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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.350' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Carochinha de Lisboa

Manuel Bobone e Rita Olivaes / Manuel Bobone
Repertório de Maria Ana Bobone


É quando acorda esta cidade estremunhada
Que se levanta e pede ao sol que mostre o dia
E lembre a noite, se foi bem ou mal-passada
E se foi feita de tristeza ou de alegria

Abre dois olhos, janelas de par em par
Atira a vista para um espelho que é o rio
E só acaba, finalmente, de acordar
Ao ver-se linda na proa de um navio

E à janela de Lisboa 
Há sempre uma carochinha
Louca, louca por casar
Naquela da Mouraria
Toda viradinha ao rio
Não é defeito é feitio 
A menina a perguntar:
Quem quer casar com a carochinha
Que é bonita e formosinha?
Cinco reis do meu sobrado
Com dez reis de mel coado
E um lugar nesta casinha

O sol a pino alumia os corações
E o meio-dia bate as horas na barriga
Saltam sardinhas a brilhar sobre carvões
Sai um almoço como sai uma cantiga

Estonteada pela luz que lhe faz mal
Olhos na rua, paraíso de mundanas
Descansa a vista, pisca os olhos e afinal
E só baixar com cuidadinho as persianas

Caindo a noite, cai um manto de sossego
Sobra fingida sobre um mundo em movimento
A gente canta, janta, grita, perde o medo
E fala até, devagarinho, em casamento

Mas a menina já cansada, quer mudança
Olha para o rio e vê as luzes em Almada
Fecha as janelas, fecha os olhos e descansa
Oue Deus a guarde e lhe dê noite sossegada

Fadistices

José Borges / Popular *fado mouraria*
Fernando Maurício e Natércia da Conceição

Tu não te metas comigo
Pois não quero discussões
Para improvisar contigo
Natércia, só o Camões

O Camões foi um poeta
E tu que és, afinal?
És apenas um pateta
Da canção nacional

Mesmo assim tu não me ralas
E nem contigo me exalto
Ou tu pensas ser a Callas
Do fado do Bairro Alto?

Contigo mais não abuso
Pois não me quero zangar
És parecido c’o Caruso
O que tens é falta de ar

Basta de tanta piada
Porque o que dizes é treta
Afinal a desgarrada
Já ia dando em opereta

Pobre de mim que sou eu

Letra de João Fezas Vital
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Pobre de mim que sou eu
Assim como tu me vês
Tudo de mim se perdeu
Tudo de nós se desfez


Fui sonhando outras lembranças
Que me viessem do céu
Nem dor nem dor nem esp’ranças
Pobre de mim que sou eu

No meu fado canto a luz
Dum Mundo em que não crês
Do fado faço outra cruz
Assim como tu me vês

Cerro os olhos a cantar
P’ra não olhar para os teus
Cerro os olhos p’ra chorar
Tudo de mim se perdeu

Vou cantando e com mais raça
Mil vezes e outra vez
É triste o tempo que passa
Tudo de nós se desfez

Folhas caídas

Maria Teresa de Noronha / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Maria Teresa de Noronha

Outono, folhas caídas
Com sangue Deus as pintou
Folhas tão cedo nascidas
Pobres folhas mal vividas
Um vento louco as levou

Nasceram na primavera 
Fê-las Deus da cor da esp'rança
Sonharam uma quimera
Serem como as folhas de era 
De saudade e de lembrança

Mas chega o verão, o calor 
E as folhas verdes tão belas
Vão perdendo o seu frescor
Pressentem a sua dor
Ficam tristes, amarelas

Ao inverno não chegaram 
Foram curtas suas vidas
Da cor do sangue as pintaram
Ventos loucos as levaram 
Outono, folhas caídas

Senta-te aí

João Monge / João Gil
Criação de Jorge Palma / Rio Grande
Repertório de Francisco Moreira


Está na hora de ouvires o teu pai
Puxa para ti essa cadeira
Cada qual é que escolhe aonde vai
Hora a hora e durante a vida inteira

Podes ter uma luta que é só tua
Ou então ir e vir com as marés
Se perderes a direção da lua
Olha a sombra que tens colada aos pés

Estou cansado, aceita o testemunho
Não tenho o teu caminho p’ra escrever
Tens de ser tu, com o teu próprio punho
E era isto que eu te qu’ria dizer

Sou uma metade do que era
Com mais outro tanto de cidade
Vou-me embora, que o coração não espera
À procura da mais velha metade

Está na hora de ouvires o teu pai
Puxa para ti essa cadeira
Cada qual é que escolhe aonde vai
Hora a hora e durante a vida inteira

Chelas

Carolina Deslandes / Diogo Clemente
Repertório de Sara Correia


Dizem “Sara” tem cuidado com o que dizes
Lava a cara, tu não mostres de onde vens
Põe vestidos e esconde as tuas raízes
Finge lá que és senhora, tu finges bem

Dizem “Sara” tu usa as unhas mais curtas
Fala bom português, larga o calão
Não fales da pobreza, da noite escura
Ganha quem tem poder e não coração

Mas no meu bairro 
Eu vejo prédios de todas as cores
Que gritam ao mundo
*O pobre há-de sempre ser pobre*
No meu bairro vejo gente
Sei dos seus horrores
E que quem vem da rua é sempre nobre

Eu venho do bairro
Da janela conto as estrelas
Não sou de mais lado nenhum
Eu sou de Chelas


Dizem “Sara, a maquilhagem está carregada
Dizem “Sara” finge lá ser o que não és
Mas disso eu já sei tudo e estou cansada
Trago o fado na voz e ténis nos pés

Dizem “Sara” tu sorri, sê mais comedida
Cumprimenta os senhores, faz-me o favor
Mas o fado que eu canto, canta-me a vida
É a voz de quem nasce filho da dor

Troçaste

J. Serrano / Júlio Proença (puxavante c(versículo)
Repertório de Nuno de Aguiar


Troçaste dela, porquê / diz-me porém
Troçar é do teu agrado / e não do meu
Ela finge que não vê / e entende bem
Porque é feliz a meu lado / como eu

Só quem te conhece bem / como eu conheço
Na tua maldade crê / e na intenção
Não negues porque vi bem / e não mereço
Troçaste dela, porquê / sem ter razão

Troçaste só por me ver / um certo dia
A passar com ela ao lado / ternamente
És a mesma até morrer / tua magia
Troçar é do teu agrado / infelizmente

O passado é folha morta / que revive
Por teu defeito rever / e a tua imagem
Tua causa pouca importa / pois não vive
Ela finge que não vê / embora veja

Ela sorriu para mim / enternecida
Dizendo ter perdoado / mas porém
Como vês, ela é assim / na minha vida
Porque é feliz a meu lado / e eu sou também

Improviso ao desafio

Carlos Conde / Várias músicas com direitos reservados
Repertório de Fernando Maurício e Francisco Martinho

FADO MOURARIA (popular)

Martinho, se és meu amigo
E o fado não te afadiga
Vem daí cantar comigo
Um despique à moda antiga

FADO MENOR (popular)
Contigo, amigo Maurício
Cantarei com muito agrado
Nunca o fado é sacrifício
Quando se gosta do fado

FADO HELENA de Casimiro Ramos
Já que és fadista eleito
Do fado triste e dolente
Vamos cantar a preceito
Mas naquele mesmo jeito
Do fado de antigamente

FADO ZÉ NEGRO de Francisco José Marques

Fadista também tu és
Da cabeça até aos pés
E altamente consagrado
Porém, se o fado é do povo
Tanto faz ser velho ou novo
O que é preciso é ser fado

FADO ALBERTO de Miguel Ramos
Cantar o rigoroso faz lembrar
Aquele orgulho nobre, aquele brio
Que havia nas cantigas a atirar
Nos motes de improviso ao desafio

ALEXANDRINO DO JOAQUIM CAMPOS

Temos ambos razão
Mas p’ra irmos além
De falsas discussões 
Ou de meras conquistas
Não basta só cantar
É preciso erguer bem
A grandeza do fado 
E a honra dos fadistas

Maria Alquimia

Joana Alegre / Maria Ana
Repertório de Maria Ana Bobone


De noite e dia, terra e mar são par
E eu sou ar sem chão p’ra me inteirar
Cativa de uma simples melodia
Que ecoa e rodopia, Alquimia

Sou corpo, som e voz dessa magia
Feitiço. encanto e toda a nostalgia
Quisera eu ser livre e perder
O dom de me entregar no que há de ser

Do avesso não seria quem eu sou
Saudade e alegria em que me dou
E toda a ventania e maresia
Areia, sal e fado sem Maria

Eu sou uma guitarra em oração
Saudade e alegria e uma canção
E toda a ventania e maresia
Areia, sal e fado e sou Maria

O que é o fado

Domingos Gonçalves Costa / Popular *fado *Mouraria*
Repertório de Fernando Maurício


O Fado é beijo de amor
Queixume d’alma traída
Suave pranto de dor
É o retrato da vida


Esta canção divinal
Tão nossa, tão portuguesa
É porta-voz da tristeza
Dos filhos de Portugal;
Padrão de raça imortal
Que nas naus de proa erguida
Cantou a fé mais sentida
Deste povo sonhador;
O Fado é beijo de amor
Queixume d’alma traída

Ser fadista é, na verdade
A real definição
De quem traz no coração
Amor, tristeza e saudade;
Fado é meiga claridade
De Primavera florida
Embalada e estremecida
E refúgio de amargor;
Suave pranto de dor
É o retrato da vida

Minha mãe chamou por Ana

Popular / Manuel Bobone / Popular
Repertório de Maria Ana Bobone


Minha mãe chamou por Ana
Mas a Ana não está cá
O Ana… ó Ana
Senhora minha mãe vou já

Ó figueira dá-me um figo
Ó Silva dá-me uma amora
Ó meu amor dá-me um beijo
Que eu amanhã vou-me embora

Tudo me fala de nós

Letra de João Ferreira Rosa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


De muitas rosas vermelhas
Assim se enchem as ruas
As tuas mãos são centelhas
Velhas, cansadas e nuas

Castelos caem com o vento
Deles ficam as ilusões
Cai a luz no firmamento
De longe chegam canções

Ouço então a tua voz
Sempre mais triste a cantar
Tudo me fala de nós
E eu sonho p’ra não chorar

Sonho, sonho e vou cantando
Também cantas dentro em mim
Já vai a noite acabando
Acaba mas sem ter fim

Lisboa abençoa

Joana Alegre/ Maria Ana
Repertório de Maria Ana Bobone


Meio dia maré cheia
E a conversa corriqueira 
Na varanda da vizinha
Manjerico e sardinheira
Bebem a luz mais trigueira
Deste raiar alfacinha

Vem a tarde soalheira
Ao cimo de uma ladeira 
Já na fila p’rá carreira
Do porto sai a traineira
Vai deixando a sua esteira 
E um cheirinho a maresia

Lisboa, abençoa
Cidade que apregoa
Lisboa é gente boa
De Alfama à Madragoa


Meia-noite lua cheia
Soa a festa toda inteira 
É dia de Santo António
Mesa e bancos de madeira
E os enfeites na videira 
Adivinham matrimónio

Sardinhada e barulheira
A sangria bem caseira 
E o quentinho da braseira
Bailarico à maneira
E alegria verdadeira 
Parece que dá casório

Tejo em cada esquina, em cada colina
Todo o sino é sina, Lisboa varina

Eu não penso

Fernando Pessoa (encadeamento de 2 poemas) / Maria Ana
Repertório de Maria Ana Bobone

Se estou só, quero não estar
Se não estou, quero estar só
Enfim, quero sempre estar
Da maneira que não estou

Ser feliz é ser aquele
E aquele não é feliz
Porque pensa dentro dele
E não dentro do que eu quis

A gente faz o que quer
Daquilo que não é nada
Mas falha se o não fizer
Fica perdido na estrada

Lá fora, as árvores são
O que se mexe a parar
Não vejo nada senão
Depois das árvores, o mar

É azul intensamente
Salpicado de luzir
E tem na onda indolente
Um suspirar de dormir

Mas nem durmo eu nem o mar
Ambos nós, no dia brando
Ele sossega a avançar
E eu não penso e estou pensando

Para ser fadista

Letra e música de João Viana
Repertório de Fernando Maurício


Na sua fé altruísta
Um bom fadista tem por divisa
Marcar estilo que apresenta
Na vestimenta que o simboliza

Andar metido em tipóias
E ter ramboias com guitarradas
Petiscos fora de portas
A horas mortas com desgarradas

P’ra ser fadista perfeito
É ter no peito bom coração
Dedilhar com certa garra
Uma guitarra na perfeição;
Ir às esperas de gado
Cantar o fado com altivez
Assim é que é ser fadista
É ser artista e bom português


Andar um pouco gingado
Melena ao lado a cair no rosto
A calça à boca de sino
E o seu varino feito com gosto

Beber, amar e sentir o fado a carpir
Mais quente que o lume
E junto com a verdade
Ter a saudade e mais o ciúme

Sem Amália

Henrique Segurado / José Fontes Rocha *fado dos sentidos*
Repertório de Maria Ana Bobone

Parece cidade aberta
À mercê do inimigo
E o sol se nos desperta
Não traz o calor antigo;
Piso as ruas que pisaste
Da tua sombra ando atrás
Quem diria que ficaste
Neste sítio onde não estás

Jamais as vozes cantaram
A vida à tua maneira
Que caminhos te levaram
A sair da nossa beira;
Por ti há quem reze o terço
Sem desfiar o rosário
Nesta Lisboa, teu berço
Eu rezo o terço ao contrário

Estarás em cada guitarra
Em bater de coração
Pois quando canta a cigarra
Não se vê na escuridão;
Deixaste a lua partida
Sempre a mudar de recorte
Que estranha forma de vida
Pode haver depois da morte

Meu berço minha raiz

Tony Carolas / Nel Garcia *fado sincopado*
Repertório de Bruno Alves


Mui nobre cidade invicta
Ser teu filho, acredita
Faz de mim um ser feliz
Vou andar de braço dado
Contigo neste meu fado
Meu berço minha raiz

Por vezes se me ausento
Só tenho no pensamento
Voltar para os teus braços
Cidade por mim amada
Longe de ti não sou nada
Tão fortes são nossos laços

Depois assim que cá chego
Ao sentir o aconchego
Que me enche o coração
A vida volta a ser vida
Vem a alegria perdida
Meu berço minha paixão

Não sei porque te calas

Manuel Bobone / Popular
Repertório de Maria Ana Bobone


Minha alma pediu à tua
Uma jurinha de amor
Mas tu és tal como a lua
Que brilha e não dá calor

Cantei p’ra ti uma vez
Mas não sei se me entendeste
Nem sei mesmo se talvez
Tudo o que eu disse esqueceste

Eu gostava de saber
O que diz o teu olhar
Mas tu nada queres dizer
E eu não devo perguntar

Por muito que eu te diga
Deste fogo que em mim lavra
Talvez eu nunca consiga
Arrancar-te uma palavra

Se um dia eu ficar calada
Tanto pior para os dois
Nunca mais te digo nada
Mas não te queixes depois

Lisboa, o Tejo e o mar

Letra de Isidoro de Oliveira
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Vem correndo pelo Tejo
Água de fontes nascida 
No alto da serrania
Doce como um doce beijo
Viva como a própria vida 
Traz saúde e alegria

Água salgada do mar
Vem convidando à aventura 
Na ânsia de liberdade
Mas na hora de embarcar
Há lágrimas de amargura 
Salgadas pela saudade

As lágrimas de saudade
Salgavam o próprio mar
Ao partir das naus de Goa
Mas o sal da tempestade
Ficava doce ao voltar
À Ribeira de Lisboa

Sem descanso, noite e dia
Juntam as águas na barra
Tejo doce e mar salgado
A tristeza e a alegria
Juntam-se ao som da guitarra
E Lisboa canta o fado

Tudo pode acontecer

Fernanda de Castro / Maria Ana
Repertório de Maria Ana Bobone


Agora sim… 
Já que já não gostas de mim
Agora. sim, tudo pode acontecer
Sem mar, sem ondas, sem praias
Invernos sem primaveras
Jardins sem cravos nem rosas
Para a tua mão colher

Sem céu de nuvens paradas
Florestas de árvores mortas
E eu sozinha, sem te ver
Agora sim… tudo pode acontecer

Agora, sim… 
Que já não gostas de mim
Agora, sim, tudo pode acontecer
Secarem rios e fontes
Apagarem-se as estrelas
O próprio dia ser noite
E não mais amanhecer
A lua cair ao mar
Apagar-se o luar
E a alegria entristecer
Agora. sim... 
Tudo pode acontecer

A noite será maior

Fernando Campos de Castro / Alfredo Duarte *fado cravo*
Repertório de Bruno Alves


A noite, não faz sentido
Sem primeiro ter ouvido
Um até logo num beijo
Nem eu quero adormecer
Sem primeiro perceber
Que sou eu o teu desejo

A noite não será nada
Nem haverá madrugada
Sem a luz do teu olhar
Com a cor da tua boca
A noite será mais louca
E não me custa a passar

À noite quando te enleias
Os braços serão cadeias
Que prendem a claridade
Que a noite será paixão
Quando dois corpos se dão
Com prazer e liberdade

A noite, será maior
Se te deitas meu amor
Na minha cama liberta
Entre lençóis de ternura
Seremos dois em loucura
Numa eterna descoberta

Julguei endoidecer

Tristão da Silva / Júlio Proença *fado esmeraldinha*
Repertório de Alcindo de Carvalho
Embora com algumas diferenças na letra, este tema tem sido 
constantemente gravado com o título *Julguei endoidecer* 
na música do Fado Esmeraldinha de Júlio Proença e com a letra 
atribuída a Tristão da Silva

Julguei endoidecer quando partiste
Deixando entre nós dois funda barreira
Caíu dentro de mim a noite triste
Feita de sombras negras, sem clareira

Durante dias, fui folha caída
Que o tempo vai levando por aí
Fumei, chorei, bebi, mal disse a vida
E desejei morrer, morrer por ti

Cretino, sim eu fui, porque a saudade
Falou em mim, mais alto que a razão
Não me deixando ver esta verdade
Não és mulher que valha esta paixão

Quero voltar à vida que vivi
Quero voltar a ser tal como outrora
Maldito seja o dia em que te vi
Bendita sejas tu p'la vida fora
- - - 

Despertei
Linhares Barbosa / Casimiro Ramos
Repertório de Maria Manuela Silva

Embora com algumas diferenças na letra, este tema tem sido 
constantemente gravado com o título *Julguei endoidecer* 
na música do Fado Esmeraldinha de Júlio Proença e com 
a letra atribuída a Tristão da Silva

Julguei endoidecer quando partiste
Deixando entre nós dois, funda barreira
Ficou dentro de mim, a noite triste
Feita de sombras negras, sem clareira

Durante dias, fui folha caída
Que o vento vai levando sem destino
Bebi, sofri, chorei, mal disse a vida
E tive, por meu mal, outro caminho

Um caminho cruel, porque a saudade
Falou em mim, mais alto que a razão
Não me deixando ver esta verdade
Não há homem que valha uma paixão

Vou regressar à vida que vivi
Quero voltar a ser tal como outrora
Maldito seja o dia em que te vi
Bendito sejas tu, p'la vida fora

Cidade duma só cor

Letra de Manuel de Andrade
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


De oiro se fez a cidade
Cidade doirada e fria
De oiro se fez a cidade
Aonde ninguém vivia

Tão longe dos verdes montes
Tão longe das brancas serras
Tão longe dos verdes montes
Tão perto de ódios e guerras

De oiro se fez a cidade
Estranho modo de a fazer
De oiro se fez a cidade
E todos a queriam ter

Cidade duma só cor
Cidade doirada e fria
Todos lhe tinham amor
Mas nela ninguém vivia

Todos lhe tinham amor
O que o amor pode ser
Cidade duma só cor
E todos a queriam ter

Através duma saudade

Letra de Isidro de Oliveira
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Através duma saudade
Vem o passado ao presente
O que morreu volta à vida
Vem de novo a mocidade
E parece que se sente
A mocidade perdida

Passado não é tristeza
O passado faz sentido
Através duma saudade
O futuro é incerteza
E só no tempo vivido
Temos certeza e verdade

O sonho é realidade
Quand’uma recordação
Ganha vida, ganha cor
Através duma saudade
Bate forte o coração
Ao recordar um amor

Lentamente, dia a dia
Em vida vai-se a perder
O que se ganha em idade
Teve uma vida vazia
Quem não conseguiu viver
Através duma saudade

Até quando Deus quiser

Paulo Faria de Carvalho / Popular *fado das horas
Repertório de Bruno Alves


Eu canto por devoção
Por prazer e com calor
É só teu meu coração
Minha musa meu amor

Se acabasse agora o mundo
Eu era um homem feliz
Por este amor tão profundo
Que me deste de raiz

E quer essa gente ou não queira
Eu vou dizer-te mulher
Vou amar-te a vida inteira
Até quando Deus quiser

As rosas

Letra e música de Joana Espadinha
Repertório de Carminho


Morro em pedaços quando te abraço
E sei que não voltas mais
Como uma rosa triste e vaidosa
Quando o amor se vai

Que as rosas são feitas para morrer
Quando se espalham no chão
Ninguém as quer


Ninguém merece
Será que esqueces 
Que eu sempre te cuidei
E o céu aberto sabe decerto 
As razões que eu não sei

Sabes bem que não posso esperar
Cada volta é um espinho que cai
E tu, que vais mais uma vez p'ra sempre
Ai meu amor
Quem sabe o que eu chorei por ti

Se as rosas são feitas para morrer
Quando se espalham no chão
Onde vão, quem serão
Algum dia minto p'ra te perdoar
Ai, meu amor
Quem sabe o que eu chorei
O que eu chorei por ti

Uma longa despedida

Letra e música de Marco Oliveira *fado estelle*
Repertório de Bruno Alves


Quem nos deu esta saudade
Quando acendem na cidade
As minhas noites sem ti
Foi o medo sem a vida
Uma longa despedida
Como sempre pressenti

Quem nos disse que a memória
É o reverso de uma história
Em que nunca acontecemos?
Veio o Outono em teu lugar
Entre versos por rasgar
A mercê do que esquecemos

Tenho ainda o teu sorriso
Um breve beijo indeciso
A pender no coração
Foi mais breve a nossa vida
Do que a longa despedida
Arrancada a solidão

Sete saias

Letra e música de Artur Ribeiro
Repertório do autor


Sete saias de balão
Levas pois então 
Para a romaria
Sete pecados mortais
Que mostrando vais 
Todos à porfia

Cada qual da sua cor
Seja aonde for 
Que tu vás com elas
Com as sete a saltitar
Conforme o pisar 
Das tuas chinelas

Sete saias trazes a cair da anca
E a blusa branca
Que te vai mesmo a matar
Então os rapazes só pedem que caias
P’ra contar as saias
Sem que estejas a bailar


Com sete te vi falar
E a todos dar 
Lenços de cambraia
Será que te dá prazer
Sete noivos ter 
Um por cada saia

Segundo a voz da razão
Fazer coleção 
Não dá resultado
É melhor é escolher um
E não querer nenhum 
Mais, p’ra namorado

Mais um conselho te dou
Enquanto aqui estou 
Não lhes dês mais roda
Nem as encurtes mais
Senão quando sais
Sai a aldeia toda

Um palmo acima do pé
P'ra mostrar ao Zé 
Onde acaba a meia
Mas pelo joelho não
Que faz confusão 
E é coisa feia

Foi tão pouco o nosso tempo

Fernando Cardoso / Jaime Santos *fado alvito*
Repertório de Bruno Alves

Prende a tua mão à minha
Vamos correr a cidade
Ilumina o nosso mundo
Abre os olhos e caminha
Que esta noite a saudade
Dorme sono bem profundo

Olha a nossa velha casa
De janelas mal fechadas
Presa ao chão à tua espera
Sobre as cinzas morre a brasa
Que as tuas mãos cansadas
Largaram na primavera

A saudade já desperta
Foi tão pouco o nosso tempo
Que eu não fui, que eu não fiz
No meu peito a dor aperta
Mesmo quando jure o vento
Que no céu tu és feliz

Fado Luís

João de Freitas / Nuno Meireles
Dedicado a Luís Alberto Freitas Hilário

Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Quase que não te conheço
Já nem pareces o fado
Porque subiste de preço
E vives todo emproado

Ninguém te vê p’las vielas
Que antigamente habitavas
Nem nessas farras singelas
Onde tu nunca faltavas

Ai belo fado d’outrora
Da Mouraria saudosa
E fadistagem famosa
Que ali cantou e deu brado
Ai lindo fado d’agora
Cada vez tens mais amigos
Mas os fadistas antigos
Sentem saudades do fado


Foste a canção da tristeza
E se hoje tens mais valor
Maior cultura e beleza
Não tens o mesmo sabor

Daquele fado sem par
Melodioso e plangente
Que até parecia chorar
Dentro da alma da gente

Nem rosas nem flor de malva

Letra de João Fezas Vital
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Nem rosas nem flor de malva
A serem verdade pura
No olhar que nos ficou
Só angústia de um sorriso
As saudades da aventura
Que entre nós não começou

Na boca ficou-me o travo
Da brancura do teu rosto
Do perfume dos teus dedos
E algum pinheiro bravo
Terá contado ao sol posto
O maior dos meus segredos

Nem um adeus que nos ficasse
A doer nas mãos fechadas
Nem o gosto de sonhar
Só a angústia dum sorriso
Em corpo de asas cortadas
E o desejo de voltar

Foi Deus que quis assim

Linda Leonardo / Jaime Santos *fado alvito*
Repertório de Maria Emília

Deixa-me ficar sozinha
Nesta cama que é só minha
Não tenhas pena de mim
Se o teu amor me fugiu
É porque nunca existiu
E foi Deus que quis assim

Palavras leva-as o vento
Mas trago em meu pensamento
As que vieram de ti
Da primavera ao outono
Estão agora ao abandono
Tantas, tantas que te ouvi

Mas não te guardo rancor
Mesmo sabendo que a dor
Se abriga em meu coração
Ao menos fechou-se o pano
De enganos e desenganos
Fruto da tua paixão

De coração magoado
Farei cumprir este fado
Que sai de dentro de mim
Se o teu amor me fugiu
Foi porque nunca existiu
E foi Deus que quis assim

À procura de ti

Fernando Cardoso / Fernando Freitas *fado noquinhas*
Repertório de Bruno Alves

Andei louco à procura d'uma rua com teu nome
Embalado no meu sonho de um dia te encontrar
Desvario que me prende, paixão que me consome
Corri toda a cidade sem meu sonho alcançar

Feito tonto procurei, a flor da tua afeição
Na esperança de te ver afagá-la com amor
A rosa azul chorava a sua triste solidão
E na fonte dos enganos bebemos a mesma dor

Fui pedir ao vento leste que me desse novas tuas
Sabendo que o teu corpo anseia por aquecer
Soprou tão forte o vento, arderam tantas ruas
Voltou depois o frio e não te vi aparecer

Cansado de procurar e de ti nem um sinal
Pensei pedir ao sol, mas já nem isso consigo
Talvez seja remédio para este tão grande mal
Fingir que não te quero, pra que venhas ter comigo

Casa de Fado

Walter Rolo / Manuel Graça Pereira
Repertório de Maria Emília


Dizes contigo: tudo bem 
Que posso até cantar p’ra cem
Desde que o xaile me proteja 
E as costas nuas ninguém veja

Canto bem melhor em casa
Dizes com ciúme em brasa
Trago nas saias compridas
Pernas com salto, escondidas

Falta-me o ar 
Ao saber o teu regresso
Que nunca se acabe o mar
E o peixe, meu Deus, quanto peço

Ninguém duvide 
o amor que eu te tenho
Mas é da casa de fado
Que sou, é de lá que venho

Achas que o fado é a raiz do mal
Pior que o fado nem o carnaval
É de mau tom, imoral e rancoroso
Triste, pesado, indecente e invejoso
Vejam bem

Finjo que ouço e finjo bem 
Dou a razão a quem a tem
Juro por tudo o mais que seja
Cantar sim, mas na igreja

E se a vizinha solta a língua 
E me prometes fome e mingua
Sou um prato desolado 
E lá ficas do meu lado

És bom homem
És o homem mais amado
Não há canção que eu não cante
P´ra ti, na casa de fado

Mas o que eu gosto 
É de uma boa desgarrada
Levo a mão à cintura 
E canto sem medo de nada

E sem o fado tudo me sai mal
Pior nem o Brasil sem o carnaval
É de mau tom, imoral e rancoroso
Triste, pesado, indecente e invejoso
Vejam bem

Lisboa reza comigo

Mário Rainho / José Lopes (Fado Lopes)
Repertório de Fernando Jorge


Ó Lisboa, eu sei que gostas
De rezar, muito ao teu jeito
Nessa pose, de mãos postas
Presas ao xaile, em teu peito

Os olhos semicerrados
Como tanta vez te vi
A chorar tantos pecados
Que outros cometem por ti

Lisboa reza comigo
Quero ter essa atitude
De poder rezar contigo
À Senhora da saúde

Se cantas, como quem reza
Lisboa porque razão
Quem diz que tanto te preza
Te reza sem coração?

Nem a prece é atendida
De oração passa a pecado
E até fica ofendida
A padroeira do fado

Quero pedir-lhe, a teu lado
Que nos livre desse perigo
De ouvir fado mal rezado
Lisboa, reza comigo

Ventos

José Fernandes Castro / Alfredo Duarte *fado bailado*
Repertório de Fernando Jacob (ao vivo)


Não tenho como escolher 
Entre quem fui e quem sou
Aceito o que a vida der
E por bem me conhecer
Sei bem para onde vou

Vou para onde me leva
O pensamento que tenho
Pensamento que navega
Neste mar aonde a treva
Muda sempre de tamanho

Treva menor quando rio
Fica maior se padeço
Minha alma em desvario
Dá-se por inteiro ao frio
Dos ventos que desconheço

Esqueço o mal que m'invade
E refaço-me de novo
Guiado pela saudade
Vagueio pela cidade
Onde sou alma de povo

Proa de cacilheiro

José Fernandes Castro / Georgino de Sousa
Repertório de José Rasgadinho (ao vivo)


Na proa do cacilheiro
Viajam acomodadas
As gaivotas da cidade
Lembrando ao bom marinheiro
Que as águas ficam salgadas
Sempre que chora a saudade

Da proa podemos ver
O pôr-do-sol a nascer
Do jeito mais natural
Pôr-do-sol que sempre traz
O doce clarão da paz
Dando luz a Portugal

Cacilheiros são a história
Dum tempo feito glória
Que na memória ficou
Sopros dum tempo passado
Em que pela voz do fado
Portugal se transformou

Minha irmã poesia

José Fernandes Castro / Georgino de Sousa *fado georgino*
Repertório de Jorge Carlos (ao vivo)


Não há muros de silêncio
Nem há solidão perdida
Quando a saudade tem fim
O dilema tão intenso
Da rima desconhecida
Pulsa bem dentro de mim

Não sei rimar felicidade
Sem que teu nome apareça 
Na luz do meu pensamento
Nem sem rimar liberdade
Sem que o amor entristeça 
Do jeito mais violento

Não sei rimar primavera
Sem que teu formoso rosto
Tenha brilhos matinais
Nos tempos da minha espera
Há sempre um luar d’agosto 
Que não se vislumbra mais

Não sei rimar melodia
Sem que a voz com que me falas 
Tenha um sonho embalador
Ai… minha irmã poesia
Vê lá se nunca te calas 
E me dás sonhos d’amor

A história das penas

José Fernandes Castro / Filipe Pinto *fado meia-noite*
Repertório de Silva Machado (ao vivo)


Grandes ou muito pequenas
Pesadas ou muito leves
Tenho pena dessas penas
Quer sejam longas ou breves

São penas que vão marcando
O coração das pessoas
Todas elas magoando
Porque não há penas boas

Cada pena tem história
De ciúme ou de paixão
Só é pena que a memória
Tenha penas sem razão

E quando a vida terrena
Der a missão por cumprida
Decerto vou sentir pena
Das penas que tem a vida

Fado é tudo ao mesmo tempo

Torre da Guia / José Marques *fado triplicado*
Repertório de Bruno Alves


Fado é sina, fado é sorte
Destino, fatalidade
O que tem d'acontecer
E ainda após a morte
No seio da humanidade
Estar vivo sem saber

Fado é Canção de Lisboa
Ou de Coimbra balada 
P'ra consolar a tristeza
É trova que o povo entoa
Melodia acompanhada 
À guitarra portuguesa

Fado é mote de Severa
D’Amália, de Marceneiro 
De todos os seus amantes
É saudade sempre à espera
Cantada no mundo inteiro
Pelos lusos imigrantes

Fado é de corpo, e alma 
É alegria, é tristeza 
É prazer, é sofrimento
É tempestade, é calma 
E enquanto houver natureza
Fado a tudo ao mesmo tempo

Poeta português

José Fernandes Castro / Renato Varela *fado varela*
Sérgio Marques (ao vivo) na apresentação do livro do autor
*SETEMBRO, jardim do amor* 

Se pensas que no amor tudo foi dito
E que as palavras sofrem d'escassez

Relê qualquer poema bem escrito
P'la musa dum poeta português

Se pensas que a verdade perdeu cor
E que o amor perdeu a sua vez
Relê qualquer poema sonhador
Pertença dum poeta português

Se pensas que já nada faz sentido
E tendes a perder a sensatez
Repara no clarão reacendido
P'la alma dum poeta português

Depois de tudo leres, tenta saber
A história verdadeira do que lês
Decerto ficarás a perceber
A alma dum poeta português

As flores

Letra e música de Carminho *fado flores*
Repertório da autora


Os vasos servem as flores
Como servem os amores
O tempo, a atenção
Viveria imóvel, parada
Em pouca terra sarada
P’lo verdadeiro coração

As folhas verdes do campo
Sabem esperar com encanto
Sol e chuva, vento norte
Quero ter delas a paz
Ter paciência e ser capaz
De esperar a minha sorte

Corram passos nos caminhos
E apressados vão sozinhos
Procurar um coração
Eu antes quero ficar
Com o tempo eu sei esperar
Com o amor é que não

Quatro estações de amor

Mário Raínho / Jaime Santos *Alexandrino do Jaime*
Repertório de Bruno Alves

Se queres seguir um rumo diferente do traçado
No coração d'um fado que só por nós cantei
Se queres ser como o fumo, no ar evaporado
Então para um bocado, pensa no que te dei

Eras flor de Jardim, primavera de sonho
Risonho era teu rosto de veludo perfeito
Mas perdido de mim, mudei-te de medonho
Calor do mês de agosto, p’ra estufa do meu peito

Para não tombares na haste desfolhada em outono
Passei noites desperto, devoto à tua espera
Pois que o inverno baste, p’ra te guardar o sono
Porque eu não te abandono do verão à primavera

Vive e deixa-me viver

Isidoro de Oliveira / Armando Machado *fado mortalhas*
Repertório de Ana Marina
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Tal como um botão de rosa
Que ainda não é flor
Eu era bela e vaidosa
E guardava caprichosa
Uma promessa d’amor

No dia em que te encontrei
Em amor a converti
Em amor t’a entreguei
E tão presa a ti fiquei
Que não vivia sem ti

Era tua a minha vida
E como tua a levaste
Sem ti eu fiquei perdida
Tudo levaste à partida
Nem a vida me deixaste

Ouvi, é já voz corrente
Que pensas voltar p’ra mim
Ouvi, fiquei indiferente
Meu coração nada sente
Na vida tudo tem fim

Podes crer que te não esqueço
Mas não mais te quero ver
Eu não quero o teu regresso
Só uma coisa te peço
Vive e deixa-me viver

O xaile da mamã dela

José Fernandes Castro / Popular (fado menor)
Repertório de João Luís Mendonça


O xaile da mamã dela
Que tinha sido d’avó
Está tão velho e tão fatela
Parece um pano do pó

Diz meu filho a toda a hora 
Com uma certa piada
Ó pai, deita o xaile fora 
Porque não presta p’ra nada

Com as franjas numa fôna
E cheiinhas de cotão
É conhecido na zona 
P’lo xaile do cotão bom

Essa relíquia lá anda 
P’los quatro cantos da casa
Cheira a môfo que tresanda 
E põe-me os nervos em brasa

A ambição redentora 
Que a minh’alma ambiciona
É mandar o xaile embora 
Juntamente com a dona

Fado cultura

José Fernandes Castro  / Manuel Paião (ó tempo volta p´ra trás)
Repertório de João Luís Mendonça

Sou um tipo muito culto 
Cheio de filosofia
Até parece um insulto
Eu não ter academia

Andei dez anos na escola
E depois de muito estudo 
Fui corrido ao bofetão
Pois esta minha carola
Estilo melão tronchudo 
Tem areia até mais não

Sou Burro, mas bonitinho
E um pouco envergonhado
Se tivesse um bom padrinho
Podia ser deputado
Sou Burro, mas lá no fundo
Sou um Burro diferente
E só não sou myster mundo
Porque sou muito doente


D. Diniz o “Lavrador” 
Foi rei e fez um pinhal
Eu como sou bem melhor 
Vou fazer um areal

E se a coisa der pró torto
Mandarei fazer no Porto 
Um império de nabais
Vou às universidades
E também às faculdades 
Que têm nabos a mais

Romagem de saudade

José Fernandes Castro / Miguel Ramos (fado alberto)
Repertório de Manuel Salé (ao vivo)


Em romagem de dor e de saudade
Fui visitar a casa onde nasci
O lar onde vivi com humildade
O tempo que me fez chegar aqui

Os vidros das janelas, já quebrados
E a porta já com traços de tristeza
Ali, eu vi, partido em mil bocados
Um sonho, pouco mais que uma incerteza

Ao lado, o velhinho balancé
Qual jóia de museu, qual velharia
Aonde o meu avô, o velho Zé
Me dava bons momentos de alegria

No canto juvenil da minha história
Revi a minha bola companheira
Então senti que o fogo da memória
Me vai acompanhar a vida inteira

Jangada de fado

José Fernandes Castro / Pedro Rodrigues
Repertório de Manuel Delindro (ao vivo)


Parti num sonho perfeito
Levando a bater no peito
Um coração sonhador
Qual marujo apaixonado
Numa jangada de fado
Desbravei o mar do amor

Suportei ventos de sul
Num mar coberto de azul 
Com ondas de tempestade
Busquei a ilha da sorte
Tentando encontrar o norte 
Da minha felicidade

Velejando, velejando
Aos poucos fui conquistando
O meu espaço no mar
Até que por fim, cheguei
À ilha que procurei
Onde sempre quis morar

A ilha estava deserta
Mas vi, numa carta aberta
Um manuscrito enrolado
Era uma mensagem tua
Dizendo: amor continua
Tens de cumprir o teu fado

Ciganita mulher

José Fernandes Castro / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Manuel Salé (ao vivo)


Ciganita d’olhar puro
Que lês na palma da mão
O futuro das manhãs
Acautela o teu futuro
Para que teu coração
Não sofra promessas vãs

Ciganita, tem cuidado
Porque nos sopros da alma 
A tempestade é atroz
Cada um tem o seu fado
E a alma não se acalma 
Quando não lhe damos voz

Tens contigo a singeleza
E o dom de adivinhar 
As paixões de quem se quer
Porém não tens, concerteza
Alguém, a quem dedicar 
Os teus sonhos de mulher

E lá vais de rua em rua
Buscando linhas da mão 
Como quem busca verdade
Ciganita continua
Em busca duma paixão 
Que te dê felicidade

Apenas Porto

Fernando Campos de Castro / Paulo Faria de Carvalho
Repertório de Bruno Alves


Podia dar-te o nome mais bonito
O nome de Viela ou de Ribeira
Dizer apenas corpo de granito
Com rosto de rabelo e de traineira

Podia dar-te o nome de navio
Ou cais de nevoeiro junto à barra
Podia dizer pontes céu e rio
Podia até chamar-te de guitarra

Mas digo apenas Porto
Meu chão e meu lugar
Cidade que eu amo 
E em mim se arrasta
Chamar-te Porto antigo
Telhado à beira mar
Chamar-te Porto amigo 
Já me basta

Podias ser gaivota de ternura
Ou cama com lençóis de neblina
Podia dizer Sé ou Rua Escura
Ou asa da Muralha Fernandina

Podia dar-te o nome do Infante
De burgo, caravela, ou sardinheira
Podia até chamar-te minha amante
Com cheiro a manjerico e a cidreira

A nobreza da alma

José Fernandes Castro / Armando Machado *fado lurdes*
Repertório de Bruno Alves


Ao fado só não dou o que não tenho
Ao fado só não vou quando não posso
O meu amor não tem nada d'estranho
Estranho é não gostar do que é tão nosso

Estranho é não sentir a pulsação
Da alma que traduz maior nobreza
Estranho é não ouvir o coração
Cantar do mesmo jeito como reza

Estranho é não gostar de poesia
Nem tentar perceber donde ela vem
Estranho é confundir o mal e o bem
Condenando o amor à revelia

Se o fado tem o doce desempenho
Do sonho que nasceu para ser nosso
Ao fado só não vou quando não posso
Ao fado só não dou o que não tenho

Deambulação poética

José Fernandes Castro
Declamado e registado em vídeo por Américo Pereira


Ali, ao dobrar da esquina 
Apreciando a beleza
Duma jovial menina 
De raça bem portuguesa;
Reparei que a natureza 
Tem coisas intemporais
Que talvez sejam normais 
Para quem pouco conhece;
Porém, a mim me parece 
Que a natureza destina
Uma luz quase divina 
Que quase sempre escurece;
E quando o tempo amanhece 
Da forma mais genuína
Qualquer sol desaparece
Ali ao dobrar da esquina

Ali ao dobrar do tempo
Temendo o tempo que vinha
Reparei quanto é mesquinha 
A alma do pensamento;
Tão frágil é o momento 
Em que as vidas se desatam
E por vezes se maltratam 
Com a dor do sofrimento;
P’la falta de sentimento 
Há sorrisos de negrura
O sol é de pouca dura 
A lua é raro sustento;
Enquanto no firmamento 
Uma estrela chora triste
Porque pouco ou nada existe
Ali ao dobrar do tempo

Ali ao dobrar da vida 
Projetada para a morte
Reparei o quanto é forte 
A memória da partida;
Ai sorte... maldita sorte 
Que andas de mim fugida
Desviando-me do norte
Ali ao dobrar da vida

Baile dos sentidos

José Fernandes Castro / Raúl Portela *fado magala*
Repertório de Maria da Glória (ao vivo)


Quem puder amar que ame
Mas que ame intensamente
E quem puder, reclame
Uma vida diferente

Quem puder beijar que beije
Mas que beije por amor
E ao desejar que deseje
Um beijo muito maior

Quem quiser dançar que dance
Mas que dance com prazer
Que o corpo nunca se canse
De mexer e remexer

Quem puder cantar que cante
Com ritmo compassado
Para que a alma se espante
Com a magia do fado

A marca do meu fado

José Fernandes Castro / Custódio Castelo *fado custódio*
Repertório de José Ferreira (ao vivo)

A marca do meu fado é esta dor
Que teima em revelar-se lentamente
E quase faz morrer um grande amor
Que quero conservar eternamente

A marca do meu fado é a saudade
Que tenho, dos momentos que vivi
O fogo dum amor já muito tarde
É chama que só arde para ti

A marca do meu fado é a tristeza
Que sinto, porque estás longe de mim
Agora, meu amor, tenho a certeza
Que tudo tem princípio meio e fim

Agora neste fado em solidão
Procuro a redenção do meu pecado
Na dor deste poema de paixão
Encontro sempre a marca do teu fado

A linguagem do amor

José Fernandes Castro
Declamado por Américo Pereira  

Quando as palavras são poucas
Para decifrar desejos
Existem as nossas bocas
Que beijando como loucas
Falam através dos beijos

Quando a força dos abraços
Não nos faz sofrer de dor
Estreitando nossos laços
Damos passos e mais passos
Na estrada do amor

Quando não há brancas rosas
No nosso amor sem idade
Nas nossas mãos carinhosas
Meigas e silenciosas
Há aromas de verdade

E quando estivermos sós
Numa distância maior
Através da minha voz
Inventarei para nós
A linguagem do amor

Ao lado da saudade

José Fernandes Castro / Henrique Lourenço (fado cigana)
Repertório de Rui Costa 

Levei a saudade ao mar
Para lhe dar a provar
O sal da onda sofrida
A saudade emudeceu
Ao perceber que era meu
O maior pranto da vida

Levei a saudade ao rio
Numa manhã em que o frio
Tinha o gelo do amor
A saudade não susteve
O suspiro doce e leve
Dum coração sofredor

Levei a saudade ao vento
Que agitava o meu tormento
Com mais força que o pecado
Pra terminar em beleza
E com a saudade acesa
Levei a saudade ao fado

Mensagem da distância

José Fernandes Castro / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Américo

Daqui, desta cidade apetecida
Refúgio do meu fado redentor
Te envio rosas brancas, minha querida
Em paga do teu doce e grande amor

Daqui também te envio este poema
Ditado pela voz com que te canto
Tu és musa real deste meu tema
Por ti, a solidão não me dói tanto

Aqui, nesta distância que faz lei
O luar não tem um brilho natural
Confesso meu amor, que já nem sei
Se a vida é primavera ou vendaval

Vou tendo a minha cruz, mas no entanto
Consigo ser feliz, porque te quero
Apenas tenho sonhos de quebranto
Na noite em que por ti sou desespero

Ave desprotegida

José Fernandes Castro / Casimiro Ramos *fado fé*
Pedro Pestana ao vivo na apresentação do livro
*SETEMBRO, jardim do amor*

Como gaivota perdida
Em busca de voo picado
Andas nas ruas da vida
Qual ave desprotegida
Fazendo da vida um fado

Fado que tem uma história
Controversa e mal rimada
Onde a derrota e a glória
O fracasso e a vitória
Formam uma encruzilhada

E com a fé tão imensa
De quem vive com a lua
Vives de maneira intensa
Marcando a tua presença
Nos fados de qualquer rua

Um dia conseguirás
Mudar pra muito melhor
Então não mais pisarás
Maus caminhos e terás
Direito ao sol do amor

Fragilidades

José Fernandes Castro / Acácio Gomes *fado acácio*
Manuela Nobre (ao vivo)


São tão frágeis os sentidos
De quem tem a alma acesa
Por desejos traiçoeiros
Que até os sonhos perdidos
Se confundem na certeza
De não serem verdadeiros

Frágeis como a voz que tenho
E ao fado toda se entrega
Sem que o fado dê por isso
Talvez porque o meu empenho
Tenha como simples regra
Beber do fado o feitiço

São poucos e são tão loucos
Os sonhos de quem não tem
Espaço na lei do amor
Mesmo assim loucos e poucos
Nos sonhos há sempre alguém
A quem dar amor maior

Só me conheço por ti

José Fernandes Castro / João Blak *fado menor do porto*
Repertório de Américo


Não conheço a cor do sonho
Nem sei se o sonho tem cor
Apenas sei que componho
Para ti... versos d’amor

Não conheço a cor do mar
Nem lhe conheço a idade
Apenas sei que ao cantar
Sou a onda da saudade

Não conheço a primavera
Nem sei se ela vem ou não
Só sei que minh’alma encerra
O inverno da paixão

Não me conheço por dentro
Quando estás dentro de mim
Só sei que no pensamento
És fado que não tem fim

Serás tudo

José Fernandes Castro / Miguel Ramos *fado alberto*
Alda Branca (ao vivo)


Jamais me cansarei de te cantar
Jamais serás poema que não digo
Serás em cada noite, o meu luar
E em cada tempestade, o meu abrigo

Serás a minha rima abençoada
Nos versos que terei para escrever
Serás a minha doce madrugada
Poema que me vai adormecer

Serás a intensidade dum clarão
Estrela que me guia aonde eu for
Serás, na minha voz de solidão
Guitarra que me dá versos d’amor

Farei de ti o Deus da minha fé
Contigo, inventarei novo pecar
Se minha voz se mantiver de pé
Jamais me cansarei de te cantar

Fado que é fado

José Fernandes Castro / Jorge Goes
Repertório de Jorge Goes

Fado que é fado vive no tempo
Cantando vidas divididas p'lo amor
Fado que é fado nasce por dentro
Curando feridas provocadas pela dor

Fado que é fado é voz dum povo
Que não rejeita tempestades de paixão
Fado que é fado, velho ou mais novo
É lei que aceita as vontades que lhe dão

O fado é luz que faz viver
Destino-sorte
Que nos faz bem porque traduz 
Sonho e prazer
Estrela do norte 
Que nem toda a gente tem
O fado é luz 
Que nem todos podem ter

Fado é poesia, mensagem bela
Rima perfeita quando o sonho somos nós
É melodia, simples, singela
Que se deleita quando a alma ganha voz

E quando o fado, ganha o direito
De se embalar na voz sublime da saudade
Fica apertado, este meu peito
Numa viagem sem perder a liberdade

Rapsódia fadista

Domingos Silva / Manuel Maria Rodrigues / Popular
Repertório de Mário Rocha


Marcha do Manel Maria
Bairro Alto, meia noite
Uma sala, pouca luz 
A guitarra e o seu trinado
Não há ninguém que se acoite
Que o fado a todos seduz 
Quando se trata de fado

Nesse ambiente fadista
Sente o fadista mais garra 
E o fado tem mais calor
Quando as mãos dum guitarrista
Fazem chorar a guitarra
E alguém canta o menor

Fado Menor
Minha guitarra querida 
Tu és minha, eu de ti sou
Alma coração e vida 
Eu tudo, tudo te dou

Guitarra, de mim tem dó
Quando eu morrer, nesse dia
Não me faças sentir só 
Por Deus, faz-me companhia

Fado Mouraria
O fado é divina reza
E o bom fadista de garra
Traz a sua vida presa
Às cordas duma guitarra

Cidade do meu amor

José Fernandes Castro / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de António Passos

Esta cidade cinzenta
Vai mudando a sua cor
Para agradar ao seu povo
E de forma ternurenta
Escreve versos d’amor
Rimando com fado novo

O povo humilde e leal
Anjo do bem e do mal
É um santo protetor
Que mesmo triste e cansado
Traz na alma, um lindo fado
Traz no peito, um grande amor

Por detrás do nevoeiro
Este meu burgo tripeiro
Tem um passado de glória
Ali, nas margens do tempo
Mora a luz dum sentimento
Que dá mais brilho à história

E no jardim encantado
Deste país demarcado
Pelo sonho inovador
Há roseirais de poesia
Que dão cor e fantasia
À cidade do amor

A rua mais lisboeta

Lourenço Rodrigues / Vasco de Macedo
Repertório de Hermínia Silva 

Cá p'ra mim a minha rua 
É um risonho canteiro
Tem gatos miando à lua 
Nos telhados em Janeiro 

Tudo ali é português 
Tudo lá vive contente
Vive o pobre e o burguês 
É pequenina?... talvez 
Mas cabe lá toda a gente 

Melhor nunca vi
Que a rua onde eu nasci 
Rua pobrezinha
Mas tem uma graça infinda 
É humilde, qual aldeia 
Embora digam que é feia
Cá p'ra mim é a mais linda 

Não há ódios nem maldade
Tudo ali é singeleza
Não pode haver na cidade 
Rua assim mais portuguesa

Nada tem que seja novo
Essa rua da gentalha
Ali canto e me comovo 
Pois é rua do povo 
Que labuta e que trabalha

Por ti

António Mourão / Zélia Rosa Pinto
Repertório de António Mourão

Não quero, não, eu não vou implorar
E não me quero lembrar
O quanto tu foste louca
Não quero, por ti já sofrei demais
Vou afogar os meus ais
E o meu pranto, em outra boca

Ai… por ti
Por ti que nada me deste
Que tanto mal me fizeste
A minh’alma está vencida
Por ti 
Em que eu, louco acreditei
Que louco de amor lutei
Ando perdido na vida


Não quero ver-te mais no meu caminho
Ando na vida sozinho
Se é esse o desejo teu
Não querom lembrar sequer o momento
Que afinal, p´ra meu tormento
O teu amor não é meu

Natal, Natal

José Fernandes Castro / Raúl Ferrão (fado maria severa)
Repertório de António Passos


Dezembro tem outra luz
E tem um brilho mais redentor
Dezembro lembra Jesus
Filho perfeito do Criador

Dezembro tem a esperança 
A bailar muito melhor
No olhar duma criança 
O sonho nunca se cansa
E tudo tem nova cor
A cor do amor

Chegou o Natal, o mundo mudou
Já nada é igual aos dias normais
Chegou o Natal, o amor duplicou
Mas p’ra nosso mal não há mais natais


Há sinos que vão tocando
Quase cantando lindas canções
Vão pondo mais nostalgia
E mais magia nos corações

Dezembro devia ter 
Uma longa duração
E o Natal devia ser 
Um jardim a florescer
Na palma de cada mão
E no coração

Por causa dos teus ciúmes

Letra de Frederico de Brito
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Dizem que os altos rochedos
Contam segredos ao mar
Eu contei os meus segredos
A quem os anda a contar

Ouvi dizer que os pinheiros
Gemem p’las noites sem fim
Eu gemi dias inteiros
Sem ninguém ter dó de mim

O céu, às vezes tem pranto
Capaz de encher o mar largo
Eu por mim, não choro tanto
Mas o pranto é mais amargo

Dizem que o choro da nora
É feito do peso d’água
Também a minh’alma chora
Carregadinha de mágoa

Dorme a fonte ao abandono
De noite, nos altos cumes
Só eu não posso ter sono
Por causa dos teus ciúmes

Cidade do meu poema

José Fernandes Castro / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Nano Vieira

Cidade que vais crescendo
Em perfeita liberdade
Em ti se vão escondendo
E também se vão perdendo
Os traços da mocidade

Vais mudando lentamente
A imagem do teu povo
Vais ficando diferente
E a alma da tua gente
Gosta do teu fato novo

Tens perfil mais sedutor
Tens mais sol e mais luar
Agora estás bem melhor
Porque já consegues pôr
Fantasias no olhar

Cidade, cresce depressa
Mas cresce com humildade
Nunca percas a cabeça
P’ra que o povo não esqueça
Que rimas com liberdade

Tenho falado de amores

Antero de Quental / José Marques do Amaral
Repertório de Camané
Também gravado com o título *Maria*


Tenho cantado esperanças
Tenho falado d’amores
Das saudades e dos sonhos
Com que embalo as minhas dores

Eu cuidei que era poesia
Todo esse louco sonhar
Cuidei saber o que é vida
Só porque sei delirar

Eram fantasmas que a noite
Que a noite trouxe e o dia levou
À luz da estranha alvorada
Hoje minh’alma acordou

Esquece aqueles cantos
Só agora sei falar
Perdoa-me esses delírios
Só agora soube amar

O teu sol posto

José Fernandes Castro / Francisco Viana *fado vianinha
Repertório de António Passos


Pintei o teu lindo rosto
Na tela do pensamento
Agora sinto cá dentro
A beleza do sol posto

Pintei o teu lindo olhar
Com o lápis da ternura
E senti quanta doçura
Tens, na forma de beijar

Pintei o brilho da lua
No céu do teu ideal
Para tornar sensual
O luar da tua rua

Depois pintei o desejo
Na magia dum sorriso
E através do teu beijo
Conheci o paraíso

Os meus versos

Florbela Espanca / Paulo Valentim
Repertório de Kátia Guerreiro


Rasga esses versos que eu te fiz, amor
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento
Que a tempestade os leve, aonde fôr

Rasga-os na mente se os souberes de cor
Que volte ao nada, o nada de um momento
Julguei-me grande pelo sofrimento
E pelo orgulho, ainda sou maior

Tanto verso já disse o que eu sonhei
Tantos penaram já, o que eu penei
Asas que passam, todo o mundo as sente

Rasga dos meus versos!... pobre endoidecida
Como se um grande amor, cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente

Amor total

José Fernandes Castro / Armando Machado *fado santa luzia*
Repertório de Mariana Correia

Temos encontro marcado
Num poema inacabado
À espera dum final
Somos a alma perfeita
Da paixão que só se deita
Em nome do amor total

A nossa cama é o tempo
Onde corpo e sentimento
Combinam na perfeição
O nosso mundo é o amor
Que tem o real sabor
Das coisas do coração

Temos encontro marcado
Nas rimas do mesmo fado
Que baila na nossa voz
Este amor, quase loucura
Desperta em nós a ternura
O resto... fazemos nós

O banco da felicidade

José Fernandes Castro / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Júlia Cancela

Meu amor, a primavera
Continua à nossa espera
No banco da felicidade
Na solidão do meu dia
Vou vivendo a fantasia
Que não me conta a verdade

Meu amor, a lei da vida
É esta ânsia sofrida
Que me rouba o som da voz
Trago a minh’alma quebrada
P’la falta da madrugada
Que despertará por nós

O sol da minha esperança
É luz que jamais se alcança
Porque me falta fulgor
No calor do meu pecado
Vou abafando este fado
Que fala do teu amor

Vou vivendo tempestades
Vou suportando saudades
P’ra melhor me compreender
Meu amor, a primavera
Continua à tua espera
No banco do meu viver

Pedi um beijo

José Fernandes Castro / Raúl Ferrão *fado carriche*
Repertório de Júlia Cancela

Pedi um beijo á saudade
P’ra lhe saber o sabor
Mas tal beijo, na verdade
Não me soube ao teu amor

Pedi um beijo ao luar
Que mora na tua rua
P’ra poder saborear
O ar que por ti flutua

Pedi um beijo á beleza
Que te vai beijar o rosto
Só para teres a certeza
Que é de ti que tanto gosto

Era tão grande o desejo
De te beijar docemente
Que fui sonhar o teu beijo
Nos lábios do amor ausente

Provérbio ao contrário

Letra e música de Jonas
Repertório de Jonas


Um gato escaldado 
De água fria tem medo
Ah pois não, com razão
Sou água morna 
A furar pedra dura de xisto
E eu insisto
Eu podia ter sido ladrão
Não faltou a ocasião

Mas eu sou quem tudo quer
Tudo sonha e alcança
Que Deus guarda 
O borracho e a criança
Fui um hábito, encarnei um monge
Passando a passo largo
Quem depressa vai ao longe

Sou o provérbio ao contrário
Eu cá não caio no conto do vigário
Sou o provérbio ao contrário
Eu cá não caio no conto do vigário


Eu podia roubar o ladrão
Com direito a 100 anos de perdão
Mas eu sou quem tudo quer
Tudo sonha e alcança
Que Deus guarda 
O borracho e a criança
Fui um hábito, encarnei um monge
Passando a passos largos
Quem depressa vai ao longe

Pelas ruas do meu fado

José Fernandes Castro / Alfredo Duarte *fado bailado*
Repertório de Júlia Cancela

Ente parênteses: alterações feitas intérprete

Pelas ruas do meu fado
Vagueia um fado sem cor
O meu sonho amargurado
Anda triste, anda cansado
De sonhar o teu amor

Pelas ruas onde passo
Tudo me fala de ti (todos me falam)
Já não suporto o cansaço
De sentir que me desfaço
Na praia que construí

Construí com devoção
Um castelo em (de) maré cheia
Construí, mas foi em vão
Porque sem teu coração
Fiz um castelo de areia

E sempre que o meu castelo
É assaltado por ti
Eu vejo o mundo mais belo
E abandono o pesadelo
Dum sonho que não vivi

O que é feito dela?

Letra e música de Miguel Araújo Jorge
Repertório de António Zambujo


À janela eu sei que ela 
Há muito não se penteia
Na minha rua, a sua sombra 
Há muito não se passeia

Que é do furtivo olhar 
Que um dia íamos trocar?
Que é de todas as coisas 
Que eu tinha para lhe contar

O que é feito dela?
Será que aceitou 
O convite de alguém
Será que anda triste 
E não quer ver ninguém?
O que é feito dela?


Que é feito das cidades 
Que eu tinha para lhe mostrar
Que é desses filhos todos 
Que ela tinha pra me dar

Que é do nosso eterno amor 
Do meu furtivo olhar
E da desculpa que é bom 
Que ela tenha pra me dar

Minha boca não se atreve

Amália Rodrigues / Fontes Rocha
Repertório de Amália


Não se atreve a minha boca
Que eu não a deixo atrever
A dizer que eu ando louca
Que ando louca por te ver

Não se atreve a minha boca
Ao grito que eu quero dar
Não se atreve a minha boca
Que eu não a deixo gritar

Minha boca não se atreve
Não segue o meu coração
E não diz o que não deve
É a minha expiação

Minha boca não se atreve
A dizer o que lhe digo
Se ela se atrever em breve
Sabes que sonho contigo

Ai minha boca atrevida
Tu já mo disseste a mim
E encheste a minha vida
Desse segredo ruim

Como te vi

Filomena de Sousa / Pedro Rodrigues
Repertório de Filomena de Sousa

Ouvia falar de ti
E sonhei vezes sem fim
Aquela noite de março
Em silêncio pressenti
Teus lábios, juntinho a mim
E nós dois no mesmo abraço

Com a paixão aumentando
Dei por mim esvoaçando 
Nesse amor apaixonante
Julgava ter-te só meu
Ser só nosso o azul do céu 
E eu sempre tua amante

Silêncio, não digas nada;
Disseste tu sem falar 
Devorando os olhos meus
A boca ficou calada
P’lo beijo que soube dar 
Abençoado por Deus

Depois fomos para casa
Perder os cinco sentidos 
Como quem perde a razão
Silêncio, não digas nada
E ficamos mais que amigos 
A falar pró coração;
Silêncio, não digas nada
E ficamos mais que amigos 
Enleados em paixão

Menino de Abril

Letra de João Fezas Vital
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Eu nasci, bem demais, em Abril
Eram três da manhã
Minha Mãe era nova, tão nova
Que foi minha irmã
Os seus olhos arderam de amor
Dessa dor de mulher
O seu seio, em flor, agarrei-o
Bebi-o, para viver

Fui criança num mundo 
Em que o mundo era eu que inventava
Fui “cowboy”, fui toureiro, palhaço
E também rezava
Cresci com um pé no terror 
De a noite chegar
E meus sonhos serem de bruxas 
E ter de sonhar

Minha Mãe, sempre nova, tão nova
Olhava contente
Para os olhos, que eu tinha, tão tristes
Mais que toda a gente
Sem pensar, nem sonhar, que eu matara
O menino de Abril
E que a dor, que eu sentira, ao nascer
Se dividira em mil

Hoje, trago na boca palavras 
Que nunca escrevi
Poemas de amor, infantis, 
Para os quais não cresci
No meu corpo o cansaço é adulto
O amor uma espera
Invenção amarga e dura 
Do poeta criança que eu era

A vida é cheia de espinhos

Letra de João de Freitas
Do arquivo de Luís Alberto Freitas Hilário (neto do autor)
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


A vida é cheia de espinhos
Para quem for infeliz
Pois quem não tiver carinhos
Nunca pode ser feliz
Pois ela é cheia de espinhos

Todos maldizem a hora
Triste ou boa em que nasceram
Pois há sempre alguém que chora
Os amores que se perderam
E maldizem essa hora

É sempre assim esta vida
Mesquinha, cheia de escolhos
E a felicidade perdida
Conhece-se em muitos olhos
Porque estão fartos da vida

Pois se até as próprias flores
Quando murchas, sem valia
Já perdidos seus odores
São como nós, dia a dia
Na perdição dos amores

Menina por ser bonita

Mote popular / Glosa de Isidoro de Oliveira
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Menina, por ser bonita
Não cuide que mais merece
Quanto mais bela é a rosa
Mais depressa se fenece


Mais simples do que ninguém
Ponha o vestido de chita
Que tudo lhe fica bem
Menina, por ser bonita

Mas só porque Deus lhe deu
Uma cara que não esquece
Não pense que o mundo é seu
Não cuide que mais merece

A vida tem maus caminhos
A sua estrada é perigosa
Tanto maiores são os espinhos
Quanto mais bela é a rosa

Não tenha pressa d’amar
Quando um amor aparece
Amor que não faz esperar
Mais depressa se fenece