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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.350' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Mui nobre cidade

Letra e música de Henrique Abreu
Repertório do autor


O Porto é cidade velhinha 
Vestida a cinzento
O Porto é cidade que cresce 
Em cada momento
O Porto tem na sua história
A história do Infante
Que em barcos de estrelas 
Se fez navegante
Em mares de tormento

O Porto tem na sua gente 
O amor pela verdade
O Porto faz sempre vencer 
Sua forte vontade
De ser aquilo que quer 
Num país inconstante
Mas o Porto quer ver 
Menos emigrante
Com menos saudade

O Porto é sempre p’ra todos 
Uma porta aberta
O Porto é a franqueza da alma 
Que em todos desperta
A crença que é preciso ter 
Na sincera amizade
A imagem mais certa da nobre cidade
Cidade do Porto

Perto do mar

M. Marão Travassos / H.Van Gelderen
Repertório de Maria de Fátima Travassos


Perto do mar eu dou asas
À minha imaginação
E sobrevoo com as garras
Com se fosse um Falcão

Perto do mar eu sou tudo
Sou mulher e sou criança
E revejo no mar salgado
O tempo da minha infãncia

Perto do mar eu sou peixe
Que nada por essa águas
E que pede que não deixem
Lançar as redes malvadas

Perto do mar, sou também
A concha que te murmura
Que ando a morrer por alguém
Que me leva à loucura

Que saudades tenho eu

José da Câmara / Miguel Ramos *fado calisto*
Repertório de José da Câmara


Ai que saudades eu tenho
Dos meus tempos de menino
Correndo Lisboa inteira
Procurando brincadeira
Sem horário nem destino

Que saudades tenho eu 
Cantei o fado com gana
Uma noite das antigas 
No Páteo das cantigas
Do João e Zé Pracana

Eram noites de paixão 
Num compasso quase incerto
Vou ligar p’ra combinar 
Xico’s bar p’ra começar
E os amigos sempre perto

Campo Pequeno à quinta-feira 
Era grande animação
Xafarix era a seguir
O Cajó sempre a partir 
Com a sua precursão

Era sítio obrigatório 
Estava lá toda a semana
Restaurante, bar e fados 
Concerteza estão lembrados
Velho Páteo de Sant’Ana

Passar p’lo Napoleão 
P’ra podermos conversar
No Calvário, está-se a ver
Outra jola pr’aquecer 
E o Bananas a bombar

O luar adormecia 
Fim de noite, grande farra
Ía tudo pró Brim Bar
Pró petisco e p’ra cantar
Mais um copo e uma guitarra

Recordar é sempre bom 
Emoções que não desdenho
Lembrar a minha Lisboa 
Que p’ra mim foi sempre boa
Ai que saudades eu tenho

Os meus olhos já não choram

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de Maria Valejo


Os meus olhos já não choram 
Estão cansados de o fazer
Os meus olhos já não choram 
Nem sequer por te não ver

Minhas lágrimas secaram 
Agora já nada imploram
Se ainda sofro por ti 
Os meus olhos já não choram

Meus olhos não choram
Sim… eu já nem sei chorar
Tu deste-me a vida
P’ra depois me a tirar
Chorei o passado
Chorei porque vivi
Meus olhos agora
Nem sequer choram por ti


Como é triste a minha vida 
Que cruel é meu viver
Ter tantas mágoas no peito 
Querer chorar e não poder

Nem sequer estão rasos d’água 
Quando estou comigo a sós
Os meus olhos já não choram 
Nem sequer choram por nós

Fado Joaninha

*soneto da casa*
António Sardinha / José Campos e Sousa
Repertório de José da Câmara


A casa portuguesa caiadinha
De nicho à porta, lampião pendente
Alva mais alva ainda que a farinha
Como de vê-la dá virtude à gente

Seria assim a casa de Joaninha
Seria assim, modesta e sorridente
Atrás unidos, o pomar e a vinha
E o jardinzinho com o lago à frente

Meteu-se um dia a virgem, de jornada
Jornada longa, nunca imaginada
Nem por ser feita santa desta vez

Por não chegar a tempo, é que Maria
Não deu à luz o filho que trazia
Debaixo dum telhado português

Tradições portuguesas

Henrique Abreu / Fontes Rocha *fado isabel
Repertório de Henrique Abreu


Das mais velhas tradições
Que o nosso país mantém
As varinas, o pregão
As palavras que elas têm

As castanhos no inverno 
O fumo desse braseiro
Numa esquina, o fogo eterno 
Sob chuva ou nevoeiro

Vende-se a fruta madura 
Nas ruas mais coloridas
E a carteira mal segura 
Foge das mãos distraídas

Com o vinho que fazemos 
Damos mais sabor à vida
Se ao prová-lo não bebermos 
Mais que a conta e medida

E o fado, doce canção 
Correu mundo e ganhou fama
É a voz do coração 
De quem sente e de quem ama

A forma de te querer

M. Marão Travassos / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Maria de Fátima Travassos


Não quero que me queiras só por querer
Nem quero que me ames por amar
Apenas quero chegar a perceber
O que me dizes com o teu olhar

A forma de tu me dizeres, amor
Aquilo que nem tento adivinhar
Pois sei que me vai provocar dor
Dor que não consigo suportar

Mentiste ao dizeres naquele dia
Quero-te como nunca quis ninguém
Pensei qu toda a vida seria tua
Mentiste, porque tu não queres ninguém

Agora adeus amor e até nunca
P’ra ti não existi, não sou ninguém
Quero esquecer que algum dia fui tua
E tu, amor, que foste de mim também

Forcado de Montemor

Francisco Branco Rodrigues / José Duarte *fado seixal*
Repertório de José da Câmara


Forcado de Montemor
Amador nobre e valente
Entre todos o melhor
Quando tem um toiro em frente
Vê-se quem é pegador

Sempre que a trincheira salta 
Com o seu donaire e graça
Logo entusiasma a malta
É que se vai ver na praça 
Como a coragem não falta

Mas se um dia, por azar 
A sorte lhe corre mal
Volta de novo a pegar
Porque é nobre o animal 
Difícil de dominar

E por ter tanto valor 
Da coragem que lhe vejo
É que canto em seu louvor
Sois filhos do Alentejo 
Forcados de Montemor

Anda bonita a solidão

Pedro Silva Martins / Luís José Martins e Pedro Silva Martins
Repertório de Joana Almeida


Anda bonita a solidão
Olha-se ao espelho e sorri
E vai p’la rua a cantar
Belas canções escritas p’ra ti
É bom saber

A incerteza aonde vai?
Porque é que empina o nariz?
Algo terá feito ela mudar
Que já não se demora aqui
É bom saber

É bom saber
Que o tempo vai juntar-se a mim
Ficar melhor, tomar um chá
E alentar a minha dor
Curtir um som e com vagar
Sorrir por fim ao meu amor

E a saudade aonde está?
Que já não canta por aqui
Se calhar está numa de encontrar
Outro sentido para si
É bom saber

Diz que a tristeza me deixou
Que já nem pergunta por mim
Diz quem sabe, que ela se assustou
A ver este final feliz
É bom saber

Um fado à Candeia

Letra e música de Henrique Abreu
Repertório do autor


Eu esta noite vou cantar um fado
À Candeia
À Candeia
A minha voz vai ter um tom magoado
Na Candeia
Na Candeia

Eu quero que esta noite a minha alma
Trespasse a dor que eu sinto cá para fora
E faça renascer de novo a calma
Trazendo a doce esperança a cada hora

Depois eu vou escrever um fado novo
Falando de paixão e amizade
São sentimentos bons e são do povo
E vou querer cantar menos saudade

Vou encontrar mais uma voz fadista
Mais uma nova voz que o fado entoa
Quem sabe se um talento, um novo artista
Que vem de uma qualquer vulgar pessoa

E desse berço eu faço a minha história
Pois tudo o que me resta é gratidão
Não vai apagar nunca da memória
O amor que se guardou no coração

Aquele fado

António José / F.Hildenbrand
Repertório de Maria de Fátima Travassos


Minha mãe cantava um fado
E sentava-se a meu lado
Para eu adormecer
Os versos que então ouvi
Já me falavam de ti
Ainda sem te conhecer

Agora, já sou mulher
Faça eu o que fizer 
O fado deu-me esta herança
Não há nada que destrua
Este jeito de ser tua 
Desde que eu era criança

A gente que nos rodeia
À nossa volta semeia 
Uma seara de intrigas
Mas pouco me hei-de importar
E até deixei de falar 
A duas ou três amigas

Uma guitarra qualquer
Entre as mãos de quem lhe quer 
Oiço ao longe e sabe bem
Sentir que o nosso pecado
Tem sabor áquele fado 
Que me cantou minha mãe

Promessas

Letra e música de Pedro Campos
Repertório de José da Câmara


Promessas das luzes 
Deste bairro que eu conheço
Das noites tão sentidas 
Em que peço a Deus por mim
Momentos perdidos 
Neste tempo que passou
Tão tristes, alegres como eu sou
Fazem parte de mim

Lisboa dos bairros 
Da tristeza que não passa
Das horas que dão vida 
E o sol da Graça da minha dor
Lisboa nasceu assim para mim
Nos braços da Mouraria
E o que ficou foi amor
Lisboa da vida do dia-a-dia
Dos becos, da poesia
O que ficou foi amor

Amante do Tejo

Nuno Manuel Faria / Pedro Pinhal
Repertório de Maja


Manhã, o acordar de um novo dia
No cais velas se agitam no adeus
O vento levanta espuma sobre o rio
A bordo nasce a ideia de um fado

Lisboa
É quem desperta o meu desejo
E eu serei sempre amante
De ti, querido Tejo


À noite recolho a vela da fragata
A lua enamora-se d’Alfama
O céu cobre de estrelas Santo Estevão
O rio serve de leito a quem o ama

Livre para ver o mundo inteiro

Henrique Abreu / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Henrique Abreu


Para não ter que dizer a ninguém
Que o teu amor não era verdadeiro
Escondi o meu sofrimento, não sei bem
Em que cigarro ou em qual cinzeiro

Prometi a mim mesmo o esquecimento
No meu caminho abracei o dia
Condenei as palavras desse tempo
E não ficou mais que nostalgia

Livre para ver o mundo inteiro
E as coissas que ele tem para me dar
Eu sei que não vou ser o primeiro
A encontrar o amor sem procurar

Um homem nunca deve repetir
Os sonhos de triste recordação
Mas nunca deve deixar de sentir
A ternura fiél de um coração

Rapsódia dos três poetas

A.Botto, Ary dos Santos, M.Sá Carneiro / Miguel Ramos e Casimiro Ramos
Repertório de Mísia

FADO PINÓIA
Levo ao ombro as esquinas
Trago varandas no peito
E as pedras pequeninas
São a cama onde me deito

FADO LOLITA
Andava a lua nos céus
Com o seu bando de estrelas
Pelo chão em desalinho
Vinha longe a madrugada
Os veludos pareciam
Ondas de sangue e de vinho

FADO ALBERTO
Um pouco mais de sol e eu era brasa
Um pouco mais de azul eu era além
Para atingir faltou-me um golpe de asa
Se ao menos eu permanecesse aquém

FADO CALISTO
Volteiam dentro de mim
Milagres, uivos, castelos
Altas torres de marfim
Forças de luz, pesadelos
Volteiam dentro de mim

FADO MOURARIA
Chamaste-me tua vida
Eu a alma quero ser
A vida acaba na morte
A alma não pode morrer

Minha voz

Gonçalo Salgueiro / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Sofia Ferreira


Na minha boca, o teu poema à solta
Ecoa sob um céu de tempestade
É minha voz maré de amor revolta
Em cantos que se dobram de saudade

Em minha voz és negra madrugada
Jangada que de noite te procura
Nos versos de uma vida naufragada
Teu nome é uma corrente de loucura

Ainda que ancorada na garganta
A voz que com amor te quis rimar
Dorida como o mar que se agiganta
Teu fado nunca pára de cantar

E quando um dia ao nada eu regressar
Como onda que sem praia se perdeu
Talvez possas ouvir na voz do mar
A minha voz que só por ti viveu

Chamar-te de meu amor

Joaquim de Sousa / Popular *fado menor*
Repertório de Fernando João


Quero gritar esta dor
Quero dizer que te amo
Chamar-te de meu amor
Que é como sempre te chamo

Quero sentir teus abraços 
Feitos fonte de ternura
E adormecer em teus braços 
Na sonolência mais pura

Quero ler felicidade 
Nos teus olhos infelizes
E beber toda a verdade 
Das verdades que não dizes

Ser eu, quebrar o encanto 
Deste amor que me sufoca
E beber o sal do pranto 
P’la taça da tua boca

Quero ser o leito frio 
Da corrente dos teus beijos
O silêncio, o cais vazio 
Da frota dos teus desejos

Quero sentir o sabor 
Desta dor que proclamo
Chamar-te de meu amor 
Que é como sempre te chamo

Olhares cruzados

Gabriel de Oliveira / Filipe Pinto “fado meia noite antigo*
Repertório de Natália dos Anjos

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Cruzámos o nosso olhar
E logo nos entendemos
Conjugando o verbo amar
Ambos de amor nos perdemos


Nem sequer te conhecia 
Nunca te vira passar
Quando por acaso, um dia 
Cruzámos o nosso olhar

Foram apenas momentos 
Desses momentos supremos
Trocaram-se os pensamentos 
E logo nos entendemos

Depois disso, conversámos 
E de tanto conversar
Foi assim que começámos 
Conjugando o verbo amar

Agora a vida é ventura 
Pois tão bem nos conhecemos
Que numa doida loucura 
Ambos de amor nos perdemos

HENRIQUE REGO *1893-1963*

Tributo de Armando Neves 

Inspirado poeta – nome escrito 
Com doze estrelas nos anais do “Fado”
Louvá-lo-ei – depois de ter molhado
Minha pena na tinta do Infinito.

Coração d’oiro, espírito bendito,
Tanto à bondade como às musas dado.
Um simples verso seu – poema encantado
Ou uma rima só – radioso grito!

Poeta de tão puro e bom quilate
Merece, em prémio dos seus dons dilectos,
Rosas d’oiro em olímpico açafate…

E eu que sou, em louvar, dos mais discretos,
Para exaltar o plectro deste vate
Comporia, em vez de um, quatro sonetos!

Jóia sagrada

Gabriel de Oliveira / Pedro Rodrigues 
Repertório de Fernando Batista


Eu sou aquela mulher
Por quem tu sofreste um dia
Por ciúme te deixou
Tudo o mais que te disser
Não passa de fantasia
Pois já sabes quem eu sou

Não te venho conquistar
De ti não pretendo nada 
Já sofri, já te vingaste
Venho aqui para falar 
Sobre essa jóia sagrada 
Que há dez anos me roubaste

Quero de novo afagá-la
Cingi-la bem a meu peito 
Numa pressão de ternura 
Quero vê-la e acarinhá-la
Saber o que lhe tens feito 
Contar-lhe a minha tortura 

Faz de mim uma rodilha
Tens razão para o fazer 
Mas és pai e pensa bem
Que essa jóia é nossa filha
E Deus sabe defender 
O sagrado amor de mãe

Amor desfeito

Gabriel de Oliveira / Jaime Santos *fado da bica*
Repertório de Lucília do Carmo


Se o nosso amor se desfez
Só tu fostes o culpado
Porque sofres quando vês
Outro homem a meu lado

Foste mau, foste cruel 
Não me queixei a ninguém
Bebi lágrimas de fel 
Suportando o teu desdém

Dizes-me que não descansas 
E que me vês em teus sonhos
Ai, a dor são as lembranças 
Dos teus remorsos medonhos

É Deus que te faz sofrer 
Vê lá bem o teu castigo
Dormes com outra mulher 
E sonhas sempre comigo

Minhas mãos já não te afagam 
O meu desprezo é enorme
Cá se fazem, cá se pagam 
Bem sabes que Deus não dorme

E se esta gente fosse um fado

Maja Milinkovic / Rodrigo Serrão
Repertório de Maja


E se esta gente fosse um fado
Em que só falta melodia
E o grito mudo nos seus olhos
Não fosse mais que poesia

Que em cada rosto há uma nota
Que espera ainda por nascer
E em cada história uma verdade
Que sobra sempre por dizer

A minha gente é como um fado
Feito de pranto e maresia
E traz na mala esta vontade
De amar mais que o amor, a cada dia
E canta versos à saudade
Em profunda melancolia
A minha gente é como um fado
Que amou p’ra lá da dor, mais que podia

O emigrante e a guitarra

Gabriel de Oliveira / Alberto Costa *fado dois tons*
Repertório de Manuel Dias
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Assim que saiu a barra
O emigrante, coitado
Pegou na sua guitarra
E chorou cantando o fado

E lá vai pelo mar fora 
Sabe Deus para que vida
Amaldiçoando a hora 
Negregada da partida

Via-se outra vez menino 
A mãe guiando-lhe os passos
Para afinal, o destino 
Tão longe o levar nos braços

E ao lembrar desta maneira 
A velhinha sua mãe
A guitarra companheira 
Chorou com ele também

Esta noite chora uma guitarra

Letra e música de Maja Milinkovic *fado primeiro*
Repertório da autora


Se fosse um grande amor
Era nosso, era nosso
Se fosse uma grande paixão
Era nossa, era nossa

Duas vezes eu morri
Duas vezes parou o coração
A primeira quando te vi
E quando deixaste-me a mão

Esta noite chora uma guitarra
Só por mim, só para mim
Esta noite saudade é amarra
É mágoa que não tem fim


Com o tempo não passa nada
Ainda dói a mesma dor
Porque naquela madrugada
O tempo morreu com o amor

Dias de Feira da Ladra

Gabriel de Oliveira e António Amargo
Manuel Maria Rodrigues *marcha do manel maria*
Repertório de Manuel de Almeida
Letra transcrita do livro editado pela Academia da 
Guitarra e do Fado onde aparece com o título *Feira da Ladra*

Dias de Feira da Ladra
Santolas e vinho tinto
Guitarradas e cantigas
Desordens, noites na esquadra
Ai que saudades que eu sinto
Por essas coisas antigas

Os Faias mais afamados 
Grandes improvisadores
Não faltavam nesse dia
E dos bairros afastados 
Também vinham cantadores
Tudo ali se reunia

À tarde, a seita abancava
Numa taberna pequena 
Mesmo em frente do jardim
Um dos fadistas cantava
Era o princípio da cena 
Com provocações no fim

Na febre do desafio 
Eram mais que provocantes
As cantigas que cantavam
Davam-se lutas de brio 
Sustentadas nos descantes
Que às vezes tão mal findavam

Dia de Feira da Ladra
Ó fadistagem moderna 
Morreu essa tradição
Desordens, noites na esquadra
Fadistices na taberna 
São coisas que já lá vão

Meu par

Letra e música de João Couto
Repertório de Joana Almeida


Quando passas por mim 
Sei que algo me diz
Que tu és o meu par
Neste mundo sem lei, em ti encontrei
O meu melhor

Mas tu não estás a meu lado
P’ra me apagar do passado
Cada erro que cometi
Passam dias, passam horas
Diz-me porque é que demoras
Se esta voz chama assim por ti

Uma canção mora dentro de mim
Mesmo não sendo tua
Passa na tua rua
Todo o o dia a chamar por ti
Uma canção quer viver em nós
Mesmo que não a oiças
Já não quer outra coisa
Sê meu par
Não a deixes presa na minha voz

Cada noite fugaz eu perco a paz
Quando és o meu par
Nessa dança que encetamos
Nossos fados entrelaçamos

Mas não sei se sou quem tu anseias
Diz-me porque é que vagueias
Nesse vai e vem sem fim
Se este amor que dou inteiro
A um coração prisioneiro
Espera sem se cansar, por ti

Gabriel de Oliveira


Tributo de Armando Neves

Dizer que tem talento o Gabriel
É tarefa escusada, é coisa vã
É perguntar se tem doçura o mel
Se deitam sumo os bagos da romã

Há lá poeta algum que nos revele
Inspiração maior, mais digna e sã
De quanto é popular?! – Apenas ele
Porque a alma do povo é sua irmã


Fonte rara, espontânea de poesia
Da beleza do “Fado” a voz mais bela
Espírito gentil às musas dado

Quando ele nos descreve a Mouraria
Pinta, com mão de mestre, uma aguarela
Sim! Este Poeta é o Pintor do Fado

(in Revista STADIUM, Ano X, nº. 479, 4ª. Feira, 2-7-1941)

(25/3/1891 – 2/8/1953)
GABRIEL da Anunciação D´OLIVEIRA foi um dos melhores poetas que o Fado conheceu. É, todavia, uma figura pouco conhecida
embora os seus fados sejam constantemente cantados.
Com 18 anos, apenas, assentou praça na Marinha de Guerra Portuguesa, no dia 1 de Agosto de 1909. Daí ser conhecido por “Gabriel Marujo”.
Foi Combatente na Primeira Guerra Mundial, já como artilheiro de 1.ª classe, tendo sido condecorado com a Medalha da Vitória.
Poucos como ele souberam descrever, com grande realismo, os ambientes dos velhos bairros de Lisboa e as suas personagens. 
Autor de dezenas de fados famosos, um dos quais "Senhora da Saúde", conhecido normalmente por "Há Festa na Mouraria".
Mereceu figurar na Antologia dos Poetas Modernos Portugueses, organizada por Fernando Pessoa e António Botto. 
Também o grande actor João Villaret não hesitou em incluí-lo em alguns 
recitais de poesia.
Caso curioso é o de Gabriel de Oliveira, apesar da sua extensa produção
nunca se ter inscrito na Sociedade Portuguesa de Autores. 
Deste modo, nunca recebeu quaisquer direitos.”
Daniel Gouveia e Francisco Mendes, Poetas Populares do Fado
Tradicional, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2014.

Amei-te

Gabriel de Oliveira / Alfredo Duarte *marcha do marceneiro"
Repertório de Laurinda Gonçalves

Amei-te cheia de esperança
Veio a dor, foi-se o desejo
Mas as saudades ficaram
Sepultadas na lembrança
Daquele primeiro beijo
Que nossas bocas trocaram

Amei-te meses seguidos
O teu amor fez-me guerra 
Como não fez a ninguém
Tantos castelos erguidos
E tudo tombou por terra
Ao sopro do teu desdém

Amei-te, revendo o pranto
Dos outros que eu desprezava 
Sendo traída por ti
Agora que eu gosto tanto
Daquele que eu não gostava 
Finges tu gostar de mim

Amei-te, tive mau gosto
Esse desgosto contive 
Mas, visto que te esqueci
Foi-se de todo o desgosto
Desse mau gosto que eu tive 
Em gostar tanto de ti

Doença do fado

Gabriel de Oliveira e Linhares Barbosa
Letra transcrita no livro de A. Victor Machado, “Ídolos do Fado” em 1937 
com a indicação de ser da autoria conjunta dos poetas populares 
Linhares Barbosa e Gabriel de Oliveira”, pertencer, ao repertório de 
Alberto Costa e ser cantada na música do Fado Hilário.
Informação retirada do livro *Gabriel de Oliveira* editado pela  
Academia do Fado e da Guitarra*

Quem diz que o fado é doente
Decerto muito se ilude
Quem o Fado canta e sente
Vê-se que sente saúde

Juro por tudo, confesso 
Não vos pretendo enganar
Eu só sinto que adoeço 
Quando não posso cantar

Estive às portas da morte 
E alguém me veio dizer
Canta o fado, faz-te forte 
Cantei, não pude morrer

Tenho azar de quando em quando 
Mas por estranha ironia
Se passo a noite cantando 
Tenho sorte ao outro dia

Se o fado é a melhor festa 
Das festas de Portugal
Não sei que doença é esta 
Que à gente nunca faz mal

Os garotos da Ribeira

Ana Madalena / Pedro Rodrigues
Repertório de Fernando João


Os garotos da Ribeira
São milhafres, são gaivotas
Andorinhas e pardais
Aves que gritam e agitam
E rasgam todas as rotas
Na vida do nosso cais

Alegrias esfarrapadas 
Voando de rua em rua
Na esperança de ver o mar
Sonhando verde navio  
Nas águas do nosso rio
Com asas por alcançar

Cai a noite, eles lá vão  
Em bandos pela cidade
Deixam o cais desolado
Aquelas aves meninos 
Trazem no ar os destinos
A cumprir um triste fado

Quem os vê não os conhece
Já nem sabe decifrar
No rosto, a sua idade
E cada um faz e inventa
Nesta cidade cinzenta 
Um pouco de felicidade

Nunca mais triste

Gonçalo Salgueiro / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Sofia Ferreira


Não há tem nem compasso nesta hora
Em teus braços tudo esqueço ao meu redor
Ao som do nosso amor, a noite chora
E o fado me acontece em tom maior

Trinadas, trago as cordas na garganta
Que ao céu bradam, num corpo de ternura
Ao som do nosso amor, a noite canta
Um fado já despido de amargura

Os fios do meu cabelo são guitarra
E ao toque dos teus dedos ganham vida
Ao do nosso amor, a note amarra
O nosso fado ao seu, amanhecida

Em nós já nada rima com procura
Somos verso que a qualquer tempo resiste
Ao som do nosso amor, a noite jura
Que o fado nunca mais nos será triste

Manifestação

Manuel Fria / Alfredo Marceneiro
Repertório Manuel Fria


Nuvens baixas, altas vozes
Juventude se debate
Na praça da Liberdade
Suas bandeiras levantam
E o riso duma criança
Lutando pela igualdade

Liberdade para os gestos
Porque os caminhos são longos
E os mares não têm fim
Unidos na mesma forma
Venceremos a batalha
Tão difícil e ruim

Somos a voz da razão
De pés assentes no chão
Que renegam injustiça
Pedindo a quem de direito
Que haja ordem e respeito
Pão, sorrisos e justiça

Carta aberta

Cátia de Oliveira / Manuel Graça Pereira
Repertório de Inês Duarte


Faz tempo que não reconheço
Tão densa se mostra a verdade
Vontade de aceitar o preço
Que nos pede a felicidade

E o som da guitarra 
Que cura e amarra
Em mim, a tristeza, no meu ventre
E ao longe a barra 
Escutando a guitarra
Em mim, a chamar-te feito gente

E nem posso chamar-lhe de saudade
A esta dor imensa que me invade
É ter nos dedos a vida escorrendo
E um grande sonho ardendo
Chora o homem na cidade


Faz tempo que só levemente
A alma qu’inda me resta
Se alegra e canta contente
Poemas de um país em festa

Sob o som da guitarra
A fé que se agarra
Paixão ao que o peito mudo sente
Quanto mais as amarras
Mais altas as guitarras
Dirão de que é feita a minha gente

No teu vidro da janela

João Ferreira Rosa / Jaime Santos
Repertório de Nuno da Câmara Pereira


No teu vidro da janela
Eu escrevi, quero-te bem
Tu p’ra mim és uma estrela
Não sonho com mais ninguém

És uma estrela dif’rente 
Daquelas que há no céu
O sol nascente e o poente 
Do que somos tu e eu

Temos o mesmo olhar 
As mesmas mãos inquietas
Acertamos sem falar 
Pensamentos como setas

Há tanto na nossa alma 
Que o teu corpo não descobriu
Há tanto, nada se acalma 
De tão cheio e tão vazio

Meus lábios sangram fado

Gonçalo Salgueiro / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Sofia Ferreira


Já não vejo as madrugadas
Já não sonho o que vivi
Por entre esperanças esmagadas
Atrás de portas trancadas
Eu já nem espero por ti

Nesta morada esquecida 
Só a dor comigo mora
Porque à tua despedida
Eu fechei a porta à vida 
E deitei a chave fora

P’ra não ver a claridade 
Fiz minha cama no chão
São meus lençóis de ansiedade
Almofadas de saudade 
E a tristeza é meu colchão

Resta-me a vida tão pouca 
Neste quarto abandonado
Escrava desta paixão louca
Fecho os olhos, mordo a boca 
E meus lábios sangram fado

O pregão duma florista

Rui Manuel / Alfredo Marceneiro-Pedro Rodrigues-Joaquim Campos
Repertório de Natalino de Jesus


Menor-versículo
O pregão duma florista, no Rossio
Bate à porta dos ouvidos, de quem passa
Depois junta-se ao perfume, que é vadio
E passeia alegremente, pela praça

Pedro Rodrigues 
Quem comprar leva ternura 
Sobre as pétalas garridas
E por dentro da verdura 
Vão sorrisos à mistura
Com palavras atrevidas

Marcha do Marceneiro
Muitas vezes, o amor 
Lança mão a uma flor
Para abrir uma coração
E por isso, a vendedeira 
Põe malícia na maneira
Como solta o seu pregão

Fado rosita
Leve orquídeas, leve rosas
Ou violetas, se prefere
E desfolhe a mais vaidosa
De entre as flores… a mulher

Não sei

Ricardo Maria Louro / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Mónica de Jesus

Não sei porque te espero, eu já não sei
Silêncio é pra mim noturno tempo
Não quero nada amor do que te dei
Deixa que te cante este lamento

Não sei porque te amei, eu já não sei
Maldigo aquele instante em que te vi
Não sei se te sonhei ou te inventei
Só sei que te não tive e que te quis

É tudo tão diferente ao que eu sonhei
Brutal, o teu silêncio é solidão
Não sei porque te amei, eu já não sei
Só sei que já calei meu coração

Aconchegado à minha mãe

Letra e música de José da Câmara
Repertório do autor


O sonho de um vento de amor
As mãos que protejem tão bem
Sentir que acordei p’ra melhor
Aconchegado à minha mãe

A brisa do amor que chegou
O terno sorriso de alguém
Ajuda a sentir o que sou
E ao lado tenho a minha mãe

O escuro da noite é feroz
E o medo aparece também
Mas logo sinto aquela voz
A voz da minha querida mãe

As luas vão rodopiando
O tempo chega mais além
Vivi minha vida de encanto
E ao lado esteve a minha mãe

Conta-me uma história

Nuno Guimarães / Custódio Castelo
Repertório de Mara Pedro


Conta-me uma história 
Conta-me por favor
Fala-me de coisas lindas 
Fala-me também de amor
Ou da lua que adormece
Nos braços de um céu maior

Tenho uma história escondida
Que tu conheces de cor;
Vive em mim quase perdida
Chama-se às vezes querida
Outras vezes de flor


Outras ouvi murmurar 
Que tu eras cetim
De um reino feito a fingir 
Imaginado por mim
Onde tu eras a lua
Fazendo-me historia tua

A hora agora é de perigo

Doutor Azinhal Abelho / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Manuel Fria


Bate a chuva no telhado
Passa o vento no postigo
Que importa que o mundo acabe
Se eu ando de amores contigo

Haja fome, peste, ou guerra
A hora agora é de perigo
Que importa que o mundo acabe
Se eu ando de amores contigo

Já baixou o céu à terra
Raivas rogo, pragas digo
Que importa que o mundo acabe
Se eu ando de amores contigo

Uma pedra dura dura
É dura p’ra teu castigo
Que importa que o mundo acabe
Se eu ando de amores contigo

Na nossa rua

Ricardo Maria Louro / Jaime Santos *fado sevilha*
Repertório de Mónica de Jesus


Meu amor, eu não te vi
Ao passar à minha rua
Nessa rua onde vivi
Bem me lembro, não esqueci
Mas a vida continua

Dessa casa que foi branca 
Nada resta de nós dois
Junto à porta há uma santa 
Um letreiro vem depois
Que tristeza não encanta

Na varanda não há flores 
Nem cortinas nas janelas
A fachada não tem cores 
Nada resta, pobre dela
Da casa dos meus amores

Mas no meu peito continua 
Desse tempo que abalou
A saudade nua e crua 
Que da casa já passou
Mas ficou na nossa rua

Canta meu bem

Cátia de Oliveira / Manuel Graça Pereira
Repertório de Inês Duarte


Por mais que a gente diga
A tudo me calo
Não guardo rancor
Pouco importa amor
Se nem o padre nos aprova
Do meu amor quem sabe?
Sei eu só onde cabe
E é nos braços teus 
Cruzados nos meus
Que o meu amor se renova

Canta comigo
Canta lá este meu fado
Canta meu bem, canta meu bem
Sonho contigo
Sonho ver-te em todo o lado
E a mais ninguém, a mais ninguém


Passo sem dar conversa
Não ouço conselho
O meu pai não quer
Mas venha quem vier
Dizer que este amor não é certo
Quem sabe do que sinto?
Deste amor tão distinto?
Herança que vai,
Bonança que vem
No teu peito sempre perto

Rapariga da estação

Letra e música de Duarte
Repertório do autor


Não sei se tinha chegado
Se porventura partia
Mas tinha um lugar sentado
E reparei no que lia

Cabelos negros caídos 
Longos, lisos, deprimidos
Escodem o decote ousado 
Do seu cinzento vestido

Não consegui dizer nada 
Preferi que fosse assim
Antes só que acompanhada 
Mesmo que seja por mim

Condição de quem resiste 
Abandono, solidão
Tão inspiradora e triste 
Rapariga da estação

Noite da madrugada

Clemente Pereira / Jaime Santos
Repertório de Maria Valejo


Sonhei com a alvorada
Da ventura prometida
Julguei seres a madrugada
E és noite na minha vida


Se o sonho quando começa 
Põe a alma iluminada
Lembrando a tua promessa 
Sonhei com a alvorada

Tanta ventura supus 
Tanta crença tive erguida
Que nos sonhos via a luz 
Da ventura prometida

Ao ver-te pelo caminho 
Duma ternura elevada
Do desejado carinho 
Julguei seres a madrugada

Julguei-te como te via 
Na mih’alma adormecida
Mas ao ver-te à luz do dia 
És noite na minha vida

Sinais de cinza

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


No beco abandonado 
Sem horas que distinga
Com letra que se vinga 
Do sangue atormentado
Vai inscrevendo o fado 
Na trémula restinga
Do corpo macerado
E a pena é uma seringa

Quase em andrajos, nua
No olhar parado voga
Torpor de asas de droga 
Na palidez da sua
Face, de quem se afoga
Chupou-lhe o rosto a lua
Sonâmbula flutua 
E nada aos deuses roga

Tão longe a juventude 
Em cinzas deslembrada
E tão desfigurada
Ajude ou desajude
Já não lhe vale de nada
Mesmo que a sombra mude
Na sombra se degradada 
Sem que anjo algum a escude

Menina e moça assim 
Em casa de seus pais
Criada entre alecrim 
E rosas no jardim
Levaram-na os sinais 
Das luzes irreais
Agora é quase o fim
Que a vida estava a mais

Tu serás

Artur Ribeiro / Pedro Rodrigues “quintilhas*
Repertório de Maria Valejo


Tu serás na minha vida
O passar dos dias meus
Nos teus braços escondida
Bem pequenina e atida
Ao mexer dos lábios teus

Tu serás meu dia a dia 
Sem um dia repetido 
Meu fugir da ventaina
Neste sentir alegria 
Por haver-te conhecido

Tu serás teimosamente 
O meu corpo sem marés
Este meu sentir-me gente
O meu amar loucamente 
Tudo aquilo que tu és

Tu serás, se Deus quiser 
Meu renascer hora a hora
A minha razão de ser
Meu ficar até morrer 
A teu lado, vida fora

De ti

Rosa Lobato Faria / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Luís Manhita


De ti só quero o cheiro dos lilases
E a sedução das coisas que não dizes
De ti só quero os gestos que não fazes
E a tua voz de sombras e matizes

De ti só quero o riso que não ouço
Quando não digo os versos que compus
De ti só quero a veia do pescoço
Vampiro que já sou da tua luz

De ti só quero as rosas amarelas
Que há nos teus olhos cor das ventanias
De ti só quero um sopro nas janelas
Da casa abandonada dos meus dias

De ti só quero o eco do teu nome
E um gosto que não sei de mar e mel
De ti só quero o pão da minha fome
Mendiga que já sou da tua pele

Portugal triste

Letra e música de Lima Brummon
Repertório de Teresa Tarouca


Meu país esperando na esquina do tempo
De braços abertos a todo o momento
Vou seguindo sempre calculando os passos
E se o que criei desfaço e refaço;
Meus olhos despertos abrem-se pró mundo
E eu caio em mim cada vez mais fundo

Meu país perdido na esquina do tempo
Triste Portugal tão pequeno e imenso
Pois eu te garanto país, que este povo
Traz no coração sempre um amor novo

Não quero que pensem que já me perdi
Nem quero que julguem que fujo de mim
Tenho lucidez p’ra poder viver
Eu sou vertical, não me hão-de torcer;
Sempre fui mais forte quando me quiseram
Tornar serva ou fraca e nunca me venceram

Tenho a dimensão do que quero alcançar
E nada que fiz tenho a lamentar
Pois p’ra me encontrar, ainda vos digo
Que nunca vendi meu cantar amigo

Portugal que eu canto 
Deixa a boca amarga
Mas eu estou bem firme 
Não estou derrotada

Toada de Goa

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Com um nó na garganta
Com o sarro de tanta noitada de Lisboa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser o resgate do coração que bate
Descompassado à toa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser uma espuma de já coisa nenhuma
Só lembrança que voa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser o inseguro fogo-fátuo no escuro
Lá no mastro da proa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser este brusco silêncio ao lusco-fusco
Que nas almas ressoa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Entre azul e lilás
Pode ser que o fugaz tempo, que não perdoa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa 

Nesta dura deriva da memória cativa
Que a saudade magoa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Manhã

Castro Infante / Eduardo César
Repertório de Maria Valejo


Era a manhã que se abria nos teus braços
E a promessa que sorria nos teus beijos
Era o mar que se envolvia em teus braços
O sol que ardia em teu corpo de desejos

E fui primavera na tua manhã
Enorme sol do teu corpo quente
Na suavidade azul do teu olhar
Afoguei-me lentamente, lentamente

Renasci no calor dos teus sentidos
Despertei totalmente em tua idade
Acordei a cidade em selvas de gritos
E madrugadas de claridade;
Ai meu amor, meu amor, nesse dia
Fomos só nós em toda a verdade

Ficção e realidade

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Ela cantava o fado e de repente
Fez-se na tasca enorme zaragata
Chegara o seu amante da fragata
E não gostou de ouvi-la tão ardente

E ao ver que os olhos dela se cravavam
Nos olhos de um rufia, devagar
A cena foi de faca e alguidar
Como depois os outros relatavam

Calaram-se o guitarra e o viola
E os mais à meia-luz emudeciam
Pois só passos felinos se mediam
No lampejar riscado a ponta e mola

É quando um deles cambaleia e vence-o
A golfada fatal de sangue e vinho
Tingindo peito, mangas, colarinho
E a quebrar num soluço esse silêncio

Já não há casos destes na cidade
E eu já não sei quem estendeu a mão
Mas num golpe certeiro ao coração
Tornou-se esta ficção realidade

De madrugada em segredo

Jorge Fernando / Popular
Repertório de Nuno da Câmara Pereira


Se acaso eu não voltar cedo
Se acaso vires que eu demoro
Minha mãe, não tenhas medo
É tudo porque eu namoro
De madrugada em segredo
Descansa que eu não te acordo


Vou rondar sua janela
Eu sei que ela vem espreitar
E ao pôr os meus olhos nela
Os dela vou encontrar
E a lua junto à viela
P’ra que eu possa namorar


Se o galo cantar cedinho
Sou eu que venho a chegar
Vou cuidar-me no caminho
P‘ra ninguém de mim falar 
A ti, que me tens carinho
O meu amor vou contar

Fado do recado

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Leva a Lisboa azul quadriculada
Que a Vieira da Silva já pintou
E a última gaivota que riscou
A sua leve luz acidulada

Leva a névoa que cai pela amurada
E a corrente do tejo não lavou
Leva as pedras que o tempo afeiçoou
E a saudade na voz sobressaltada

Leva uma vela branca desfraldada
A que no mar salgado desenhou
Um rumo que dos mapas não constou
E se desfez depois sob a nortada

Leva também a vida amargurada
Que o pobe coração desgovernou
E o recado febril que não chegou
Contando da paixão desesperada

Leva o tempo que foi e não voltou
E levarás contigo tudo e nada

Toca p’ra mim

Matilde Cid / Martinho d’Assunção *fado faia*
Repertório de Matilde Cid


Ligaram-me ainda agora
P’ra jantar fora, p’ra ir ao fado
Fui lá parar por magia
No outro dia vi-te pasmado
Não poderia supor
Que um tal amor surgisse assim
Mas a verdade foi esta
Será que é desta que eu estou afim

Quando estás a meu lado
Ficas calado, tocas p’ra mim
Não é preciso falar
Quando há no ar olhares assim
Só te quero ouvir tocar
E decifrar tua mensagem
Naquele momento és meu
E eu vou ao céu numa viagem


O whisky já foi bebido
Vem o corrido e o triplicado
Quero que toques p’ra mim
E ter-te enfim aqui a meu lado
Não quero cá mais conversa
Pois não me interessa ouvir tua voz
Quero os meus olhos fechar
Imaginar o amor em nós

Reencontro

Matilde Cid / Ricardo Rocha *alexandrino*
Repertório de Matilde Cid


Nós eramos crianças naqueles belos dias
No tempo em que vivias inteira, a liberdade
O tempo não passava, parecia infinito
E tudo era bonito sem ódio nem maldade

Levavas-me ao jardim sem um cruzar de olhares
Voando no vaivém, por vezes lá te rias
Sentia borboletas, soltava gargalhadas
Um pouco envergonhadas, sabia que me querias

Voltei a ver-te há dias, ficaste ali sem jeito
E eu com nó no peito não soube o que senti
Tornei a ser criança ao ver aquele amor
O mesmo antigo ardor e tudo o que eu vivi

Fado da corda bamba

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Dueto de António Pinto Basto com Maria João Quadros


Se você me deixou na corda bamba
E se eu me estatelei mordendo o pó
Não sei se isto é um fado 
Ou se é um samba
Se mantém a toada ou se descamba
Sei que se foi embora e fiquei só;
Não sei se isto é um fado 
Ou se é um samba

Não sei se isto é um fado 
Ou se é um samba;
Se é um fado 
Deixaste-me no Tejo
Se é samba 
Foi no Rio de Janeiro
Duas medidas para um só desejo
Em fado ou samba 
Assim no duplo ensejo
Da mesma língua 
A dar-lhe um só roteiro;
Duas medidas para um só desejo


Duas medidas para um só desejo;
Antes fique eu a meio do caminho
Da nossa vida para recordá-la
Ou mais depressa 
Ou mais devagarinho
Poderei sussurá-la num fadinho
Ou num sambinha doce murmurá-la;
Ou mais depressa 
Ou mais devagarinho

Ou mais depressa 
Ou mais devagarinho;
Se é fado direi “tu” mas imagina
Que se é samba 
Prossigo com “você”
Em qualquer caso nunca desafina
Sujeito e predicado são rotina
De em fado ou samba 
Perguntar porquê;
Em qualquer caso nunca se desafina

Chapéu escuro

Letra e música de Vitorino
Repertório de Nathalie Pires


Foste embora, fecha a porta
Deixaste o quarto vazio
Da tua voz, dos teus passos
Eu agora tão perdida
Fujo da rua onde mora
A má sorte de uma vida

Mas não tenhas a ilusão
Que o quarto vai ficar escuro
De ausência de solidão
Continados e janelas
Abrem-se de para em par
Podes voar, coração

Abrem asas os encontros
Que a vida sempre nos guarda
Ao virar da outra esquina
E não esqueças sobre a colcha
O chapéu escuro que fez sombra
À minha alma de menina

Fado da sereia

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Ela era cantadeira e um caso sério
Rainha sem rival no seu ofício
E já tinha levado só por vício
Três faias e um banqueiro ao cemitério

A voz, despia-a toda se cantava
No arfar do xaile preto e do decote
Tinha a força noturna de um archote
E a raiva e a revolta de uma escrava

Na boca o seu vermelho era sangrento
Nas mãos curvava as unhas como garras
Nas ancas tinha a curva das guitarras
As fúrias no cabelo eram do vento

Os olhos eram de aço se os abria
Cravando-os em incautos corações
E ao serem mais funestas as paixões
Todo o seu corpo branco estremecia

Cantava como o fogo que devasta
As almas e as cidades de repente
Chamavam-lhe “a sereia” toda a gente
E era como a maré quando ela arrasta

Morreu de um desespero de facadas
No peito, nas carótidas, na cara
Deu-lhas alguém que um dia atraiçoara
E preferiu as mãos ensanguentadas

Não vi mulher mais bela em toda a vida
E em forma de mulher, mais tempestade
Nem voz ouvi que fosse mais verdade
Nem verdade a cantar mais incontida

Baixou por sua vez ao cemitério
Rainha sem rival no seu ofício
O que era de contar agora disse-o
Fica por desvendar o seu mistério

Senhora dona piela

César de Oliveira / João de Vasconcelos
Repertório de António Mourão


Senhora dona piela
Só eu e mais ela 
É que é português
Gostamos da noite 
E dum pastelinho
Regado com vinho 
Em baldes de três

Senhora dona piela
Aos tombos mais ela
Batemos o fado
Amiga leal que ensina o caminho
Vai mais um copinho 
Com ela a meu lado

Companheira das antigas
Senhora dona piela
Que também entra nas brigas
Senhora dona piela
A boca sabe-te a mosto
Tu bebes o que eu bebi
Sinto o teu fogo no rosto
Ai como eu gosto 
De passar a noite agarrado a ti
Senhora dona piela
De passar a noite agarrado a ti


Senhora dona piela
Não és sentinela 
Do último copo
Conforto dum homem 
Que quer esquecimento
Viver no momento
É isso que eu topo

Mal a manhã se levanta
Também se levanta 
A dona piela
E salta em silêncio 
Da cama p’ra fora
Depois vai-se embora 
Sem eu dar por ela

Jardins de Portugal

Lima Brummon / Luís Alexandre
Repertório de Teresa Tarouca


Nos jardins de Portugal 
Vão morrendo lentamente
Alegrias dos mais velhos 
Momentos de bem e mal 
No que fizeram e foram
Meditam, perdem seus sonhos

Faces que o tempo marcou 
Nos jardins de Portugal
Vejo passar junto a mim 
E no que a vida os tornou
Homens sombrios de olhar triste
Pressinto um dia o meu fim

Tenho remorso de vê-los 
Nessa enorme solidão
P’los jardins de Portugal 
De nada fazer por eles 
E ter ainda alegria
Para os poder alegrar

Em cada rosto enrugado 
Sinto lembranças de amor
Sofrimento e frustração 
Portugal tão mal amado
Nos bancos dos seus jardina
Sofre em cada coração

A estrela da minha vida

José da Câmara / Raúl Ferrão *fado carriche*
Repertório de José da Câmara com Teresa da Câmara


A estrela da minha vida
Brilhando me viu nascer
E a sua luz foi seguida
Porque era luz a valer

Com ternura e com amor
Seguiu meus passos pequenos
Deu sua paz interior
Aos meus sonhos tão serenos

A sua voz de encantar
Segurando na guitarra
Com a luz do seu olhar
Iluminou a minha estrada

Partilhamos emoções
Era a estrela que sorria
Mesmo nas desilusões
Sua voz era poesia

Sinto-me na escuridão
Não vejo a estrela mais querida
Chora triste o coração
P’la estrela da minha vida

Trovas do meu povo

Lima Brummon / Luís Alexandre
Repertório de Teresa Tarouca


Lá vem num corcel o príncipe real
Vem saber dos favos, vem medir o mel
Vem ver os pastores pastarem o gado
São seus os pastores e é seu todo o prado

Lá vem num cavalo o senhor regedor
Vem ver como cumprem as ordens do rei
Pela terra alheia vem ver lavradores
Vê o que semeiam, vem contar as flores

Lá vem num burrico o senhor abade
Vem pedir prás almas, prás almas salvar
São suas as almas que o povo lhes deu
Partilha por todos a fé que perdeu

Lá vem todo o povo a pé no povoado
De Cristo nos ombros à cruz arrancado
Pois Cristo resiste, não morre entre o povo
Porque em cada um há sempre um Cristo novo

O meu cavalo passeia

Maria Manuel Cid / Custódio Castelo
Repertório de João Pedro


O meu cavalo passeia
Comigo, à beira do mar
Vai ele beijando a areia
E eu vendo o tempo passar 

O meu cavalo não gosta
De rédeas, para correr
Só ele me dá resposta
Só eu o posso entender

O trote do meu cavalo
Pode levá-lo, ao caminhar
A descobrir, vagabundo
Um novo mundo para me dar
É livre como andorinha
Que vai sózinha onde lhe apraz
Eu posso, sempre que queira
Desta maneira viver em paz


As crinas bailam à solta
O vento a bailar com elas
São andorinhas à volta
Das grades dumas janelas
Aberta na estrada viva
Do mundo do sentimento
Canoa vogando à deriva
No mar do meu pensamento

Amigo

Letra e música de José da Câmara
Repertório do autor


À noite eu sentei-me
Olhei p’ra dentro de mim
Pensei e perguntei-me
Que tal a vida assim?

Porque é que estou tão triste 
Se nada vai mal p’ra mim
Mas o mal-estar insiste 
Que tenho eu de ruim?

Será que é por inveja 
De não ter essa coragem
Do teu humor que rega 
A mais bela paisagem

És o primeiro a ver 
Que o sério é banal
Aconteça o que acontecer 
És prova do fundamental

Então eu entendi 
Que tenho uma imensa sorte
Podendo estar ao pé de ti 
Aprendo a ser alguém mais forte

Amigo, eu cá estou 
P’ra tudo o que der e vier
Esta tristeza já passou 
Contigo aprendi a viver

Pobre pátria trigueira

Letra e música de Lima Brummon
Repertório de Teresa Tarouca


Ó pobre pátria trigueira
Dás filhos como dás flores
Nossa Senhora das Dores
A chorar a vida inteira

Dás filhos a todo o mundo
Como um tronco sem raíz
Mãe das mães que perdem tudo
E morrem no seu país

Ó pobre pátria trigueira 
Mãe da dor e da tristeza
Separada pela fronteira 
Da nossa grande pobreza
Com boca que ninguém beija 
E a tua mesa vazia
Longe de quem te deseja 
Envelheces dia a dia

Ó pobre pátria trigueira
Quando abraçarás teus filhos
Que andam p’lo mundo perdidos
A chorar a vida inteira

Lá vão ao sabor das águas
Em barquinhos de papel
Com o mar à pele das mágoas
E ao sol que lhes cresta a pele

Como nasceu o fado

Francisco Rodrigues / Alberto Lopes *fado dois tons*
Repertório de Vicente da Câmara


Se há quem lhe interesse saber
Como é que nasceu o fado
Cantando vou responder
Porque estou bem informado

Ele nasceu, era fatal 
Num certo e tristonho dia
Duma união natural 
Prós lados da Mouraria

Aos nascer logo é fadado 
Co’a tradição por virtude
E batizam-no de fado 
Na Senhora da Saúde

Fez-se adulto, quis sair 
Coisa a que ele não resiste
E foi a Alcácer Quibir 
Mas voltou ‘inda mais triste

Foi nobre e foi plebeu 
É tudo onde a raça impera
P’los dotes que Deus lhe deu 
Foi amado p’la Severa

Mas eu não disse, afinal 
Quem foi a mãe, a meu ver
Ele é filho natural 
Duma guitarra qualquer

Fado da noite do fado

João S. Martins / José Luís Iglésias
Repertório de Fátima Santos


Triste a noite, triste vem
Nos fados que a noite abraçam
Na rua que tanto tem
Na rua que tanto tem
Tristezas que por lá passam

Nas vozes que a noite esconde 
Por muito escuro que faça 
Uma luzinha presença
Uma luzinha presença 
Brilha por trás da vidraça

Vendem-se imagens e luz 
Nas janelas da ilusão
Capa que encobre a tristeza
Capa que encobre a tristeza 
Das noites de solidão 

Nas estrelas que viajam 
Há uma esperança e uma prece
Sonhos das horas que passam
Sonhos das horas que passam 
Enquanto a noite adormece

Estamos aqui

Daniel Gouveia / Armando Machado *fado maria rita*
Repertório de José da Câmara

Amigos, aqui estou eu
Vejam o que aconteceu
Uma história de pasmar
Ainda há pouco era menino
E tive por meu destino
Passar a vida a cantar

Não julguem tudo ser rosas
Pois as rosas são espinhosas
E ferem de quando em vez
Mas no fim, deu tudo certo
Nascem rosas num deserto 
Quando canto p’ra vocês

Pisar o palco é tremer
Medo de tudo esquecer 
Ansiedade, confusão
Mas tenho Deus p’lo meu lado
Eu rezo a cantar o fado 
Porque fado é oração

Trinta anos a cantar
Quantos mais irão passar 
Só o futuro o dirá
Mas sinto-me acompanhado
Amigos, muito obrigado 
Por terem vindo até cá

Pinto auroreal

Letra e música de Edgar Nogueira
Repertório de Catarina Rosa


Eu pinto a noite e o dia
Com as tintas da alvorada
Pinto a dor e a alegria
Com tons de brisa dourada

Meus olhos são duas estrelas 
Que dão mais luz ao meu quadro
Até meu amor ao vê-las 
Ficou logo enamorado

Eu pinto o teu olhar 
Com tintas do arco-íris
Mas só te posso amar 
Meu amor, se não mentires

Eu pinto o sol e a lua 
Eu pinto os peixes e o mar
Ai amor… eu serei tua 
Se tu me quiseres amar

Eu pinto a escuridão 
Com a ponta dum cigarro
Em forma de coração 
Loucamente apaixonado

Eu pinto o tempo que passa 
Com verde meio azulado
Cor de esperança e de graça 
P’ra cantar sempre o meu fado

Eu vi o que tu vias

Aldina Duarte / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Francisco Salvação Barreto


Eu vi naquela noite o que tu vias
No brilho dos teus olhos, quando olhaste
Bem sei que tudo aquilo que dizias
Não era tudo aquilo que mostraste

Promessa revelada, indiscreta
Perdida noutra vida a começar
Fechaste para sempre a porta aberta
Perdemos para sempre aquele olhar

Apenas sede e frio que não se esquece
Deixaste num sorriso quase triste
P’ra mim, tu foste mais do que parece
P’ra ti, eu fui alguém que não existe

Serás da minha noite a madrugada
E o tempo que não esteve ao nosso lado
Promessa duma história mal contada
Paixão que não se apaga neste fado

Vindimeiro

Lima Brummon / Vitor Manuel Rodrigues
Repertório de Teresa Tarouca


Amaduram-se os cachos 
Torna o tempo da vindima
Bagos novos, bagos novos 
Arde-lhes o oiro em cima

Vergam-se as vides pesadas 
Bagos ciosos se animam
Vindimeiro, vindimeiro 
Velho moço em velha vinha

Vindimeiro vindimado
Quem te vindima a ansiedade
Cachos verdes, quem tos dera
Para vindimares a saudade
Tens mais sede de vindima
Do que tem a farta uva
A sede de ser colhida
Se cai a primeira chuva


Como cachos pró lagar 
Saltam os seios às vindimeiras
Bagos cheios, bagos cheios 
De desejo e bebedeiras 

Anda a serpente da terra 
Na dança das parras soltas
Vindimeiras vindimadas 
Rebentam bagos na boca

Regresso

Sophia de Mello Breyner / Lima Brummon
Repertório de Teresa Tarouca


Quem cantará vosso regresso morto
Que lágrimas, que grito hão-de dizer
A desilusão e o peso em vosso corpo
Portugal tão cansado morrer

Portugal tão cansado morrer
Ininterruptamente e devagar
Enquanto o vento vivo vem do mar
Enquanto o vento vivo vem do mar

Quem são os vencedores desta agonia?
Quem os senhores sombrios desta noite
Onde se perde, morre e se desvia
A antiga linha clara e criadora;
A antiga linha clara e criadora
Do nosso rosto voltado para o dia

Amigos, amigos

Ana Vidal / José da Câmara
Repertório de José da Câmara


Amigos amigos que a vida nos deu
São portos de abrigo, a luz do postigo
Em noites de breu
Amigos amigos, os do coração
Se a gente precisa
Despem a camisa sem hesitação


Fizeram a nossa história
Desde os tempos do liceu
Um ou outro se perdeu
Numa esquina da memória

De outros recantos da vida
Outros vieram depois
Sejam vinte, ou sejam dois
São a nossa guarida

Paixões são chamas, não dura
Morrer mais cedo ou mais tarde
Mas uma luz sempre arde
No amigo que perdura

Mulher-amor

Lima Brummon / António Chaínho
Repertório de Teresa Tarouca


Mulher chegada ao sonho adolescente
Botão de esperança num sorriso alegre
Mulher inteira, coração contente
Que guarda com ternura
A última boneca
P’ra quem o amor é coisa pura

Mulher capaz de ter nas mãos serenas
Toda a força do amor que habita em si
E sabe pôr nas coisas mais pequenas
Um gesto de ternura
Mulher igual a mim
Mulher que és mãe, és a mulher mais pura

Mulher que chega à esquina da idade
Carregada dos seus anos doirados
Cada ruga lhe traz uma saudade
E afaga com ternura
Seus cabelos grisalhos
Bebebdo o amor da sua fonte pura

Não digas sorte, diz Deus

João Dias / Joaquim Campos *fado rosita*
Repertório de Vicente da Câmara


Não digas sorte, diz Deus
Não digas fado, diz lida
Junta teus sonhos aos meus
E vamos viver a vida

Diz luto em vez de destino
Diz só hoje e não saudade
Diz humano ao que é divino
Diz justiça à caridade

Em vez de negro, diz luz
À noite exige luar
E nos teus gestos mais nus
Põe a graça de te dar

Foi assim

Diogo Clemente / Valter Rolo e Diogo Clemente 
Repertório de Matilde Cid

Primeiro dei-te as mãos, depois o olhar
Morria de vergonha por te ver
O amor tem destas coisas, faz corar
E eu que sou tão menina, fui mulher

Por tudo o que me dás aqui me tens
Por tudo o que t’espero e sei de ti
Eu vim do mundo longe de onde vens
E vi a vida porque em mim te vi

Como é que foi acontecer assim
Tão certa a minha vida e tão inteira
Que jeitos teve Deus p’ra ver em mim
Alguém que é feito à minha maneira


Chegaste calmamente ao meu lugar
Das coisas que ainda guardo para mim
Como se a vida fosse p’ra te esperar
Chegaste p’ra fazeres morada em mim

Se fomos rendilhados pela sina
De que outros dizer ser um grande amor
Que saibam que é só ele que domina
E que nos leva a vida p’ra onde for