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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.330' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Apetece

Rosa Lobato Faria / Alcino Frazão
Repertório de Carlos Zel  

Apetece uma flor, uma janela
Um candelabro, um verso do Bilac
Um cheiro de lilases, uma estrela
Uma fuga de Bach

Apetece um licor, um vinho velho
Um chá da China, cheio de perfume
Apetece uma história de mistério
Contada ao pé do lume

Apetece uma tela em tons de roxo
Um quadro de Giotto ou de Gauguin
Uma carícia quente no pescoço
Um bago de romã

Apetece uma rima uma oração
Apetece que chova, que faça vento
E haja um veneno, um filtro, uma poção
Que embruxe na memória
O coração fugaz, deste momento

Hei-de negar-te o perdão

Óscar Martins Caro / Alfredo Duarte Marceneiro
Repertório de Maria Augusta Bessa 

Passam meses, passam anos 
E nesta viva de enganos 
Ando a viver sem vontade
Só porque muito te amei 
E agora eu já não sei 
Porque te amei na verdade

Tivemos tantos ciúmes 
Compaixão dos teus queixumes
É o que me resta de ti
Canto com voz magoada 
Choro por tudo e por nada
 E ainda te ris de mim

Anda segue o teu caminho 
Deixa-me ficar sozinha
Nesta cruel solidão
Mesmo que um dia a chorares
Peças p’ra te perdoar
Hei-de negar-te o perdão

Maldita sina maldita 
Que a pequena ciganita
Há já alguns anos me leu
Antes não tivesse lido 
E não teria sabido 
A sorte que Deus me deu

Crónica

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto 

Eram barcos e barcos que largavan
Fez-se dessa matéria a nossa vida
Marujos e soldados que embarcavam
E gente que chorava à despedida

Ficamos sempre, ou quase, ou por um triz
Correndo atrás das sombras inseguras
Sempre a sonhar com Índias e Brasis
E a descobrir as próprias desventuras

Memória avermelhada dos corais
Com sangue e sofrimento amalgamados
Se rasga escuridões e temporais
Traz-nos também nas algas enredados

E ganhou-se e perdeu-se a navegar
Por má fortuna e vento repentino
E o tempo foi passando devagar
Tão devagar nas rodas do destino

Que, ou nós nos encontramos, ou então
Ficamos uma vez mais à deriva
Neste canto que é nosso próprio chão
Sem que o canto sequer nos sobreviva

Meias verdades

António Laranjeira / Rogério Ferreira e Rodolfo Godinho
Repertório de Cláudia Leal 

Se verdades me dissessem
Seriam meias verdades
Por me perder nas saudades
Que tais verdades trouxessem;
E se de amor padecessem
As nossas fragilidades
P’ra me perder de saudades
Que outras verdades viessem

Se verdades te contassem 
Seriam sempre verdades
De tantas coisas que sabes 
De nós, tão pouco falassem;
Mas se calados ficassem 
Fosse o que menos custasse
Se só verdades contassem 
E com saudades chorasses

Se coragem não tiver 
E a minha luz se apagar
Basta de ti me lembrar 
Para de ti me esquecer;
Nada que possam dizer 
Me vai fazer recuar
A minha fé vai chegar 
O fado faz-me viver;
Se coragem não tiver 
Basta de ti me lembrar

Povo do Ribatejo

Castro Infante / Jorge Fontes
Repertório de António Mourão 

Eu vou ver o gado 
Na tarde abafada
Vou entusiasmado 
Na minha montada

Depois, à noitinha
À luz do luar
A minha guitarra 
Começa a trinar

No Ribatejo é tudo alegre
E gostar de toiros 
É a nossa febre
Esperas de gado
Gente e alegria
Com fandango e fado 
Temos companhia

Sinto a vocação 
Para ser forcado
E tenho razão 
P’ra gostar de fado

Se foi na campina 
Que eu ao mundo vim
A festa de toiros 
Foi feita p’ra mim

O sal vem da saudade

Letra e música de Cláudia Leal
Repertório da autora 

A saudade vem do sal
Vem do sal das minhas lágrimas
Que ao correr de par em par
Já sem par eu vou correndo
Nesta solidão tão triste 
Pelas ruas da tristeza
P’la calçada eu vou 
Descalça e tão triste

E eis que um dia tudo muda
E vou a passo com os teus passos
Nada mais conseguirá separar-nos
Nem o tempo da distância;
O amor resiste a tudo e à saudade

De mãos dadas com a vida
Caminhando a par e passo
Porque a vida vai andando
Já não espera mais por nós
Abraçando o mesmo fado
Damos voz ao coração
Tão cansado de cantar, chorando

E eis que um dia tudo muda
E vou a passo com os teus passos
Unidos vamos nós p’la vida fora
Renascendo a cada manhã
O meu amor por ti 
E o teu amor por mim
Mesmo que um dia tudo mude
O amor escreveu a nossa história

Não faças caso

João Monge / João Gil
Repertório de Hélder Moutinho 

Se ouvires alguém dizer que te esqueci
Não faças caso, não faças caso
Não foi por tua causa que parti
Nem por acaso, nem por acaso

Não temos passaporte para a vida
Passamos as fronteiras sempre a salto
Não há quem olhe por nós lá no alto
E só nos resta a porta de saída;
Então aquilo a que chamamos vida
É o destino tomado de assalto

Por isso:
Os rios nascem à tua procura
O sol põe-se sempre ao teu redor
Qualquer casa parece melhor
Com uma janela para a tua brancura;
E cada barco que passe, é uma jura
De amor eterno, de eterno amor

Por isso:
Não temos passaporte para a vida
Por muito que a saudade às vezes doa
Mas quando o nosso coração entoa
O fado triste de uma despedida;
Sabemos o nosso lugar na vida
E toda a parte nos lembra Lisboa

Fiquei gelada e vivi

Hélio da Costa Ferreira / Pedro Rodrigues *fado primavera*
Repertório de Florênca 

Tinhas dentro do teu peito
Andorinhas a passar
Por entre sonhos d’amor
Ganhei forças, ganhei jeito
E os sonhos da minha dor
Voltaram a lá morar

Caminhos de pedras mortas
Gemidos, mentiras tais
Tudo vivi e calei
Eram entradas sem portas
Eram gritos, eram ais
Era sangue que te dei

Na noite da minha vida
Rastejei na tua porta
Procurando entrar em ti
Calei a boca perdida
Quando julguei estar morta
Fiquei gelada e vivi

Não peço a Deus melhor sorte

Manuel de Almeida / Silva Tavares
Repertório de Manuel de Almeida 

Não peço a Deus melhor sorte
Que ouvir as minhas cantigas
Na hora da minha morte
Nos lábios das raparigas

Para justo cumprimento
Do que penso eternamente
Declaro solenemente
Que este é o meu testamento
Eu não quero um monumento;
Mas que um coval me comporte
Ao pé do lobo mais forte
Que haja no topo da serra;
Mas se for na minha terra
Não peço a Deus melhor sorte

E tu, mulher, só desejo
Que não perturbes meu sonho
Só quero o teu abandono
Dado o teu ultimo beijo;
E alegre como te vejo
Te veja sempre de sorte
Que tendo sido o meu norte
Na luta do dia a dia;
Sejas a minha alegria
Na hora da minha morte

Maria d’Alfama

Jorge Rosa / Domingos Camarinha
Repertório de António Mourão

Maria d’Alfama
Vive entre tantas Marias
Mas é quem dá os bons dias
No bairro que a viu criar
Maria d’Alfama
Anda a entontecer rapazes
Mas nem todos são capazes
De lhe dizer a brincar

Maria d’Alfama
Cabeça de vento
Perdeste a razão
Ganhaste má fama 
Nesse catavento
Que é teu coração

Eu gosto, Maria 
Dessa ventania 
Que mal te difama
Dá-me, por castigo
Que eu case contigo
Maria d’Alfama

Maria d’Alfama
Um amor de rapariga
Não vai atrás da cantiga
De quantos dizem amar
Maria d’Alfama
Tem um amor verdadeiro
Um certo rapaz trigueiro
Que não lhe diz a brincar

Destino que me foi traçado

Fernando Campos de Castro / Popular *fado menor*
Repertório de Manuel Barbosa

Eu sei que nasci pró fado
Minha mãe, que hei-de fazer
Tive o destino marcado
Que tu me deste ao nascer

Não sei, mãe, o que me prende
Na sua alegria ou dor
Só sei que o corpo se rende
Como se rende a um grande amor

É neste fado que habitam
O meu tumulto e a calma
Nele é que partem ou ficam
Os sonhos da minha alma

Minha mãe, eu sou do fado
Como sempre fui de ti
Destino que foi traçado
Desde a hora em que nasci

A chave esquecida

António José / Manuel Viegas
Repertório de Ada de Castro 

Quantas vezes já de madrugada
E cansada das horas contar
Eu ouvia os teus passos na escada
Logo corria pra te abraçar

Meus tormentos calavas com beijos
Nesse tempo ainda era tua
Mas agora tens mais uma chave
De outra porta que há na mesma rua

A minha chave 
Que tens esquecida num bolso qualquer
Vai deitar fora
Que entre as outras chaves só faz confusão
É muito fácil mudar de novo a fechadura
Nem a chave que tens 
Abre a porta do meu coração

Eu não quero perder o costume
De morar onde sempre morei
E fingir que não tive ciúme
Nas poucas vezes que os encontrei

E sorri ao ver-te embaraçado
Com surpresa também vi depois
O remorso a bailar nos teus olhos
Por vingança sorri para os dois

Anda daí

Jorge Rosa / Domingos Camarinha
Repertório de António Mourão 

Hoje apetece-me farra
Anda guitarra, p’la minha mão
Vem ouvir esta cigarra
Que eu trago no coração;
Acompanha-lhe cantigas
Anda, não digas, não digas não

Anda daí dar um giro
Cada retiro é um encanto
Cantando o fado, deliro
Deliro se o fado canto;
Que o fado triste da vida
Assim vivida, não custa tanto

Não queiras não, que se diga
Que ninguém liga ao velho fado
Anda daí minha amiga
Anda daí a meu lado;
O fado espera por nós
P’la minha voz, p’lo teu trinado

Anda daí à toa
Anda correr Lisboa
Anda daí de lado em lado
Olha que o tempo voa
A vida não perdoa
Anda daí cantar o fado

Assim é que é

José Galhardo / João Nobre
Repertório de Ada de Castro 

Oiço dizer mal do fado
Mas quem nos faz o remoque
São os pipis do Chiado
As rachas ao lado
Do twist e do rock

Deixai falar, não ligamos
Pois também nós, com razão
Do que eles gostam não vamos
Dizer que gostamos
Lá isso é que não

Dizem que o fado é maldito
Bonito, bonito, bonito não é
Que o Bairro Alto é esquisito
Bonito, bonito, bonito não é
Que ir lá comer peixe frito
Bonito, bonito, bonito não é
Mas p'ra ser fado, está escrito
E eu digo e repito
Assim é que é

Dizem que é feia a vila
É… mas que graça que tem
Os paus de roupa à janela
E as cordas com ela
E a cor num vai-vém

Dizem que é mau ser fadista
Ser Teddy-boy é que é mau
Mas o pior, salta à vista
Que é ‘star noutra lista
Ser pumba e báu báu

Hora bendita

António Mourão / Popular *fado menor*
Repertório de António Mourão 

Encontrei-te meu amor
Naquela tão linda rua
Bendita hora, bendita
Que a minha vida foi tua

Que importa que o mundo fale
Criticando com rancor
A minha vida contigo
Falando do nosso amor

Nada me pode deter
Pois o amor é profundo
Que importa que o mundo fale
Quero ouvir falar o mundo

Vivendo a minha loucura
A minha vida é a tua
Bendita hora, bendita
Que te vi naquela rua

Algum dia

Jorge Palma / Fontes Rocha *fado dos sentidos*
Repertório de Mísia 

Trazes pressa no olhar
Trazes rugas junto à lua
Promessas de não faltar
Naquela esquina da rua

És um homem perseguido 
P'lo medo que te apavora
Hora a hora mais contido 
No amor que te devora

Aprendi a amar-te assim 
És meu fado hoje e sempre
Querido à beira do fim 
Quase a tempo atentamente

E damos voltas no chão 
Até que a luz fica fria
De não em sim, de sim em não 
Hás-de ser meu algum dia

Barulho no bairro

Letra e música de Frederico de Brito
Repertório de Deolinda Maria 

A minha rua de casinhas mal caiadas
Não tem mais que três braçadas 
Que dão bem pra eu passar
A minha rua vê-se bem a cada passo
Que se envolve num só braço 
No abraço do luar

Na minha rua 
Eu conheço uma andorinha
Por sinal, minha vizinha 
E que mora um beiral
Pois tem por baixo 
Cravos rubros nas janelas
Que parecem sentinelas 
Num palácio oriental

Não há rua tão gaiteira… 
Nem tão boa
É a mais zaragateira… 
De Lisboa
Eu não sei que rua é esta
Tem festa todo o dia
Mas se há música na festa
Tem que haver pancadaria

A minha rua 
Tem seu quê de presumida
É vistosa e é garrida
É boémia e anda ao léu
Uma elegante 
Que há ali pró Bairro Alto
Com sapatos de basalto 
E estrelinhas no chapéu

A minha rua
Que eu pisei ainda criança
Foi a luz da minha esperança
A razão da minha fé
A minha rua 
Será feia, muito embora
Mas apenas quem lá mora 
É que sabe o que ela é

Noites de Alfama

Frederico de Brito / Armandinho *alexandrino antigo*
Repertório de Manuel Dias

Eu fui p’la noite fora até à velha Alfama
A própria luz da lua acompanhou meus passos
As sombras do Castelo, orgulho da Moirama
Estendiam para mim os seus enormes braços

Em baixo, o velho Tejo, um lago de ilusão
Mostrava aos seus batéis o negro carregado
A voz não sei de quem falou-me ao coração
Então, não sei porquê, pus-me a cantar o fado

Passei à velha Sé, corri Alfama inteira
E ali, de rua em rua, andei sempre a cantar
Até que fui parar à Rua da Regueira
Que à noite, as ruas são regueiras de luar

Minha pobre guitarra andava como louca
Talvez por se encontrar no bairro de mais fama
Enquanto a minha voz, assim cansada e rouca
Ia arrastando o fado ali na velha Alfama

O fado da Bia

Letra e música de Fernando Tordo
Repertório de Hélder Moutinho 

Pediram-me para cantar o fado da Bia
O fado da Bia 
É aquele que tem alma e tem corpo
O fado da Bia é um grito
Que o tempo tem deixado escrito
O fado da Bia 
É um barco que anda sem porto

Pediram-me que dissesse só a verdade
O fado da Bia 
É a voz que tem a tempestade
O fado da Bia 
É incerto, sózinho no meio do deserto
O fado da Bia 
É o querer e não querer a saudade

Pediram-me para cantar o fado da Bia
O fado da Bia é mulher
É um tudo ou nada
É filho de um poeta louco 
E de uma melodia 
Nasceu em toda a Lisboa
Era de madrugada