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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.330' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Alice no país dos matraquilhos

Letra e música de Sérgio Godinho
Repertório de Cristina Branco

Mãe fora, em que avenida
Olhos que a perseguem pagam, comem
Pai dentro, lambendo a ferida
Com que o desemprego marca um homem;
E o irmão na caserna 
Puxando às armas brilhos
E Alice no café
Habitante do país dos matraquilhos

Na classe dos repetentes
Hoje vai haver mais uma falta
Alice cerra os dentes 
Vendo a bola que no ar ressalta
Quer lá saber do exame
Quer lá saber da escola
Aguenta no arame
Matraquilho nunca cai ao ir à bola

Alice no país dos matraquilhos
É mais do que no bairro onde vive
Tem-te, não cais

Há também Leonor
Libertada da prisão há meses
Dizem que é por amor 
Que olha tanto por Alice, às vezes
Pousa-lhe a mão na cara
Protege-a de sarilhos
Alice nem repara
Viajou para o país dos matraquilhos

E o irmão na caserna
Cambaleia entre a cerveja e a passa
Tem o sargento à perna
O tal que compara a guerra à caça
Faz tempo que descobre 
Que é um matraquilho mais
Soldadinho de cobre
Matraquilho no país dos generais

Quando se cai na lama 
Ninguém pára pra nos levantar
Por Alice, o pai reclama
A tua mãe não veio p’ra jantar
E os insultos noite fora
Desfia-os em chorrilhos
Alice nunca chora
Adormece no país dos matraquilhos

E a mãe no Bar do amor 
Passa as horas na conversa mole
Espera o seu protetor
Que o seu corpo a ele enfim se cole
Não é que não recorde 
Os que deixou em casa
Mas eis que chega o Ford 
E dentro vem o seu pavão de anel na asa

Entra então no café 
Um rapaz de capacete em punho
Fica-se ali de pé
Escreve num papel um gatafunho
E a Alice vê surpresa
Frases que são rastilhos
Como vai sua alteza
Rainha do país dos matraquilhos

E tu ainda és o rei
Será que vieste em meu auxílio
A bem dizer, já não sei
Há tantos anos que ando no exílio
Vamos a um desafio, atira tu primeiro
A vida está por um fio 
Para quem é deste bairro prisioneiro

O café que ali houve 
É uma loja com ares de modernice
E nunca ninguém mais soube
A não ser a Leonor da Alice
Aqui vai, Leonor
A foto dos meus dois filhos
Se reparares melhor
Têm pinta assim, sei lá, de matraquilhos

As palavras que me dizes

Fernando Gomes dos Santos / Alfredo Duarte *menor-versículo*
Repertório de Liliana Martins 

As palavras que me dizes / dia a dia 
São no meu corpo um cinzel / que tudo corta
Suavizando as cicatrizes / por magia
Que há muito trago na pele / quase morta

São palavras tão serenas / demoradas
Que me amainam temporais / plenos de gritos
Esqueço nelas minhas penas / derramadas
Meus pecados capitais / mais que infinitos

São palavras que alimentam / de carinho
A minh’alma endurecida / em desatino
Tão ardentes que me inventam / no caminho
Sede p’ra beber a vida / e ter destino

São palavras indecentes / que me atiras
Que devolvo sem pudor / num louco arpejo
Entre carícias ardentes / tu deliras
No meu ventre feito amor / nasce desejo

Neste meu peito onde cravas / quais raízes
Carícias firmes e ternas / com fervor
Guardo todas as palavras / que me dizes 
Como dádivas eternas / de um amor

Fado dançado

Letra e música de Miguel Araújo Jorge
Repertório de Ana Moura 

Rodo a saia sempre que bem me apetece
Viro o disco se o antigo me aborrece
Bato c’o tamanco, mão na anca, e mexe
E diz que o fado não se dança, até parece

Saio desta roda se bem me apetece
Diz que o vira não mexe, ainda se aborrece
Manca que manca, mão na anca e mexe
Ai não que não dança, até parece

E se alguma lágrima me aparece
O tamanco manda, a cabeça obedece
São dois para lá para cá outro tanto
A ver se o pranto não estanca, até parece

Sempre que o meu fado nesse teu tropece
Desenrolo a teia que o destino tece
Viro a minha vida toda do avesso
A ver se o fado não se dança, até parece

A lua foi embora 
Olha a aurora a despontar
Se o fado se canta e chora 
Também se pode dançar

E se alguma voz se insurge na quermesse
Fado assim não sei o que é que me parece
Paro logo e digo alto e pára o baile
Até o xaile eu viro se me apetece

Sai da roda e roda a saia, sobe e desce
Vira o disco e diz que vira assim não mexe
Roda o xaile e baila enquanto o baile deixa
E vê se o fado não mexe, ai não não mexe

A culpa foi embora 
Saudade bem pode esperar
Se o fado se canta e chora 
Também se pode dançar

Ninguém nos faz nautragar

Paulo Espírito Santo / Valter Rolo
Repertório de Liliana Martins c/ Vânia Duarte 

Só quem navega com esperança 
Vence a borrasca do mar
Não há tormenta sem bonança
Ninguém nos faz naufragar
Temos de dar a meia volta
Pró nosso rumo mudar
Se dermos uma volta inteira
Vamos pró mesmo lugar 

Vamos esquecer Alcácer-Quibir
E acreditar que o bom está para vir
Vençamos o temor ao velho Adamastor
Que mais não faz do que iludir

Dom Sebastião não vai regressar
Toda a bruma em nós se vai dissipar
Que venha quem vier e diga o que quiser
Não nos tente é enganar 

Já vencemos pestes, e guerras brutais
Os Napoleões e outros Cabrais
Se mais desses houver, cá estamos para ver
Vitórias nunca são demai

Imortal nação que o mar conquistou
Povo que a lutar jamais se negou
É hora de avançar, o que há a recear?
Nem a fistória nos vergou…

Se não há mal que sempre dure
Não penses em desistir
Que o temporal não nos perturbe
Pois a bonança há-de vir


Por que é que pensas pequenino
Nação valente, imortal?
Vamos mudar nosso destino 
Vamos cumprir Portugal

A saudade e ela

Carlos Conde / António Barbeirinho *fado porto*
Repertório de Raúl Pereira 

Ando cansado, ando farto
Da saudade que me abrasa
E me impõe duro castigo
Hoje fechei-a no quarto
Sai cedinho de casa
E trouxe a chave comigo

Deixei-a junto ao retrato
Da mulher que eu adorei 
Como se adora uma estrela
Sai, não fiz desacato
Cheguei à rua, chorei 
E voltei p'ra junto dela

Não sei como esta loucura
Da saudade, minha eleita 
Sendo enorme cabe inteira
Numa pequena moldura
Com um retrato, que enfeita 
A mesa de cabeceira

P'la saudade amarga e doce
P'la mulher do meu sentir 
Ou por ambas, par a par
A minha porta fechou-se
Nem uma pode sair 
Nem a outra pode entrar

Onde é que tu moras

Joaquim Pessoa / Paulo de Carvalho
Repertório de Carlos do Carmo 

Meu amor dormindo
Meu sonho acordado
Teu ventre parindo 
Um cravo encarnado
Onde é que tu moras
Meu lençol de espanto
Por quem é que choras 
Quando eu te canto

Aqui... 
À procura de ti nesta canção
Vou dando tudo em troca desse não
Que fez do meu poema a solidão
Aqui... 
Tão só como a certeza em que t’espero
Dentro de mim renasce o desespero
Por tudo o que eu não amo
O que eu não quero

Aqui... 
Entre rosas de raiva e de tormento
Trago anéis de silêncio e sofrimento
Conto as forcas de sangue que há no vento
Aqui... 
Tenho a fúria nos dedos desenhada
Farei do nosso amor a barricada
Perdendo quase tudo quase nada

Meu amor dormindo
Meu sonho acordado
Teu ventre parindo 
Um cravo encarnado
Onde é que tu moras
Meu lençol de espanto
Por quem é que choras 
Quando eu te canto:
Meu azul doendo
Meu barco parado
Pássaro morrendo 
Mas sem ter voado

Não quero nem saber

Sara Tavares / Kalaf Epalanga
Repertório de Ana Moura 

Dizem que o amor se revela já no fim
E até queimar essa vela estou aqui p’ra ti
Não levo nenhum livro
Nem os retratos que tiramos
Não quero esse cheiro
Nem um centavo teu

Agora eu só quero a tua melhor mentira
Aquela capaz de levar nações à guerra

Há muito que esse amor saiu p’ra o mar
Cigarro aceso na vela e nunca mais voltou
Então se não levo nada
Não quero nem saber
Se tu foste feliz
Ou se te fiz sofrer

Resto da tua vida

Tiago Torres da Silva / Valter Rolo
Repertório de Liliana Martins

Sei que o silêncio é filho do amor
Sei que os segredos que dizer ao sol-pôr
São coisas a que o mar não se acostuma
São ondas a que o céu roubou a espuma
Sei, e o que sei não é mais do que um rumor

Sei que a saudade é mãe da solidão
Sei que as palavras que habitam a canção
São coisas a que o céu não se habitua
São nuvens onde o fado se insinua
Sei e não sei qual de nós terá razão

Olha pró resto da tua vida
E vê o rosto da princesa adormecida
Olha pró resto da tua sina
E vê que nunca vais deixar de ser menina
Olha pró resto do teu destino
Lá longe escuta a voz do mar
Na boca de um menino

São coisas a que o mar não se acostuma
São ondas a que o céu roubou a espuma
Sei, e o que sei não é mais do que um rumor

Vim esperar o meu amigo

Natália Correia / Fontes Rocha
Repertório de Amália c/Ary dos Santos

Ai, formosinha se me escutais
Longe da vila, que procurais?
“Vim esperar o meu amigo”
“Vim esperar o meu amigo”

Ai, formosinha, se me atendeis
Longe da vila, o que fazeis?
“Vim esperar o meu amigo”
“Vim esperar o meu amigo”

Longe da vila que procurais?
Sabei-o, já que o perguntais
“Vim esperar o meu amigo”
“Vim esperar o meu amigo”

Longe da vila o que fazeis?
Sabei-o, já que o não sabeis
“Vim esperar o meu amigo”
“Vim esperar o meu amigo”

Sombra

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Mariza 

Desce uma sombra em mim
Que solidão sem fim
Que transparece 
Nos meus olhos magoados
Porque se oculta em mim
A escuridão sem fim
Cuida-me, ò noite 
Dos meus olhos acordados

Entra, não descartes o momento
Preso a ti o pensamento
Como um beco sem saída
Roda como um livre catavento
Num suplício sem alento
De alentar-me a triste vida

Hoje é o relógio que se atrasa
Ando às voltas pela casa
É o sono que não chega
Arde no meu peito feito brasa
Que ao de leve o fogo traça
Ao tormento que se entrega

Com este tema do *comendador* JORGE FERNANDO
assinala-se a chegada à meta das 5.000 letras postadas!!!

Sem ti

Letra e música de Miguel Gameiro
Repertório de Mariza 

Olhaste p'ra mim e deste-me a mão
E sem dizeres nada fiquei sem palavras
Tiraste-me o chão
Digo-te adeus, queria ficar
E a cada partida vou de asa ferida
Que quer pousar

Sem ti a chuva é forte 
Na janela do meu quarto
Sem ti o vento norte anda louco por aí
Sem ti o mar se agita 
Entre a terra e o céu
Sem ti sou metade, sem ti não sou eu

Conheces-me bem, melhor que ninguém
Agarro um sorriso que levo comigo
Quando regressar
Quero-te abraçar e ficar assim
Esquecida de tudo
Esquecida do mundo, esquecida de mim

Sem ti a noite é escura numa imensa solidão
Sem ti vou insegura
Como quem perdeu o chão
Contigo sou mais forte se tens o melhor de mim
Eu só sou eu contigo aqui

O meu amor foi para o Brasil

Letra e música de Carlos Tê
Repertório de Ana Moura 

O meu amor foi para o Brasil nesse vapor
Gravou a fumo o seu adeus no azul do céu
Quando chegou ao Rio de Janeiro
Nem uma linha escreveu
Já passou um ano inteiro

Deixou promessa de carta de chamada
Nesta barriga deixou uma semente
A flor nasceu e ficou espigada
Quer saber do pai ausente 
E eu não lhe sei dizer nada

Anda perdido no meio das caboclas
Mulheres que não sabem 
O que é pecado
Os santos delas 
São mais fortes do que os meus
Que fazem orelhas moucas 
Do peditório dos céus
Já deve estar por lá amarrado
Num rosário de búzios 
Que o deixou enfeitiçado

O meu amor foi seringueiro no Pará
Foi recoveiro nos sertões do Piauí
Foi funileiro em terras do Maranhão
Alguém me disse que o viu
Num domingo, a fazer pão

O meu amor já tem jeitinho brasileiro
Meteu açúcar com canela nas vogais
Já dança o forró e arrisca no pandeiro
Quem sabe um dia vai 
Arriscar outros carnavais

Anda perdido no meio das mulatas
Já deve estar 
Noutros braços derretido
Já sei que os santos delas 
São milagreiros
Dançam com alegria 
No batuque dos terreiros
Mas tenho esperança 
Que um dia a saudade bata
E ele volte 
Para os meus braços caseiros

Está em São Paulo 
E trabalha em Telecom
Já deve ter “doutor” 
Escrito num cartão
À noite samba 
No “Ó do Porogodó”
Esqueceu o Solidó, 
Já não chora a ouvir fado

Não sei que diga
Era tão desengonçado
Se o vir já não quero
Deve estar um enjoado

Meu amor pequenino

Paulo Abreu Lima / Rui Veloso 
Repertório de Mariza 

É tão bom seres pequenino
E eu, de ti, ser tua mãe
Nesta sorte do destino
Dos amores que a vida tem

Nunca cantei tão baixinho 
Este amor dentro de nós
Quando adormeço o menino 
No berço da minha voz

Os meus braços no seu leito 
São rios de uma paixão
Nas margens onde me deito 
Há o bater do coração

Faz do meu colo o seu ninho 
E deste canto as amarras
Com gemidos de mansinho 
Que mais parecem guitarras

Dorme, dorme, meu menino 
Nos sonhos que a vida tem
Mas guarda sempre um cantinho 
Ao colo da tua mãe

Saudade solta

Pedro Silva Martins / Luís José Martins
Repertório de Mariza 

Eu peguei em saudades tuas
Fui plantá-las no meu jardim
Porque sei que assim continuas
Aqui bem juntinho a mim

E cantando a saudade, eu sei
Algo aqui há-de nascer
Se tristeza eu semeei
Alegria hei-de colher

Pedrinhas que houver eu hei-de tirar
E todas as ervas daninhas à volta
E o que vier virá lembrar
O que a vida prende a saudade solta
E sombras que houver eu hei-de afastar
E todas as ervas daninhas à volta
E o que vier virá lembrar
O que a vida prende a saudade solta

Novos dias vão chegar
Outras memórias felizes
E o vento que nos vergar
Não nos vai quebrar raízes

E cantando eu sei que fica
A saudade bem aqui
E a esperança que nos dá vida
Em mim não terá o fim
Sei que vais esperar por mim

O tempo não pára

Letra e música de Miguel Gameiro
Repertório de Mariza 

Eu sei que a vida tem pressa
Que tudo aconteça 
Sem que a gente peça
Eu sei

Eu sei que o tempo não pára
Tempo é coisa rara 
E a gente só repara
Quando ele já passou

Não sei se andei depressa demais
Mas sei que algum sorriso eu perdi
Vou pedir ao tempo 
Que me dê mais tempo
Para olhar p’ra ti
De agora em diante
Não serei distante
Eu vou estar aqui

Cantei
Cantei a saudade da minha cidade
E até com vaidade, cantei
Andei pelo mundo fora
E não vi a hora de voltar p'ra ti

Ai eu

Pedro Silva Martins / Luís José Martins
Repertório de Ana Moura

Aí eu, aí eu, de tanto chorar
Já dei a volta e agora rio
Rio do rio, rio do mar
E até me rio deste meu riso;
E assim a rir eu tento voltar
Ao choro triste, ao dia frio

Aí eu, aí eu, de tanto esperar
Já dei a volta e agora quero
Eu quero muito e não vou ficar
À espera de tudo quando nada peço;
Só peço ter forma de voltar
Apenas a querer o que já não espero

Óai, p’ra teu bem
Começa onde eu terminei
Aqui onde, eu não sei
E aqui onde, eu nem sei
Volta sempre

Aí eu, aí eu, de tanto calar
Já dei a volta e agora canto
E tanto canto para espantar
A voz que em mim, me causa espanto;
E canto assim para voltar
Ao canto mudo, ao triste pranto

Aí eu, aí eu, de tanto voltar
Já dei a volta e agora vou
Para lá dos ais a querer ficar
Um pouco mais aonde não estou;
E neste passo posso afirmar
Longe de mim, por fim, eu sou

Ó, ai, p’ra teu bem, etc, etc
Fica sempre

Fim

Maria Duarte  / Custódio Castelo
Repertório de Cristina Branco

Nem pássaros, nem astros, nem veleiros
Soltam velas dentro do meu peito
Calou-se a madrugada nos meus olhos
Por isso a noite me envolveu assim
Com esta dor que é asa de punhal
Com este grito de um amor sem fim

Amor sem fim, amor sem tempo e sem medida
Água que brota ao longe da nascente
Luz que amanhece sem anoitecer;
Amor que quer ser brisa e é vendaval
Amor que quer ser chuva e é temporal
Que é tudo ou nada e tudo há de perder

Rio de mágoa

Rosa Lobato Faria / Mário Pacheco
Repertório de Mariza 

Na minha voz noturna nasce um rio
Que não se chama Tejo nem Mondego
Que não leva barqueiro nem navio
Que não corre por entre o arvoredo

É um rio todo feito de saudade
Onde nenhuma estrela se reclina
Sem refletir as luzes da cidade
Vai desaguar no cais a minha sina

É um rio que transporta toda a mágoa
Dum coração que parte e se despede
Um rio de tanta dor e tanta água
E eu que o levo ao mar morro de sede

Dia de folga

Letra e música de Jorge Cruz
Repertório de Ana Moura

Manhã na minha ruela
Sol pela janela
O senhor jeitoso dá tréguas ao berbequim
O galo descansa, 
Ri-se a criança
Hoje não há birras, a tudo diz-se que sim

O casal em guerra do segundo andar
Fez as pazes, está lá fora a namorar

Cada dia é um bico d’obra
Uma carga de trabalhos 
Faz-nos falta renovar
Baterias, há razões de sobra
Para celebrarmos hoje 
Com um fado que se empolga
É dia de folga

Sem pressa, de ar invencível
Saia, saltos, rímel
Vou descer à rua, pode o trânsito parar
O guarda desfruta
A fiscal não multa
Passo e o turista faz por não atrapalhar

Dona Laura hoje vai ler o jornal
Na cozinha está o esposo de avental

Folga de ser-se quem se é
E de fazer tudo porque tem que ser
Folga para ao menos uma vez
A vida ser como nos apetecer

Cada dia é um bico d’obra
Uma carga de trabalhos
Faz-nos falta renovar
Baterias, há razões de sobra
Para a tristeza ir de volta 
E o fado celebrar
Cada dia é um bico d’obra
Uma carga de trabalhos
Faz-nos falta renovar
Baterias, há razões de sobra
Para celebrarmos hoje
Com um fado que se empolga
É dia de folga
Este é o fado que se empolga 
No dia de folga

Lis… boa, Lis… má

Letra e musica de Daniel Gouveia
Repertório de José da Câmara
           
Lisboa, minha Lisboa 
Às vezes boa, às vezes má
Dás abrigo a tanta gente 
Que a gente sente não ser de cá

Lisboa, minha Lisboa 
Teu fado soa a dor e saudade
E entre tanto pandemónio 
Já é Património da Humanidade

Tens mil casinhas às cores
Jardins com flores
Da Cultura um Centro em Belém
Nos passeios há vidrão
Pilhão, papelão
E cocó de cão, também
Deslumbras com belas vistas
Milhões de turistas
Que comem pastéis de Belém
E azulejos tão bonitos 
Que uns selvagenzitos
Borram com grafitos, também

Lisboa, minha Lisboa 
Às vezes boa, às vezes má
Parece que uma pessoa 
Se sente à toa ao deus-dará

Lisboa, minha Lisboa 
Fazes com que doa a nossa cabeça
Com mil carros em manobras 
Buracos e obras em cada travessa

Tens Pessoa e os heterónimos
Até os Jerónimos
E a famosa Torre em Belém
Sem magalas nem sopeiras
Docas sem peixeiras
Mas com bebedeiras, também
Há por cá um Presidente
Que preside à gente 
E é residente em Belém
Mas num palácio em São Bento
Tens um Parlamento
Sem entendimento, também

Lisboa, minha Lisboa 
Às vezes boa, às vezes má
Tanto contraste é a prova 
De seres velha e nova
De há séculos pra cá

Qualidades e defeitos
São marcas, são jeitos de uma tradição
P’ra mim serás sempre boa
Lisboa, Lisboa do meu coração

Teimosa loucura

Mário Rainho / João Carmo Noronha *fado pechincha*
Repertório de João Loy 

Acendi o meu sorriso
À esquina dum mar sem fim
Como um farol que é preciso
P’ra te guiar até mim

P’ra que uma onda te traga 
Ao lugar onde estou preso
Até a lua se paga 
Só meu olhar fica aceso

Mas não avisto um navio 
Onde o teu amor à proa
Possa aquecer este frio 
E a alma não mais me doa

Meu amor embaciado 
Perde a luz, chora em quebranto
Talvez tenhas naufragado 
E eu me afogue neste pranto

Sendo assim, porque esperar 
Nesta teimosa loucura
Talvez que me atire ao mar 
Naufrague à tua procura

Regras de sensatez

Letra e música de Rui Veloso
Repertório de Raquel Tavares 

Nunca voltes ao lugar
Onde já foste feliz
Por muito que o coração diga
Não faças o que ele diz

Nunca mais voltes à casa 
Onde ardeste de paixão
Só encontrarás erva rasa 
Por entre as lajes do chão

Nada do que por lá vires 
Será como no passado
Não queiras reacender 
Um lume já apagado

São as regras da sensatez
Vais sair a dizer que desta
Desta é de vez

Por grande a tentação 
Que te crie a saudade
Não mates a recordação 
Que lembra a felicidade

Nunca voltes ao lugar 
Onde o arco-íris se pôs
Só encontrarás a cinza 
Que dá na garganta nós

Mistérios do fado

João Monge / Manuel Paulo
Repertório de Mísia

Andam passos na calçada
Que me acordam, quem será?
Uma sombra na fachada
Decerto não vem por nada
Sabe Deus ao que virá 

A sombra de mão em riste 
Perguntou-me se sabia
Como há gente que resiste
A cantar quando está triste 
E a chorar de alegria 

Na teia da criação 
Alguém deu um nó errado
Eu respondi-lhe que não
Os nós da contradição 
São o mistério do fado 

Tocou-me o rosto e sorriu 
De um jeito que não esqueci
No mesmo passo partiu
O vento ficou mais frio 
Deitei-me e adormeci

Vou ouvir cantar o fado

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de António Mourão 

Vou ouvir cantar o fado 
P’ra não falar mais em ti 
O fado sou eu agora 
No momento em que te vi

Vou ouvir cantar o fado 
Relembrando o fado meu
Ouvir uma voz magoada 
Cantar o pecado teu

Vou ouvir cantar o fado
Vou sentir ternura e dor
E vou calar no meu peito
A saudade e o amor


Vou ouvir cantar o fado 
O que a Severa cantou
Ouvir cantar sua morte 
E aquele amor que a levou

Vou ouvir cantar o fado 
Vou ouvir falar de ti
E falar do meu tormento 
No momento em que te vi