-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
* 7.330' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

. . .

A velha praia do tempo

José Fernandes Castro / Armando Machado *fado maria rita*
Repertório de Filomeno Silva 

Na velha praia do tempo
Há uma onda feroz
Que teima em não desmaiar
A voz soberba do vento
Nem sequer chega a ser voz
É apenas suspirar

As areias são o chão
Aonde irá repousar 
A memória duma vida
Há uma velha embarcação
Que teima em não flutuar 
Na onda desfalecida

A noite vem, lentamente
Trazer a luz natural 
Que antecede a madrugada
Há um brilho diferente
Que nos diz que o vendaval 
Vai chegar, não tarda nada

Enquanto o luar perdura
Uma onda caprichosa 
Enfrenta a fúria do mar
Uma noite, mesmo escura
Tem a cor harmoniosa 
Que a vida lhe soube dar

Quem sou

Joana Cota / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Joana Cota

Sou uma louca que te ama
Seja na lua ou na cama
Que contigo quer ficar
Apenas tua mulher
Que mostra o quanto te quer
Na loucura de te amar

Sou apenas uma flor 
Que se alimenta de amor
Que respira o teu carinho
Sou aquilo que tu vês 
O que sentes e o que crês
Sou rumo do teu caminho

Sou princesa adormecida 
Para os enganos da vida
Quero em tudo acreditar
És uma luz que me guia 
Numa noite escura e fria
E me leva até ao mar

Sou um rio sem ter foz 
Que traz o fado na voz
E pelo corpo a crescer
Tu és meu porto de abrigo 
Na verdade só contigo
Sou mais fadista e mulher

Horas em cama fria

José Fernandes Castro / Raúl Pinto
Repertório de Fernanda Moreira

Meu amor deu-me um poema
De rimas desencontradas
E sem qualquer melodia
Usou a dor como tema
P’ra rimar horas paradas
Passadas em cama fria

Meu amor também me deu
Um fado que canto agora 
Por minha infelicidade
Quando em mim anoiteceu
Mandei a paixão embora 
E adormeci na saudade

Acordei ao outro dia
E senti a cama fria 
Mais fria do que estivera
Deparei com uma flor
Que mantinha o esplendor 
Duma nova primavera

Quando a saudade vier
Tomar conta do meu ser 
Quero que estejas comigo
Seremos o mesmo fado
Sentido, amado e cantado 
Quase em forma de castigo

Como não sei de mim

Fernando Campos de Castro / Amadeu Ramim *fado zeca*
Repertório de Fernanda Moreira

Cansada de viver a vida a esmo
Fechei-me sobre mim e percebi
Que tive mais saudades de mim mesmo
Que das coisas todas que vivi

Cansei-me das palavras nunca ditas
Dos gestos que não fiz, guardei segredo
E fiz de tantas coisas interditas
Um céu de vendavais, de frio e medo

Gastei o tempo todo em sonhos vãos
Atrás dum grande amor desconhecido
E tudo o que guardei em minhas mãos
São mundos que perdi sem ter vivido

Dos corpos que em silêncio tanto amei
Só tive desventura e desenganos
Das bocas que prendi já nada sei
Como não sei de mim há tantos anos

Sala vazia

Letra e música de Joana Cota
Repertório da autora

Não, meu bem
Não tenhas medo de cantar
Abrir a voz e entoar
Aquilo que te faz tão bem
Sim, amor
Liberta a voz na descoberta
Do novo fado que o poeta
Escreveu com o que sabes de cor

Talvez o mundo pare para ouvir
O fado novo que escrevi
E assim viaje no meu canto
Talvez, a sala até esteja vazia
Desde que sintas alegria
Eu ficarei juntinha a ti

Não, meu bem
Não tenhas medo de sonhar
Abrir as asas e voar
Naquilo que te faz tão bem
Sim, amor
Liberta a voz do coração
Deixa de lado a razão
E faz de ti alguém melhor

Dono do meu destino

Tony Carolas / João Maria dos Anjos
Repertório de Jaime Dias

Os caminhos que pisei
Os sítios por onde andei
Foi o percurso que quis
Como ponto de partida
Nunca pedi nada á vida
Só quis viver, ser feliz

Tive amores e desamores 
Alegrias, dissabores
Tudo aceitei de bom grado
Mais tarde tive um amigo 
Que foi meu porto de abrigo
Esse amigo foi o fado

Sempre ouvi desde menino 
Que está marcado o destino
Mas eu nunca acreditei
Ter o destino traçado 
Nunca foi do meu agrado 
O meu fui eu que tracei

Influências

Letra e música de Joana Cota
Repertório da autora

Toda a minh’alma se enleia 
Nas cordas duma guitarra
Que geme num triste chorado 
O meu mais profundo fado
Depois, viajo p’ra longe 
Em sonhos de encantos mil
E é no abraço do choro 
Que chego por fim ao Brasil

E é no samba
Mexe, mexe, mexe, mexe
Que eu descubro 
Que também me sinto bem
E rio à toa 
Quando desce, desce, desce
E desce além da tristeza que ele tem

Regresso então de novo ao mar 
Como os nossos marinheiros
Cruzando os mares do mundo 
Dos quais nós fomos primeiros
E no horizonte da esperança 
Onde a minh'alma se perde
Encontro a saudade triste 
Na morna de Cabo Verde

Meu coração, chora triste
Na palavra dos poetas desta terra
Saudade destino meu
Que em verdade tão sentida
Faz deste meu fado, o seu
P'lo qual eu ando perdida

Nesta viagem sem fim 
De saberes e influências
Descubro o melhor de mim 
Numa cultura de carências
Mozart, Bath e Chopin 
Gritos de voz a rasgar
Silêncios arrepiantes 
Deixam minh’alma a pensar

Sou do fado meu senhores 
É nele que me sinto gente
Mas não posso evitar 
Aquilo que minh’alma sente
Desde o norte até ao sul 
Neste país sem igual
O meu fado canta o mundo 
Meu fado é Portugal

Lucidez perdida

José Fernandes Castro / Armandinho *alexandrino antigo*
Repertório de Fernanda Moreira

Depois daquele beijo apaixonado e quente
Roubado à tua boca ardente e decidida
Sentimos que o desejo intenso e envolvente
Tornara quase louca a lucidez da vida

Depois veio até nós a vontade febril
Dum abraço maior, apertado e voraz
No mel da tua voz imaginei Abril
Qual primavera em flor anunciando paz

Com gestos de ternura, avançamos no tempo
A vida em seu fulgor, tudo tudo nos deu
Foi tão grande a loucura e o nosso encantamento
Que juntos no amor, alcançamos o céu

Calamos e guardamos as palavras sem cor
Fazendo do silêncio um verso apreciado
No rumo que traçamos inventamos amor
E nesse amor intenso inventamos um fado

Flor de fado

Joana Cota / Popular *fado das horas*
Repertório de Joana Cota

Trago comigo uma flor
No sorriso, para te dar
Entrego-a com muito amor
Para viver e recordar

Flor mimosa não é rosa
Nem um malmequer, meu bem
É poema feito prosa
Que fala de fado também

Um fado de primavera
Bem florido e entoado
Quem me dera, quem nos dera
Flor de fado bem cantado

Fado alegre, fado triste
Malmequer ou bem me quer
Flor de fado só existe
Num coração de mulher

Aqui é que eu deixo a vida

Tiago Torres da Silva / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Teresa Tarouca
                                                                                             
Aqui é que eu deixo a vida
Neste caminho de pó
E em cada despedida
É que eu encontro mais vida
Porque me sinto tão só

Vou chorando por quem chora 
A rezar por quem desiste 
À procura de uma hora
Em que me possa ir embora 
Porque me sinto tão triste

A noite… vou atrás dela 
A correr de rua em rua
Ela sai pela janela
E eu já não vou atrás dela 
Porque me sinto tão tua

Perdi meu amor

Rosa Maria / Frei Hermano da Camara / A. Campos
Repertório de Rosa Maria

Perdi meu amor 
À beira do rio
Em noite de chuva 
Meu corpo era frio
Perguntei às águas 
Que faço de mim?
As águas bem claras 
Disseram-me assim

Se o amor vai porque quer
Não vale a pena chorar
A melhor coisa a fazer
É pôr outro em seu lugar

Perdi meu amor 
Entre os olivais
Perdeu-se na noite 
Não o encontrei mais
Perguntei aos ramos 
Que vida é a minha?
Eles me disseram 
Não fiques sozinha

Perdi meu amor 
Entre a multidão
Pra ver se o achava 
Fui de mão em mão
Toda a gente olhava 
Todos me entendiam
As bocas fechadas 
Assim me diziam

Monólogo da saudade

Joana Cota / Carlos da Maia 
Repertório de Joana Cota

Saudade palavra tão minha
Quando me sinto sozinha
Na solidão de quem sou
Saudade é uma avezinha
Negra como a andorinha
Que no meu peito pousou

A saudade ficou gravada
Na respetiva morada
De quem saudades deixou
Em seu lugar ficou a sombra
Que em anelos se arredonda
No amor de quem ficou

Palavra tão portuguesa
Que ao meu fado dá tristeza
E o desenlaça sem fim
Traz-me o leve respirar
Por em lágrimas falar
Da saudade que há em mim

Faz-me falta ser quem fui

Tiago Torres da Silva / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Teresa Tarouca
                                                                              
Trago saudades de mim
Dos sonhos que em mim secaram
Do que eu era e de onde vim
De tudo o que em mim mataram

Ai, amor que me criaste
E só agora me escapas
Regresso que me adiaste 
E eu só fui feliz nas Lapas

Faz-me falta ser quem era 
Entre árvores e vento
Que o que fui me desespera 
Por já ir no esquecimento

Mas inda lembro outro mundo 
Onde fui mas noutra idade
Trago amarguras de tudo 
Só de mim trago saudade

No despertar da saudade

Mário Rainho / Pedro Rodrigues
Repertório de Paulo Filipe
                                                                           
Meu amor disse que vinha
Nas asas duma andorinha
Eu esperei a primavera
Mas o meu amor se veio
Eu não o encontrei no meio
De róseas flores, folhas d’era

Meu amor perdeu viagem 
Demorou-se na paisagem
Não chegou ao meu jardim
Da primavera ao outono 
Esperei noites, sem ter sono
Até ao inverno de mim

Meu amor hei-de ficar 
Até a alma sangrar
E se amainar esta dor
No meu peito, tatuado 
Com os versos, do meu fado
Que te cantam, meu amor

Mas meu amor vai voltar 
Tenho tempo pra o esperar
No banco da minha idade
Quando a sua solidão 
Desibernar a paixão
E despertar a saudade

Voz do coração

Joana Cota / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Joana Cota c/ Rui Duarte

Eu dou-me muito bem com a solidão
Quando fico longe dos teus braços
Eu sei ouvir a voz do coração
Que dá voz à razão que há nos meus passos

Tolero que te sintas isolado
E vejas o meu mundo d’outra cor
Mas se os teus sonhos ficam desolados
Como pode entre nós haver amor

A raiva que me turva o pensamento
Invade as minhas veias mais ingratas
E em vez de soltar um só lamento
Corre pelo meu sangue ideias vastas

E quando terminar este poema
Releio, vezes e vezes sem razão
E encontro nas palavras um dilema
Com a raiva aliada ao coração

Rouxinol fadista

Joaquim Silva / Popular *fado corrido*
Repertório de Natalina Bizarro

O Rouxinol fez o ninho
No beiral do meu telhado
Para aprender coitadinho
Comigo, a cantar o fado

Na minha casa singela 
Branquinha como o arminho 
Mesmo juntinho à janela 
O Rouxinol fez um ninho

Logo assim que nasce o sol 
Vou espreitar plo cortinado 
Para ver o rouxinol 
No beiral do meu telhado

Ponho-me a cantarolar 
Lá dentro, muito baixinho
Ele põe-se a trautear 
Para aprender, coitadinho

Em tristonhas melodias 
Levava mimoso alado
E agora passa os dias 
Comigo, a cantar o fado

Promessa

João Fezas Vital / Cavalheiro Júnior *fado porto*
Repertório de Vasco Rafael

Inúteis beijos floridos
Desvario e desencanto
Tão frágeis quando sorrimos
Fomos ganhando inimigos
Aprendemos outro canto
O pranto de quem traímos

Andam crianças perdidas
Com o olhar transparente 
Vestidas de medo e guerra
Crianças envelhecidas
Com o jeito indiferente 
De deuses de vento e terra

Deixaram ficar na areia
Castelos por acabar 
Promessas de mocidade
Ilusões que o mar semeia
E que o vento vai secar 
Porque foram liberdade

O teu veneno

Tiago Torres da Silva / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Pedro Miguel d’Almeida

Não te vou pedir perdão
Por esconder a solidão
Debaixo do meu olhar
Nem peço que finjas dó
Ao saberes que fico só
No medo de te deixar

Se provei do teu veneno
É porque não te condeno 
Pelo mal que me tens feito
Vou seguindo dia a dia
Mas já não tenho alegria 
A transbordar do meu peito

Também não tenho tristeza
Tenho apenas a certeza 
Desse amor que não pedi
Amando o teu corpo em vão
Vou chamando solidão
o que me resta de ti

Só condeno o teu amor
Que às vezes me faz supor 
Que ‘inda posso ser feliz
Mas chorar não vale a pena
Se o teu amor me condena 
Ao oposto do que diz

Por amor ao rei

Manuel Andrade / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Carlos Zel

Por amor dum rei sem terra
Lancei poemas à lama
Meus versos eram de guerra
Meus olhos eram de chama

Meu braço foi desse povo
Cuja vontade mentida
Fingiu beber sangue novo
Ao trair a própria vida

Triste povo, cão sem dono
Que p’las próprias mãos se enterra
Escravo dos ladrões do trono
Filho do meu rei sem terra

O padre nosso mais triste

Tiago Torres da Silva / Casimiro Ramos *fado três bairros
Repertório de Teresa Tarouca

Nas ruas do meu passado
O sol parece cansado
De vir dar descanso à lua
Já não quer sair da cama
E é de sombras e de lama
Que se veste a minha rua

Crianças de mão estendida
Vão matando a fome à vida 
Na esmola que a vida tem
Mas talvez quando adormecem
As suas almas confessem 
Que têm fome também

Mulheres com os olhos baços
Carregam nos finos braços 
Os tristes filhos do fado
Às vezes rezam o terço
Como quem embala um berço 
Onde ninguém está deitado

Homens… donos de olhos secos
Vagueiam por entre os becos 
Onde a tristeza desiste
Desiste de ser tristeza
E é desistindo que reza 
O Padre Nosso mais triste

Noite de inverno

João Gigante-Ferreira / Alfredo Duarte *mocita dos caracóis*
Repertório de Helena Sarmento

Dorme o frio nos telhados
Dorme o vento nas gaivotas;
Os amantes abraçados
Dois veleiros ancorados
O segredo atrás das portas;
Dorme o frio nos telhados
Os amantes abraçados
Voo raso de gaivotas

Caem brilhos de cristais 
Quando a chuva se ilumina
Quando os corpos pedem mais
Espadas de samurais 
Bainhas de concubina
Caem brilhos de cristais
Quando os corpos pedem mais 
Quando a chuva se ilumina

Já se espera o que acontece 
Quando o fogo se incendeia
Quando o corpo se apetece
O inverno de si esquece 
Todo o frio em que se enleia
Quando o corpo se apetece
Nele se afunda o fogo em prece 
Como canto de sereia

Caem sombras aos pedaços 
Entre o frio da janela
No sossego dos teus braços
Cerra a noite os seus espaços 
No amor que por mim vela
No sossego dos teus braços
Os meus sonhos são estrelas 
Debruçadas na janela

Se algum dia o dia for

João Fezas Vital / Alberto Costa *fado dois tons*
Repertório de João Braga

Se ao menos alguma dor
Me trouxesse outra saudade
Deixaria o meu amor
Cantado pela cidade

Andaria por aí 
A cantar a toda a gente
Cantando beijos de ti 
Seria mais que contente

Deixaria pelas ruas 
Esp’ranças que são de mim
E por serem também tuas 
Seriam juras sem fim

O sol viria mais cedo 
Mostrar teus olhos nos meus
Nos meus olhos o segredo 
É serem riso dos teus

Se algum dia o dia for 
De partir e ter saudade
Deixarei o meu amor 
Cantado pela cidade