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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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Nasci para ser fadista

Letra de Gabriel de Oliveira
Transcrita no livro de A.Victor Machado, “Ídolos do Fado” 1937 , com a indicação 
de pertencer ao repertório de José Porfírio e ser cantada na música do 
Fado Natália de José Marques
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Nasci ao meigo trinar
Do velho Fado Corrido
Comecei logo a chorar
Mas ninguém nasce a cantar
E eu chorei por ter nascido

Nasci para ser fadista 
Para cantar e sofrer
Esse Fado moralista 
Que fez de mim um artista 
E me embalou ao nascer

Nasci num bairro afamado 
P’la fadistagem antiga
Vivo p’ra cantar o Fado
Que me traz acorrentado 
Ao sabor duma cantiga

Nasci e sinto vaidade 
Pelo bairro onde nasci
Foi lá que, na mocidade 
Cantei o Fado à vontade 
E foi lá que o aprendi

Nasci no bairro da Graça 
Pela bondade elevado
Sou filho daquela raça 
Que, p’ra valer à desgraça 
Só de graça canta o Fado

Não passes à Madragoa

Frederico de Brito / Armando Augusto Freire
Repertório de Raul Pereira


Cautela, nunca passes pela Esperança
Pela Esperança das varinas
Das varinas faladoras
Pois ficas com os olhos na lembrança
Na lembrança da saudade
Da saudade que devoras;
Há nelas, uma certa confiança
Confiança que se perde
Que se perde em poucas horas

Não queiras vir de noite à Madragoa
Nem passes descuidado pelas Trinas
Cautela, que anda o vira p’las esquinas
Pés trigueiros, enfiados
Em chinelas pequeninas;
E à noite, pelas ruas e travessas
Há desejos e promessas
A bailar com as varinas


São delas os motivos mais risonhos
Mais risonhos para os meus olhos
Para os meus olhos que as namoram
Namoram esses lábios de medronhos
De medronhos p’ra desejos
P’ra desejos que as devoram;
E algumas são a origem dos meus sonhos
Dos meus sonhos cor da esperança
Cor da Esperança onde elas moram

Último pedido

Frederico de Brito / Raúl Pinto
Repertório de Berta Cardoso


Volta que eu abro-te a porta
Ao menos p’ra convencer-me
Que nunca vivi sem ti
Volta, que eu já não me importa
Agora quero esquecer-me
Do tempo que t’esqueci

Volta que eu já perdoei
Vem à hora que quiseres 
Escusas de fazer alarde
Tu hás-de voltar, bem sei
Volta hoje, se puderes 
Que amanhã pode ser tarde

Dize que vens e que é certo
Jura p’la amizade nossa 
Que ainda não a perdi
A morte já anda perto
Ao menos deixa que eu possa 
Morrer, abraçada a ti

Falem agora

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Fábia Rebordão

Não ouço essas conversas
Isso é banal
Por serem tão perversas
Fazem-me mal

Falem agora
Eu estou por fora e até já
Não se incomodem, deixem lá
Que eu já estou fora


Conversas de café 
Não quero ter
Falar de outros, não é 
Só mal dizer

Quem diz que viu, quem mente 
Essas coisinhas
Nas costas de outra gente
Eu vejo nas minhas

Um caso mal contado
E outros que tais
Desligo, passo ao lado 
Leio os jornais

Lição de amor

Frederico de Brito / Franklim Godinho
Repertorio de Anita Guerreiro


Perguntei o que é amor
Ao meu velho professor
Por causa do verbo amar
Naquele tempo em que a gente
Pergunta inocentemente
Às vezes por perguntar

Aquele velhinho ouviu
Olhou para mim, sorriu 
E respondeu-me depois
Amor… conheci só um
Substantivo comum 
Às vezes comum de dois

Mostrando um desgosto acerbo
Disse que amor, como verbo 
Não é sempre regular
É triste dizer: amei
É mau dizer: amarei 
E não se diz: hei-de amar

O verbo não é p’ra todos
Igual nos tempos, nos modos 
Às vezes por tal defeito
Põe-se uma oração de lado
Porque não tem predicado 
Nem se conhece o sujeito

Hoje é que eu sei dar valor
Ao verbo que o professor 
Tão bem me tinha ensinado
Pois se há quem tal verbo adore
Também há muito quem chore 
Por já o ter conjugado

A minha oração

Letra de Frederico de Brito
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Antes que queira não posso
Deixar o fado é morrer
É ele o meu Padre Nosso
Que vou rezando a sofrer


Há p’ra aí quem faça alarde 
De que a saúde destroço
P’ra mudar de vida é tarde
Antes que queira não posso

Julgam que vivo cansado
Duma vida de prazer
Não posso é deixar o fado 
Deixar o fado é morrer

Pois a canção que mais prezo 
Traz-me em constante alvoroço
E entre as orações que eu rezo 
É ele o meu Padre Nosso

O fado, é só p’ra mim 
Simples razão do meu ser
Ou um rosário sem fim 
Que vou rezando a sofrer

Paraíso

David Morão Ferreira / José Mário Branco
Repertório de Camané


Deixa ficar comigo a madrugada
Para que a luz do sol me não constranja
Numa taça de sombra estilhaçada
Deita sumo de lua e de laranja;
Deixa ficar comigo a madrugada
Para que a luz do sol me não constranja

Arranja uma pianola, um disco, um posto
Onde eu oiça o estertor de uma gaivota
Crepite em derredor o mar de agosto
E o outro cheiro, o teu, à minha volta;
Crepite em derredor o mar de agosto
E o outro cheiro, o teu, à minha volta

Depois podes partir, só te aconselho
Que acendas, para tudo ser perfeito
À cabeceira a luz do teu joelho
Entre os lençóis o lume do teu peito;
À cabeceira a luz do teu joelho
Entre os lençóis o lume do teu peito

Podes partir, de nada mais preciso
Para a minha ilusão do paraíso

Lenda

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada a 31.03.1934 na edição Nº289 do Jornal Guitarra de Portugal
com a indicação de pertencer ao repertório de Filipe Pinto
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Por destino fatalista
Segundo uma lenda antiga
Dizem que na Mouraria
Houve em tempos um fadista
Que sabia uma cantiga
Mas se a cantasse morria

Nesse tempo a fadistagem 
Era gente destemida
Mas religiosa e crente
Havia camaradagem 
Capaz de arriscar a vida
Por amizade, somente

Sobre a cantiga da lenda 
E o seu lado moralista
Pouco posso adiantar
Findava nesta legenda 
Quem tem alma de fadista
Deve morrer a cantar

Esse fadista de lei
De “antes quebrar que torcer” 
Divisa de antigamente
Quis, para honra da grei
Cantar o Fado e morrer 
Como um fadista valente

Sonhos meus

Frederico de Brito / Frederico de Brito *fado dos sonhos*
Repertório de Maria do Rosário Bettencourt

Sonhos que eu tive, queimei-os
Uns tristes, outros risonhos
Mais raiva do que prazer
Se a vida é um mar de enleios
Quem não quer viver de sonhos
Não se deixe adormecer

Sonhos de esperança, perdi-os
Fartei-me de procurá-los
Com todo o maior empenho
Passam os dias sombrios
E o desejar encontrá-los
É outro sonho que eu tenho

Sonhos d’amor, outros sonhos
Vem a tristeza, a saudade
E há uma jura quebrada
Voltam os dias risonhos
Nos sonhos não há verdade
É tudo um sonho e mais nada

Génese da libertação

Letra e música de Dino Santiago
Repertório de Fábia Rebordão


Escutai a voz desta serva
Ó meu Deus, atende a este lamento
Lentamente, coração bate fora do tempo

Tempo lento que limita o meu tempo
Do tempo que vens e me pedes um tempo
Luto em luto por um homem que é puto
E astuto, no fundo não passo de um tempo

Livre, sai e vai
Leva este lamento
Cai e vai, escorrega na língua que trai
Por isso sai e vai
Abre a porta e liberta este amor
Que hoje morre p'ra viveres


Levanta que o tempo é curto
P'ra tentar, só tentar, não adianta
Evolução, missão, escolhe o tema e avança

Avança na dança da mudança que é mansa
E não cansa da pança que cresce e não vês
Que ela não deixa e só se queixa pela deixa
Da gueixa que beijas e deixas após

E por isso sais e vais
Levas este lamento
Cais e vais, escorregas na língua que trais
Por isso sais e vais
Abre a porta e liberta esse amor
E hoje morre sem viver


Sais e vais, sais e vais
Cais e vais, sais e vais
Sais e vais, sais e vais
Sais e vais

O cauteleiro

Frederico de Brito / Júlio de Sousa *fado loucura*
Repertório de Manuel Fernandes


Sem ter norte, nem ter lar
Dizem p’ra aí que dá sorte
O que é p’ra mim tanto azar
É loucura que eu desdenho
O ter que andar à procura
Da pouca sorte que eu tenho

E sem carinho
Pelas ruas e vielas
Apregoando as cautelas
Vou seguindo o meu caminho
E quem me ouve 
Cantarolar esta moda:
É o mil duzentos e quarenta e nove
Que amanhã é que anda a roda

Sente a vibrar como um fado
O pregão do desgraçado

Se um malvado ri de mim
Não vê que eu, sendo aleijado
Minh’alma não é assim
Quem na sorte ri dos mais
Não se lembra que na morte
Todos nós somos iguais

Esta estrofe não foi gravada
Deus aos pobres sempre ajuda
Valem mais p’ra mim uns cobres
Que p’ra muitos a taluda
A pobreza não me importa
Trago nas mãos a riqueza
Que foge da minha porta

Os teus cabelos sereia

Fernando Teles / António Pedro Machado *fado machadinho?*
Dueto de Maria Alice com António Machado *Machadinho*

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Os teus cabelos, sereia
Que são da cor do carvão
Tece-os, faz uma cadeia
Que prenda meu coração

P’ra prender meu coração 
Não chegam teus madrigais
O galanteio é traição 
Desejos provas reais

A dar-te a prova real 
Meu amor, estou sujeito
Agarra neste punhal 
E vem cravá-lo em meu peito

De teu peito apunhalar 
Nunca senti tais desejos
Prefiro antes devorar 
A tua boca com beijos

Qualquer dia

Jorge Fernando / Rui Veloso
Repertório de Fábia Rebordão


Qualquer dia vou mudar-me
Qualquer dia, não ouvir a minha alma
Ensurdecer aos apelos mais sensíveis
E assim o coração endurecer

Qualquer dia fecho a mão
Que teimosa fica aberta ao que vier
Na vida a história é muito mais em prosa
Que poemas que mais ninguém quer escrever

Se isso me faz sentir tão vazia
Na inocência em que nasci e em mim ficou
Qualquer dia, vou mudar-me qualquer dia
Mas não hoje, que ainda teimo em ser quem sou

A pedra da calçada

Letra de Frederico de Brito
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra publicada no livro de Fernando Cardoso *Poetas Populares* 
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Arrancada, desprezada
Uma pedra da calçada
Posta ao canto duma rua
Lembrou o mundo ruim
E pôs-se a contar assim
Os transes da vida sua

Eu sou de serras distantes
Onde as fontes, sussurrantes 
P’la noite velha adormecem
E vim p’ra cidade enorme
Onde nem a noite dorme 
E os homens não se conhecem

Sobre mim, passaram nobres
Sobre mim, dormiram pobres 
Vi risos maus; dores sublimes
Salpicaram-me, no entanto
Com tristes gotas de pranto 
E negro sangue de crimes

Eu vi riquezas mentidas
E vi misérias escondidas 
Vi honra e devassidão
Guardei-me dos homens falsos
Debaixo dos pés descalços 
Dos pobrezinhos sem pão

E aquela pedra sombria
Muito negra, muito fria 
Com um desgosto profundo
Deixou-se ficar ali
Não por vergonha de si 
Mas por vergonha do mundo

Ele zangou-se comigo

Frederico de Brito / Francisco Viana fado vianinha*
Repertório de Fernanda Maria

Ele zangou-se comigo
Disse-me o que é já costume
Calei-me e nada lhe digo
Pois sei que é tudo ciúme

Saiu e fez uma jura 
Dizendo que era de vez
Eu é que sei quanto dura 
A jura que ele me fez

Teimava com tal afinco 
A decisão foi tão grave
Que a porta ficou no trinco 
E até me levou a chave

Eu fiquei d’olhos enxutos 
Olho o relógio hora a hora
Quero contar os minutos 
Do tempo que se demora

Ele é como a abelha brava 
Vem ao cortiço em segredo
Jurou-me que não voltava 
Esta noite vem mais cedo

Má onda

Letra e música de Pedro da Silva Martins
Repertório de Fábia Rebordão

Um sorriso é mais forte 
Que uma careta feia
Só por me dar ideia 
Eu não te gabo a sorte

A palavra é mais clara 
Que um olhar de soslaio
Eu não sei porque raio 
Tu me viraste a cara

Não entendo porque não tentas
Mandar isso p’ra lá
Essa má onda rabugenta
Eh pá... comigo não dá, não dá
Comigo isso não pega
Comigo isso não dá
Se o meu amor não chega 
A outro chegará
Dá-me um abraço, já

Teimosia dá mais pena 
Que a minha solidão
Ai, fica a ovação, pois 
Eu já topei a cena

Essa birra já vem torta 
E eu sei que um dia passa
Não sei por que desgraça 
Engraças com a minha porta

É má onda, mas enfim 
Só se estragou uma casa
Por mim é tábua rasa 
Que eu até gosto assim

Por esmola ou por favor

Gabriel de Oliveira / Joaquim Campos *fado vitória*
Repertório de Natália dos Anjos
Do arquivo de Luís Morais
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Por esmola ou por favor
Não mates esta ilusão
Que nos meus olhos bem lês
Quando eu te falar de amor
Nunca me digas que não
Diz-me sempre que talvez

Há quem tenha a crueldade
De ser franco, embora fira 
As fibras do sentimento
Eu tenho horror à verdade
Em amor quero a mentira 
Que me fale ao desalento

Tem pena, tem dó de mim
Pois meu amor não se cansa 
De em seu destino ser crente
Se te custa dizer sim
Diz-me talvez, dá-me esperança 
Qu’eu já me sinto contente

Para que eu não sinta a vida
Tão rudemente esmagando 
O meu pobre coração
Deixa que eu vida iludida
E vai-me sempre enganando 
Mas nunca digas que não

Velha Mouraria

Frederico de Brito / Casimiro Ramos *fado helena*
Repertório de Júlio Peres

Minha velha Mouraria
Mudaste, não sei porquê
Há muito que te não via
Minha velha Mouraria
Quem te viu e quem te vê

Já não oiço o mesmo fado 
Que eu ouvi com devoção
Como tudo está mudado
Já não oiço o mesmo fado 
Das tascas do Capelão

Uma Severa que outrora 
Pôs muitas almas em brasa
Sei bem que ainda cá mora
Essa não se foi embora 
Apenas mudou de casa

Passei há pouco no Outeiro 
E vi-lhe um vaso à janela
Pois tinha o mesmo craveiro
E os cravos tinham o cheiro 
E o rubor dos lábios dela

Minha velha Mouraria 
Que má sorte Deus te deu
Ser a saudade sombria
E a lembrança fugidia 
Dum passado que morreu

Fadiga

Letra de António Cálem
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Porque me tardas na vida
Se a vida já tarda em mim?
Porque esperas, se a partida
Já se avizinha do fim?

Esperar horas inteiras
A chegada desse alguém
É como passar barreiras
Para a terra de ninguém

Assim o ter-te encontrado
Só me diz que já é tarde
É como a flor deste cardo
Que renasce quando arde

Canção do amor para sempre

Letra e música de Tozé Brito
Repertório de Fábia Rebordão

Atravessei oceanos
Tantos anos, tanto mar
E aportei nos teus olhos
E aportei nos teus olhos 
Cansada de navegar
Cansada de navegar 
Vi nos teus olhos a luz
Do farol que procurava
Do farol que procurava 
Para aportar minha cruz

Amor, amor, amor, amor
Es o meu porto de abrigo
Já não quero navegar
Só quero ficar contigo


Atravessei tempestades 
Dum lado ao outro do mundo
E aportei nos teus braços
E aportei nos teus braços 
O teu abraço sem fundo
No teu abraço sem fundo 
Encontrei a minha paz
Nunca aportei para sempre
Nunca aportei para sempre
Mas por ti eu sou capaz

O meu marialva

Frederico de Brito / José Marques *fado triplicado*
Repertório de Fernanda Maria


Eu, mais o meu “marialva”
Fomos à Feira d’Agualva
Num trem aberto e enfeitado
Com dois cavalos de raça
Que a passo tinham tal graça
Que até batiam o Fado

Deu-se uma volta na feira
Andámos de brincadeira 
A experimentar um garrano
Que povo que se juntou!
E ao resto, pouco faltou 
P’ra enganar um cigano

Na barraca do Vilar 
Onde fomos abancar
Já se cantava o fadinho
Estava lá o Cadeireiro 
O Ginguinha, o Cutileiro 
O Rosa e o Patusquinho

Depois do fado corrido
Foi o fandango batido 
Que parecia não ter fim
Que tarde tão bem vivida
Nunca vi na minha vida 
Bailar o fandango assim

E já de volta da feira
Bailava numa ladeira 
Um trem que vinha enfeitado
Um garrafão de “murraça”
E dois cavalos de raça 
Que até batiam o Fado

Nosso fado

Letra de Gabriel de Oliveira
Transcrita em 1937 no livro "Ídolos do Fado", com a indicação de pertencer 
ao repertório de Rosa Maria e ser cantada na música do popular Fado Mouraria
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Quanto é lindo o nosso Fado
Na boca das cantadeiras
A recordar o passado
Das fadistas verdadeiras


A mulher de antigamente 
Que na boémia deu brado
Soube mostrar certamente 
Quanto é lindo o nosso Fado

Nos descantes a atirar 
Perdendo noites inteiras
Via-se o Fado a bailar 
Na boca das cantadeiras

As desgarradas antigas 
Já foram postas de lado
Hoje só temos cantigas 
A recordar o passado

Sem que andasse na boémia 
Pelas tascas desordeiras
Fez-me o Destino irmã gémea 
Das fadistas verdadeiras

Atrás de ti

Frederico de Brito / Alfredo Duarte *fado louco*
Repertório de Maria Amorim


Prendi-me no teu olhar
Mas não vi que me prendi
Agora tenho que andar
De rastos, atrás de ti

O meu coração, coitado 
Só merece compaixão
Faz lembrar um desgraçado 
Que se entregou à prisão

Meus olhos que sem cautela 
Riram pr’aí, tanto, tanto
São duas barcas à vela 
Neste mar-largo de pranto

Meus olhos atravessaram 
Um vendaval de desejos
E até por isso ficaram 
Encharcadinhos de beijos

Tem pena de mim, por Deus 
Olha para o que eu já sofri
Não leves os olhos meus 
De rastos, atrás de ti

Não sei dizer

Jorge Fernando / Fábia Rebordão
Repertório de Fábia Rebordão


Sempre atenta, não tento dizer que sei
Que não sei dizer o que tento
Portanto não sei dizer
Vira a folha, molha o dedo
Que o medo não tem juízo, acalma
Que o prejuízo não deve só p'ra ti ser


Se resulta que eu pense
Não pensar sempre
Desmente se escondo a mente
É um jogo que jogo e assim
Vira a folha, molha o dedo
Que o dedo se apontar fere
Não sei a que se refere 
Esse medo que tens de mim

Que silêncios traz a tua voz?
Que tormento bate assim?
Que noção tens que ao sentires-te a sós
Seja saudades de mim?

De que emerge esta dorida dor
Que de ausências conheci?
Quer intensa, leve, ou o que for
Seja saudades de mim

Santa Luzia

Letra de Gabriel de Oliveira
Do arquivo de Francisco Mendes com a indicação de ter sido escrita 
para o repertório de Alberto Costa
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Oh! minha Santa Luzia
Dessa tua linda igreja
Debruçada sobre Alfama
Ouve a estranha melodia
Do Fado que rumoreja
Pelas ruas de má fama


No teu altar ardem velas 
Há crentes que estão rezando
Vai morrendo a luz do dia
E, nas bulhentas vielas 
Andam fadistas cantando
Oh! minha Santa Luzia

Da natureza o pincel 
Vibrantemente lateja
Nas tintas do panorama
Emoldurando o painel
Dessa tua linda igreja 
Debruçada sobre Alfama

Provocando o rouxinol
Vagueia o Fado ao relento 
Numa boémia vadia
Entra nas Portas do Sol,
E a Santa, em recolhimento
Ouve a estranha melodia

Cantigas, Avé-Marias 
Do bom povo que moureja
Sem nunca se erguer da lama
São foros de fidalguia
Do Fado que rumoreja 
Pelas ruas de má fama

Deixa-me o vinho

João Fezas Vital / Tó Moliças e Carlos Macedo
Repertório de Carlos Macedo

Olha
Estou aqui sozinho
Só tenho comigo o vinho
Que me engana a solidão
Que bebo para te ver
Sem cansaço, mulher
De mentir e ter razão

Ai
A mentira que sou
Quando sofro e me dou
Como só quem sabe rir
Chorar a rir é igual
A quem não mata por mal
E chora p´ra não mentir

Por isso
Deixa-me estar
Meu, amor, a inventar
Que nunca estive sozinho
Amanhã, se me sorriste
Prometo que acordo triste
Agora, deixa-me o vinho

Descrença

Carlos Conde / Lino Teixeira
Repertório de Lino Teixeira


Ó Deus por quem rezei 
As santas orações
Que a mãe que me levaste 
Ás vezes me ensinava
Que mal te fiz, ó Deus? 
Que dás tantos perdões
E não soubeste ouvir 
As preces que eu rezava

Um corpo sem ter alma
É nau sem timoneiro
É dia sem ter sol
É noite sem luar
É sorriso a fingir
É loucura a cantar
É nada ter no mundo 
É ter o mundo inteiro

É triste a minha sina 
E franca a rebeldia
Que tu me déste, ó Deus
Roubando o meu encanto
Que às vezes quero rir 
Mas não tenho alegria
E quedo-me a chorar
Mas já não tenho pranto

Meu Porto

Neca Rafael / Júlio Proença *fado modesto*
Repertório de Adelina Silva


Nem só Lisboa 
Nos fala do seu passado
A Madragoa 
É raínha-mãe do fado
O Porto é 
A mais nobre das cidades
A velha Sé 
É catedral de saudades

E Deus nos deu 
Esta graça divinal
Ser no Porto onde nasceu
O nome de Portugal
Dá-nos conforto 
Ser aqui a sua origem
E ser também, este Porto
Nobre cidade da Virgem

Então não foi 
Deste Porto que partiu
Tanto herói 
Que o mundo igual jamais viu
As caravelas
Sim, largavam da Ribeira
Levando nelas 
Gente altruísta e tripeira

Transpondo a barra 
P’rá imensidade do mar
Ia sempre uma guitarra
E um marinhero a cantar
Tão pequenino 
É o meu Porto imortal
Mas é ele o Deus-menino
Das terras de Portugal

Noite de Natal

Francisco Santos / Frutuoso França
Repertório de Frutuoso França


Na noite de natal, alegre, abençoada
À Luz duma candeia, em tosco pardieiro
Na franca comunhão da sua consoada
Estava a companheira e a filha do mineiro

O mineiro sorria, afagando o corpinho
Da sua linda filha, o seu maior tesoiro
E ela disse, a pular; eu queria, meu paizinho
Em vez duma boneca, uns lindos brincos d’oiro

Com brinquinhos, decerto, eu tinha outra figura
E já podia andar a par d'outras pequenas
Na mina onde trabalhas, o oiro é com fartura
Não deve fazer falta um bocadinho apenas

O mineiro tremeu, beijando a pequenina
E disse: meu amor, vais prestar atenção
O oiro, esse metal que vou tirar na mina
Pertence a outra gente: e o pai não é ladrão

E a filha ao ver que o pai chorava sobre si
Exclamou a sorrir; vamos, tenha juízo
Chorar não vale a pena, eu já compreendi
Que o oiro não faz falta, o pão é que é preciso

Jangadeiro vagabundo

João Dias / Raúl Silva
Repertório de Rodrigo


Jangadeiro vagabundo
Nas cinco chagas do mundo
Naufraguei em sete mágoas
Nos quatro braços do vento
Ouvi a ira do tempo
Em marés de negras águas

Afaguei mãos e miséria 
Mãos que a dita gente séria
Nem sequer de longe entende
Andei por noites de lama 
E em lugares de má fama
Aonde a fome se vende

Ao leme da nau perdida
Fui ao cais fundo da vida 
Em busca não sei de quê
E nos becos da vergonha 
Quem ouve, nem sequer sonha 
Aquilo que lá se vê

Em mesas toscas e frias
Fomes de todos os dias 
E tristezas sem idade
Entre palacetes nobres
Mora a desgraça dos pobres 
À espera da liberdade

Eu quero

Carlos Conde / Alfredo Mendes *fado latino*
Repertório de Maria Amélia Proença


Eu quero ir esta noite prá rambóia
Cantar, bater o fado, andar nas hortas
Fazer uma corrida de tipóiia
E quedar-me a cear fora de portas

Eu quero ir esta noite para a astúrdia
Viver uma noitada em doce afã
Com cenas de ciúme e de balbúrdia
Até às quatro ou cinco da manhã

Eu quero ir esta noite prás adegas
Cantar, sentir o fado em desvario
Onde é que estão p'raí os meus colegas
Que queiram vir cantar ao desafio

Eu quero, pr’abancar, mesas de pinho
Loiça de tosco barro, canjirões
Canecas transbordantes de bom vinho
E motes coroados de ovações

Quero encher o retiro desse fado
Que um dia me inspirou e que eu senti
Viver toda a boémia do passado
Passado que ‘inda sinto e nunca vi

A saudade acompanhou-me

João Viana / Agostinho Dias *fado bertinha*
Repertório de Vitor Moreira


Por me ver triste, sózinho
A saudade me falou
Deu-me o braço de mansinho
Nunca mais me abandonou


Ela sabendo a valia 
Do meu desgosto daninho
Quis fazer-me companhia 
Por me ver triste, sózinho

Julgou por bem, dar-me alento 
Ainda mais me torturou
Do meu enorme tormento 
A saudade me falou

Ralhei com ela e então 
Ainda com mais carinho
Ao vir pedir-me perdão 
Deu-me o braço de mansinho

Supliquei que fosse embora 
Mas teimosa, ele ficou
Desde então, p’la vida fora 
Nunca mais me abandonou

Deus sabe que serás

Artur Ribeiro / Fernando Freitas
Repertório de Carlos Barra


Deus sabe que serás a minha vida inteira
O mote do meu fado, a luz do meu viver
Deus sabe que serás a meta derradeira
Meu último pecado, o meu alvorecer

Deus sabe que serás o meu lugar de sorte
O sol do meu inverno, o meu chorar, talvez
O fim do *tanto faz*, o meu achar do norte
O meu nascer eterno nos beijos que me dês

Deus sabe que serás, no meu fechar de contas
A cifra positiva na casa de perder
Deus sabe que serás, depois das malas prontas
O meu voltar à vida sem tempo p’ra viver

Um grande amor

Jorge Fernando / Custódio Castelo
Repertório de Fernando Maurício


Amor não é palavra que se diga
Sem o sentir profundo da verdade
Amor é quanto baste, minha amiga
P’ra ‘star longe um segundo e ter saudade

Amor não é somente possuir-te
Em nome dum desejo disfarçado
Amor é num só beijo, definir-te
O que o coração diz, mesmo calado

Amor pode ser dor, pode ser pranto
E pode do prazer ser rei e senhor
Pode passar a margen do encanto
Como pode nem mesmo ser amor

E quem o amor perder, deve lembrar
No momento em que doa a maior dor
Pois só com outro amor pode acalmar
O resto do que foi um grande amor

Rumo vazio

Domingos Silva / Francisco Carvalhinho
Repertório de Adelaide Rodrigues


Caminhei, caminhei 
Sem direção, sem rumo
Na esperança de encontrar
Nem eu sei bem, o quê
E perdi-me do mundo 
Como sucede ao fumo
Que se perde no ar 
E ninguém mais o vê

Andei, andei, andei 
Em busca d’ilusão
Nem sequer encontrei 
Uma palavra vã
Que aliviasse a dor 
Deste meu coração
E me desse a esperança 
Do dia de amanhã

Cansei, cansei, cansei 
De tanto caminhar
Nem um raio de luz 
Diante em mim, se abriu
E cansada parei 
Sem brilho no olahr
O meu olhar distante 
Tão cheio de vazio

Trago-te apenas saudade

Fernando Peres / Jaime Santos
Repertório de Carlos Barra


Trago-te apenas saudade
Um pouco mais de ansiedade
E nem sequer uma flor
Numa esperança apetecida
Nasce depressa outra vida
Vida dum beijo d’amor

E quero o mal de te querer
O mal de nunca saber 
Tudo o que a vida nos traz
Sombra é corpo de ninguém
Remorso que não se tem 
Vida que não volta atrás

Trago o que resta de mim
Outro princípio do fim 
Tudo aquilo que não sei
Esperança dum resto de nada
Promessa de madrugada 
Da vida que não te dei

Volta dos bairros

Letra e música de Frederico de Brito
Repertório de Raúl Pereira


Entrei na velha Alfama à hora em que o sol dorme
E o pálido luar põe corações em chama
E então, não sei porquê, tive uma pena enorme
De não ser marinheiro e não morar na Alfama

Passei pelo Castelo e vi-lhe a sombra austéra
Desci à Mouraria, o bairro sonhador
Julguei-me rufião do quadro da Severa
Tal como descreveu um genial pintor

E fui à Madragoa alegre e galhofeira
Lisboa que desperta ante do sol raiar
Pensei em agarrar nos remos da bateira
Trazer a rede ao ombro e vir p’rá beira mar

Subi ao Bairro Alto, o da Lisboa artista
Brigão e trovador, feliz e malfadado
E foi então ali que me senti fadista
E nunca mais deixei de pertencer ao fado

Um fado que saiba a povo

João Dias / Zeferino Ferreira
Repertório de Selma Fernandes


Haja fado e quem o cante
Ao ritmo do coração
Cantar é tão importante
Como a fartura de pão

Se o fado é voz dum povo 
Que à vida pede mais vida
Haja fado, fado novo 
Nesta terra renascida

E quem cantou a tristeza 
Das noites amordaçadas
Seja arado da beleza 
Destas novas madrugadas

Cantemos como crianças 
A brincar num campo novo
Com gargalhadas de esp’rança 
E um fado que saiba a povo

Lembranças falam de ti

Clemente Pereira / António Chaínho *alexandrino
Repertório de Manuel de Almeida


Aquele nosso quarto onde fomos amantes
E a palavra paixão na tua boca ouvi
É hje a catedral de lembranças constantes
Em profundo silêncio, a falarem de ti

O relógio parado a marcar a marcar um desdém
Aquela hora hora exacta em que te foste embora
Duas cartas d’amor a recordar também
Que a mentita vivia à espera dessa hora

Não julgues ter perdão a tua falsidade
Porque se eu te segui na estrada que caminhas
Será p’ra te falar apenas de saudade
Quando um dia também tiveres saudades minhas

Inverno a chorar

Letra e música de Jorge Atayde
Repertório de Rodrigo


Vi o inverno a chegar
Senti-me só e chorei
Fiquei então a pensar
Porque caminhos andei

Percorreu meu pensamento 
O tempo breve da esp'rança
Mas foi veloz como o vento 
Essa era da criança

Os sonhos que nessa idade 
Eram azuis, cor do céu
Fazem-me sentir saudade 
Dum mundo que já morreu

Quando o corpo se cansou 
Fui a vida conhecendo
E o que a verdade lembrou 
Foram os anos 'squecendo

Olho agora para mim 
Vejo o inverno a chorar
Quando tudo chega ao fim
Fica a chover meu olhar

História da Lady Godiva

Joaquim Silva/ Frutuoso França *alexandrino da lady*
Repertório de Frutuoso França

Certo governador duma antiga cidade
P’ra querer impor mais brio às suas recepções
Mandou lançar ao povo, eivado de vaidade
Pesados contributos, altas contribuições

O povo não podendo com tão grande tributo
Protestava revolto, em grande agitação
Mas o garnde senhor, mantinha, resoluto
Com ironia taroz, tão cruel decisão

Então a esposa, audaz, daqu’ele governador
Dirigiu-se ao marido olhando bem seu rosto
Falou-lhe humildemente, implorando; senhor
O povo libertai, de tão pesado imposto

Então, a régia voz prometeu libertá-lo
Se a sua esposa fosse em completa nudez
Beijada pelo sol, montada num cavalo
De dia percorrer o burgo, lés a lés

E ela sem se deter, num cavalo partiu
Expondo o corpo nú, percorreu a cidade
Mas do burgo infeliz, porta alguma se abriu
Porque o povo não quis vexar tal divindade

Tão heróica mulher sofrendo intimamente
Mostarndo essa nudez, ao seu solar voltou
O esposo ao vè-la assim, beijou-a loucamente
E do cruel imposto, o povo libertou

Somos para além de nós

Mário Raínho / José Manuel Castro
Repertório de José Manuel Castro

Somos para além de nós esta aventura
Este caminho errante em mar violento
Este céu, este azul, esta coragem
Este cais que nos tarda há tanto tempo

Somos para além de nós esta aventura
O sonho desenhado p’ra nós dois
Doidice que não chega a ser loucura
O tempo que há-de vir a ser depois

Somos para além de nós a teimosia
Com um grito de sol na nossa voz
O que importa, é que o amnhã seja dif’rente
Se o amor há-de ficar para além de nós

Nome que ninguém me chama

José Luís Gordo / Miguel Ramos
Repertório de Maria da Fé


Madrugadas, marés vazias
De bocas mudas e frias
Errantes pela cidade
Sopra o vento num açoite
Faz mais ternuras à noite
Mais amarga esta saudade

Sou nome que ninguém chama
Breve lençol duma cama 
Que não conhece a paixão
Sou estrela sem ter céu
Sou aspecto que morreu 
No grito desta razão

Meu fado não tem alento 
Triste pedaço de vento 
Que sopra de serra em serra
Sou um fado doutro fado
Sou um canto magoado 
Sou um fruto desta terra

Pic-nic de burguesas

Cesário Verde / José Campos e Sousa
Repertório de José Campos e Sousa


Naquele pic-nic de burguesas
Houve uma coisa simplesmente bela
E que, sem ter história nem grandezas
Em todo o caso dava uma aguarela

Foi quando tu, descendo do burrico
Foste colher, sem imposturas tolas
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas

Pouco depois, em cima duns penhascos
Nós acampámos, ‘inda o Sol se via
E houve talhadas de melão, damascos
E pão-de-ló molhado em malvasia

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas

Disse-te adeus à partida

António Lobo Antunes / Alberto Correia *fado solene*
*O mar acaba ao teu lado*
Repertório de Kátia Guerreiro

Disse-te adeus à partida
Digo-te adeus à chegada
Se quero tudo na vida
Já de ti não quero nada

Disse-te adeus e depois 
Fiquei no mesmo lugar
O leito de nós os dois 
Só tem raízes no mar

Dizer adeus é diferente 
Quando to digo baixinho
No meio de tanta gente 
É que me sinto sózinho

Com uma gaivota na voz 
Disse-te adeus e parti
Se esta cama somos nós 
Não hei-de morrer sem ti

Um dia

Guilherme Pereira da Rosa / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Carlos do Carmo

Um dia cais em ti e tens saudade 
Um dia olhas p'ra trás e sentes pena
É breve, muito breve, a mocidade
Tão grande santo Deus e tão pequena

Um dia morre o riso descuidado
Nenhuma chama triste vive ou arde
Chaga a condenação do nosso fado
A gente quer viver e vê que é tarde

Um dia triste há-de chegar p'ra ti
Que te dará aquilo que me déste
Eu hoje tenho aquilo que perdi

Tu vais perder aquilo que tiveste

Talvez por acaso

Manuela de Freitas / Carlos Manuel Proença
Repertório de Carlos do Carmo

Tu dizes que a culpa é minha
Eu acho que a culpa é tua
E vamos ficando assim
Até que um dia à tardinha
Por acaso numa rua
Tu hás-de passar por mim

Com rancor e azedume 
Sem razão e sem emenda
Talvez a gente se insulte
Ou então, contra o costume 
Talvez a gente se entenda
E o acaso resulte

Por acaso, sem querer
Quem sabe se é dessa vez 
Que nós fazemos as pazes
Possa o acaso fazer
O que a saudade não fez 
E nós não fomos capazes

A vida dá-nos sinais
Quanto mais o tempo passa 
De que o amor tem um prazo
Por isso nunca é demais
O que quer que a gente faça 
Para provocar o acaso

O menino que não fui

Mário Rainho / João Maria dos Anjos
Repertório de Fernando Maurício

Nasci talhado de fado
Cresci no tempo a correr
Sem direito de sonhar
Não parei no meu passado
Fui menino sem saber
E condenado a cantar 

Tive a noite por guarida
Deram-me o fado, por pão 
Por enxerga, a fria rua
Cresci à margem da vida
Ao lado da solidão 
Coberto p'la luz da lua

Queria voltar a nascer
E sonhar um só momento 
No meu mundo pequenino
Passou o tempo a correr
Não tive idade nem tempo 
De brincar e ser menino

Amei-te

João de Freitas / Jaime Santos
Repertório de Fernando Farinha

Amei-te tanto e perdi-te 
Nem sabes quanto sofri 
Custou-me, mas esqueci-te 
E um dia destes vi-te
E tive pena de ti

Ias a passar sorrindo 
Num sorrir triste que esconde
Decerto um desgosto fingindo
Se julgas que estou mentindo 
Vê-te a um espelho e responde

No teu rosto maquilhado 
Eu pude ler a amargura
E o teu olhar perturbado
Demonstra o que tens passado 
Nessa vida sem ventura

Confesso tive saudade 
Do nosso antigo viver
Mas tu querias liberdade
Foi feita a tua vontade 
E agora sofre, mulher

Esta estrofe não foi gravada
Fiquei um pouco tristonho
Recordando o que fizeste
Aniquilaste o meu sonho
Mas olha que é bem medonho
Esse viver que escolheste

O Chico do cachené

Linhares Barbosa / Miguel Ramos *fado helena*
Repertório de Fernando Farinha

Certa vez, foi à noitinha
O Chico do cachené
Chamou-me e disse, Farinha
Vou contar-te a vida minha
Para saberes como é

Bem criado e malfadado 
Os meus pais, tinham de seu
Por eles era adorado
Instruído e educado 
Cheguei a andar no liceu

Eu era menino e moço 
Simples como uma donzela
Mas um dia, que alvoroço
Passei à Rua do Poço 
Vi a Micas, gostei dela

Vivi com ela dez anos 
Duas vezes lhe pus casa
Mas os seus olhos tiranos
Vadios como dois ciganos 
Fugiram, bateram asa

Hoje não tenho um afago 
Um carinho, uma afeição
Sou um esquecido mal pago
E é no vinho que eu apago 
O fogo deste paixão

Depois de contar-me a vida 
O Chico pôs-se de pé
Pediu mais uma bebida
E uma lágrima atrevida 
Caiu-lhe no cachené

Pede-me tudo

Jorge Rosa / Georgino de Sousa *fado georgino*
Repertório de Fernando Maurício 

Pede-me a luz das estrelas 
O seu doce cintilar 
Que eu farei por conseguir; 
Escolher entre todas elas 
As que mais podem brilhar 
As que mais sabem luzir 

Pede-me o brilho da lua 
Do sol radioso e quente
O soalheiro calor 
Logo a lua será tua 
Do astro-rei, num repente 
Terás também o fulgor

Pede-me o sal, as marés 
As ondas, a cor do mar 
Da alva espuma, a cambraia
Pronto verás a teus pés
Oceanos desmaiar 
Tal e qual como na praia

Tudo o mais que te apeteça 
Sentirás ao teu dispor 
Se me pedires te darei 
Só não peças que te esqueça 
Acredita meu amor 
Como fazê-lo, não sei

Raízes

Sidónio Muralha / Henrique Lourenço *fado cigana*
Repertório de Amália

Velhas pedras que pisei 
Saiam da vossa mudez 
Venham dizer o que sei; 
Venham falar português 
Sejam duras como a lei 
E puras como a nudez 

Minha lágrima salgada 
Caiu no lenço da vida 
Foi lembrança naufragada 
E para sempre perdida 
Foi vaga despedaçada 
Contra o cais da despedida 

Visitei tantos países 
Conheci tanto luar
Nos olhos dos infelizes 
E porque me hei-de gastar 
Vou ao fundo das raízes
E hei-de gastar-me a cantar

Não te posso esquecer

Letra e música de: Carlos Macedo
Repertório de Carlos Macedo


Minha vida sem alento
Tinha as horas por tormento
Tinha as noites por castigo;
Andava sem rumo certo
Sonhava-te sempre perto
E não vinhas ter comigo

Do teu corpo, sem querer
Mesmo sem me apetecer 
Já me roía a saudade
Pare te ver fiz-me ausente
Fui amar-te loucamente 
Longe da minha cidade

Dos teus olhos a loucura
Dos teus beijos a ternura 
Tenho tudo p’ra viver
Porque te quero assim
Tenho-te dentro de mim 
E não te posso esquecer 

Oração noturna

Marco Oliveira / André Teixeira *fado adriana*
Repertório de Adriana Paquete


Quem fez da minha noite um canto triste
Um instante de silêncio e de ternura
Mais breve que tudo o quanto existe
E vem soltar-me a voz nesta loucura

Quem deu à minha prece este lamento
Mais puro do que a sombra do luar
E beija as minhas lágrimas no vento
Numa oração noturna por cantar

Por muito que nos doa a solidão
Alguém nasce do ventre do passado
Dum canto que nos fala ao coração
E traz na voz antiga o mesmo fado

Sou do Porto, sou do Porto

Raúl Dubini / Armando Quatorze
Repertório de Maria Armanda


Não há igual 
Ao meu Porto sem rival
Não existe em Portugal 
Outra terra como esta
Não há melhor 
Que o meu Porto, sem favor
Pois ele é rei e senhor 
Quando vai a qualquer festa

O Porto tem
Como não tem mais ninguém
Vaidade de ser alguém
Em quase tudo o primeiro
Está bem de ver 
Que quem no Porto nascer
Sente vaidade em dizer
Sou do Porto, sou tripeiro

Cá vai o Porto a 
cantar a sua trova
De boca em boca, rua em rua, sem parar
Cidade antiga mas com alma sempre nova
Ninguém, meu Porto é capaz de te igualar

Cá vai o Porto cada dia mais brejeiro
Sempre sorrindo, sempre alegre e folgazão
Laborioso, mas em festas o primeiro
Meu Porto lindo, dono do meu coração

Brilham balões
Alegram-se os corações
Andam pelo ar canções
Fazem-se versos à lua
Cantar cantar
Todos fazem sem parar
Quando a marcha v
ai passar 
Todo o Porto vem prá rua

Ó meu amor
Vem comigo, por favor
Vais ver que não há melhor
Que um cravo e um manjerico
É São João 
Dos tripeiros, pois então
Vamos lá de mão em mão 
Visitar o bailarico

Aguarela de Cascais

Letra e música de José Moreira
Repertório do autor

O mar beija a minha terra
Ao fundo apruma-se a serra
Aqui e ali pinhais
O sol é mais luminoso
O luar é mais formoso
E as estrelas brilham mais

Nos jardins multicolores 
Flores, flores, tantas flores
Formam um quadro irreal
Maravilhosos cenário 
Digno dum conto lendário
Dum país oriental

Praias de areia doirada 
Boca d’Inferno e Parada
O Gincho, a Guia, o Museu
O Parque da Gandarinha 
Santa Marta e a Marinha
São prendas que Deus lhe deu

Não esquecendo a singeleza 
Do Chafariz da Marquesa
E da Praia da rainha
Dos pescadores, a capela 
E a linda cidadela
Tão famosa e já velhinha

Gaivotas esvoaçando 
Os barquitos baloiçando
Na remansosa baía
Enquanto o mar, de mansinho
Vai segredando baixinho 
Qualquer coisa, à Penedia

O meu cantinho risonho 
É uma imagem de sonho
Que não se apaga jamais
Pesadelo que inebria 
De perturbante magia
És bem um sonho, Cascais

Ruas do Porto

Cid Teles / Rezende Dias
Repertório de Natércia Maria


Rua do Sol, Miradouro 
Rua de amor, de alegria
Rua do Monte Cativo 
Cheia de sonhos e poesia

Rua do Poço das Patas 
Da Conceição, do Campinho
Do Bonjardim, Miragaia 
P’ra seguir no bom caminho

Ruas do Porto,
Ruas estreitas, velhinhas
Ruas que são ladainhas
De amor e de tradição
Ruas do Porto
Ruas da minha saudade
Ruas da linda cidade
A que prendo o coração


Rua da Ramalda Alta 
Rua Chã, Rua de Trás
Rua de Cimo de Vila 
Rua Formosa e São Brás

Rua das Flores, Cedofeita 
Campo Lindo, Reboleira
Ruas da fé e trabalho 
Da boa gente tripeira

As minhas mãos abertas

José Luís Gordo / Ada de Castro
Repertório de Ada de Castro


Trago as minhas mãos abertas
Os meus dedos são dez setas
Apontam teu coração
Dizem-me as horas que sim
Tudo tem princípio e fim
Eu acredito que não

Trago as minhas mãos abertas
Duas montanhas desertas
Dois oceanos vazios
Já cansei de te alcançar
Rasguei por dentro o mar
E sequei todos os rios

Trago as minhas mãos abertas
Nas madrugadas desfeitas
Quando acordo e não te vejo
Rosas de fogo na cama
Acendem por dentro a chama
Da saudade e do desejo

Ribeira tripeira

Coelho Júnior / Rezende Dias
Repertório de Maria Rosa Rodrigues


Uma viela, uma calçada
Uma janela toda enfeitada
Barcos no rio a baloiçar
Ao desafio lá vão pescar;
Esta Ribeira vista d’além
Linda aguarela
Que só o Porto tem

Minha Ribeira, Ribeira
Debruçada sobre o Douro
A tua gente tripeira
E o mais belo Miradouro
Ribeira, Ribeira
Sempre nova, sempre crente
Todos os dias és feira
Todos os dias és feira
Ganha-pão da tua gente


Velhas Alminhas, nicho de fé
E tens a ponte ali ao pé
Tascas bizarras de lado a lado
Choram guitarras, canta-se o fado;
Esta Ribeira vista d’além
Linda aguarela 
Que só o Porto tem

Boa noite solidão

Jorge Fernando / Carlos da Maia
Repertório de Fernando Maurício
Também gravado por Jorge Fernando na música do
Fado Balada de António dos Santos *parceiros das farras*

Boa-noite solidão
Vi entrar pela janela
O teu corpo de negrura
Quero dar-me à tua mão
Como a chama duma vela
Dá a mão à noite escura

Só tu sabes, solidão
A angústia que traz a dor 
Quando o amor a gente nega
Como quem perde a razão
Afogamos nosso amor 
No orgulho que nos cega

Os teus dedos, solidão
Despenteiam a saudade 
Que ficou no lugar dela
Espalhas saudades p'lo chão
E contra a minha vontade 
Lembras-me a vida com ela

Com o coração na mão
Vou pedir-te, sem fingir 
Que não me fales mais dela
Boa-noite solidão
Agora quero dormir 
Porque vou sonhar com ela

Deixa-te disso

Jorge Rosa / Paulo Valentim
Repertório de Ada de Castro


Não venhas com falas mansas
Porque te cansas no teu falar
Já te conheço de cor
Acho melhor não te aceitar

Não venhas com artimanhas
Que as tuas manhas já descobri
De comer da tua carta
Já ando farta, farta de ti

Deixa-te disso
Deixa lá de ser postiço
Não ganhas nada com isso
Já te pus no meu passado
Deixa-te disso
Deixa-me, leva sumiço
P’ra eu quebrar o enguiço
De ter vivido a teu lado


Se voltas a procurar-me
Gritos de alarme dou sem demora
Hoje ver-te é uma agonia
Nunca o diria, mas digo agora

A vida, não me atropeles
Amargos feles eu descobri
Hoje apetecem-me doces
Delico-doces, mas não de ti

Não sou fadista de raça

T. Cavazini / Alfredo Duarte *fado bailarico*
Repertório de Teresa Tarouca

Não sou fadista de raça
Não nasci no Capelão 
Eu canto o fado que passa 
Nas asas da tradição

Nunca usei negra chinela 
Nem vesti saia de lista
Nunca entrei numa viela 
Mas tenho raça fadista 

Tirei suspiros ao vento 
Olhei um pouco o passado
Busquei do mar o lamento 
E fiz assim o meu fado 

É este fado famoso 
Que em noites enluaradas
O Conde de Vimioso 
Tangia nas guitarradas 

Era fidalgo de raça 
E ficou na tradição
Cantando o fado que passa 
Na Rua do Capelão

Maria do Porto

Coelho Júnior / Resende Dias
Repertório de Luísa Salgado

É do Porto esta Maria 
Maria fresca e bonita
Sai logo mal rompe o dia
Leva no rosto a alegria 
No corpo as pintas de chita

Passa pelas Fontaínhas 
Desce alegre a Corticeira
Pára e reza nas Alminhas
Dá pão a duas velhinhas 
E vai vender prá Ribeira

Maria do Porto 
De andar balançado
Sorriso rasgado
Sorriso rasgado alegre e sadio
Maria do Porto 
De faces trigueiras
Que bem que tu cheiras
Que bem que tu cheiras 
A mar e a rio

É do Porto esta Maria 
É a Maria, talvez
Em franqueza e simpatia
É Maria mais Maria 
Nome que é bem português

Esta Maria tem fé 
No rapaz que é todo dela
Mora prós lados da Sé
E à tardinha vai até 
À Ribeira, ter com ela

Quando os outros te batem

Quando os outros te batem beijo-te eu (título completo)
Pedro Homem de Mello / Armando Machado *fado aracélia*
Repertório de Amália


Se bem que não me ouviste e foste embora
E tudo em ti decerto me esqueceu
Como ontem, o meu grito diz-te agora
Quando os outros te batem, beijo-te eu

Se bem que às minhas maldições fugiste
Por te haver dado tudo o que era meu
Como ontem, o meu grito agora viste
Quando os outros te batem, beijo-te eu

Mas há-de vir o dia em que a saudade
Te lembre quem por ti já se perdeu
O fado quando é triste é que é verdade
Quando os outros te batem, beijo-te eu

Isto de ser poeta

Artur Ribeiro / António Parreira
Repertório de Rodrigo

Ser poeta, aos olhos meus
É olhar o universo
É ver mais longe, mais fundo
É ser mais pobre que Deus
É dar ao mundo num verso
Toda a riqueza do mundo

Ser poeta é ser capaz 
De dar o que a alma encerra 
Em defesa da verdade
É fazer das horas más 
Versos que inundam a terra 
A pregar humanidade

Ser poeta é ser tão pouco
É ser tão pouco e dizer 
Coisas de causar espanto
Quem dera passar por louco
Quem dera poeta ser 
Dos versos que apenas canto

Meu amor é marinheiro

Manuel Alegre / Alain Oulman
Repertório de Amália

A última estrofe não foi gravada

Meu amor é marinheiro 
E mora no alto mar
Seus braços são como o vento 
Ninguém os pode amarrar
Quando chega à minha beira
Todo o meu sangue é um rio
Onde o meu amor aporta
Meu coração, um navio

Meu amor disse que eu tinha
Na boca um gosto a saudade
E uns cabelos onde nascem
Os ventos e a liberdade
Meu amor é marinheiro
Quando chega à minha beira
Acende um cravo na boca
E canta desta maneira

Eu vivo lá longe, longe
Onde passam os navios
Mas um dia hei-de voltar
Às águas dos nossos rios
Hei-de passar nas cidades
Como o vento nas areias
E abrir todas as janelas
E abrir todas as cadeias

Meu amor é marinheiro
E mora no alto mar
Coração que nasceu livre
Não se pode acorrentar

Assim falou meu amor
Assim falou ele um dia
Desde então eu vivo à espera
Que volte como dizia

Gotas de tristeza

Artur Ribeiro / António Parreira
Repertório de Rodrigo


Este nosso ficar de vez em quando
Assim, olhos nos olhos, d’alma presa
Os pedaços de ti que vais deixando
São gotas de alegria na tristeza

Este ser um do outro sem ter peias
Na loucura total que nos invade
O que fica de ti nas minhas veias
São gotas de presença na saudade

Este meu duvidar tendo a certeza
Que no final é sempre noite fria
São gotas de alegria na tristeza
São gotas de tristeza na alegria

Convite ao Porto

Maria da Luz Castro e Silva / Fernando Pereira
Repertório de Teresa Tapadas


Vem ver as cachapas saltar à fogueira
E na brincadeira queimar alcachofras
Vem ver namorados que muito juntinhos
Dizem segredinhos com beijos trocados

Vem ver manjericos e as ervas santas
E lá para as tantas beta com o porro
Vem ver como é a velhinha Sé
Toda iluminada no alto do Morro

Porto, Porto, Porto
Esta noite é toda tua
Vem dia p’rá rua
Vem daí folgar
Porto, Porto, Porto
Vem dái, que a própria lua
Se não vens, amua
Pois te quer ouvir cantar


Vem meu Porto amigo, vem para a folia
Vem com alegria que eu vou contigo
Eu sou a cantiga que de braço dado
Irei a teu lado como boa amiga

Meu Porto fagueiro, nesta noite bela
Eu serei aquela, sempre à tua beira
Pois no São João vibra o coração
Na chama cadente da gente tripeira