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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.330' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Se dum tiro nasce a flor

João Fezas Vital / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Hélder Cruz

Se m’esperam e me condenam
A ser eu, para além de mim
Como querem que entre grades
Amarrado a saudades
Mais do que eu, eu seja assim

Se do tempo que me resta
É só uma a primavera
Como ter as mãos em festa
Sem as encostar à testa
E ao suor de quem eu era?

Se dum tiro nasce a flor
Que a estar assim me condena
Então, nem seiva nem cor
E nem ódio e nem amor
Nem desgosto e só pena

Um estranho silêncio

Jorge Rosa / Popular *fado corrido*
Repertório de Eurico Pavia

Um estranho silêncio mora
Na minh’alma de poeta
Nenhuma musa indiscreta
Me vem visitar agora

Tive uma, mandei-a embora 
Esqueci-me dos meus versos
Andam no vento, dispersos 
Perdi-os, deitei-os fora

Mal que partiste, partiu 
A força do meu talento
Que a força do desalento 
Os meus olhos destruiu

Mal me deixaste, deixou-me 
O mundo de inspiração
O mel do meu coração 
Azedou-se e azedou-me

Nenhuma musa indiscreta 
Me vem visitar agora
Um estranho silêncio mora 
Na minh’alma de poeta

Regresso

Mário Rainho / João Maria dos Anjos
Repertório de Artur Lobo

Depois de tanta distância
Regressei à minha infância
Ao meu berço de menino
Trouxe o fado que cantei
Nos lugares aonde andei
A cantar, qual peregrino

Ao Porto do meu regresso
Rimo um verso e outro verso 
Na alegria de chegar
A minha voz embargada
P'la comoção da chegada 
Vai cantando a soluçar

Por isso, minha cidade
Meu granito de saudade 
De pontes beijando o céu
Agora que regressei
P'lo fado que te cantei 
Jamais te direi adeus

Fogo imenso

Artur Lobo / Amadeu Ramim *fado zeca*
Repertório de Artur Lobo

O fogo, intenso fogo que me aflora
De chamas crepitantes, colossais
É a prova de te ver a toda a hora
E a realidade de te não ver mais

A ânsia desmedida paira em mim
Fazendo ver-te aqui e em qualquer lado
Pois vou ficando louco e quando assim
Por louco ser por ti, canto este fado

Maldita seja a chama que ‘inda arde
Maldito fogo que ‘inda me devora
Quero ver se esqueço  logo à tarde
Sabendo estares comigo a toda a hora

Perguntas

Leonel Neves / Reinaldo Varela *fado meia-noite*
Repertório de Fernanda Maria

Perguntei à vida, um dia
Se queria o meu coração
Por maldade ou ironia
A vida disse que não

À guitarra preguntei 
Se o fado me queria a mim
Por desgraça agora sei 
Que o fado disse que sim

Perguntei, na despedida 
Se querias a minha mão
Fiquei de mão estendida 
Nem sequer dizes que não

E pergunto a toda a gente 
Se há no mundo gratidão
Nem ao menos alguém mente 
Toda a gente diz que não

Hei-de perguntar à morte 
Se esta desgraça tem fim
Dessa vez terei mais sorte 
A morte dirá que sim

Fado esquecido

Tiago Torres da Silva / José Marques *fado triplicado*
Repertório de Carlos Guedes de Amorim
Copiado do livro de poesia de TTS

Sempre fui muito esquecido
Mas duvido que um marido
Tenha de saber de cor
Todos os números e datas
Que tu tratas como exatas
Pra eu me sentir pior

Já disse que não me lembro
Se em novembro ou em dezembro 
É o teu aniversário
Se por vezes perco o Norte
Já tens sorte que eu me importe 
Que tu sejas sagitário

Nem telefones nem moradas
Nem tiradas decoradas 
Para fazer sensação
Pões-me a vida do avesso
Se eu me esqueço qual o preço 
Do anel que tens na mão

Quando às vezes te chateias
E receias que as ideias 
Me estejam a baralhar
Na esp’rança vã que eu me renda
Dás-me por prenda uma agenda 
Que eu jamais irei usar

Mas se o teu olhar me lança
Uma esp’rança na vingança 
Que se deve servir fria
Digo-te amor, na verdade
Que a saudade também há-de 
Vir a esquecer-nos um dia

Festa grande na Atalaia

Isidoro de Oliveira / Lino Teixeira *fado ginguinha*
Repertório de Maria Leopoldina da Guia

Há festa grande na Atalaia, há romaria
Chegam os círios com foguetes e morteiros
Vive a Atalaia um momento de euforia
Ao receber os peregrinos e romeiros

Há velhos ritos, hoje feitos tradição
Há festa grande na Atalaia, há romaria
Rude homenagem de sincera devoção
O povo faz à mãe de Deus, Santa Maria

Estalam foguetes, há guitarras, cantoria
Há vinho tinto a regar chocos na brasa
Há festa grande na Atalaia, há romaria
Portas abertas, mesa posta em cada casa

O tempo passa sem ninguém o pressentir
Esconde-se a lua, vai nascendo um novo dia
Todos se sentem sem vontade de partir
Há festa grande na Atalaia, há romaria

Estrada

Manuel Andrade / José António Sabrosa
Repertório de Teresa Siqueira

Sozinha, trilho na estrada
O meu caminho sem fim
Eu sou tudo e não sou nada
Mas o que sou, sou por mim

Já tive mil rosas belas 
Mil rosas não foram nada
Outros ficaram com elas 
Eu fui sozinha na estrada

Meu amor tudo me deste 
Que te posso dar de mim?
Se queres um caminho agreste 
Escolhe o meu que não tem fim

Dou-te o sol da minha estrada 
Dar-te-ei luar também
Serás tudo, sem seres nada 
Serás eu, sem seres ninguém

Falarei pela tua voz 
Serei diferente por fim
Serei tu, seremos nós 
Mas não serei só por mim

Um minuto, meu amor

João Fezas Vital / Nuno Nazareth Fernandes
Repertório de Vasco Rafael

No minuto que nos derem 
Aqueles que fecham janelas
Os meus dedos no teu rosto 
Farão desenhos de amor
E os caminhos que fizerem 
Os meus lábios no teu corpo
Terão, da ternura, o gosto 
E a força que vem da dor

Um minuto é quanto quero 
Para que possa tocar-te
Como quem descobre a casa 
Onde sempre quis viver
Com a sede e o desespero 
De ser gente, e dar por isso
E a fúria, quase brasa
De não querermos morrer

É preciso ter coragem
P’ra enlouquecer devagar
Na saudade adivinhada
Da saudade que nos tomem
Vamos sair de viagem
Meu amor, por um minuto
Que é o tempo que a madrugada
Leva a ser mulher e homem

Mãe tristeza

Cátia Oliveira / Valter Rolo
Repertório de Sandra Correia

Fui perdendo a inocência
Com os ais de minha mãe
Ela, que escondia as mágoas
Que olhos tristes, minha mãe

Nunca te vi chorar
Mas dói ver-te sorrir
Mãe tristeza, o amor
Dói pra além da hora de partir

Se sorris só para não chorar
Deixa as lágrimas cair
Ninguém as vê
Mas há-de vê-las o mar

Dia de São Martinho

Manuel Andrade / Popular *fado das horas*
Repertório e António Melo Correia
No livro do poeta lê-se *Tipóias e boleeiros* no 1°verso do poema
que aparece com o título *Manhã de São Martinho*
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*


Tipóias e cavaleiros
E as carroças do povinho
Milordes e cavaleiros
É dia de São Martinho

Na Chamusca de manhã 
Há grandiosa corrida
À tarde na Golegã 
É a festa mais garrida

Cavalos a relinchar 
Fadistas cantarolando
A festa vai começar
O povinho vai andando

Os “breaks” aos solavancos 
Cavalos à desfilada
Não faltam os saltimbancos 
Para animar a toirada

Manhã do melhor ensejo 
À tarde prova-se o vinho
Ó povo do Ribatejo 
É dia de S. Martinho

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VERSÃO ORIGINAL

Põe-se na brasa o chouriço
Há vinho novo a provar
Há burburinho castiço
Cavalos a relinchar

Tipoias e boleeiros 
E as carroças do povinho
Milordes e cavaleiros 
É dia de São Martinho

Na Chamusca, de manhã 
Há grandiosa corrida
E à tarde, na Golegã 
É a festa mais garrida

Cavalos a relinchar 
Fadistas cantarolando
A festa vai começar 
O povinho vai andando

Os breakes aos solavancos 
Cavalos à desfilada
Não faltam os Saltimbancos 
Para animar a toirada

Manhã do melhor ensejo 
À tarde prova-se o vinho
Ó povo do Ribatejo 
É dia de São Martinho 

O tempo dos anjos

Tiago Torres da Silva / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Anamar
Copiado do livro de poesia de TTS

Eu hoje acordei mulher
Do homem que outrora fui
Cada um é o que quer
No momento em que souber
O passo a que o tempo flui

Amanhã serei o oposto 
Da mulher que em mim invento
Terei o eterno rosto
Porque conheço de gosto
A velocidade do tempo

Então verás semelhantes
O que não queres e o que gostas
Que as vidas depois estão antes
Das horas que são instantes
Das coisas que são opostas

Trazia um nome nos olhos

Manuel Andrade / Franklim Godinho
Repertório de Bela Bueri
No livro do poeta este tema aparece com o título *Trazia um nome*

Trazia um nome nos olhos
Um nome não sei de quem
Trazia um nome nos olhos
Trazia um nome de alguém

Era de pedras musgadas 
O verde do seu olhar
Tinha nas faces queimadas 
Os beijos quentes do mar

Trazia um nome nos olhos 
Um nome da cor do céu
Nome de vento ou de escolhos 
Nome que não era o meu

Os seus cabelos ao vento 
Eram lenços a acenar
Tão longos como o lamento 
De uma mão que aponta o mar

Trazia o nome de alguém 
Nos meus braços o esqueceu
E nos meus olhos, também 
Outro nome se perdeu

Fado das caravelas

Isidoro de Oliveira / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Ao partir as caravelas
Levavam cruzes nas velas
Enfoladas pelo vento
Levavam fé em Jesus
Todo o padrão tinha cruz
A cruz do descobrimento

Missionários e soldados
Todos a Deus devotados 
Deixando a pátria e os seus
Cruzavam o mar profundo
Dando mais mundos ao mundo 
Dando mais almas a Deus

O mar com todo o seu p’rigo
Dividia o mundo antigo 
Com medo de navegar
Já não há mundo perdido
Não há mundo dividido 
Mas unido pelo mar

Pelos cinco continentes
Juntam-se terras e gentes 
Mundo velho e mundo novo
Sujeitos à mesma lei
Muitos reinos, um só rei 
Muitas raças, um só povo

Descendentes de soldados
Tão temidos e honrados 
Degenerando dos seus
Cruzam hoje o mar profundo
Tirando mundos ao mundo 
Roubando almas a Deus

Ao voltar as caravelas
Não trazem cruzes nem velas 
O vento só as destroça
Renegamos a Jesus
Abandonamos a cruz 
Triste cruz será a nossa

Rouba ao vento a liberdade

Mote (5ª estrofe) Augusto Gil / Glosa: Fezas Vital / António Chaínho
Repertório de Teresa Siqueira

Lava as mãos em alfazema 
Vai ao campo ver crescer
Razões de ser dum poema 
Se um crime tens de fazer

Rouba ao vento a liberdade 
De ser raiva, e abandono
Pois se tu não fores verdade 
Antes fique vago um trono

Fizeram de ti soldado 
Corpo em flor de quem quiser
Ai menino mal mandado 
Antes um palácio a arder

Antes o medo, a tristeza 
E a dor de não ter sono
Mais valem flores d’incerteza 
Do que uma enxada sem dono

Se um crime tens de fazer
Antes fique vago um trono
Antes um palácio a arder
Do que uma enxada sem dono

Fado Carlota

Manuel Andrade / Fernando Pinto Coelho
Repertório de António Pinto Basto
Copiado do livro do poeta
                                                                                       
No tempo em que te amei
Sonhos lindos semeei
Num canto do meu jardim
E as sementes dolorosas
Fizeram-se lindas rosas
Que sorriam para mim

Já tudo o vento levou 
E do nosso amor ficou
Um roseiral de saudade
Para sempre me lembrar 
A sina triste de amar
Um dia de felicidade

E nos dias mais risonhos
Vivem ali os meus sonhos
As rosas riem p’ra mim
O teu rosto vive ainda 
Dentro da rosa mais linda
Das rosas do meu jardim

Vive ali por todo o dia 
Esse amor que me fugia
No teu riso sem igual
Para o mundo e para a vida 
Na paisagem recolhida
Do meu lindo roseiral

Amor perfeito

Isidoro de Oliveira / Raúl Ferrão *fado carriche*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Desfolhas um malmequer
Buscando um amor perfeito
Anda não viste, mulher
O que trago no meu peito

Buscando um amor perfeito 
Tu destróis qualquer flor
Mas não encontras amor 
Procurando desse jeito

Há que ter maior respeito 
Por quem nos ama e nos quer
O teu desprezo só fere 
Tu não queres falar comigo
Em vez de ouvires o que digo 
Desfolhas um malmequer

Anda não viste, mulher 
Que te tenho amor profundo
P’ra mim só existe mundo 
No dia em que te tiver

Tu não vês quem bem te quer 
Com carinho e com respeito
É este o amor perfeito 
Não o que buscas em vão
Já é teu um coração 
O que trago no meu peito

O que trago no meu peito
Não é um amor qualquer
Aceita este amor perfeito 
Deixa em paz o malmequer

Processo de loucura

João Fezas Vital / António Chaínho
Repertório de Hélder Cruz


Olhos de ave perdida num longe que não é seu
Como se o horizonte fosse mesmo o que era
O peito a arder de febre dum sol fechado ao céu
Tortura de ter falhado o tempo da primavera

Asas de ave perdida num voo feito de nada
E que a dor amordaçou como insulto derradeiro
Desespero de criança em busca da alvorada
Entontecida p’lo espanto do medo ser verdadeiro

Nudez de ave perdida no espaço do meu pecado
Soluço de abandono em acesso de aventura
Tão triste a liberdade de nunca ter cantado
Ave branda, minha sede, meu processo de loucura

Calçada de Carriche

Isidoro de Oliveira / Popular *fado mouraria*
Repertório de Teresa Siqueira

Carriche, a velha calçada
Tinha campo e liberdade
Era uma horta encantada
Mesmo às portas da cidade

Lisboa saía as portas 
Quando o calor apertava
E com prazer abancava 
Gozando o fresco das hortas
Só regressava horas mortas 
Depois da sardinha assada
Do peixe frito e salada 
E mesmo com muito vinho
Encontrava o seu caminho 
Carriche, a velha Calçada

Mal se falava em toirada 
Lá no Campo de Santana
Lisboa de traquitana 
Partia para a Calçada
A passo vinha a manada 
Bem conduzida, à vontade
Mas ganhava velocidade 
E então, se um toiro fugia
Começava a picardia 
Tinha campo e liberdade

Tudo era morto e fechado 
Na cidade adormecida
Lisboa buscando a vida 
Ia a Carriche ouvir fado
Num retiro improvisado 
Até alta madrugada
Cantava-se à desgarrada 
E a água nas regadeiras
Respondia às cantadeiras 
Era uma horta encantada

Se Lisboa fatigada 
Quer descansar de Lisboa
Percorre estradas à toa 
E regressa mais cansada
Lembrando a velha Calçada 
Com sua simplicidade
Decerto sente saudade 
Dos tempos que ali passava
De tudo o que ela lhe dava 
Mesmo às portas da cidade