela, não dês ouvidos a quem
Fala muito e não diz nada

Vive a vida sem lamentos 
Maria de olhos azuis
Apregoa aos quatro ventos 
Toda a graça que possuis

Resistes em ironia 
À maldade da desgraça
Não queiras perder, Maria 
A graça da tua graça

Coração, se já morreste

José Luís Gordo / Direitos reservados
Repertório de Maria de Fé

Porque o olho quando o vejo
Porque o vejo sem olhar
Porque longe dos meus olhos
Andam os seus a lembrar

Mas se não amo, nem posso 
Que pode então isto ser
Coração, se já morreste 
Porque te sinto bater
E desconfio que vives
Sem tu nem eu o saber

Porque, tímida lhe falo 
E dantes não era assim
Porque mal a voz lhe escuto 
Não sei o que sinto em mim

Porque estremeço contente 
Quando ele me estende a mão
Mas se às outras faz o mesmo 
Porque é que não gosto então
Deveras que não me entendo
Não te entendo, coração

A Oliveira

Frederico de Brito / Miguel Ramos *fado oliveira*
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Sentei-me à sombra fagueira
Duma frondosa oliveira
Posta à beira dum caminho
Nem uma folha tremia
E no silêncio, eu ouvia-a
Murmurar muito baixinho

Foi um moço cavador
Que me pôs com todo o amor 
Neste chão abençoado
E depois de estar criada
Eu dei-lhe o cabo da enxada 
E o timão do seu arado

Quis dar-lhe a trave do lar
Dei-lhe a lenha p’ra queimar 
Dei-lhe o azeite da ceia
Dava-lhe a sombra no estio
E em noite d’inverno frio 
Dava-lhe a luz da candeia

Vi-o velhinho e cansado
Dei-lhe o nodoso cajado 
Mas, fosse lá p’lo que fosse
Farto da vida, buscou-me
Veio a meus braços, mirou-me 
E neste ramo enforcou-se

Olhei a triste oliveira
A dar-me a sombra fagueira 
Nesse dia abrasador
Estava cheiinha de fruto
Como coberta de luto 
P’la morte do cavador

Fado Francisca

Letra e música de Custódio Castelo
Repertório de Francisca Gomes                      

Foge a boca prá verdade
A quem o fado sentir
Se num verso de saudade
Saudade não existir
Sai alma p’la garganta
Saem gestos de emoção
Na voz de quem o canta
Com a voz do coração

À porta da minha história 
Ficará este meu fado
Cuja cor e a memória 
São presentes do passado

Deu-lhe a vida ser assim 
Corrente calma do rio
Tejo a correr em mim 
Por fim me acalma frio

À porta da minha história 
Ficará este meu fado
Cuja cor e a memória 
São presentes do passado
                                              
E sinto neste meu fado 
A luz divina do céu
Refletindo em meu olhar 
O fado que Deus me deu

É hora d’outro amor

Mário Rainho / José Marques *fado triplicado*
Repertório de Fernando Jorge 

Debruçada no meu canto
Por encanto ou por quebranto
A noite estranha aguarela
Desenha-me a voz num fado
Verso alado, emoldurado,
Posto em minha alma à janela

Cá fora, silêncios, gritos
Aflitos, infinitos 
De tanto amor sem pernoite
Nesta garganta um gemido
Quase perdido, sumido 
Que se estende toda noite

Não te alteres coração
Pela emoção, p'la paixão 
Que dentro em mim te represa
Como é possível gostares
De m’empurrares, obrigares 
A cantar quem me despreza

Compreendo as tuas dores
Os amores e desamores 
Mas a vida é deste jeito
Se um amor, se vai embora
Se tanto demora é hora 
De pôr, outro amor no peito

Fragata do Tio Bento

Helder do Ó / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Hélder do Ó

Fragata, rosa do rio
Ao sol, à chuva e ao frio
Sem fadiga nem canseira
Parece que estou a vê-la
Orgulhosa, de alta vela
À conquista da Ribeira

O patrão vem da lezíria
Troca palavras de gíria 
P’lo sal da vida que traz
Tem nas mãos rugas de amor
E tempera com suor 
As queixas que o rio lhe faz

Recordo-me do Tio Bento
Que em dias de pouco vento 
Que não dava p’ra zarpar
Contava histórias da lida
Que o prenderam à vida 
Com sonhos de alto mar

Meu Tejo, ficaste pobre
Sem a tua fragata nobre 
Emblema desta cidade
À Ribeira já não voltas
A vida virou-te as costas 
Deixaste em mim a saudade 

A rima desejada

José Fernandes Castro / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Maja
      
Rimei o nome que tens
Com o nome que te dei
E foi assim que gerei
Esta paixão que faz lei
Quando a meus braços não vens

Rimei teu sorriso terno 
Com a ternura que sou
Mas a saudade aumentou
E agora não sei se vou 
Aguentar este inferno

Rimei a tua beleza 
Com a minha intuição
Hoje sou desilusão
Passando de mão em mão 
Porque tenho a alma presa

Só não rimei a verdade 
Que nos separa da vida
E assim, d’alma ferida
Trago a hora da partida 
Fazendo lei na saudade

Amar assim

Mário Rainho / Raul Ferrão *fado alcântara*
Repertório de Maria Armanda

Espreguiça amor
Sobre o meu corpo, o teu corpo
Para que fique absorto o meu olhar
Quero-te assim 
Nos meus lençóis de cambraia
Como onda que desmaia na praia-mar

Seria a estrela do mar, fruto proibido
Tu, um búzio ao meu ouvido, namorador
Os teus desejos, meu amor, doçura louca
São longos beijos na boca, versos d'amor

E assim nos antecede a noite
A tarde é pernoite e preliminar
Duma lua que já se adivinha
Sei não estar sozinha
Sei que vou amar
Pela noite, até madrugada
Não quero mais nada
Que correr o perigo
De discreta, (com teu corpo) 
Apagar a lua
Quero ficar nua, sozinha contigo

Hora tardia
Que para nós não é tarde
Enquanto esta chama 
Arde de amor, paixão
Este arrepio de suor, que "desagrava"
Mas que não apaga a lava deste vulcão

Nasce a alvorada como um grito da manhã
Ainda há cores de romã em ti e em mim
Não diga o mundo que este amor não é sagrado
Que é vergonha, que é pecado, amar assim
Que é vergonha, que é pecado, amar assim

Remos partidos

Lima Brumon / Helena Moreira Viana
Repertório de  Mariette Pessanha

Enquanto me olhas sem nada dizer
Remordo as palavras que nunca te digo
Abraçam-se as ondas antes de morrer
Não posso abraçar-te, quero morrer contigo

Na minha tristeza baloiça-se o vento
E vivo a apagar meus passos na areia
Se tu me procuras a  todo o momento
Sou palha queimada, o fogo não me ateia

Quem sabe se os barcos de remos partidos
Encontram a rota
Da margem mais certa
Os ventos são sete, são cinco os sentidos
E nada resiste 
À solidão completa

Aquela gaivota que a outra encontrou
Na praia deserta com uma asa partida
Deixou suas asas, nunca mais voou
Cada vez mais triste, adia a fugida

A força do mundo puseste aos meus pés
Que tinham pisado só lama e poeira
Não sei quem procuras, mas sei bem quem és
São belas as rosas e há quem as não queira

A graça do teu andar

Hélder do Ó / Alfredo Duarte *fado louco*
Repertório de Hélder do Ó

Há um não sei quê que me apraz
Quando te vejo sozinha
Beijando as pedras que pisas
Em cada passo que dás

Tens poesia no andar 
E olhar-te não sou capaz
Há algo que não entendo 
Há um não sei quê que me apraz

Quando à minha porta passas 
Tão simples, tão ligeirinha
O teu corpo é todo graça 
Quando te vejo sozinha

Da maneira que me olhaste 
Do meu amor não precisas
Mas seguiste, não paraste 
Beijando as pedras que pisas

Mas eu vou ser persistente 
E vou-me fazer audaz
Perseguindo o teu pezinho 
Em cada passo que dás

Voz do fado

Arnaldo Ruaz / Armando Machado *fado santa luzia*
Repertório de Ana Pacheco

Sentia-o desde menina
Estava já na minha sina
E no destino marcado
Que um dia viesse a escutar
Uma estranha voz a chamar
Que seria a voz do fado

Chamou-me num leve sussurro
Porém tão doce e tão puro 
Que corri ao chamamento
Abracei-o com emoção
E arde em mim a paixão 
Desde esse terno momento

O destino também ditou
A quem se apaixonou 
P’lo fado tão loucamente
Que com alma o defendesse
E até que a voz lhe doesse 
O cantasse a toda a gente

Fado chorado

Mário Rainho / Alfredo Marceneiro
Repertório de Fernando Jorge Amaral


Eu não chorei ao nascer
Dei um grito, foi de espanto
Como estivesse a prever
Que me ia acontecer
Toda uma vida de pranto


Pranto, por dentro, chorado 
A alma queimada e o rosto
Culpa dum choro salgado
Por, na vida, ter andado 
Só de desgosto em desgosto

Queria acender alegrias 
Subi-las ao universo
Mas as minhas poesias
Cantavam, só, elegias 
Choravam em cada verso

As lágrimas desmaiavam 
Nas rimas-ondas, sem cor
E os poemas se alagavam
Por verem que me cercavam
Analfabetos de amor

Eu não chorei ao nascer 
Dei um grito, foi de espanto
Eu estou vivo, podem crer
Mas já não choro-a-valer 
Porque sequei o meu pranto

Tempo de saudade

Hélder do Ó / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Hélder do Ó

Quando o tempo não apaga
A razão do sofrimento
É melhor dar tempo ao tempo
P’ra que outro tempo nos traga

Vou dar saudade à saudade 
Para ver se ela se cansa
Que eu ainda tenho esperança 
Se sentir felicidade

Vou dar tristeza à tristeza 
P’ra que entristeça de vez
Eu já me sinto cansado 
De estar triste tanta vez

Que seja assim

Letra e música de Hélder do Ó
Repertório do autor

Que eu respire em ti o ar fresco da manhã
Que eu seja em ti a força p’ra mais um dia
Que o nosso amor seja o ventre da romã
A desfazer-se em bagas doces de alegria

Que o teu olhar seja uma doce carícia
Que o meu desejo seja sempre o teu olhar
Que a nossa vida ultrapasse a fantasia
Temos no peito uma roseira a despertar

Que o nosso beijo seja sempre uma constante
Mas que o sintamos duma forma desmedida
Que o queiramos sempre mais, porque sabemos
Que o amor é a razão da nossa vida

Ouve lá ó pá

Letra e música de Alberto Janes
Repertório de António Mourão

Ser fadista é ser poeta, ambos são
O produto do poder do sentimento
O poeta dá aos versos, coração

O fadista pôe a alma no talento

P'ra que o fado possa ter uma expressão
Não importa a fatiota do artista
Tem que haver a emoção, senão então

Quem canta está fingindo que é fadista

Ouve lá ó pá, vem cá, vê
Se entras no tom que é
P'ra seres fadista, serás aprumado
Pontapé na nota com batota
Desafinado até
Não pode ser, nem é, próprio do fado

Um fadista é um artista, é vertical
E não é um fantasista, ou coisa tal
Tem a graça da chalaça bem metida
A cantar ou a amar, pôe toda a vida

Mantém sempre com aprumo aquele rumo
Que em tempos de fidalguia foi condão
Chora se vem a desgraça e não passa
Sem dar tudo o que tem ali à mão