-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
* 7.350' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

. . .

Um fadista

Gabriel de Oliveira / Manuel Soares *fado portugal*
Repertório de Frutuoso França

Um bom fadista
Numa revista com galhardia
Sempre que canta 
Põe na garganta mais melodia

Deve cantar 
Sem vacilar, uma cantiga
Num lindo fado 
Muito arrastado à moda antiga

Não é actor, mas tem valor
Nobreza e calma
Quando a cantar 
Sabe arrancar pedaços de alma

Um bom fadista 
É um artista perante o povo
Deve mostrar
Quando a cantar, um estilo novo

O fado antigo 
É um amigo por nós eleito
Ninguém o esquece
Pois bem merece todo o respeito

Dizem agora 
Que o fado outrora era canalha
E foi cretino 
Por ser do signo de quem trabalha

Disse-te em ondas verdades

António Cálem / José Lopes *fado Lopes*
Repertório de António de Noronha
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Disse-te em ondas verdades
Que foram morrer na areia
Falei de amor e saudade
Numa noite em maré cheia

Só as gaivotas voltaram
O resto ficou no mar
Os olhos que te sonharam
Não mais te podem sonhar

Por isso esta praia nua
Que eu vim encontrar depois
Não sei se um dia foi tua
Nem se foi de nós os dois

Desilusão

Henrique Rego / Joaquim Campos *alexandrino*
Repertório de Ercília Costa


Quando deixei meu lar a minha mãe chorava
Vencida pela dor do nosso apartamento
E eu sorria então; meu peito suspirava
Por outro lar feliz, sem pranto e sem tormento

Mas a desilusão quebrou o meu encanto
Como o acordar quebra o sono mais profundo
P’las ruas da desgraça eu arrastei o meu pranto
E tornei-me da noite um astro vagabundo

Um dia fui bater ao lar abandonado
E achei a solidão na casa onde nasci
E desde então me fiz remorso dum passado
Repleto de afeição, que por amor vendi

A minha guitarra

Henrique Rego / Popular *fado menor*
Repertório de Alfredo Marceneiro
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Ando triste mas que importa
Há muito que eu ando triste
Se o mundo nada conforta
A mágoa que em mim existe

Um rouxinol fez o ninho 
Na beira do meu telhado
Para aprender, coitadinho 
Comigo a cantar o fado

Minha guitarra é vaidosa 
Mas vaidosa com encanto
Sente-se toda orgulhosa 
Todas as vezes que canto

Dizem que o fado desgraça 
O fado de muita gente
Mentira, o fado não passa 
Dum fado que qualquer sente

É o fado com certeza 
A alma dum desgraçado
Que na terra portuguesa 
Anda a cumprir o seu fado

Fado dos provérbios

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada na edição nº 276 do jornal Canção do sul em 16.06.1941 
com a indicação de pertencer ao repertório de Natália dos anjos
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

O passado é letra morta
Ferida curada não dói
O que lá vai não se vê
Quando me batem à porta
Nunca pergunto quem foi
Pergunto apenas quem é


É senhor quem tem dinheiro 
Nem todo o homem é mouro 
Sem gume a faca não corta
O tempo é bom conselheiro 
Nem tudo o que luz é ouro
O passado é letra morta

A vida é feita de abrolhos
Dizem que o trabalho mói 
E quem é crente descrê
Lágrimas brilham nos olhos
Ferida curada não dói 
O que lá vai não se vê

Devagar se vai ao longe 
Vergado ao peso da cruz
O pobre tudo suporta
O hábito faz o monge 
Da discussão nasce a luz
Quando me batem à porta

Pão dos pobres é ventura
Sempre Deus nos abençoe 
Muito pode quem tem fé!
E, quando alguém me procura
Nunca pergunto quem foi 
Pergunto apenas quem é

A Maria

Vânia Duarte / Bruno Chaveiro
Repertório de Vânia Duarte

Era uma vez uma vizinha
Que espreitava da janela
E o carteiro na viela
Veio contar-lhe a novidade
Sabes Maria, o teu rapaz voltou
De sorriso no rosto a Maria corou

Não me digas que é desta
AI que vou casar agora
Já perdida a esperança
O vestido na lembrança
Pareço uma criança
Com o coração na mão

Mas o rapaz não apareceu
O que foi que aconteceu?
Foi o amor que se perdeu
No meio da confusão
E agora a Maria
Estava triste e tão sozinha
Com o tanto que sofreu

Ainda não é desta
Já não vou casar agora
Está perdida a esperança
O vestido na lembrança
Pareço uma criança
Com o coração na mão

Se ainda não é desta
Se não vou casar agora
A esperança na lembrança
Ainda dança uma criança
Com o coração na mão

Fogueira apagada

Letra de Frederico de Brito
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Eu já sei que nunca mais
Hei-de ver na minha rua
Uma festa como aquela

Que bonitos arraiais
Que voz linda que era a tua
Que saudades tenho dela

Da fogueira à minha porta 
Onde ardeu minh’alma inteira
Como a lenha ardendo aos molhos
Só ficou a cinza morta 
E o bailar doutra fogueira
Na fogueira dos meus olhos

Das cantigas que cantaste 
Numa roda aonde entrámos
Foi um vira, me parece
Da maneira que bailaste 
Dos abraços que trocámos
Podes crer que não me esquece

Dos balões que eu vi subindo 
Caprichosos no seu rumo 
E nas suas virações
Só ficou um sonho lindo
Muito leve como o fumo 
Que saía dos balões

Eu já sei que nunca mais 
Me dás outros manjericos
Que saudade tenho deles
Já não voltam arraiais 
Nem já vejo bailaricos
Tão bonitos como aqueles

Fado do Retiro

Chianca de Garcia e Ramada Curto / Raúl Ferrão
Repertório de Hermínia Silva no filme Aldeia da Roupa Branca / 1939

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
 


tão fresca a melancia
Como a boca da mulher
Nas tardes de romaria
Rapazes é que é beber;
Chega a gente ao fim do dia
Sem dar p’lo anoitecer

É para esquecer, é para aquecer
Que assim a beber
Tu me vês a vida inteira 
Com este copo na mão
Quem tem de sofrer
Mais vale beber até poder ter
O sangue duma videira 
Cá dentro do coração

Ó tristeza vai-te embora
Que a vida passa a correr
Se não te alegras agora
Quando é que o hás-de fazer;
Bota vinho a toda a hora
Canta, canta até poder

Se calha haver zaragata
Com um freguês que tem mau vinho
P’ra não estragar a frescata
É dizer-lhe com jeitinho;
Bebe lá mais meia lata
Vá lá mais um pastelinho

Recordações

Letra de Gabriel de Oliveira
Do arquivo de Francisco Mendes
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Do tempo da fadistagem 
De jaquetão de ratina
E calça à boca de sino
Conservo uma tatuagem 
Uma guitarra em surdina
E os alamares do varino


Nasci num bairro fadista 
Da nossa velha Lisboa
Criei-me na malandragem
Mas trabalho, sou artista 
Como toda a gente boa
Do tempo da fadistagem

Num Café de camareiras 
Ao som do fado corrido
Comecei a minha sina
Rodeado de rameiras 
Por me verem já vestido
De jaquetão de ratina

Mais tarde, fui, como poucos 
Da Rua do Capelão
Era um faia figurino
De chapéu à quatro socos 
Um vistoso jaquetão
E calça à boca de sino

Toquei e cantei o fado 
Saí na dança da luta
Perdi-me na tavolagem
Fui preso, fiquei marcado 
E dessa minha conduta
Conservo uma tatuagem

A minha amante, vestia 
Blusa de chita com rendas
E saia de castorina
É filha da Mouraria 
Uma das suas legendas
Uma guitarra em surdina

De tantas leviandades 
Tristezas, mágoas e penas
Vividas no meu destino
Só me restam as saudades 
Um cachecol de melenas
E os alamares do varino

Fado ao luar

Letra de António Cálem
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Ouvi falar nele um dia
Julguei-o da Mouraria
Julguei-o de toda a gente
Mas depois fui-o encontrar
Braço dado com o luar
Sendo da lua somente

Estranho fado que ouvia 
Era a lua que sorria
E ele cantava tão bem
Que o Tejo e os seus navios 
Deixavam rastos perdidos
Para o ouvirem também

Falava dum outro mundo 
Que parecia mais profundo
E que era apenas o seu
Falava de longas velas 
De distantes caravelas
Num reino que se perdeu

Ouvi falar dele um dia 
Julguei-o da Mouraria
Julguei-o de toda a gente
Mas depois fui-o encontrar 
Braço dado com o luar
Sendo da lua somente

Caminhos

Letra de António Cálem
Repertório de Teresa Siqueira
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela 
Academia da Guitarra e do Fado

Tu passaste o teu caminho
E não viste a encruzilhada
Onde um dia te apareci
É que o acaso do destino
Pôs em frente à tua estrada
Alguém que morreu por ti

Passaste e nem sequer viste
A verdade deste olhar 
A cruzar-se com o teu
Tu passaste e mal sorriste
Passaste longe a cantar 
Na noite que te perdeu

Que importa se num sentido
Tinhas o rasto da luz
E tu seguiste o contrário?
Ouve bem o que te digo
Dum braço ao outro da cruz 
Toda a distância é calvário

Fado da triste feia

Raúl Portela
Repertório de Zulmira Miranda na revista Tic Tac
Letra retirada da gravação de Maria Fernanda Soares


Eu cá sou a triste feia
A triste feia, a triste feia
À beleza sempre alheia
Ai… sempre alheia

Quando eu era pequenina
Já minha mãe me dizia
Tu vais ter a triste sina
De ficares para tia

A feia, a feia, a feia, a triste feia
A pobre desprezada
A feia, por ser tão feia
Será sempre desgraçada

Na tristeza dos meus dias
Ai… dos meus dias
Desconheço as alegrias
As alegrias, as alegrias

Mas conforme a sorte
Eu no fundo sou feliz
Serei feia até à morte
Já que Deus assim o quis

Foi aqui na Mouraria

Letra de Frederico de Brito
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Do arquivo Francisco Mendes.
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Eu quis ver a Mouraria
E as voltas que ela tem dado
Só vi que já não havia
Nem Mouraria nem fado

De noite e a horas mortas 
Andei buscando as vielas
Mas não vi as meias portas
Que serviam de janelas

Não vi cortinas de renda 
Não vi brigões das esperas
Nem a Severa da lenda 
Nem mesmo as outras Severas

Ponham numa rua antiga 
Que pode ser a da Guia
Uma lápide que diga: 
Foi aqui na Mouraria

Vencer não é convencer

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada na edição nº 292 do jornal Canção do Sul em 16.02.1942 
com a indicação de pertencer ao repertório de M. dos Santos
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Pode a mentira vencer
Mas convencer é que não
Não tem razão de viver
Quem vive sem ter razão


Não havendo lealdade 
Na forte razão de ser
Em luta contra a verdade 
Pode a mentira vencer

A força pode esmagar 
Uma forte convicção
Pode vencer e quebrar 
Mas convencer é que não

São leis da vida, bem sei 
Mas não podem convencer
Quem vive à margem da lei 
Não tem razão de viver

Quando a verdade percorre 
Os antros de perdição
Vê a razão por que morre 
Quem vive sem ter razão

Não sei porquê

Letra e música de Fernando Freitas
Repertório de Natália dos Anjos

Por ti chorei, sofri e até fui louca
Por ti, sim por ti, porque te amei
Não sei se é por ti que estou perdida
Por ti, ó grande amor da minha vida

Não, não suporto mais 
A tua ingratidão
Deus me faça esquecer 
Esta louca paixão
E nem tolero quem me condena
Longe de ti
Chorando cumpro a minha pena


Se tu me abandonaste, não sei porquê
Nem tu nem eu sabemos a razão
E assim ficamos nós dois sem saber
A causa da nossa separação

Elogio do xaile

Silva Tavares / Filipe Duarte
Repertório de Adelina Fernandes
Estreado por Adelina Fernandes na opereta “Mouraria* em 1926
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*


Porque pasmais do meu xaile 
Foi de xaile, como nós
Que outrora, em traje de baile 
Andaram vossas avós

Julguei poder vir ao baile 
Com o meu xaile?
Que coisa mais portuguesa 
Senhoras d’alta nobreza?!

Até sei duma Marquesa 
De beleza muito rara
Que usou dum xaile, também
P’ra reconquistar alguém 
Que a Severa lhe roubara

Julguei poder vir ao baile 
Com o meu xaile?

Toda a tricana, em Coimbra 
Usa xaile e, sem favores
Bem sabeis como ela timbra 
E vos conquista os doutores
Que coisa mais portuguesa
Senhoras d’alta nobreza?!

Basta, porém, de piadas 
A minha mãe, que Deus tem
Era mulher muito honrada 
E usava xaile também

Roleta

Letra de António Cálem 
Repertório de João Braga
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Eu joguei a minha vida
Como quem joga uma flor
Tinha cor ao meio-dia
Já não a tinha ao sol pôr

No pano verde do mundo 
Perdi tudo o que ganhei
No pano verde do mundo 
Nem uma flor encontrei

A vida joga-se inteira 
Não se diz não ou diz sim
Se a aposta for verdadeira 
Joga-se a morte por fim

Eu joguei a minha vida 
Como quem joga uma flor
Tinha cor ao meio-dia 
Já não a tinha ao sol pôr

Cigano

Linhares Barbosa / Armando Machado *bolero do machado*
Repertório de Ada de Castro


Cigano esguio e trigueiro
Não sei porque me fascinas
Se o bater do teu pandeiro
Se as tuas mãos peregrinas

Quem quem me dera ser cigana
Viver da vida os escolhos
Dentro duma caravana
E na prisão dos teus olhos

Passar a fome que tens passado
Cantar e viver sempre a teu lado


Mentir nas feiras, deixá-lo
Ser como tu, ardilosa
Pedir por um velho cavalo
Uma conta fabulosa

Compreender os dialetos
Das sensuais malaguenhas
Beijar-te os cabelos pretos
Quando a dançar te desgrenhas

Na graça do som das velhas violas
Ouvir o bater das castanholas


Ensina-me a tua fé
Ensina-me tudo isto
Que a tua raça calé 
Também possui fé em cristo;
Ó meu cigano adorado
Em troca ensino-te o fado

Eu não estou p'ra brincadeiras

Frederico de Brito / Filipe Pinto *fado meia-noite antigo*
Repertório de Hermínia Silva

A brincar jurei amar-te
Isto, semanas inteiras
Mas pus a jura de parte
Eu não estou p’ra brincadeiras


Tu mentias-me brincando 
E eu resolvi castigar-te
Por isso, de vez em quando 
A brincar jurei amar-te

Eu passava maus bocados 
Tu suportavas canseiras
E andámos sempre enganados 
Isto, semanas inteiras

P’ra mentir, mesmo a brincar 
‘Inda é preciso ter arte
Eu deixei o tempo andar 
Mas pus a jura de parte

Perdoa se te contristo 
Mas embora tu não queiras
Vamos acabar com isto 
Eu não estou p’ra brincadeiras

Perguntei à Mouraria

António Mendes / Joaquim Campos *fado alexandrino*
Repertório de Vítor Miranda


Perguntei à Mouraria, sincero e amistoso
Porque razão vestia de luto rigoroso
Diz ela a soluçar, de olhar turvo e sem brilho
Estou de luto a lembrar a morte do meu filho

Dos bairros mais bairristas, o mais antigo eu sou
Fui mãe de outros fadistas e agora, vivo só
Sou viveiro do Fado e catedral bendita
Quem sabe o meu passado, em mim se ressuscita

O meu filho partiu, foi triste a sua hora
Porque o fado sentiu, isto, que eu sinto agora
Sou mãe da grande lenda, que não fica esquecida
Para quem compreenda a dor na minha vida

O que será do Fado sem essa voz castiça
Que andou por todo o lado, fiel e submissa
Fadista popular, quem sabe, está no céu
Para os anjos a cantar, com a voz que Deus lhe deu

Bem sei

Frederico de Brito / Júlio de Sousa *fado loucura*
Repertório de Mariamélia


É loucura, que eu bem sei
O ter que andar à procura
D’alguém que eu nunca encontrei
Sorte vil, que eu lamento
Até o meu céu d’anil
Se tinge a cada momento

Chorai, chorai
Guitarras da minha terra
Que o vosso pranto encerra
As mágoas do passado
E o mundo a rir
A rir às gargalhadas
Não tem dó das desgraçadas
Que morrem cantando o Fado


No meu rosto, tenho escrito
O mais profundo desgosto
Por este viver maldito
Pobre louca, trago em vão
Um riso a bailar na boca
E o pranto no coração

À procura do fado

Gabino Ferreira / Júlio Proença *fado proença*
Repertório de Gabino Ferreira


Andei vagueando à toa
Por esta velha Lisboa
Loucamente apaixonado
Dias e noites a fio
À chuva, ao calor, ao frio
P’ra ver se encontrava o fado

Ao Bairro da Mouraria
Há muito que já não ia 
Nem por Alfama passava
Então pensei dar um salto
Fui até ao Bairro Alto 
Mas ali também não ‘stva

À Madragoa desci
Ali também não o vi 
Fui então até à Graça
Mas por cruel ironia
Toda a Graça me dizia 
Há muito que aqui não passa

Fui depois a Campolide
Campo de Ourique, Carnide 
Eu sei lá por onde eu andei
Farto de o ter procurado
Já me sentia cansado 
E p’ra descansar parei

E mesta curta paragem
Sem ter do fado uma aragem 
Do fado que é muito meu
E então pensei, descansado
Para que procuro o fado 
Se o próprio fado sou eu

O brilho do teu olhar

António Cálem / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de João Braga

O brilho do teu olhar
Ninguém o pode entender
É como o fundo do mar
Que a água tenta 
esconder

Nunca sei se os teus olhos 
Poisam nos meus a sonhar
Mas sei quais são os escolhos 
O brilho do teu olhar

Mistério em que perdi 
E em que vivo a sofrer
Sonho que nasça de ti 
Ninguém o pode entender

Lanço as velas à ventura 
No mar largo desse olhar
Mas é mais cega a negrura 
É como o fundo do mar

Preso a ti para toda a vida 
Longe de mim a viver
Sou como a ilha perdida 
Que a água tenta esconder

Vida da minha vida

Luis Gouveia / Miguel Ramos
Repertório de Manuel Monteiro


Minha mãe vou escrever-te
E é tal a minha ansiedade 
Que me faz tremer a mão
​Há tanto tempo sem ver-te
Já nem sei como a saudade
Cabe no meu coração

Oh minha mãe
O teu filhinho está bem
Só as saudades que tem
Lhe causam esta aflição
​Mãe adorada
A tua imagem sagrada
Eu trago-a sempre guardada
Dentro do meu coração


Diz-me se aos teus cabelos
Os fios brancos chegaram
Mãezinha da minha vida
E se os teus olhos tão belos
São os mesmos que choraram
Pelos meus à despedida

Estou a escrever-te
Mas nem sei o que dizer-te
Pois em sonhos estou a ver-te
Como santa no altar
Que a luz de Deus
Ilumine os olhos teus
P’ra poderem ver os meus
Quando eu de novo voltar

Praga

Letra de Gabriel de Oliveira
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Do arquivo de Francisco Mendes
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Podes rir, podes zombar
Do desgosto que sofri
Passou, já me conformei
E agora vivo a pensar
Que há-de cair sobre ti
A praga que te roguei

Lembrando os pecados teus
Uma praga, com razão 
Saiu-me p’la boca fora
E, a rezar, pedi a Deus
Para te dar maldição 
E um desgosto de hora a hora

Merecias ser castigada
Mas que a praga te não caia 
Que Deus te não dê castigo
Pois já és tão desgraçada
Que a gente da tua laia 
Foge de falar contigo

Deste-me dias felizes 
Antes de prevaricares
Hoje para mim és morta
Deus queira que não precises
Mas se um dia precisares 
Vem bater à minha porta

São coisas

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Fábia Rebordão


Cara lavada
Pega o volante e sai
Roda na estrada
Mete a mudança e vai
Que a vida é dura
Pesa-lhe o corpo caído
Sem pintura
Chegou-lhe a história ao ouvido

São coisas
Muitas coisas p'ra entender

Foi por impulso
Deu costas a tudo mais
Sem ter recurso
Pediu ajuda aos pais
Cabeça cheia
Caiu-lhe o mundo sem dó
Sente-se feia 
Por ser trocada e estar só

Sem ter suspeita
Levava os dias iguais
Sempre sujeita 
Ao homem a quem quis mais
E, nessa entrega
Tirou de si o sentido
O amor cega
Não cuidou de ter caído

Cara lavada
Desliza a lágrima vã
Conhece a estrada
Só não sabe o amanhã
Já não tem planos
Tudo ficou reduzido
A quatro anos 
D'amor agora traído

Fado Estoril

D.R / Armando Augusto Freire *alexandrino do estoril*
Repertorio de Madalena de Melo
Procura-se informação sobre o autor da letra

Cheio de pasmo e dor, vergado ao desalento
Tu disseste-me adeus, naquele dia triste
E após a despedida, infausta de tormento
Eu chorando fiquei e chorando partiste

O pranto, por amor, desfaz-se entre nós dois
Em gotas de cristal, fazendo-nos sofrer
Fizeram rebrilhar meus olhos, mais que sóis
Quando no tempo, ao fim, nos tornámos a ver

Sendo triste, um adeus, a quem queremos bem
Obriga-me a dizer, após os prantos meus
Que és tu muito feliz, quem diz adeus a alguém
E é triste, quem não tem, a quem dizer adeus

Se choras

António Cálem / Alvaro Duarte Simões *meia noite e uma guitarra*
Repertório de Fernando Gomes


Se chorares de pura mágoa
Junto à linha do horizonte
Chora como as gotas d’água
Que vão caindo da fonte

Com elas dá vida à terra
Dá frescura a toda a gente
Sê como o gesto que encerra
O lançar duma semente

Que a semente há-de dar sombra
No andar de mil estradas
Mas que não saibam que a sombra
Vem de lágrimas choradas

O marinheiro

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada a 09.07.1933 na edição Nº277 do Jornal Guitarra de Portugal
com a indicação de pertencer ao repertório de Júlio Proença
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Dentro dum barco veleiro
Lá vai o bom marinheiro
Sua pátria defender
Caminha altivo p’ra morte
Como um bravo, como um forte
Que não lhe importa morrer

Assim que o mau tempo amaina 
E apita a dar volta à faina
Ninguém se lembra da guerra
O marujo, descuidado 
Revive alegre, o passado
Nas canções da sua terra

Mas no dia da batalha 
Quando começa a metralha
A fazer o seu revés
Logo à ideia lhe vem 
Sua velha e santa mãe
E tomba sobre o convés

Limpa a lágrima que rola 
À manga da camisola
E morre a pensar nos seus
Quem sabe?... nesse momento 
Talvez num pressentimento
Reze a mãe por ele a Deus

Morri por hoje

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Fábia Rebordão


Conversas banais
Curiosos mais que tudo
A quem perguntar
Mostro-lhe o meu ar sisudo

Gente cuja voz
Só fala de nós, fingindo
Sem mais que fazer
Falam sem saber mentindo

Querer saber por ti
Se estamos perto ou estamos longe
Diz-lhes que eu morri por hoje


Não há volta a dar? 
Perguntam com ar que ilude
Esperam que depois
Isto entre nós dois não mude

Gente cuja voz
Só fala de nós, fingindo
Sem mais que fazer
Falam sem saber, mentindo

Você chega a estas horas

Frederico de Brito / Fernando Freitas
Repertório de Eulália Duarte


Você chega a esta hora
Com ar de quem não consente
Que uma palavra lhe dê
Você anda lá por fora
Metido com toda a gente
E eu à espera de você

Você não quer ouvir ralhos 
Se eu falo, põe-se à janela  
Mostro as razões, não as vê
Você só me dá trabalhos 
E os carinhos são p’ra aquela 
Que anda sempre com você

Você é o meu contraste
Não vê que me desconsola 
No que eu lhe digo, não crê
Você não é mais que um traste
E eu não sou mais que uma tola 
Que acreditou em você

Você diz que sai de casa 
Que eu lhe ponho a alma em brasa 
E que anda à minha mercê
Sei que o mal é todo meu 
Mas pode sair, porque eu 
Não vou atrás de você

Você sai porque eu o deixo 
Mas deixá-lo, não me queixo 
Sem ver de quem nem de quê
Ninguém há-de ouvir meu pranto 
Fico p’ra aqui a um canto 
Morro a chorar por você

O velho e o novo

David José / Jaime Santos *fado lala*
Repertorio de Natália dos Anjos


Tenho um velho que me alinda
E um novo que me quer
E dos dois não sei ainda
Qual o meu coração prefere

O primeiro é quem me dá 
Tudo quanto ao outro dou
Nem o velho sabe já
Quanto o novo me levou

Sem despiques nem afrontas
Qualquer dos dois me é querido
E nenhum me pede contas
Dos carinhos que divido

Este amor que mal não tem
A paixão é verdadeira
Do mais novo sou a mãe
Do mais velho a companheira

A mim jurou-me também

*O cigano é só meu*
Lina Maria Alves / Adelino dos Santos
Repertório de Lina Maria Alves​


Dizem práí que ela é dele 
Mentira, deixem falar
Pois eu sei que ele é aquele 
Que não sabe o que é gostar

Se alguém pensa que ele gosta 
Deve de estar iludida
Eu até faço uma aposta 
Apostava a minha vida

Não tenho ciúme delas
O amor dele é só meu
E ele não quer aquelas
Que são piores do que eu
Até lhe chamam cigano
É como lhe chamo eu
E elas vão no engano
Mas o cigano é só meu


Se for preciso jurar 
Jura com fé e ardor
Mas ao fim está a brincar 
Não está a falar de amor

Só eu o conheço bem 
Diz sim por tudo e por nada
A mim jurou-me também 
Mas eu não vivo enganada

99

Letra e música de Fábia Rebordão
Repertório da autora


Depois do escuro, eu sei
Que virá outra luz p'ra iluminar
As linhas que apaguei
Escritas em folhas dúbias sob a luz do luar

A vela que contempla
0 retrato a preto e branco que guardei
Moldura cor cinzenta
Que já foi cor magenta no dia em que a comprei

0 fato no cabide
Desfeito pela traça, degolado ao guardar
0 som que me agride
Das portas do armário que não dão p'ra fechar

Camisa amarrotada
Que nunca foi dobrada, lavada nunca foi
Encontrei já suada
Tão suja e ultrajada, ainda cheirava a dor

Soalho que se move
Que sente passo a passo a minha inquietação
Não choveu, já não chove
Contei noventa e nove e adormeci no chão

Rainha santa

Gabriel de Oliveira / Alberto Ribeiro
Repertório de Alberto Ribeiro
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Desgarradas em Coimbra
São amores que vão distantes
Pois é lá que o fado timbra
Na boca dos estudantes

Quando não se ouvem cantar 
No Mondego, os seus doutores
Dona Inês fica a chorar 
Lá na Fonte dos Amores

Quando a estudantada canta 
Baladas sentimentais
Dizem que a Rainha Santa 
Vem 'scutar, junto aos vitrais

Dos homens que se formaram 
Na velha Universidade
Há saudades que ficaram 
No Penedo da Saudade

Depois da Queima das Fitas  
Coimbra não tem sossego
Choram tricanas bonitas 
Pelas margens do Mondego

Passei por você

Frederico de Brito / Alfredo Duarte Marceneiro
Repertório de Amália 


Passei por você há pouco
Ria como ri um louco
Ria sem saber de quê
Não se ria, não se gabe
Pois você ‘inda não sabe
Se eu gosto ou não de você

Você diz que eu não o quero
Que não tenho amor sincero 
Mas nunca me diz porquê
Eu não sei bem se é amor
Mas vá lá p’ra onde for 
Vejo a sombra de você

Não lhe peço que me queira
Nem que eu queime a alma inteira 
Nada quero que me dê
O que eu sinto é só comigo
Mas deixá-lo, não lho digo 
Nem que eu morra por você

Você pensa e muito bem
Que eu não gosto de ninguém 
E que em mim já ninguém crê
Trago a vida mais sombria
Pois não sei de que servia 
Gostar tanto de você

Por isso é que o fado é triste

Frederico de Brito / João do Carmo Noronha *fado pechincha*
Repertório de Fernanda Maria


Guitarra, para que choras
Se choras sem ter vontade?
‘Inda te gabas que moras
Aonde mora a saudade

Guitarra, tu quando acordas 
Quebras logo o teu encanto
Há risos nas tuas cordas 
Que tu convertes em pranto

Tu mostras um ar sisudo 
Se te apanham de surpresa
Mas logo resolves tudo 
À procura da tristeza

Que de madeira te façam 
Mas não te obriguem a ser
Como as árvores que passam 
A vida inteira a gemer

Já sei que nunca fugiste 
À mágoa que te devora
Por isso é o que o fado é triste 
Por isso é que o fado chora

Suspiro

Letra e música de Pedro da Silva Martins
Repertório de Fábia Rebordão

Hoje saiu-te um suspiro
Perguntei-te se era meu
Foste um tanto ao quanto esquivo
A dizer que era só teu;
Que foi um ar que te deu

Pois se foi esse o motivo
Um só ai sem intenção
Suspiro pelo suspiro
Que será o meu então

Ai é tão bom ouvir um suspiro
Ai, ou quando alguém nos faz suspirar
Ai, qual é o mal que tem um suspiro
Ó, quando ele é só o peito a cantar


Por vezes também suspiro
Mas não guardo para mim
Suspiro pela saudade
Das coisas boas que eu vivi;
E às vezes também por ti

Eu suspiro e não finjo
Tenho gosto em suspirar
Suspiro pelo suspiro
Que contigo eu quero dar

O louco

Frederico de Brito / Joaquim Campos *fado vitória*
Repertório de Maria Alice


Lá vai o pobre tolinho
A cantar pelo caminho
D’olhos pregados no chão
Como quem reza e procura
Nas sombras da noite escura
Uma perdida ilusão

Não é loucura somente 
Aquilo que o louco sente
É a paixão que o devora
Da noite faz o seu dia 
No pranto tem alegria
Por isso é que canta e chora

Foi por mim que enlouqueceu
Foi por mim… que mal fiz eu 
Em lhe negar o amor
Que o pobre louco procura
Nas sombras da noite escura 
Na sua tão negra dor

Mente-me

Letra de António Amargo
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Mente-me só esta vez
Na tua sinceridade
Porque esta vez é talvez
A vez que falas verdade


Tu, que amor jamais fingiste 
Nessa tua insensatez
Se a ninguém nunca mentiste 
Mente-me só esta vez

Mente e não tenhas receio 
De mentir com crueldade
Pois francamente não creio 
Na tua sinceridade

Sinceridade encoberta 
Em que tu próprio não crês
Porque esta vez não é certa 
Porque esta vez é talvez

É talvez a vez primeira 
Que mentes por caridade
É na tua vida inteira 
A vez que falas verdade

Retorno

Letra e música de Fábia Rebordão
Repertório da autora


Gente rude e tão cruel 
Não pensam que o mal 
Que fazem, pode ferir de morte
Passam tempo a difamar 
Não têm que fazer
Que Deus lhes guarde a melhor sorte

Fazem rezas baixinho às ombreiras das portas
Evocando em silêncio, as almas que mortas
Atrasam-me a vida e fecham-me as portas


0 que é vosso está guardado 
Eu sei do seu passado
Que muito vos perturba a vida
E o isco do seu mal 
Retorna por sinal
À própria língua então mordida

Olhos gordos pendurados 
Despontam maus olhados
Roda o pescoço, quebra a vida
Incorporam entidades 
Sem ter capacidades
A cruz na testa invertida

Gente que é capaz de tudo 
Cutuca até um mudo
E faz vodoos com o diabo
Fazem bonecos de pano 
E furam sem engano
0 coração de um alvejado

Zanga

Frederico de Brito / Alberto Costa *fado dois tons*
Repertório de Fernanda Maria


Se esta vida continua
Por mais uns dias escassos
As pedras da minha rua
Já te conhecem os passos

E quando passas, vê lá 
Há tantas pedras no chão
Escusas de vir p’ra cá 
Com sete pedras na mão

Se duma zanga qualquer 
O nosso amor acabar
Hei-de ter, se Deus quiser 
Muitas pedras p’ra atirar

Mas, também, se eu não for tua 
Sempre tua, até ao fim
Que as pedras da minha rua 
Se levantem contra mim

Nasci para ser fadista

Letra de Gabriel de Oliveira
Transcrita no livro de A.Victor Machado, “Ídolos do Fado” 1937 , com a indicação 
de pertencer ao repertório de José Porfírio e ser cantada na música do 
Fado Natália de José Marques
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Nasci ao meigo trinar
Do velho Fado Corrido
Comecei logo a chorar
Mas ninguém nasce a cantar
E eu chorei por ter nascido

Nasci para ser fadista 
Para cantar e sofrer
Esse Fado moralista 
Que fez de mim um artista 
E me embalou ao nascer

Nasci num bairro afamado 
P’la fadistagem antiga
Vivo p’ra cantar o Fado
Que me traz acorrentado 
Ao sabor duma cantiga

Nasci e sinto vaidade 
Pelo bairro onde nasci
Foi lá que, na mocidade 
Cantei o Fado à vontade 
E foi lá que o aprendi

Nasci no bairro da Graça 
Pela bondade elevado
Sou filho daquela raça 
Que, p’ra valer à desgraça 
Só de graça canta o Fado

Não passes à Madragoa

Frederico de Brito / Armando Augusto Freire
Repertório de Raul Pereira


Cautela, nunca passes pela Esperança
Pela Esperança das varinas
Das varinas faladoras
Pois ficas com os olhos na lembrança
Na lembrança da saudade
Da saudade que devoras;
Há nelas, uma certa confiança
Confiança que se perde
Que se perde em poucas horas

Não queiras vir de noite à Madragoa
Nem passes descuidado pelas Trinas
Cautela, que anda o vira p’las esquinas
Pés trigueiros, enfiados
Em chinelas pequeninas;
E à noite, pelas ruas e travessas
Há desejos e promessas
A bailar com as varinas


São delas os motivos mais risonhos
Mais risonhos para os meus olhos
Para os meus olhos que as namoram
Namoram esses lábios de medronhos
De medronhos p’ra desejos
P’ra desejos que as devoram;
E algumas são a origem dos meus sonhos
Dos meus sonhos cor da esperança
Cor da Esperança onde elas moram

Último pedido

Frederico de Brito / Raúl Pinto
Repertório de Berta Cardoso


Volta que eu abro-te a porta
Ao menos p’ra convencer-me
Que nunca vivi sem ti
Volta, que eu já não me importa
Agora quero esquecer-me
Do tempo que t’esqueci

Volta que eu já perdoei
Vem à hora que quiseres 
Escusas de fazer alarde
Tu hás-de voltar, bem sei
Volta hoje, se puderes 
Que amanhã pode ser tarde

Dize que vens e que é certo
Jura p’la amizade nossa 
Que ainda não a perdi
A morte já anda perto
Ao menos deixa que eu possa 
Morrer, abraçada a ti

Falem agora

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Fábia Rebordão

Não ouço essas conversas
Isso é banal
Por serem tão perversas
Fazem-me mal

Falem agora
Eu estou por fora e até já
Não se incomodem, deixem lá
Que eu já estou fora


Conversas de café 
Não quero ter
Falar de outros, não é 
Só mal dizer

Quem diz que viu, quem mente 
Essas coisinhas
Nas costas de outra gente
Eu vejo nas minhas

Um caso mal contado
E outros que tais
Desligo, passo ao lado 
Leio os jornais

Lição de amor

Frederico de Brito / Franklim Godinho
Repertorio de Anita Guerreiro


Perguntei o que é amor
Ao meu velho professor
Por causa do verbo amar
Naquele tempo em que a gente
Pergunta inocentemente
Às vezes por perguntar

Aquele velhinho ouviu
Olhou para mim, sorriu 
E respondeu-me depois
Amor… conheci só um
Substantivo comum 
Às vezes comum de dois

Mostrando um desgosto acerbo
Disse que amor, como verbo 
Não é sempre regular
É triste dizer: amei
É mau dizer: amarei 
E não se diz: hei-de amar

O verbo não é p’ra todos
Igual nos tempos, nos modos 
Às vezes por tal defeito
Põe-se uma oração de lado
Porque não tem predicado 
Nem se conhece o sujeito

Hoje é que eu sei dar valor
Ao verbo que o professor 
Tão bem me tinha ensinado
Pois se há quem tal verbo adore
Também há muito quem chore 
Por já o ter conjugado

A minha oração

Letra de Frederico de Brito
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Antes que queira não posso
Deixar o fado é morrer
É ele o meu Padre Nosso
Que vou rezando a sofrer


Há p’ra aí quem faça alarde 
De que a saúde destroço
P’ra mudar de vida é tarde
Antes que queira não posso

Julgam que vivo cansado
Duma vida de prazer
Não posso é deixar o fado 
Deixar o fado é morrer

Pois a canção que mais prezo 
Traz-me em constante alvoroço
E entre as orações que eu rezo 
É ele o meu Padre Nosso

O fado, é só p’ra mim 
Simples razão do meu ser
Ou um rosário sem fim 
Que vou rezando a sofrer

Paraíso

David Morão Ferreira / José Mário Branco
Repertório de Camané


Deixa ficar comigo a madrugada
Para que a luz do sol me não constranja
Numa taça de sombra estilhaçada
Deita sumo de lua e de laranja;
Deixa ficar comigo a madrugada
Para que a luz do sol me não constranja

Arranja uma pianola, um disco, um posto
Onde eu oiça o estertor de uma gaivota
Crepite em derredor o mar de agosto
E o outro cheiro, o teu, à minha volta;
Crepite em derredor o mar de agosto
E o outro cheiro, o teu, à minha volta

Depois podes partir, só te aconselho
Que acendas, para tudo ser perfeito
À cabeceira a luz do teu joelho
Entre os lençóis o lume do teu peito;
À cabeceira a luz do teu joelho
Entre os lençóis o lume do teu peito

Podes partir, de nada mais preciso
Para a minha ilusão do paraíso

Lenda

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada a 31.03.1934 na edição Nº289 do Jornal Guitarra de Portugal
com a indicação de pertencer ao repertório de Filipe Pinto
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Por destino fatalista
Segundo uma lenda antiga
Dizem que na Mouraria
Houve em tempos um fadista
Que sabia uma cantiga
Mas se a cantasse morria

Nesse tempo a fadistagem 
Era gente destemida
Mas religiosa e crente
Havia camaradagem 
Capaz de arriscar a vida
Por amizade, somente

Sobre a cantiga da lenda 
E o seu lado moralista
Pouco posso adiantar
Findava nesta legenda 
Quem tem alma de fadista
Deve morrer a cantar

Esse fadista de lei
De “antes quebrar que torcer” 
Divisa de antigamente
Quis, para honra da grei
Cantar o Fado e morrer 
Como um fadista valente

Sonhos meus

Frederico de Brito / Frederico de Brito *fado dos sonhos*
Repertório de Maria do Rosário Bettencourt

Sonhos que eu tive, queimei-os
Uns tristes, outros risonhos
Mais raiva do que prazer
Se a vida é um mar de enleios
Quem não quer viver de sonhos
Não se deixe adormecer

Sonhos de esperança, perdi-os
Fartei-me de procurá-los
Com todo o maior empenho
Passam os dias sombrios
E o desejar encontrá-los
É outro sonho que eu tenho

Sonhos d’amor, outros sonhos
Vem a tristeza, a saudade
E há uma jura quebrada
Voltam os dias risonhos
Nos sonhos não há verdade
É tudo um sonho e mais nada

Génese da libertação

Letra e música de Dino Santiago
Repertório de Fábia Rebordão


Escutai a voz desta serva
Ó meu Deus, atende a este lamento
Lentamente, coração bate fora do tempo

Tempo lento que limita o meu tempo
Do tempo que vens e me pedes um tempo
Luto em luto por um homem que é puto
E astuto, no fundo não passo de um tempo

Livre, sai e vai
Leva este lamento
Cai e vai, escorrega na língua que trai
Por isso sai e vai
Abre a porta e liberta este amor
Que hoje morre p'ra viveres


Levanta que o tempo é curto
P'ra tentar, só tentar, não adianta
Evolução, missão, escolhe o tema e avança

Avança na dança da mudança que é mansa
E não cansa da pança que cresce e não vês
Que ela não deixa e só se queixa pela deixa
Da gueixa que beijas e deixas após

E por isso sais e vais
Levas este lamento
Cais e vais, escorregas na língua que trais
Por isso sais e vais
Abre a porta e liberta esse amor
E hoje morre sem viver


Sais e vais, sais e vais
Cais e vais, sais e vais
Sais e vais, sais e vais
Sais e vais

O cauteleiro

Frederico de Brito / Júlio de Sousa *fado loucura*
Repertório de Manuel Fernandes


Sem ter norte, nem ter lar
Dizem p’ra aí que dá sorte
O que é p’ra mim tanto azar
É loucura que eu desdenho
O ter que andar à procura
Da pouca sorte que eu tenho

E sem carinho
Pelas ruas e vielas
Apregoando as cautelas
Vou seguindo o meu caminho
E quem me ouve 
Cantarolar esta moda:
É o mil duzentos e quarenta e nove
Que amanhã é que anda a roda

Sente a vibrar como um fado
O pregão do desgraçado

Se um malvado ri de mim
Não vê que eu, sendo aleijado
Minh’alma não é assim
Quem na sorte ri dos mais
Não se lembra que na morte
Todos nós somos iguais

Esta estrofe não foi gravada
Deus aos pobres sempre ajuda
Valem mais p’ra mim uns cobres
Que p’ra muitos a taluda
A pobreza não me importa
Trago nas mãos a riqueza
Que foge da minha porta

Os teus cabelos sereia

Fernando Teles / António Pedro Machado *fado machadinho?*
Dueto de Maria Alice com António Machado *Machadinho*

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Os teus cabelos, sereia
Que são da cor do carvão
Tece-os, faz uma cadeia
Que prenda meu coração

P’ra prender meu coração 
Não chegam teus madrigais
O galanteio é traição 
Desejos provas reais

A dar-te a prova real 
Meu amor, estou sujeito
Agarra neste punhal 
E vem cravá-lo em meu peito

De teu peito apunhalar 
Nunca senti tais desejos
Prefiro antes devorar 
A tua boca com beijos

Qualquer dia

Jorge Fernando / Rui Veloso
Repertório de Fábia Rebordão


Qualquer dia vou mudar-me
Qualquer dia, não ouvir a minha alma
Ensurdecer aos apelos mais sensíveis
E assim o coração endurecer

Qualquer dia fecho a mão
Que teimosa fica aberta ao que vier
Na vida a história é muito mais em prosa
Que poemas que mais ninguém quer escrever

Se isso me faz sentir tão vazia
Na inocência em que nasci e em mim ficou
Qualquer dia, vou mudar-me qualquer dia
Mas não hoje, que ainda teimo em ser quem sou

A pedra da calçada

Letra de Frederico de Brito
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra publicada no livro de Fernando Cardoso *Poetas Populares* 
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Arrancada, desprezada
Uma pedra da calçada
Posta ao canto duma rua
Lembrou o mundo ruim
E pôs-se a contar assim
Os transes da vida sua

Eu sou de serras distantes
Onde as fontes, sussurrantes 
P’la noite velha adormecem
E vim p’ra cidade enorme
Onde nem a noite dorme 
E os homens não se conhecem

Sobre mim, passaram nobres
Sobre mim, dormiram pobres 
Vi risos maus; dores sublimes
Salpicaram-me, no entanto
Com tristes gotas de pranto 
E negro sangue de crimes

Eu vi riquezas mentidas
E vi misérias escondidas 
Vi honra e devassidão
Guardei-me dos homens falsos
Debaixo dos pés descalços 
Dos pobrezinhos sem pão

E aquela pedra sombria
Muito negra, muito fria 
Com um desgosto profundo
Deixou-se ficar ali
Não por vergonha de si 
Mas por vergonha do mundo

Ele zangou-se comigo

Frederico de Brito / Francisco Viana fado vianinha*
Repertório de Fernanda Maria

Ele zangou-se comigo
Disse-me o que é já costume
Calei-me e nada lhe digo
Pois sei que é tudo ciúme

Saiu e fez uma jura 
Dizendo que era de vez
Eu é que sei quanto dura 
A jura que ele me fez

Teimava com tal afinco 
A decisão foi tão grave
Que a porta ficou no trinco 
E até me levou a chave

Eu fiquei d’olhos enxutos 
Olho o relógio hora a hora
Quero contar os minutos 
Do tempo que se demora

Ele é como a abelha brava 
Vem ao cortiço em segredo
Jurou-me que não voltava 
Esta noite vem mais cedo

Má onda

Letra e música de Pedro da Silva Martins
Repertório de Fábia Rebordão

Um sorriso é mais forte 
Que uma careta feia
Só por me dar ideia 
Eu não te gabo a sorte

A palavra é mais clara 
Que um olhar de soslaio
Eu não sei porque raio 
Tu me viraste a cara

Não entendo porque não tentas
Mandar isso p’ra lá
Essa má onda rabugenta
Eh pá... comigo não dá, não dá
Comigo isso não pega
Comigo isso não dá
Se o meu amor não chega 
A outro chegará
Dá-me um abraço, já

Teimosia dá mais pena 
Que a minha solidão
Ai, fica a ovação, pois 
Eu já topei a cena

Essa birra já vem torta 
E eu sei que um dia passa
Não sei por que desgraça 
Engraças com a minha porta

É má onda, mas enfim 
Só se estragou uma casa
Por mim é tábua rasa 
Que eu até gosto assim

Por esmola ou por favor

Gabriel de Oliveira / Joaquim Campos *fado vitória*
Repertório de Natália dos Anjos
Do arquivo de Luís Morais
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Por esmola ou por favor
Não mates esta ilusão
Que nos meus olhos bem lês
Quando eu te falar de amor
Nunca me digas que não
Diz-me sempre que talvez

Há quem tenha a crueldade
De ser franco, embora fira 
As fibras do sentimento
Eu tenho horror à verdade
Em amor quero a mentira 
Que me fale ao desalento

Tem pena, tem dó de mim
Pois meu amor não se cansa 
De em seu destino ser crente
Se te custa dizer sim
Diz-me talvez, dá-me esperança 
Qu’eu já me sinto contente

Para que eu não sinta a vida
Tão rudemente esmagando 
O meu pobre coração
Deixa que eu vida iludida
E vai-me sempre enganando 
Mas nunca digas que não

Velha Mouraria

Frederico de Brito / Casimiro Ramos *fado helena*
Repertório de Júlio Peres

Minha velha Mouraria
Mudaste, não sei porquê
Há muito que te não via
Minha velha Mouraria
Quem te viu e quem te vê

Já não oiço o mesmo fado 
Que eu ouvi com devoção
Como tudo está mudado
Já não oiço o mesmo fado 
Das tascas do Capelão

Uma Severa que outrora 
Pôs muitas almas em brasa
Sei bem que ainda cá mora
Essa não se foi embora 
Apenas mudou de casa

Passei há pouco no Outeiro 
E vi-lhe um vaso à janela
Pois tinha o mesmo craveiro
E os cravos tinham o cheiro 
E o rubor dos lábios dela

Minha velha Mouraria 
Que má sorte Deus te deu
Ser a saudade sombria
E a lembrança fugidia 
Dum passado que morreu

Fadiga

Letra de António Cálem
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Porque me tardas na vida
Se a vida já tarda em mim?
Porque esperas, se a partida
Já se avizinha do fim?

Esperar horas inteiras
A chegada desse alguém
É como passar barreiras
Para a terra de ninguém

Assim o ter-te encontrado
Só me diz que já é tarde
É como a flor deste cardo
Que renasce quando arde

Canção do amor para sempre

Letra e música de Tozé Brito
Repertório de Fábia Rebordão

Atravessei oceanos
Tantos anos, tanto mar
E aportei nos teus olhos
E aportei nos teus olhos 
Cansada de navegar
Cansada de navegar 
Vi nos teus olhos a luz
Do farol que procurava
Do farol que procurava 
Para aportar minha cruz

Amor, amor, amor, amor
Es o meu porto de abrigo
Já não quero navegar
Só quero ficar contigo


Atravessei tempestades 
Dum lado ao outro do mundo
E aportei nos teus braços
E aportei nos teus braços 
O teu abraço sem fundo
No teu abraço sem fundo 
Encontrei a minha paz
Nunca aportei para sempre
Nunca aportei para sempre
Mas por ti eu sou capaz

O meu marialva

Frederico de Brito / José Marques *fado triplicado*
Repertório de Fernanda Maria


Eu, mais o meu “marialva”
Fomos à Feira d’Agualva
Num trem aberto e enfeitado
Com dois cavalos de raça
Que a passo tinham tal graça
Que até batiam o Fado

Deu-se uma volta na feira
Andámos de brincadeira 
A experimentar um garrano
Que povo que se juntou!
E ao resto, pouco faltou 
P’ra enganar um cigano

Na barraca do Vilar 
Onde fomos abancar
Já se cantava o fadinho
Estava lá o Cadeireiro 
O Ginguinha, o Cutileiro 
O Rosa e o Patusquinho

Depois do fado corrido
Foi o fandango batido 
Que parecia não ter fim
Que tarde tão bem vivida
Nunca vi na minha vida 
Bailar o fandango assim

E já de volta da feira
Bailava numa ladeira 
Um trem que vinha enfeitado
Um garrafão de “murraça”
E dois cavalos de raça 
Que até batiam o Fado

Nosso fado

Letra de Gabriel de Oliveira
Transcrita em 1937 no livro "Ídolos do Fado", com a indicação de pertencer 
ao repertório de Rosa Maria e ser cantada na música do popular Fado Mouraria
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Quanto é lindo o nosso Fado
Na boca das cantadeiras
A recordar o passado
Das fadistas verdadeiras


A mulher de antigamente 
Que na boémia deu brado
Soube mostrar certamente 
Quanto é lindo o nosso Fado

Nos descantes a atirar 
Perdendo noites inteiras
Via-se o Fado a bailar 
Na boca das cantadeiras

As desgarradas antigas 
Já foram postas de lado
Hoje só temos cantigas 
A recordar o passado

Sem que andasse na boémia 
Pelas tascas desordeiras
Fez-me o Destino irmã gémea 
Das fadistas verdadeiras

Atrás de ti

Frederico de Brito / Alfredo Duarte *fado louco*
Repertório de Maria Amorim


Prendi-me no teu olhar
Mas não vi que me prendi
Agora tenho que andar
De rastos, atrás de ti

O meu coração, coitado 
Só merece compaixão
Faz lembrar um desgraçado 
Que se entregou à prisão

Meus olhos que sem cautela 
Riram pr’aí, tanto, tanto
São duas barcas à vela 
Neste mar-largo de pranto

Meus olhos atravessaram 
Um vendaval de desejos
E até por isso ficaram 
Encharcadinhos de beijos

Tem pena de mim, por Deus 
Olha para o que eu já sofri
Não leves os olhos meus 
De rastos, atrás de ti