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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.330' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Sempre

Manuela de Freitas / Alfredo Duarte *fado pierrot*
Repertório de Kátia Guerreiro 

Sempre o beijo bem dado / mal vivido
E a ternura real / não verdadeira
Sempre o gesto acertado / não sentido
E a presença total / mas não inteira

Sempre a palavra escolhida / não exata
O amor a que não basta / ser bastante
Sempre a prova de vida / que se mata
E a eternidade gasta / num instante

Sempre escolher ficar / querendo partir
Sem nunca ser capaz / de dizer não
Sempre tanto para dar / sem conseguir
Perder no que se faz / toda a razão

Mas, meu Deus, o que eu mudo / quando canto
Não sei por que acertado / desconcerto
E ganho sempre tudo / ao dar-me tanto
E sempre o que era errado / fica certo

A soleira da porta

Carlos Conde / João Maria dos Anjos
Repertório de Daniel Gouveia 

Passei hoje mesmo, à beira
Daquela antiga soleira
Da Travessa dos Quartéis
Que era entrada de uma tasca
Onde o fado, mesmo rasca
Criou nomes e deu leis

Taberna reles, banal 
Mas lá dentro, no quintal
Cheiro a iscas, pão e vinho
Dois varais de traquitana 
O poço, o musgo, a roldana
E em volta, mesas de pinho

Da Baixa à Rua do Cabo 
As tipóias do Zé Nabo
Andavam sempre em despique
E às tantas da madrugada 
Inda o fado em desgarrada
Se ouvia em Campo de Ourique

Um faia antigo e de nome 
Foi lá comigo e mostrou-me
Como sombra do passado
Uma soleira velhinha 
Um quintal de erva daninha
E um tapume abandonado

Não sou do tempo da tasca 
Onde o fado, mesmo rasca
Criou nomes e deu leis
Mas quase chorei, à beira 
Daquela antiga soleira
Da Travessa dos Quartéis

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

A letra seguinte, A Soleira da Porta, poderia ser um paradigma de Carlos Conde. 
Repare-se no equilíbrio da descrição, cumprindo as regras do conto, género literário 
bem difícil de nele se atingir a excelência, apesar da aparente simplicidade. 
Não é por ser curto que o conto se torna fácil. 
Pelo contrário, tal como na quadra popular, é pela condensação do efeito de provocar emoções 
no leitor e daí, pela necessidade de uma estrutura rigorosa, que o bom conto se torna raro. 
Ora, todas as qualidades necessárias a um conto irrepreensível estão reunidas nesta letra.

Começa por introduzir o leitor/ouvinte na acção e apresentar o cenário em que ela decorre. 
Passa ao desenvolvimento dessa mesma acção, descrevendo-a como um observador externo. 
A seguir, introduz o elemento de surpresa ao revelar-se testemunha directa num tempo posterior
mas no mesmo cenário, passando da evocação para o tempo real, técnica cinematográfica
por excelência (flash-back). Finalmente, encerra retomando os versos iniciais, em perfeita 
simetria formal declarando uma emoção que, exatamente pelo tom confessional, se transmite 
ao leitor/ouvinte com toda a intensidade. 
É a «chave de ouro» com que um bom conto deve terminar.
A terminologia é deliciosamente adequada ao imaginário fadístico castiço, na vertente 
incensadora dos «tempos que já lá vão», eficaz, objectiva, sem falar de qualidades 
ou sentimentos humanos, salvo quando o «quase chorei» nos alerta para que todos aqueles 
objectos inanimados tinham um altíssimo significado emotivo.
Diríamos que estes são Fados de arquitectura perfeita.

Labirintos do destino

David Gonçalves / Alain Oulman *fado sombra*
Repertório de Carla Linhares

As ruas deste fado onde me perco
Traduzem labirintos do destino
As noites de saudade em que me cerco
De sombras, ilusões ao desatino

 A voz do meu olhar é fantasia
No sonho colorido p'la verdade
Brota dentro de mim a nostalgia
Na imensidão da noite que me invade

 Regresso ao meu passado pra sentir
O sopro do inverno adormecido
O vento que em meu peito faz surgir
O rumo do meu fado dolorido

Enquanto a madrugada me procura
Nas ruas onde outrora me perdi
A lua roubará minha loucura
No destino de um fado que vivi

Fonte do nosso amor

Henrique Leitão / Popular *fado corrido*
Repertório de Carla Linhares

A água que corre pura
Da fonte do nosso amor
É paixão em pedra dura
No tempo conquistador

Nossos beijos que trocamos 
Nessa tarde mesmo assim
Os sorrisos que olhamos 
Foram um filme sem fim

De mãos dadas a ouvir 
O bater acelerado
Uma história a florir 
No beijo mais desejado

Deitados bem lado a lado 
Vimos o dia crescer
Somos os dois num só fado 
Num poema por escrever

O dia de ontem passou 
Vivido em sua loucura
Num amor que não secou 
A água que corre pura

História duma velhinha

Jorge Rosa / Alberto Ribeiro
Repertório de Manuel Fernandes

Sempre que a vejo passar
Tão velhinha e mal vestida
A vender o Borda d'água 
Pelas ruas da amargura;
Sozinho fica a pensar 
Se todos temos na vida
Que pagar com dor e mágoa 
Os momentos de ventura

Ninguém diria
Ao vê-la assim pobrezinha
Que viveu como rainha 
Em tempos que já lá vão 
Ninguém diria
Que aquelas mãos enrugadas 
Um dia foram beijadas
Com amor e devoção 

Já foi bela como aquela 
Que passa agora a seu lado
A rir, com ar descarado 
Sem reparar, por desgraça;
Que a vida passa com ela
E se não toma cuidado 
Vai cumprir o mesmo fado 
Dessa velhinha que passa

Um livro muito antigo

Tiago Torres da Silva / André Santos
Repertório de Carla Linhares 

O amor não é só um mar desconhecido
O amor não é só a seta de um cupido
É o céu, o sol, o luar, a luz da madrugada
Os meus nos teus olhos, é tudo e não é nada;
São os teus nos meus olhos
A paixão exagerada

É o céu, o sol, o luar
A pressa da chegada
É o meu olhar nos teus olhos
O amor é tudo e nada

O amor não é só um deus crucificado
O amor não é só o som triste de um fado
É a mãe, o pai, o irmão, o ombro mais amigo
O verso que eu canto sempre que estou contigo;
O poema que escrevo
Sempre que em vão o persigo

É a mãe, o pai, o irmão
Um livro muito antigo
O final de um fado canção
É amor e mais não digo

É a mãe, o pai, o irmão
A pressa da chegada
O final de um fado canção
O amor é tudo e nada

A velha praia do tempo

José Fernandes Castro / Armando Machado *fado maria rita*
Repertório de Filomeno Silva 

Na velha praia do tempo
Há uma onda feroz
Que teima em não desmaiar
A voz soberba do vento
Nem sequer chega a ser voz
É apenas suspirar

As areias são o chão
Aonde irá repousar 
A memória duma vida
Há uma velha embarcação
Que teima em não flutuar 
Na onda desfalecida

A noite vem, lentamente
Trazer a luz natural 
Que antecede a madrugada
Há um brilho diferente
Que nos diz que o vendaval 
Vai chegar, não tarda nada

Enquanto o luar perdura
Uma onda caprichosa 
Enfrenta a fúria do mar
Uma noite, mesmo escura
Tem a cor harmoniosa 
Que a vida lhe soube dar

Quem sou

Joana Cota / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Joana Cota

Sou uma louca que te ama
Seja na lua ou na cama
Que contigo quer ficar
Apenas tua mulher
Que mostra o quanto te quer
Na loucura de te amar

Sou apenas uma flor 
Que se alimenta de amor
Que respira o teu carinho
Sou aquilo que tu vês 
O que sentes e o que crês
Sou rumo do teu caminho

Sou princesa adormecida 
Para os enganos da vida
Quero em tudo acreditar
És uma luz que me guia 
Numa noite escura e fria
E me leva até ao mar

Sou um rio sem ter foz 
Que traz o fado na voz
E pelo corpo a crescer
Tu és meu porto de abrigo 
Na verdade só contigo
Sou mais fadista e mulher

Horas em cama fria

José Fernandes Castro / Raúl Pinto
Repertório de Fernanda Moreira

Meu amor deu-me um poema
De rimas desencontradas
E sem qualquer melodia
Usou a dor como tema
P’ra rimar horas paradas
Passadas em cama fria

Meu amor também me deu
Um fado que canto agora 
Por minha infelicidade
Quando em mim anoiteceu
Mandei a paixão embora 
E adormeci na saudade

Acordei ao outro dia
E senti a cama fria 
Mais fria do que estivera
Deparei com uma flor
Que mantinha o esplendor 
Duma nova primavera

Quando a saudade vier
Tomar conta do meu ser 
Quero que estejas comigo
Seremos o mesmo fado
Sentido, amado e cantado 
Quase em forma de castigo

Como não sei de mim

Fernando Campos de Castro / Amadeu Ramim *fado zeca*
Repertório de Fernanda Moreira

Cansada de viver a vida a esmo
Fechei-me sobre mim e percebi
Que tive mais saudades de mim mesmo
Que das coisas todas que vivi

Cansei-me das palavras nunca ditas
Dos gestos que não fiz, guardei segredo
E fiz de tantas coisas interditas
Um céu de vendavais, de frio e medo

Gastei o tempo todo em sonhos vãos
Atrás dum grande amor desconhecido
E tudo o que guardei em minhas mãos
São mundos que perdi sem ter vivido

Dos corpos que em silêncio tanto amei
Só tive desventura e desenganos
Das bocas que prendi já nada sei
Como não sei de mim há tantos anos

Sala vazia

Letra e música de Joana Cota
Repertório da autora

Não, meu bem
Não tenhas medo de cantar
Abrir a voz e entoar
Aquilo que te faz tão bem
Sim, amor
Liberta a voz na descoberta
Do novo fado que o poeta
Escreveu com o que sabes de cor

Talvez o mundo pare para ouvir
O fado novo que escrevi
E assim viaje no meu canto
Talvez, a sala até esteja vazia
Desde que sintas alegria
Eu ficarei juntinha a ti

Não, meu bem
Não tenhas medo de sonhar
Abrir as asas e voar
Naquilo que te faz tão bem
Sim, amor
Liberta a voz do coração
Deixa de lado a razão
E faz de ti alguém melhor

Dono do meu destino

Tony Carolas / João Maria dos Anjos
Repertório de Jaime Dias

Os caminhos que pisei
Os sítios por onde andei
Foi o percurso que quis
Como ponto de partida
Nunca pedi nada á vida
Só quis viver, ser feliz

Tive amores e desamores 
Alegrias, dissabores
Tudo aceitei de bom grado
Mais tarde tive um amigo 
Que foi meu porto de abrigo
Esse amigo foi o fado

Sempre ouvi desde menino 
Que está marcado o destino
Mas eu nunca acreditei
Ter o destino traçado 
Nunca foi do meu agrado 
O meu fui eu que tracei

Influências

Letra e música de Joana Cota
Repertório da autora

Toda a minh’alma se enleia 
Nas cordas duma guitarra
Que geme num triste chorado 
O meu mais profundo fado
Depois, viajo p’ra longe 
Em sonhos de encantos mil
E é no abraço do choro 
Que chego por fim ao Brasil

E é no samba
Mexe, mexe, mexe, mexe
Que eu descubro 
Que também me sinto bem
E rio à toa 
Quando desce, desce, desce
E desce além da tristeza que ele tem

Regresso então de novo ao mar 
Como os nossos marinheiros
Cruzando os mares do mundo 
Dos quais nós fomos primeiros
E no horizonte da esperança 
Onde a minh'alma se perde
Encontro a saudade triste 
Na morna de Cabo Verde

Meu coração, chora triste
Na palavra dos poetas desta terra
Saudade destino meu
Que em verdade tão sentida
Faz deste meu fado, o seu
P'lo qual eu ando perdida

Nesta viagem sem fim 
De saberes e influências
Descubro o melhor de mim 
Numa cultura de carências
Mozart, Bath e Chopin 
Gritos de voz a rasgar
Silêncios arrepiantes 
Deixam minh’alma a pensar

Sou do fado meu senhores 
É nele que me sinto gente
Mas não posso evitar 
Aquilo que minh’alma sente
Desde o norte até ao sul 
Neste país sem igual
O meu fado canta o mundo 
Meu fado é Portugal

Lucidez perdida

José Fernandes Castro / Armandinho *alexandrino antigo*
Repertório de Fernanda Moreira

Depois daquele beijo apaixonado e quente
Roubado à tua boca ardente e decidida
Sentimos que o desejo intenso e envolvente
Tornara quase louca a lucidez da vida

Depois veio até nós a vontade febril
Dum abraço maior, apertado e voraz
No mel da tua voz imaginei Abril
Qual primavera em flor anunciando paz

Com gestos de ternura, avançamos no tempo
A vida em seu fulgor, tudo tudo nos deu
Foi tão grande a loucura e o nosso encantamento
Que juntos no amor, alcançamos o céu

Calamos e guardamos as palavras sem cor
Fazendo do silêncio um verso apreciado
No rumo que traçamos inventamos amor
E nesse amor intenso inventamos um fado

Flor de fado

Joana Cota / Popular *fado das horas*
Repertório de Joana Cota

Trago comigo uma flor
No sorriso, para te dar
Entrego-a com muito amor
Para viver e recordar

Flor mimosa não é rosa
Nem um malmequer, meu bem
É poema feito prosa
Que fala de fado também

Um fado de primavera
Bem florido e entoado
Quem me dera, quem nos dera
Flor de fado bem cantado

Fado alegre, fado triste
Malmequer ou bem me quer
Flor de fado só existe
Num coração de mulher

Aqui é que eu deixo a vida

Tiago Torres da Silva / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Teresa Tarouca
                                                                                             
Aqui é que eu deixo a vida
Neste caminho de pó
E em cada despedida
É que eu encontro mais vida
Porque me sinto tão só

Vou chorando por quem chora 
A rezar por quem desiste 
À procura de uma hora
Em que me possa ir embora 
Porque me sinto tão triste

A noite… vou atrás dela 
A correr de rua em rua
Ela sai pela janela
E eu já não vou atrás dela 
Porque me sinto tão tua

Perdi meu amor

Rosa Maria / Frei Hermano da Camara / A. Campos
Repertório de Rosa Maria

Perdi meu amor 
À beira do rio
Em noite de chuva 
Meu corpo era frio
Perguntei às águas 
Que faço de mim?
As águas bem claras 
Disseram-me assim

Se o amor vai porque quer
Não vale a pena chorar
A melhor coisa a fazer
É pôr outro em seu lugar

Perdi meu amor 
Entre os olivais
Perdeu-se na noite 
Não o encontrei mais
Perguntei aos ramos 
Que vida é a minha?
Eles me disseram 
Não fiques sozinha

Perdi meu amor 
Entre a multidão
Pra ver se o achava 
Fui de mão em mão
Toda a gente olhava 
Todos me entendiam
As bocas fechadas 
Assim me diziam

Monólogo da saudade

Joana Cota / Carlos da Maia 
Repertório de Joana Cota

Saudade palavra tão minha
Quando me sinto sozinha
Na solidão de quem sou
Saudade é uma avezinha
Negra como a andorinha
Que no meu peito pousou

A saudade ficou gravada
Na respetiva morada
De quem saudades deixou
Em seu lugar ficou a sombra
Que em anelos se arredonda
No amor de quem ficou

Palavra tão portuguesa
Que ao meu fado dá tristeza
E o desenlaça sem fim
Traz-me o leve respirar
Por em lágrimas falar
Da saudade que há em mim

Faz-me falta ser quem fui

Tiago Torres da Silva / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Teresa Tarouca
                                                                              
Trago saudades de mim
Dos sonhos que em mim secaram
Do que eu era e de onde vim
De tudo o que em mim mataram

Ai, amor que me criaste
E só agora me escapas
Regresso que me adiaste 
E eu só fui feliz nas Lapas

Faz-me falta ser quem era 
Entre árvores e vento
Que o que fui me desespera 
Por já ir no esquecimento

Mas inda lembro outro mundo 
Onde fui mas noutra idade
Trago amarguras de tudo 
Só de mim trago saudade

No despertar da saudade

Mário Rainho / Pedro Rodrigues
Repertório de Paulo Filipe
                                                                           
Meu amor disse que vinha
Nas asas duma andorinha
Eu esperei a primavera
Mas o meu amor se veio
Eu não o encontrei no meio
De róseas flores, folhas d’era

Meu amor perdeu viagem 
Demorou-se na paisagem
Não chegou ao meu jardim
Da primavera ao outono 
Esperei noites, sem ter sono
Até ao inverno de mim

Meu amor hei-de ficar 
Até a alma sangrar
E se amainar esta dor
No meu peito, tatuado 
Com os versos, do meu fado
Que te cantam, meu amor

Mas meu amor vai voltar 
Tenho tempo pra o esperar
No banco da minha idade
Quando a sua solidão 
Desibernar a paixão
E despertar a saudade