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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.330' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Porque choras, coração

Ricardo Maria Louro / Popular *fado menor*
Repertório de Cláudia Leal

Porque choras, coração
Porque cantas a chorar
Que retalhos de solidão
Andas tu a namorar

Porque teimas, incerteza 
Em aninhar-te no meu peito
Tu semeias a tristeza 
Ao teu gosto e ao teu jeito

Porque escorres, solidão 
Pela vida num olhar
Tu queres ter uma afeição 
E só cantas a chorar

Não insistas, coração 
Em bater tão magoado
Que afinal a solidão 
É mais um verso do meu fado

Por môr de bailar

Tiago Torres da Silva / Valter Rolo
Repertório de Sandra Correia 

Quem nunca foi a Viana
Não conhece viras ou gótas
E se julga que me engana
Bem pode ir arrumando as botas

Sou rapariga do Minho
Mas não me hão-de chamar galega
E nenhum homem sozinho
Me canta um fadinho
Que um pra mim não chega

Quem nunca foi a Viana
Não conhece gótas ou viras
E não julgue que me engana
Apenas com duas mentiras

Sou rapariga do Minho
E não me hão-de levar à certa
Mas se houver um rapazinho
Que me dê carinho
Deixo a porta aberta

Não convidem prá bailação
Quem chegou mas já trouxe par
Deixem isso às raparigas
Que ensaiam cantigas
Por môr de bailar
Deixem isso às raparigas
Não façam intrigas
Porque arranjam par

Quem nunca foi a Viana
Poderá ser pobre ou ser rico
Mas não julgue que engana
Se não vier ao bailico

Sou rapariga do Minho
E sem ser nenhuma beleza
Levo a água ao meu moinho
Pois visto de linho
Bem à portuguesa

Fado do cívico

Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos / Bernardo Ferreira
Versão do repertório de Gustavo Leal
Criação de Estevão Amarante na revista *Torre de Babel* em 1917
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*


Eu sou polícia, por desgraça
Faço frente à populaça
Que me odeia porque a livro dos ladrões                                   
E se dou caça aos malandrões
Sou apupado, sou corrido, apedrejado
Vou corrido aos encontrões;
E se faço um gesto vago 
P'ra bater nos refilões                    
Eu sou corrido e mal pago  

Hei-de multar, fazer prisões
Hei-de apitar contra os ladrões
E tudo por seis tostões

Quando a república se fez
Comi tanto dessa vez
Fiquei logo com a cabeça partida
Ai veio o 14 de Maio
Ai, pai da vida,  e ferram-me um outro ensaio     
Que a coisa esteve gaudida
E tanto tenho levado que já estou acostumado
Que não quero outra comida   
                      
São traulitadas, cachações
São ??? de pinhões
E tudo por seis tostões
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Versão Original

Criação de Estevão Amarante na revista *Torre de Babel* em 1917
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia no livro
Poetas Populares do Fado-Canção

Eu sou polícia, por desgraça
Faço frente à populaça
Que me odeia porque a livro dos ladrões
E se dou caça aos malandrões
Sou apupado, sou corrido, apedrejado
Vou corrido aos encontrões
E se faço um gesto vago 
P’ra bater nos refilões
Eu sou corrido e mal pago.

Hei-de apitar contra os ladrões
Hei-de prender os malandrões
E tudo por seis tostões


Quando a República se fez
E eu comi tanto, dessa vez
Fiquei logo com a cabeça partida.
Mas veio o 14 de Maio, ai Pai da Vida
Ferraram-me um outro ensaio 
Que a coisa esteve gualdida
E tanto tenho levado
Que já estou habituado
E não quero outra comida

Hei-de apitar contra os ladrões
Hei-de prender os malandrões
E tudo por seis tostões


Eu uma vez caí na asneira 
De atirar-me a uma sopeira
Que me dava boas pernas de galinha
E vai daí, de manhãzinha
Ardendo em brasa, subo a escada
Entro em casa, vou direito à cozinha
Apalpei uma pessoa
Vai-se a ver, era a patroa
Que me fechou logo na cozinha

Veio o marido aos encontrões
Lá fui corrido aos cachações.
E tudo por seis tostões

Passamos para o âmbito mais doméstico do Ministério do Interior, neste fado
que descreve as atribulações de um «cívico», isto é, um polícia de giro. 

Incompreendido (vá-se lá saber porquê), a população não lhe fica reconhecida por
livrá-la dos ladrões, malandrões e refilões, com explícitas queixas pelo baixo salário: 
seis tostões. 

Mais uma vez a política, com referência à «traulitada» por ocasião da implantação da
república e da posterior revolta de 14 de Maio de 1915, que derrubou o governo de
Pimenta de Castro (mais uma das que ocorreram entre 7 parlamentos, 8 presidentes 
da república e 39 governos de 1910 a 1926, ano em que foram repostos a estabilidade 
e o equilíbrio das finanças públicas, até 1974).

Em 1970, Vicente da Câmara, que em criança ouvia este fado numa grafonola de 
manivela, cantado pelo próprio Estêvão Amarante, aproveitou a música para uma 
letra de Francisco Branco Rodrigues, gravando assim o seu êxito 
*O Fado Antigo é Meu Amigo* reeditado em 2004 num CD biográfico 
deste grande fadista.

Santo António traiçoeiro

Teresinha Landeiro / Alfredo Mendes *fado fininho*
Repertório de Teresinha Landeiro

Eu sempre quis um santo pra meu par
António foi por quem me apaixonei
De santo tinha o nome e o olhar
Abençoado o dia que o encontrei

Um dia fui às festas populares
Lisboa festejava o Santo António
Comprei uns manjericos singulares
E em dois rimava António com demónio

Então vi o meu par no bailarico
Dançava junto dela na igreja
Daí estar escrito no meu manjerico
Não é o António o santo que se deseja

E foi no baile que o meu coração
Parou ao ver tão falsa santidade
Pedi a Santo António um João
E que fosse esse um santo de verdade

De novo perguntei ao manjerico
Que quadra me havia de calhar
E a rima disse não ao namorico
Pois nela, o João vai me enganar

Andava por Alfama a vaguear
Coberta de tristeza e solidão
Talvez houvesse um Pedro pra casar
Que não fosse parecido ao tal João

Juntei todas as rimas populares
E então me apercebi do pandemónio
Que o santo casamenteiro dos altares
Criou com o João, o Pedro e o António

Abandonei a festa popular
Subi a São Vicente e confessei
Não quero mais santos pra me enganar
Pra esse peditório eu já dei;
Não quero mais santos pra me enganar
Pois pra esse peditório eu já dei

Fado em bom português

Tiago Torres da Silva / Alfredo Duarte *fado laranjeira estilizado*
Repertório de Miguel Ramos
Letra cantada no espetáculo musical *Casa de Fado* 
Teatro Villaret, Lisboa, 2004

Portantos, uma canção
Para a conseguir cantar
Pode faltar coração
Tem de se saber falar

Estas novas raparigas 
Ganham p'ra mais de 100 contos
Mas as fadistas antigas 
É que o sabem tudo… e prontos

Mal ponho um disco a tocar
Fico cheio de saudades
Mas se hei-de ouvir a chorar
Por certo tu também há-des

Quem canta o fado sentido 
Pode às vezes ver-se à rasca
Para cantar o Corrido 
Fora da luz de uma tasca

Porque é à luz de uma vela
Com vinho do carrascão
Que o fadista abre a "jinela"
P'ra dentro do coração

Inté já me têm dito
Alguns de vossemecês
Que o fado é hoje erudito 
E fala bom português

Amor aos molhos

Teresinha Landeiro / Pedro de Castro
Repertório de Teresinha Landeiro

Amor aos molhos
Dizem meus olhos
Quando te vejo de noite, ao cantar
Digo o que sinto
Juro, não minto
Tenho o desejo de te namorar;
Digo o que sinto
Juro, não minto
Sei que um dia ainda vamos casar

A tua boca de noite voltou
Vinha mais bela que as ondas do mar
Essa que um dia saudade deixou
E o desejo de um dia a beijar;
Desde esse dia em meu sonho ficou
Esta loucura de amar

A tua boca de noite voltou
Nela, sem medo, poisei meu olhar
Desde esse dia meu fado ficou
Preso nas rimas do meu verbo amar;
Quando acordo e tua não sou
Peço prá noite voltar

Maré viva

Rosa Lobato Faria / Mário Pacheco
Repertório de Carlos Zel

Primeiro a minha mão sobre o teu seio
Depois um pé… o teu… sobre o meu pé
Logo o roçar urgente do joelho
E o ventre mais à frente na maré

É a onda do ombro que se instala
É a linha do dorso que se inscreve
A mão agora impõe, já não embala
Mas o beijo é carícia, de tão leve

O corpo roda: quer mais pele, mais quente
O boca exige: quer mais sal, mais morno
Já não há gesto que se não invente
Audácia que não ache um abandono

Então já a maré subiu de vez
É todo o mar que inunda a nossa cama
Afogados de amor e de nudez
Somos a maré alta de quem ama

Por fim, o sono calmo que não é
Senão, ternura, intimidade e enleio
O teu pé descansando no meu pé
A minha mão dormindo no teu seio

O mesmo mar

Letra e música de Fernando Girão
Repertório de Cláudia Leal 

Tentei encontrar
O teu pedaço de mar
No segredo das águas
Tentei decifrar
O que resta de mim
E assim lavar as mágoas

Tentei entender
Sentir a sensação
De ser parte do todo
Tentei refazer
O que tinha perdido
E começar de novo

Na orla dos teus sonhos
Tento chegar, mas nunca chego
Não sei se és tu que não deixas
Ou se eu de ti tenho medo

Viajamos por muitos rios
Apaixonados e ardentes
Procurando o mesmo mar
Por caminhos tão diferentes

A nova Rosa da Mouraria

Letra e música de Marco Oliveira
Repertório de Tânia Oleiro

De manhãzinha 
Voltou a Rosa, sem dizer nada
Vinha sozinha 
E mais formosa, bem apressada
Parou na Rua do Capelão
Onde esperava
O tal rapaz 
Que há muitos anos a namorava

Ai quem diria que um dia 
A Rosa da Mouraria
Voltava àquela casa
No Largo da Severa
Ai quem diria
Que a Rosa da Mouraria
Tinha a vida bem guardada
P'ra voltar a ser quem era

Viu sardinheiras 
E margaridas numa janela
Namoradeiras 
Entristecidas à espera dela
Agora a casa t
em o encanto 
Que tinha outrora
Até a Rosa 
Já prometeu não ir embora

Eternos rituais

Ana Vidal / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Percorro palmo a palmo o teu desejo
E palmo a palmo sinto-me vibrar
Primeiro, na lenta perfeição de um beijo
Que nos acende o corpo, devagar;
Tão devagar que sinto mais que vejo
Morrer na minha pele o teu olhar

Depois, nas mãos que inventam sábiamente
Novos desenhos, esboços delirantes
Perdidos tempo e espaço, de repente
Partimos à deriva, viajantes;
Somos cinco sentidos, simplesmente
Por novas dimensões alucinantes

E assim, de sal e mel embriagados
Cumprimos os eternos rituais
E ao som de coros loucos, inspirados
Dançamos com o vento nos trigais;
Entre a terra e o céu, entrelaçados
Senhores do universo uma vez mais

Por fim, quando o desejo é já cansaço
E voltamos a nós, devagarinho
Ancoramos na calma de um abraço
Feito de gratidão e de carinho;
E é prazer ainda, quando passo
A mão, no teu cabelo em desalinho

Somos amor

Hélder Moutinho / Carlos Macedo
Repertório de Maria Dilar 

Amantes somos nós e não sabemos
O quanto pode haver de amor em nós
O quanto desejamos e vencemos
Na força que retrata a nossa voz

Amantes somos nós e somos lua
A oferecer o brilho à noite escura
E somos aguarela viva e nua
Pintada com mil cores duma ternura

Por isso amor
Sabes de cor o que é ser gente
Para depois
Nenhum olhar andar ausente
Somos assim
Como um jardim de Abril em flor
Somos amantes a cantar
Somos amor

E toda a vida vamos ser amantes
Na nossa madrugada já vencida
Que até os nossos corpos radiantes
Darão à negra noite, a luz da vida

Amantes somos nós eternamente
Por mais que alguém condene o nosso amor
E somos a raiz duma semente
Que já cresceu botão e fez-se em flor

Ai fadinho

Letra e música de Carlos Paião
Repertório de José da Câmara

Ai fadinho… 
Andamos sempre a refilar, fadinho
Todos nos querem enganar, fadinho
Cuidadinho, tu vê lá
Ai fadinho… 
Põe a cabeça no lugar, fadinho
Que isso da gente arrepiar caminho
Ai fadinho… já não dá

Não dá pra ir agora aprender línguas
Pensar em esforços 
Com um sol deste tamanho
Se o colega não se esmera
Concerteza que não espera
Que eu sozinho 
Tenha a arte e o engenho

E depois, sabemos como é no estrangeiro
Lugar divino, onde enfim, tudo melhora
Assim sendo está previsto
Nem perder tempo com isto
Já que nunca vai ser bom como lá fora

E nem que desse e nem que fosse 
O que está a dar
O que está a dar nunca dá nada
Sabes bem
Mas podes crer que é altamente
Andar aí por entre a gente
Acreditando ser melhor do que ninguém

Fazer projectos muito, muito, opcionais
E ter ideias lindamente originais
Criticando as conjunturas
E a falta de estruturas
São desculpas 
Porque sonhamos demais

Fado triste, triste fado

João Ferreira Rosa / Michel Legrand (sinfonia concertante de Mozart) J.Braga
Repertório de João Braga

Fado triste, triste fado
Vida assim não sei viver
Mesmo sem voz, o pecado
Espera o perdão pra morrer

Fado triste, triste sina 
Mais valia não te ver
Teus lindos olhos, menina 
A razão de me perder

Portugal, país distante 
Em qualquer lado do mar
Meu amor e minha amante 
Branca bandeira sem par

Morre o soldado na guerra 
Morre o fadista a cantar
De novo regresso à terra 
Onde aprendi a brincar

Cantei cantigas antigas 
Quantas formas de te amar
Cantei quantas raparigas 
Nos meus sonhos de encantar;
Fado triste, triste fado 
Bem mais pior que chorar
Bem mais pior que chora

A vida que há na saudade

Tiago Torres da Silva / Alfredo Duarte *fado cravo*
Repertório de Cristina Nóbrega 

Quando o silêncio me diz
Que a vida está por um triz
E eu sei que fala verdade
Vou pra trás duma guitarra
E a minha voz agarra
A vida que há na saudade

Vem um fado e outro fado
E o coração cansado 
Diz que não quer sofrer tanto
Porque já sabe de cor
O que lhe faz o menor 
De cada vez que o canto

Mas o guitarrista toca
Uma guitarra que evoca 
Outra guitarra mais triste
Está guardada no meu peito
E toca um fado que é feito
Da dor mais forte que existe

Ao escutá-la no meu sangue
O meu coração exangue 
Volta a bater com vontade
E é nas cordas da viola
Que a minha vida se enrola 
Na vida que há na saudade

Senhora não vás ao rio

Manuel Alegre / João Mário Veiga, João Braga
Repertório de João Braga

Senhora, não vás ao rio
Não vás ao rio
Não deixes que te dispa o vento frio
E te mordam negros peixes
Senhora não vás ao rio

Senhora não vás à praia
Não vás, não vás
As marés e o vento, levam-te a saia
As algas prendem-te os pés
Senhora não vás à praia

Senhora não vás ao bosque 
Não queiras que de repente
Um fulano venha e se enrosque 
Dentro de ti, para sempre
Senhora não vás ao bosque

Não murches senhora, em casa 
A casa tem suas teias
Deixa entrar o golpe de asa 
Rompe rendas e cadeias
Não murches senhora, em casa

A vida não é castigo 
Solta os cabelos e a saia
Deixa-me ir voar contigo 
Sobre o rio, sobre a praia
Senhora, não é castigo

Refúgio

Aldina Duarte / José Ferreira
Repertório de Aldina Duarte

Passa-se o tempo a correr
Enquanto a vida deixar
Esperaremos como sempre
Que alguém nos venha salvar

Numa casa abandonada
Ronda a morte sem chorar
Do que foi não ficou nada
Pra quem parte e quer ficar

Não há ninguém 
Na solidão dos meus passos
E pouco a pouco, os abraços
São a cruz do dia escuro
Virá alguém 
Matar de vez estas mágoas
Caminhando sobre as águas
Sem passado e sem futuro

Que o mar da nossa incerteza
Seja a força que nos cega
Quando a terra nos despreza
E o céu nega a nossa entrega

No embalo da canoa
Adormecem desvalidos
No som das ondas à toa
A voz dos corpos vencidos

Fado às voltas

Tiago Torres da Silva / Alberto Costa *fado dois tons*
Repertório de Cristina Nóbrega 

Volta e meia estou de volta
Volta e meia já não estou
Quem me quis à rédea solta
Foi quem comigo ficou

Quem, em troca de carinho 
Quis prender-me o coração
Ficou a falar sozinho 
Nas voltinhas do Marão

Quantas voltas dá o mundo 
P'ra ensinar que a verdade
É que a vida é um segundo 
Aos olhos da eternidade?

Vamos lá: é volta e meia 
Cada qual escolhe o seu par
Que eu posso mudar de ideia 
Antes da noite acabar