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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.330' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Mãe há só uma

Fernando Farinha / Alfredo Duarte *fado bailado*
Repertório de Fernando Farinha

Declamado
Chorei tanto, tanto, tanto 
Quando perdi minha mãe
Que até meus olhos ficaram
Sem uma gota de pranto
P’ra chorar por mais alguém

Dos desgostos que há na vida 
O que mais nos faz sofrer
É sentirmos a partida 
Daquela mulher tão querida 
Que um dia nos deu o ser

É triste perder um pai 
Como eu perdi o meu
Mas perder a nossa mãe
É perdermos um pedaço 
Da vida que ela nos deu

Oh minha mãe, minha mãe 
Musa da minha canção
Que Deus te guarde no céu
Como eu te guardarei 
Sempre no meu coração

Carta a um irmão brasileiro

Ulisses Duarte / Fernando Rebocho Lima
Repertório de Amália Rodrigues

Ai meu irmão brasileiro
Tivesse eu dinheiro
Ah meu irmão brasileiro
Tivesse eu dinheiro


Tivesse eu dinheiro iria à Bahia
Iria a Belém, Belém do Pará
Iria em visita a São Salvador
Iria a Brasília, assim não vou lá

Tivesse eu dinheiro iria ao Sertão
Beber poesia, até naufragar
Depois ficaria ouvindo o Catulo
Chorando poemas ao som do luar

Tivesse eu dinheiro iria ao Recife
Rio de Janeiro, tivesse eu juizo
Assim como posso, irmão brasileiro
Se o livro de versos só dá prejuizo

Santos, Salvador, Natal, Paraná
Brasília e São Paulo, Belém do Pará
Rio de Janeiro, Recife, Bahia
Manaus, Mato Grosso, Sertão, poesia 

Fado luz

Cátia Oliveira / Manuel Graça Pereira
Repertório de Sandra Correia  

És mais do que luz de presença
És a cruz, és a cruz
Luz negra, funesta crença
Que conduz, que conduz
À tempestade das horas
Que o corpo não descansa
O sono não me chega
Tira-me a paz, o apego
E sofro as tuas horas na tasca galega

Mas eu sei bem que um dia, um dia o fado
Há-de ser voz e vida deste brado
Eu hei-de dar à luz o mundo inteiro
E apagar-te a ti logo em primeiro


Habitas o meu tempo todo
Como um vício que luz
Impulso imparável profano
Só o caos te traduz
Que as horas livres não cansam
E o corpo só te pesa quando a manhã chega
Tira-me a paz, o apego
E sofro as tuas horas na tasca galega

Aquele bar

Letra e música de Amélia Muge
Repertório de Pedro Moutinho

Não sei se foi da chuva ou foi do dia
Que sobre nos caiu feito destino
E nos marcou ali a ferro e brasa
Na noite tão fria, tão sombria

E tu sem dizer nada derretias
Como se sol olhasse algum glaciar
E já tombava a lua feita gelo
Brilhando no teu copo de cristal

Não sei se foi da chuva ou foi do dia
Ou foi da luz ou foi da sombra
Ou foi da noite, do frio, do lugar
Se a culpa toda foi daquele bar


Não sei se foi da noite ou do instante
Da tua boca esquiva a flutuar
Sorria sim, talvez, o candeeiro
O resto era triste estava mal

Não sei se foi da luz, se foi da sombra
Tudo era tão inútil, tão esquivo
O tempo ali parado, adormecido
Já nada fazia, ali, sentido

Dali saímos nós muito depressa
Sem olhar p’ra trás, sem hesitar
Foi uma assombração ou só o medo
Um mal estar que há naquele bar

Pois ao chegar cá fora, que mansidão
Até o frio não quis reclamar
E ali tomamos logo a decisão
De nunca mais voltar áquele bar

Partiu de madrugada

Letra e música de Nuno Figueiredo
Repertório de Mafalda Arnauth

Partiu de madrugada
O melro e o galo a par cantavam já
Levava a roupa, era tão pouca
O resto deixou cá

Com um bilhete onde se lia:
Amor, o beijo que aqui deixo
É do tamanho da saudade 
E da vontade de voltar

Passou uma semana 
Um mês, não tarda, faz um ano já
E até agora dele  
Nem notícia boa ou má

Só esta dor que esmaga o peito
Não há direito, que má sorte
Traição é, se não foi morte 
A impedi-lo de voltar

Ar, falta-me o ar
Nem de janela aberta ele quer entrar
Falta-me o ar 
Um dia mais e nem carteiro vi passar

Rasguei com toda a raiva
As cartas dele, como foi capaz?
Veria o príncipe num homem 
De tal modo atroz?

Forcei-me a esquecer o seu nome
E no horóscopo passava à frente
Sempre que leão surgia numa previsão

Mas Deus, que certo escreve
Mesmo que por linhas tortas, viu
Ao que parece o meu lamento  
E eis que um dia o vi
A par do galo em alarido
Surgir meu homem
Que trazia um anel e a intenção de ser 
P’ra sempre meu marido

Ar, falta-me o ar
Nem de janela aberta ele quer entrar
Ar, falta-me o ar
Tanta andorinha na janela a poisar

Dias sempre iguais

Teresinha Landeiro / Acácio Gomes *fado bizarro*
Repertório da autora

Eu vejo o sol nascer todos dias
E sinto o vento leve de quando em quando
Eu roubo a luz da lua em noites frias
E oiço o mar ao longe suspirando

E a onda se desfaz quando me deito
Envolta nos meus sonhos desmedidos
Eu vejo renascer o sol desfeito
Em sonhos pela mente enegrecidos

E o dia não reclama a tua ausência
O mar, a lua, o sol, surgem iguais
Em sonhos eu recordo a tua essência
E o vento não o sinto nunca mais

Minha paz

Letra e música de Edu Krieger
Repertório de Maria Emília

Vai… meu coração vadio
A bater arredio
Por não poder amar
Vai… tamanho desatino
Surpresa do destino
Agora te encontrar

Quem dera bem maior que o oceano
Pudesse ser o amor que a gente tem
Porém em tua vida por engano
Existe outro alguém


Vai… meu coração vazio
Quer encher-se de um rio
Que corre pró teu mar
Onde não exista a distância entre nós
Nunca mais
E que eu possa ter meu acalanto em tua voz
Minha paz 

Nosso tempo

Letra e música de Angelo Freire
Repertório de Mariza

Noutro tempo em que nós dois
Demos tudo p’ra ser tanto amor
Não sei como descrever
Os teus olhos nos meus 
Cansados da partida
Não ficamos para depois
Num tanto que se desfaz em dor
Há um dia que amanhece
E o coração esquece 
A dor da alma ferida

Não vou fechar-te as mãos 
Nesta alvorada
Num tempo em que esta dor 
Nos fez amar
Dar voz à tua voz tão magoada
Perdoa meu amor, quero ficar

Não vou limpar teus olhos de tristeza
Vou dar-te a minha mão, vou-te contar
As saudades que tinha na incerteza
De vencer o teu amor e teu olhar


Noutro tempo em que nós dois
Abrimos o coração p’ra ver
As lembranças que entre nós
Sobraram p’ra dizer 
Que o amor nunca morreu
Ouve agora a minha voz
Que pelo teu amor se faz viver
Deixa a noite em nós nascer
E no meu peito morrer 
A dor que em ti viveu

Fado do cobarde

Guilherme Alface / João Direitinho
Repertório de Marco Rodrigues

Abres a porta e vais embora
Nem te despedes de mim
Meu amor não fujas agora
Está a chegar a hora
De voltar pró pé de ti

Deixas a chave à entrada
Num vaso com flores para ti
E nesta última jogada
Vês que ao saíres de casa
Não tens como voltar p’ra mim

Sais e a noite leva o dia
Não há mais sol para ver
Sei que não voltas aqui 
E eu feito cobarde
Não sigo em frente e espero por ti


Deixas dor na minha voz
Fica tão áspera de pena
Todos os versos sobre nós
São agora mais um poema
P’ra ler um dia se formos avós

Digo baixinho ao ouvido
De quem me quiser ouvir
O meu sonho é ficar contigo
E se eu um dia consigo
Juro nunca mais vais fugir de mim 

Queira Deus

Linda Leonardo / Alfredo Marceneiro *fado cravo*
Repertório de Maria Emília

Queira Deus que este meu fado
Tão sentido e tão amado
Revelação do que sou
Contenha as palavras certas
Das minhas noites incertas
Quando cantando me dou 

Queira Deus, que este meu canto
Tenha do fado o encanto 
Que trago por companheiro
Para cantar a saudade
Não pode existir vaidade 
Quando o fado é verdadeiro

Queira Deus, com seu poder
Que o faça renascer 
Porque o fado é oração
Pois quando o fado se canta
Filtramos pela garganta 
O que vai no coração

Queira Deus que a minha voz
Seja o rio que chega à foz 
Na maré dos olhos meus
E que nunca tenha fim
O fado que vive em mim 
Que seja assim, queira Deus 

Por tanto te amar

Carolina Deslandes / Diogo Clemente
Repertório de Mariza

Tentei-te falar do sol 
Que sempre nasce
Do tempo que a correr 
Faz com que a dor passe
Mas nada nos teus olhos brilha
Sobre este mundo 
E as suas maravilhas

Tentei-te falar na água das fontes
Deste verde prado 
E do cume dos montes
Mas nada no teu corpo acorda
O mundo tem-te numa corda

Tu queres-te soltar como os navios
Para uma viagem sem regresso
Falas-me da dor dos dias frios
E do amor que te ardeu o avesso;
Tu queres-te soltar com os navios
Com um adeus e nada a acrescentar
Nos meus olhos correm mil rios
Mas deixo-te ir por tanto te amar


Tentei-te falar da neve nas colinas
De amor que ao chegar 
Faz sorrir as meninas
Mas nada no teu peito pede
O mundo matou-te de sede

Tentei-te falar das flores 
Lá das ribeiras
Dos versos dos cantores 
E do calor das fogueiras
Mas nada te devolve o norte
A vida entregou-te a morte 

Um fado ao contrário

Maria do Rosário Pedreira / Amélia Muge
Repertório de Pedro Moutinho

Canta-me um fado ao contrario
Não digas que não te vejo 
Olha de frente p’ra mim
Se o amor fosse um calvário
Amargo seria o beijo 
Quando eu to desse por fim

Amargo seria o beijo 
Se o amor fosse um calvário
Olha de frente p’ra mim 
Não digas que não te vejo

Canta-me um fado ao contrário
Um fado ao contrário
Canta-me um fado ao contrário


Canta-me um fado ao contrário
Não digas que não te ligo 
Abre-me o teu coração
Nesse jogo solitário
Parece haver um castigo 
P’ra ter direito à paixão

Parece haver um castigo 
Nesse jogo solitário
Abre-me o teu coração 
Não digas que não te ligo

Canta-me um fado ao contrário
Seca as lágrimas choradas 
Que isso a ninguém já comove
Deita fora o teu rosário
De contas que estão erradas 
E tira a prova dos nove

De contas que estão erradas 
Deita fora o teu rosário
Que isso a ninguém já comove 
Seca as lágrimas choradas

Não digas mal dele

Linhares Barbosa / Armandinho *fado mayer*
Repertório de Amália

Foi mau, não minto
Falso, ruim, vil e cruel
Mas não consinto 
Que ao pé de mim digas mal dele

Tu és banal, não se perdoa
Não é decente
Dizer-se mal de uma pessoa 
Que está ausente

Não, não tolero
E não quero 
Trazer de novo à cena
Dor que ainda me dói
Não foi nada contigo
Não, não tolero
A não ser que tenhas pena
De não ser como ele foi
Para meu maior castigo

Tudo ruiu 
Como um castelo feito de areia
Deves tal brio 
E não trazê-lo à minha ideia

Agora é tarde para censuras
Sabe-lo bem
Que Deus o guarde de desventuras 
E a nós também

Não sei se a tristeza é triste

Amélia Muge / Filipe Raposo *fado raposo*
Repertório de Pedro Moutinho

Será que a tristeza é triste
Eu não sei se é assim
Talvez seja como eu
Sempre à procura de mim

Não sei se teus olhos choram 
Mesmo quando não parece
Se me querem enganar 
Quando a tristeza acontece

Nada se deixa prender 
Diz o tempo e com razão
Nem os laços do amor 
Sempre a fugir-nos da mão

Qualquer coisa que me escapa 
Minha tristeza é assim
Quanto mais triste me vejo 
Mais triste fujo de mim

A ruga

Luísa Sobral / Jaime Santos *fado latino*
Repertório de Marco Rodrigues

A ruga que se nota bem ao espelho
Discreta oferece o seu conselho
Sem que se note a falta de pudor
Suavemente fala-lhe de amor

E pede-lhe que esqueça o sentimento
Que já lhe trouxe tanto sofrimento
Pois se ninguém a quis p’ra todo o sempre
Porque será agora tão diferente

E segue o seu discurso preparado
P’ra quando aparece um namorado
Agora é raro alguém a visitar
Sabendo que ela já não quer amar

A ruga vê-se enfim vitoriosa
Depois de ver chorar a D. Rosa
Não lhe quer mal, mas não quer dividir
A cara com as rugas de sorrir 

Um dia cheguei-me a ti

Almeida Santos / Fontes Rocha *fado lavava no rio*
Repertório de Maria Emília

Um dia cheguei a ti
E na paz com que te vi
A minha voz hesitou
Dessas palavras cansadas
Que me saíam magoadas
O nosso amor acabou

Tu ergueste os olhos negros
Rompeste o meigo sossego 
Do sentir, sem protestar
E vi-te silencioso
Perder a calma, orgulhoso 
Chegaste a mim a chorar

Conheci minha fraqueza
De sentir esta dureza 
De fazer nascer-te a dor
E vi ao longe, em pedaços
A ternura desses laços 
Que sustinham nosso amor

Vi então quanto me amavas
Que lágrimas derramavas 
Como infantis cristais
Beijei-te as mãos ternamente
Afaguei-te docemente 
E não te vi nunca mais

A última canção

Angelo Freire / Angelo Freire e Pedro Soares
Repertório de Sandra Correia

Noite, céu que me alimenta a solidão
Noite, peço ao vento a voz do coração
Noite, quando a vida pesa 
Em pensamentos vãos
Entrega as tuas mãos 
E dá-me o teu perdão
Não sei se o tempo cura 
As feridas da ilusão

Não sei de mim p’ra te encontrar
Viajo em nós p’ra te mostrar
Que a noite em mim
Faz nosso amor ser mais verdade
Quero que saias lentamente
Para que eu não te sinta ausente
E te prender
Ao doce encanto da saudade

Sinto, que a vida me deu amor
Tanto, que o meu céu ganhou mais cor
Espero p’la saudade intensa 
A cantar só para nós
Para não estarmos sós
Deixa-me ouvir-te a voz
Que o meu silêncio te embale 
Ao som da madrugada

Sou

*rochedo*
Letra e música de Jorge Fernando
Repertorio de Mariza

Sou pálido som 
Que perde o dom ao ser cantado
Sou o escuro inteiro 
Do candeeiro mais que apagado 
E ouve-se o fado

Sou um rochedo em mar revolto
Um lamento que ora solto
Queima-me os lábios
Sou um olhar que busca a sorte
Que segue a estrela do norte
Pelos astrolábios


Sou a mão que investe 
Um ponto a leste por ti marcado
Sou por um instante 
A consoante do verbo errado
E ouve-se o fado

Balada do sino

Letra e música de José Afonso
Repertório de Amália

Uma barquinha lá vem lá vem
Dim-dem, a barquinha de Belém

Senhor barqueiro, quem leva aí?
Dão-dim, a barquinha de Aladim

Levo a cativa duma só vez
Dois, três, a barquinha do Marquês

Ao romper de alva, casada vem
Dim-dem, a barquinha que vai bem

Se a tem guardada deixe-a fugir
Dão-dim, na barquinha do Vizir

Lá vai roubada, lá vai na mão
Dim-dão, na barquinha do ladrão 

Graça da Graça

Manuela de Freitas / Pedro de Castro *fado pedro*
Repertório de Pedro Moutinho

Nasceu no Largo da Graça 
E a gente pergunta ao vê-la
Se ela tem nome de praça

Ou a praça o nome dela

Mora no Largo da Graça  
É Graça tão engraçada
Que a gente, quando ela passa 
Já não vê graça em mais nada

Às vezes ela não passa 
Mas já ninguém se acostuma
A que o Largo que é da Graça 
Fique sem graça nenhuma

Pois faça a gente o que faça 
Não se acha graça a ninguém
Se o próprio Largo da Graça 
Sem Graça, graça não tem

Eu também fico sem graça 
Se p’ra meu bem ou meu mal
Ando às voltas pela praça 
E da Graça nem sinal

Pergunto então a quem passa 
Quando se riem de mim:
Mas onde é que está a Graça? 
Que graça tem isto assim?

E oiço logo a ameaça 
De sofrer grande castigo
Se Deus me fizer a graça 
Da Graça engraçar comigo

Deus também sai a ganhar 
Caso o milagre se faça
Mil graças a Deus vou dar 
Em troca daquela Graça

Nem que seja p’ra desgraça 
Para a Graça não perder
Acho que vou achar graça 
Ficar no Largo a viver

Nem que seja p’ra desgraça 
Da Graça é que tu não sais
Graça do Largo da Graça 
Não te largo nunca mais

Mal dormido

Pedro da Silva Martins / Luís José Martins / Pedro da Silva Martins
Repertório de Marco Rodrigues

Pela noite mal dormida
O salto na madrugada
Pelo escaldão na cozinha
Pela papa entornada
Eu quero colo
Quero colo, quero colo
Ou uma noite descansada

Pelo zumbido nos ouvidos
Por esta peça pisada
Pelos berros, pelos gritos
Pela fralda e pela fralda
Eu quero colo
Quero colo, quero colo
Ou uma noite descansada

E toca não tarda nada
O despertador e sei
Como se não fosse nada 
Adormece e fica bem
Eu também
Eu também, eu também 
Também quero a minha mãe

Pela molha, pelo banho,
Pelas costas amassadas
Pela baba, pelo ranho
Pela água pela barba
Eu quero colo
Quero colo, quero colo
Ou uma noite descansada

Pelo pontapé em cheio
Pela viola riscada
Pela folha com um verso 
Na sanita, mergulhada
Quero colo
Quero colo, quero colo
Ou uma noite descansada 

Um pouco mais d’além

Maria de Lourdes de Carvalho / Amadeu Ramin *fado zeca*
Repertório de Pedro Lisboa

Eu cumpro do destino a lei exata
Do homem que sofrendo chora e canta
Eu cumpro esta pena que me exalta
De amar mais do que a própria lei nos manda

Eu amo aqueles que não entendo
No bem ou no mal, que me desejam
Eu amo os astros, o mar e a terra
Os seres que erguidos não rastejam

Amarei em ti, mulher, a criação
Divino e humano em ti transborda
Amo a paz da criança quando dorme
E a alegria sincera quando acorda

História mal contada

Tiago Torres da Silva / Carlos Barreto
Repertório de Sandra Correia

Ainda assim, porque tu existes
Mesmo os dias tristes terão alegria
Ainda assim, só porque te adoro
Até o que choro me faz companhia

Ainda assim, porque te amo tanto
Quando me levanto, sei que tu sorris
Se tu p’ra mim és mais do que um Deus
Até dizer-te adeus me deixa feliz

Entre nós
Uma estrada tão comprida
Entre nós
Uma história mal contada
Mas tu és o amor da minha vida
Entre nós há tão pouco
Há tão pouco ou quase nada
Entre nós
Uma jura não cumprida
Entre nós u
Uma dor desperdiçada
O amor nunca quer contrapartida
E eu sei que posso amar
Amar sem ser amada

Ainda assim, sei que há um momento
Em que eu só te invento se falar de mim
Ainda assim, quando digo não
Sei que o coração só vai dizer sim

Ainda assim, porque te desejo
Invento o teu beijo nesta boca nua
Se tu p’ra mim, és mais do que a vida
Até na despedida hei-de ser só tua

O nosso amor

Domingos Gonçalves da Costa / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Cidália Moreira

Meu amor, vou suplicar-te
Não me fales mais assim
Se de mim queres livrar-te
Deixa de pensar em mim
P’ra que eu possa olvidar-te

Por muito te amar e querer
Corpo e alma te entreguei
Não me arrependo sequer
Nem tão pouco te roubei
Ao amor d’outra mulher

É teu, meu amor feliz
Como o luar é da lua
Já que o destino assim quis
Ou ditosa ou infeliz
Até à morte sou tua 

Janela de Lisboa

Francisco Nicholson / Nuno Nazareth Fernandes
Repertório de Marina Mota
Da revista *A prova dos novos* 1988

Desta janela eu posso ver a terra inteira
E a minha rua só acaba se eu quiser
Parto num sonho co’a saudade à cabeceira
E quando acordo outra manhã se fez mulher

E um turbilhão de ideias loucas me devora
Quando me perco meio tonto em teu olhar
Quando me encontro no teu grito que demora
Então eu sei que a hora é certa de te amar

Voo, sobre o céu de Lisboa
Mas não vejo fragatas 
Entre os braços do Tejo
Sonho, mas já não há canoas
Nem varinas gaiatas 
A quem roubar um beijo

Olho, vejo arcadas vazias
Onde falta o Pessoa
O Cesário e o Botto
Lembro, junto ao cais melodias
Que embalavam Lisboa
E recordam Lisboa 
Anda eu era garoto

Duas colunas a um passo do Castelo
E um Terreiro onde moraram ilusões
Gatos vadios ainda se batem em duelo
Sob o olhar da velha estátua do Camões

Num golpe de asa raso o cimo do Convento
Cruzo a Avenida, esqueço a sede no Rossio
Um cacilheiro rasga as águas num lamento
E a noite aos poucos vem deitar-se com o rio

Fado ao Porto

Letra e música de Amélia Muge
Repertório de Sandra Correia

De longe te vejo 
Como um ponto incerto
Que logo ao crescer
Se faz linha de água
Forma, mancha, rio
Vestido de escuro

Por dentro das casas
Por baixo da água
Submarinamente
Olhamos o fundo
Entramos em casa
Somos peixe, limo

Eu vou num barco Rabelo
Por cima da ponte
Pertinho do céu
No cais da Ribeira 
Passa a minha sombra
E é na tua água
Que eu me vejo ao espelho

Regatos de vida 
Correndo p’las ruas
Espelhadas no rio 
Por dentro da água 
Agitam-se as gentes 
Correndo por ela

Tens as mãos da tarde
Os olhos da noite
Sorriso de aurora
E é p’los teus passos
Que marcam as ruas
Que eu sei que és cidade, Porto

Sobem p’la garganta
Fados impossíveis 
De serem cantados
Dão frescura aos lábios
Soam no mercado
E a manhã se espanta
Todos os amores 
Por ti já são rio
São águas de prata
No eterno desejo 
De estar entre margens
Saudando as aragens

A Rita yé yé

Letra e música de Alberto Janes
Repertório de Amália Rodrigues 

A Rita do Zé mora ali ao pé
De uma aldeia que é perto de Caneças
E quer ser yé-yé… mas o pai, o Zé
Que não é, e que é de partir cabeças

Diz para a Rita: pensas que és bonita
Mas corto-te a guita e corto-ta já
Vai para casa, vai lavar a loiça
E ai de ti que eu oiça mais, lá-lá-lá-lá

E a Rita vai, tem medo do pai
Só quando ele sai, como ele não vê
Despreza o conselho 
Que o conselho é velho
Em frente do espelho ensaia o yé-yé

Quem terá razão nesta confusão
Que há na união do Zé e da Rita
E a ideia de tal moda faz andar à roda
O juízo tão preciso lá na aldeia toda

E a pobre Rita, que é pobre e bonita
E que ouviu na fita música de agora
Tem de calar a sua vocação
Não canta a canção que ela quer e chora

Nessa altura o Zé, quando assim a vê
Não sabe porquê, nem o que fazer
Pensa para si: anda gato aqui
Eu já percebi, coisas de mulher

Cá fica a lição p’ra quem a aceitar
Deixem a canção a quem a cantar 

Foi Deus que assim quis

Frederico de Brito / Nóbrega e Sousa
Repertório de Ada de Castro

Quem foi o artista
Quem foi que pintou
O quadro mais lindo 
Que o mundo sonhou

Tem sonhos de cores
Mistérios de luz
Mas tudo num gosto 
Que prende e seduz

Há fontes cantando 
Nos altos rochedos
Casinhas branquinhas 
Por entre vinhedos

A gente vê rios 
Descendo as encostas
Os choupos olhando 
P'ró o céu, de mãos postas

Sobreiros que contam 
Cem anos e mais
E ainda são guardas 
De longos trigais

Os sinos das torres 
Tangendo matinas
O gado pastando 
Nas loiras campinas

Arribas de areia
Muralha dos mares
O verde gritante 
Dos vastos pomares

Valados cobertos 
De lindas roseiras
Barquinhos ao longe 
De velas ligeiras

Marinhas mostrando 
Montanhas de sal
E tudo a falar-me 
Do meu Portugal 

Alegre eu ando

Natália Correia / Fontes Rocha
Declamado por Natália Correia
Adaptação de Natália Correia para um poema medieval 
da autoria de Nuno Fernandes Torneol

Ergue-te amigo que dormes nas manhãs frias
Todas as aves do mundo de amor diziam 
Alegre eu ando

Ergue-te amigo que dormes nas manhãs claras
Todas as aves do mundo de amor cantavam
Alegre eu ando

Todas as aves do mundo de amor diziam
Do meu amor e do teu se lembrariam
Alegre eu ando

Todas as aves do mundo de amor cantavam
Do meu amor e do teu se recordavam
Alegre eu ando

Do meu amor e do teu se lembrariam
Tu lhes tolhestes os ramos em que eu as via
Alegre eu ando

Do meu amor e do teu se recordavam
Tu lhes tolhestes os ramos em que pousavam
Alegre eu ando

Tu lhes tolhestes os ramos em que eu as via
E lhes secastes as fontes em que bebiam
Alegre eu ando

Tu lhes tolhestes os ramos em que pousavam
E lhes secastes as fontes que as refrescavam
Alegre eu ando

Mais nada do que nada

Letra e música de Jorge Fernando *fado ricardo*
Repertório de Lenita Gentil

Porque apareces sempre em meu caminho
Como furtiva sombra a mim pegada
Porque apareces sempre
Quando estou sozinha
E em mim, não há mais nada do que nada
Porque apareces sempre em meu caminho
Como furtiva sombra a mim pegada

Porque te arrastas dentro da memória
E te demoras dentro do meu ser
Porque não sais de vez da minha história
E deixas outra história acontecer


Porque me dói no peito o frio açoite
A solidão rondando ao ver-me assim
E de repente aqueces
Aqueces minha noite
Porque esta dor, és tu dentro de mim
Porque me dói no peito o frio açoite
A solidão rondando ao ver-me assim 

Assim nasceu este fado

António de Sousa Freitas / Joaquim Campos
Repertório de Amália Rodrigues 

Ao ver teu olhos doirados
E esse jeito de pureza
Numa hora sem cuidados
Nasceu comigo a tristeza

E foi então que senti 
Na minha alma outra dor
Ai, talvez porque te vi 
Nasceu comigo o amor

Partiste e sou sofrimento 
Sou loucura e ansiedade
Mais triste nesse momento 
Nasceu comigo a saudade

Meu sonho ardeu num instante 
Teus olhos foram meu lume
Naquela hora distante 
Nasceu comigo o ciúme

Tornou-se mais frio o dia 
Mais estranho e magoado
E à noite, que era sombria 
Nasceu comigo este fado 

Um beijo, uma carícia, muito amor

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de José Manuel Barreto

Mulher, em tuas mãos sequei meu pranto
Molhei-as com o sal da minha dor
E a noite foi descendo, entretanto
Enquanto me beijavas, meu amor…
E eu que sem saber te amava tanto
Dei-te um beijo, uma caricia, muito amor

Mulher, em ti cresci minha semente
Emigrei em teu corpo por amor
Repousando o meu ventre no teu ventre
Minha alma sobre a tua se foi pôr…
E eu que te beijava docemente
Dei-te um beijo, uma caricia, muito amor 

Mulher, fui o poeta do teu dia
Da tua noite fiz-me trovador
Pelos vidros da janela amanhecia
Quando adormeceste meu amor…
E eu, já o cansaço me vencia
Dei-te um beijo, uma caricia, muito amor 

As meninas da Terceira

Rui Pilar / Arlindo de Carvalho
Repertório de Amália Rodrigues

Às meninas da Terceira 
Nem São Miguel agradou
Vaidade é má conselheira 
Nenhuma lá namorou

As meninas da Terceira 
Vão casar ao Continente
Vejam lá a brincadeira 
Não temos cara de gente

As meninas da Terceira 
Numa cantiga brejeira
São laranjas sumarentas
Quem dera saboreá-las 
Se não fossem de más falas
Azedas e ciumentas

Nem sequer vê alegria 
Nesses pãezinhos sem sal
Quem foi a Santa Maria 
E esteve já no Faial

Na Terceira bate a asa 
Quem quiser moça formosa
É bem melhor fazer casa 
Em São Jorge ou Graciosa

Na Terceira, a chamarrita 
A ninguém dá namorada
Meninas, dança bonita
Não se quer tão deslavada

A Terceira leva o rico 
Noiva rica dos Açores
O pobre escolhe no Pico 
Casa no Corvo ou nas Flores