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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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Olhares cruzados

Gabriel de Oliveira / Filipe Pinto “fado meia noite antigo*
Repertório de Natália dos Anjos

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Cruzámos o nosso olhar
E logo nos entendemos
Conjugando o verbo amar
Ambos de amor nos perdemos


Nem sequer te conhecia 
Nunca te vira passar
Quando por acaso, um dia 
Cruzámos o nosso olhar

Foram apenas momentos 
Desses momentos supremos
Trocaram-se os pensamentos 
E logo nos entendemos

Depois disso, conversámos 
E de tanto conversar
Foi assim que começámos 
Conjugando o verbo amar

Agora a vida é ventura 
Pois tão bem nos conhecemos
Que numa doida loucura 
Ambos de amor nos perdemos

HENRIQUE REGO *1893-1963*

Tributo de Armando Neves 

Inspirado poeta – nome escrito 
Com doze estrelas nos anais do “Fado”
Louvá-lo-ei – depois de ter molhado
Minha pena na tinta do Infinito.

Coração d’oiro, espírito bendito,
Tanto à bondade como às musas dado.
Um simples verso seu – poema encantado
Ou uma rima só – radioso grito!

Poeta de tão puro e bom quilate
Merece, em prémio dos seus dons dilectos,
Rosas d’oiro em olímpico açafate…

E eu que sou, em louvar, dos mais discretos,
Para exaltar o plectro deste vate
Comporia, em vez de um, quatro sonetos!

Jóia sagrada

Gabriel de Oliveira / Pedro Rodrigues 
Repertório de Fernando Batista


Eu sou aquela mulher
Por quem tu sofreste um dia
Por ciúme te deixou
Tudo o mais que te disser
Não passa de fantasia
Pois já sabes quem eu sou

Não te venho conquistar
De ti não pretendo nada 
Já sofri, já te vingaste
Venho aqui para falar 
Sobre essa jóia sagrada 
Que há dez anos me roubaste

Quero de novo afagá-la
Cingi-la bem a meu peito 
Numa pressão de ternura 
Quero vê-la e acarinhá-la
Saber o que lhe tens feito 
Contar-lhe a minha tortura 

Faz de mim uma rodilha
Tens razão para o fazer 
Mas és pai e pensa bem
Que essa jóia é nossa filha
E Deus sabe defender 
O sagrado amor de mãe

Amor desfeito

Gabriel de Oliveira / Jaime Santos *fado da bica*
Repertório de Lucília do Carmo


Se o nosso amor se desfez
Só tu fostes o culpado
Porque sofres quando vês
Outro homem a meu lado

Foste mau, foste cruel 
Não me queixei a ninguém
Bebi lágrimas de fel 
Suportando o teu desdém

Dizes-me que não descansas 
E que me vês em teus sonhos
Ai, a dor são as lembranças 
Dos teus remorsos medonhos

É Deus que te faz sofrer 
Vê lá bem o teu castigo
Dormes com outra mulher 
E sonhas sempre comigo

Minhas mãos já não te afagam 
O meu desprezo é enorme
Cá se fazem, cá se pagam 
Bem sabes que Deus não dorme

E se esta gente fosse um fado

Maja Milinkovic / Rodrigo Serrão
Repertório de Maja


E se esta gente fosse um fado
Em que só falta melodia
E o grito mudo nos seus olhos
Não fosse mais que poesia

Que em cada rosto há uma nota
Que espera ainda por nascer
E em cada história uma verdade
Que sobra sempre por dizer

A minha gente é como um fado
Feito de pranto e maresia
E traz na mala esta vontade
De amar mais que o amor, a cada dia
E canta versos à saudade
Em profunda melancolia
A minha gente é como um fado
Que amou p’ra lá da dor, mais que podia

O emigrante e a guitarra

Gabriel de Oliveira / Alberto Costa *fado dois tons*
Repertório de Manuel Dias
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Assim que saiu a barra
O emigrante, coitado
Pegou na sua guitarra
E chorou cantando o fado

E lá vai pelo mar fora 
Sabe Deus para que vida
Amaldiçoando a hora 
Negregada da partida

Via-se outra vez menino 
A mãe guiando-lhe os passos
Para afinal, o destino 
Tão longe o levar nos braços

E ao lembrar desta maneira 
A velhinha sua mãe
A guitarra companheira 
Chorou com ele também

Esta noite chora uma guitarra

Letra e música de Maja Milinkovic *fado primeiro*
Repertório da autora


Se fosse um grande amor
Era nosso, era nosso
Se fosse uma grande paixão
Era nossa, era nossa

Duas vezes eu morri
Duas vezes parou o coração
A primeira quando te vi
E quando deixaste-me a mão

Esta noite chora uma guitarra
Só por mim, só para mim
Esta noite saudade é amarra
É mágoa que não tem fim


Com o tempo não passa nada
Ainda dói a mesma dor
Porque naquela madrugada
O tempo morreu com o amor

Dias de Feira da Ladra

Gabriel de Oliveira e António Amargo
Manuel Maria Rodrigues *marcha do manel maria*
Repertório de Manuel de Almeida
Letra transcrita do livro editado pela Academia da 
Guitarra e do Fado onde aparece com o título *Feira da Ladra*

Dias de Feira da Ladra
Santolas e vinho tinto
Guitarradas e cantigas
Desordens, noites na esquadra
Ai que saudades que eu sinto
Por essas coisas antigas

Os Faias mais afamados 
Grandes improvisadores
Não faltavam nesse dia
E dos bairros afastados 
Também vinham cantadores
Tudo ali se reunia

À tarde, a seita abancava
Numa taberna pequena 
Mesmo em frente do jardim
Um dos fadistas cantava
Era o princípio da cena 
Com provocações no fim

Na febre do desafio 
Eram mais que provocantes
As cantigas que cantavam
Davam-se lutas de brio 
Sustentadas nos descantes
Que às vezes tão mal findavam

Dia de Feira da Ladra
Ó fadistagem moderna 
Morreu essa tradição
Desordens, noites na esquadra
Fadistices na taberna 
São coisas que já lá vão

Meu par

Letra e música de João Couto
Repertório de Joana Almeida


Quando passas por mim 
Sei que algo me diz
Que tu és o meu par
Neste mundo sem lei, em ti encontrei
O meu melhor

Mas tu não estás a meu lado
P’ra me apagar do passado
Cada erro que cometi
Passam dias, passam horas
Diz-me porque é que demoras
Se esta voz chama assim por ti

Uma canção mora dentro de mim
Mesmo não sendo tua
Passa na tua rua
Todo o o dia a chamar por ti
Uma canção quer viver em nós
Mesmo que não a oiças
Já não quer outra coisa
Sê meu par
Não a deixes presa na minha voz

Cada noite fugaz eu perco a paz
Quando és o meu par
Nessa dança que encetamos
Nossos fados entrelaçamos

Mas não sei se sou quem tu anseias
Diz-me porque é que vagueias
Nesse vai e vem sem fim
Se este amor que dou inteiro
A um coração prisioneiro
Espera sem se cansar, por ti

Gabriel de Oliveira


Tributo de Armando Neves

Dizer que tem talento o Gabriel
É tarefa escusada, é coisa vã
É perguntar se tem doçura o mel
Se deitam sumo os bagos da romã

Há lá poeta algum que nos revele
Inspiração maior, mais digna e sã
De quanto é popular?! – Apenas ele
Porque a alma do povo é sua irmã


Fonte rara, espontânea de poesia
Da beleza do “Fado” a voz mais bela
Espírito gentil às musas dado

Quando ele nos descreve a Mouraria
Pinta, com mão de mestre, uma aguarela
Sim! Este Poeta é o Pintor do Fado

(in Revista STADIUM, Ano X, nº. 479, 4ª. Feira, 2-7-1941)

(25/3/1891 – 2/8/1953)
GABRIEL da Anunciação D´OLIVEIRA foi um dos melhores poetas que o Fado conheceu. É, todavia, uma figura pouco conhecida
embora os seus fados sejam constantemente cantados.
Com 18 anos, apenas, assentou praça na Marinha de Guerra Portuguesa, no dia 1 de Agosto de 1909. Daí ser conhecido por “Gabriel Marujo”.
Foi Combatente na Primeira Guerra Mundial, já como artilheiro de 1.ª classe, tendo sido condecorado com a Medalha da Vitória.
Poucos como ele souberam descrever, com grande realismo, os ambientes dos velhos bairros de Lisboa e as suas personagens. 
Autor de dezenas de fados famosos, um dos quais "Senhora da Saúde", conhecido normalmente por "Há Festa na Mouraria".
Mereceu figurar na Antologia dos Poetas Modernos Portugueses, organizada por Fernando Pessoa e António Botto. 
Também o grande actor João Villaret não hesitou em incluí-lo em alguns 
recitais de poesia.
Caso curioso é o de Gabriel de Oliveira, apesar da sua extensa produção
nunca se ter inscrito na Sociedade Portuguesa de Autores. 
Deste modo, nunca recebeu quaisquer direitos.”
Daniel Gouveia e Francisco Mendes, Poetas Populares do Fado
Tradicional, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2014.

Amei-te

Gabriel de Oliveira / Alfredo Duarte *marcha do marceneiro"
Repertório de Laurinda Gonçalves

Amei-te cheia de esperança
Veio a dor, foi-se o desejo
Mas as saudades ficaram
Sepultadas na lembrança
Daquele primeiro beijo
Que nossas bocas trocaram

Amei-te meses seguidos
O teu amor fez-me guerra 
Como não fez a ninguém
Tantos castelos erguidos
E tudo tombou por terra
Ao sopro do teu desdém

Amei-te, revendo o pranto
Dos outros que eu desprezava 
Sendo traída por ti
Agora que eu gosto tanto
Daquele que eu não gostava 
Finges tu gostar de mim

Amei-te, tive mau gosto
Esse desgosto contive 
Mas, visto que te esqueci
Foi-se de todo o desgosto
Desse mau gosto que eu tive 
Em gostar tanto de ti

Doença do fado

Gabriel de Oliveira e Linhares Barbosa
Letra transcrita no livro de A. Victor Machado, “Ídolos do Fado” em 1937 
com a indicação de ser da autoria conjunta dos poetas populares 
Linhares Barbosa e Gabriel de Oliveira”, pertencer, ao repertório de 
Alberto Costa e ser cantada na música do Fado Hilário.
Informação retirada do livro *Gabriel de Oliveira* editado pela  
Academia do Fado e da Guitarra*

Quem diz que o fado é doente
Decerto muito se ilude
Quem o Fado canta e sente
Vê-se que sente saúde

Juro por tudo, confesso 
Não vos pretendo enganar
Eu só sinto que adoeço 
Quando não posso cantar

Estive às portas da morte 
E alguém me veio dizer
Canta o fado, faz-te forte 
Cantei, não pude morrer

Tenho azar de quando em quando 
Mas por estranha ironia
Se passo a noite cantando 
Tenho sorte ao outro dia

Se o fado é a melhor festa 
Das festas de Portugal
Não sei que doença é esta 
Que à gente nunca faz mal

Os garotos da Ribeira

Ana Madalena / Pedro Rodrigues
Repertório de Fernando João


Os garotos da Ribeira
São milhafres, são gaivotas
Andorinhas e pardais
Aves que gritam e agitam
E rasgam todas as rotas
Na vida do nosso cais

Alegrias esfarrapadas 
Voando de rua em rua
Na esperança de ver o mar
Sonhando verde navio  
Nas águas do nosso rio
Com asas por alcançar

Cai a noite, eles lá vão  
Em bandos pela cidade
Deixam o cais desolado
Aquelas aves meninos 
Trazem no ar os destinos
A cumprir um triste fado

Quem os vê não os conhece
Já nem sabe decifrar
No rosto, a sua idade
E cada um faz e inventa
Nesta cidade cinzenta 
Um pouco de felicidade

Nunca mais triste

Gonçalo Salgueiro / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Sofia Ferreira


Não há tem nem compasso nesta hora
Em teus braços tudo esqueço ao meu redor
Ao som do nosso amor, a noite chora
E o fado me acontece em tom maior

Trinadas, trago as cordas na garganta
Que ao céu bradam, num corpo de ternura
Ao som do nosso amor, a noite canta
Um fado já despido de amargura

Os fios do meu cabelo são guitarra
E ao toque dos teus dedos ganham vida
Ao do nosso amor, a note amarra
O nosso fado ao seu, amanhecida

Em nós já nada rima com procura
Somos verso que a qualquer tempo resiste
Ao som do nosso amor, a noite jura
Que o fado nunca mais nos será triste

Manifestação

Manuel Fria / Alfredo Marceneiro
Repertório Manuel Fria


Nuvens baixas, altas vozes
Juventude se debate
Na praça da Liberdade
Suas bandeiras levantam
E o riso duma criança
Lutando pela igualdade

Liberdade para os gestos
Porque os caminhos são longos
E os mares não têm fim
Unidos na mesma forma
Venceremos a batalha
Tão difícil e ruim

Somos a voz da razão
De pés assentes no chão
Que renegam injustiça
Pedindo a quem de direito
Que haja ordem e respeito
Pão, sorrisos e justiça

Carta aberta

Cátia de Oliveira / Manuel Graça Pereira
Repertório de Inês Duarte


Faz tempo que não reconheço
Tão densa se mostra a verdade
Vontade de aceitar o preço
Que nos pede a felicidade

E o som da guitarra 
Que cura e amarra
Em mim, a tristeza, no meu ventre
E ao longe a barra 
Escutando a guitarra
Em mim, a chamar-te feito gente

E nem posso chamar-lhe de saudade
A esta dor imensa que me invade
É ter nos dedos a vida escorrendo
E um grande sonho ardendo
Chora o homem na cidade


Faz tempo que só levemente
A alma qu’inda me resta
Se alegra e canta contente
Poemas de um país em festa

Sob o som da guitarra
A fé que se agarra
Paixão ao que o peito mudo sente
Quanto mais as amarras
Mais altas as guitarras
Dirão de que é feita a minha gente

No teu vidro da janela

João Ferreira Rosa / Jaime Santos
Repertório de Nuno da Câmara Pereira


No teu vidro da janela
Eu escrevi, quero-te bem
Tu p’ra mim és uma estrela
Não sonho com mais ninguém

És uma estrela dif’rente 
Daquelas que há no céu
O sol nascente e o poente 
Do que somos tu e eu

Temos o mesmo olhar 
As mesmas mãos inquietas
Acertamos sem falar 
Pensamentos como setas

Há tanto na nossa alma 
Que o teu corpo não descobriu
Há tanto, nada se acalma 
De tão cheio e tão vazio

Meus lábios sangram fado

Gonçalo Salgueiro / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Sofia Ferreira


Já não vejo as madrugadas
Já não sonho o que vivi
Por entre esperanças esmagadas
Atrás de portas trancadas
Eu já nem espero por ti

Nesta morada esquecida 
Só a dor comigo mora
Porque à tua despedida
Eu fechei a porta à vida 
E deitei a chave fora

P’ra não ver a claridade 
Fiz minha cama no chão
São meus lençóis de ansiedade
Almofadas de saudade 
E a tristeza é meu colchão

Resta-me a vida tão pouca 
Neste quarto abandonado
Escrava desta paixão louca
Fecho os olhos, mordo a boca 
E meus lábios sangram fado

O pregão duma florista

Rui Manuel / Alfredo Marceneiro-Pedro Rodrigues-Joaquim Campos
Repertório de Natalino de Jesus


Menor-versículo
O pregão duma florista, no Rossio
Bate à porta dos ouvidos, de quem passa
Depois junta-se ao perfume, que é vadio
E passeia alegremente, pela praça

Pedro Rodrigues 
Quem comprar leva ternura 
Sobre as pétalas garridas
E por dentro da verdura 
Vão sorrisos à mistura
Com palavras atrevidas

Marcha do Marceneiro
Muitas vezes, o amor 
Lança mão a uma flor
Para abrir uma coração
E por isso, a vendedeira 
Põe malícia na maneira
Como solta o seu pregão

Fado rosita
Leve orquídeas, leve rosas
Ou violetas, se prefere
E desfolhe a mais vaidosa
De entre as flores… a mulher

Não sei

Ricardo Maria Louro / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Mónica de Jesus

Não sei porque te espero, eu já não sei
Silêncio é pra mim noturno tempo
Não quero nada amor do que te dei
Deixa que te cante este lamento

Não sei porque te amei, eu já não sei
Maldigo aquele instante em que te vi
Não sei se te sonhei ou te inventei
Só sei que te não tive e que te quis

É tudo tão diferente ao que eu sonhei
Brutal, o teu silêncio é solidão
Não sei porque te amei, eu já não sei
Só sei que já calei meu coração

Aconchegado à minha mãe

Letra e música de José da Câmara
Repertório do autor


O sonho de um vento de amor
As mãos que protejem tão bem
Sentir que acordei p’ra melhor
Aconchegado à minha mãe

A brisa do amor que chegou
O terno sorriso de alguém
Ajuda a sentir o que sou
E ao lado tenho a minha mãe

O escuro da noite é feroz
E o medo aparece também
Mas logo sinto aquela voz
A voz da minha querida mãe

As luas vão rodopiando
O tempo chega mais além
Vivi minha vida de encanto
E ao lado esteve a minha mãe

Conta-me uma história

Nuno Guimarães / Custódio Castelo
Repertório de Mara Pedro


Conta-me uma história 
Conta-me por favor
Fala-me de coisas lindas 
Fala-me também de amor
Ou da lua que adormece
Nos braços de um céu maior

Tenho uma história escondida
Que tu conheces de cor;
Vive em mim quase perdida
Chama-se às vezes querida
Outras vezes de flor


Outras ouvi murmurar 
Que tu eras cetim
De um reino feito a fingir 
Imaginado por mim
Onde tu eras a lua
Fazendo-me historia tua

A hora agora é de perigo

Doutor Azinhal Abelho / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Manuel Fria


Bate a chuva no telhado
Passa o vento no postigo
Que importa que o mundo acabe
Se eu ando de amores contigo

Haja fome, peste, ou guerra
A hora agora é de perigo
Que importa que o mundo acabe
Se eu ando de amores contigo

Já baixou o céu à terra
Raivas rogo, pragas digo
Que importa que o mundo acabe
Se eu ando de amores contigo

Uma pedra dura dura
É dura p’ra teu castigo
Que importa que o mundo acabe
Se eu ando de amores contigo

Na nossa rua

Ricardo Maria Louro / Jaime Santos *fado sevilha*
Repertório de Mónica de Jesus


Meu amor, eu não te vi
Ao passar à minha rua
Nessa rua onde vivi
Bem me lembro, não esqueci
Mas a vida continua

Dessa casa que foi branca 
Nada resta de nós dois
Junto à porta há uma santa 
Um letreiro vem depois
Que tristeza não encanta

Na varanda não há flores 
Nem cortinas nas janelas
A fachada não tem cores 
Nada resta, pobre dela
Da casa dos meus amores

Mas no meu peito continua 
Desse tempo que abalou
A saudade nua e crua 
Que da casa já passou
Mas ficou na nossa rua

Canta meu bem

Cátia de Oliveira / Manuel Graça Pereira
Repertório de Inês Duarte


Por mais que a gente diga
A tudo me calo
Não guardo rancor
Pouco importa amor
Se nem o padre nos aprova
Do meu amor quem sabe?
Sei eu só onde cabe
E é nos braços teus 
Cruzados nos meus
Que o meu amor se renova

Canta comigo
Canta lá este meu fado
Canta meu bem, canta meu bem
Sonho contigo
Sonho ver-te em todo o lado
E a mais ninguém, a mais ninguém


Passo sem dar conversa
Não ouço conselho
O meu pai não quer
Mas venha quem vier
Dizer que este amor não é certo
Quem sabe do que sinto?
Deste amor tão distinto?
Herança que vai,
Bonança que vem
No teu peito sempre perto

Rapariga da estação

Letra e música de Duarte
Repertório do autor


Não sei se tinha chegado
Se porventura partia
Mas tinha um lugar sentado
E reparei no que lia

Cabelos negros caídos 
Longos, lisos, deprimidos
Escodem o decote ousado 
Do seu cinzento vestido

Não consegui dizer nada 
Preferi que fosse assim
Antes só que acompanhada 
Mesmo que seja por mim

Condição de quem resiste 
Abandono, solidão
Tão inspiradora e triste 
Rapariga da estação

Noite da madrugada

Clemente Pereira / Jaime Santos
Repertório de Maria Valejo


Sonhei com a alvorada
Da ventura prometida
Julguei seres a madrugada
E és noite na minha vida


Se o sonho quando começa 
Põe a alma iluminada
Lembrando a tua promessa 
Sonhei com a alvorada

Tanta ventura supus 
Tanta crença tive erguida
Que nos sonhos via a luz 
Da ventura prometida

Ao ver-te pelo caminho 
Duma ternura elevada
Do desejado carinho 
Julguei seres a madrugada

Julguei-te como te via 
Na mih’alma adormecida
Mas ao ver-te à luz do dia 
És noite na minha vida

Sinais de cinza

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


No beco abandonado 
Sem horas que distinga
Com letra que se vinga 
Do sangue atormentado
Vai inscrevendo o fado 
Na trémula restinga
Do corpo macerado
E a pena é uma seringa

Quase em andrajos, nua
No olhar parado voga
Torpor de asas de droga 
Na palidez da sua
Face, de quem se afoga
Chupou-lhe o rosto a lua
Sonâmbula flutua 
E nada aos deuses roga

Tão longe a juventude 
Em cinzas deslembrada
E tão desfigurada
Ajude ou desajude
Já não lhe vale de nada
Mesmo que a sombra mude
Na sombra se degradada 
Sem que anjo algum a escude

Menina e moça assim 
Em casa de seus pais
Criada entre alecrim 
E rosas no jardim
Levaram-na os sinais 
Das luzes irreais
Agora é quase o fim
Que a vida estava a mais

Tu serás

Artur Ribeiro / Pedro Rodrigues “quintilhas*
Repertório de Maria Valejo


Tu serás na minha vida
O passar dos dias meus
Nos teus braços escondida
Bem pequenina e atida
Ao mexer dos lábios teus

Tu serás meu dia a dia 
Sem um dia repetido 
Meu fugir da ventaina
Neste sentir alegria 
Por haver-te conhecido

Tu serás teimosamente 
O meu corpo sem marés
Este meu sentir-me gente
O meu amar loucamente 
Tudo aquilo que tu és

Tu serás, se Deus quiser 
Meu renascer hora a hora
A minha razão de ser
Meu ficar até morrer 
A teu lado, vida fora

De ti

Rosa Lobato Faria / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Luís Manhita


De ti só quero o cheiro dos lilases
E a sedução das coisas que não dizes
De ti só quero os gestos que não fazes
E a tua voz de sombras e matizes

De ti só quero o riso que não ouço
Quando não digo os versos que compus
De ti só quero a veia do pescoço
Vampiro que já sou da tua luz

De ti só quero as rosas amarelas
Que há nos teus olhos cor das ventanias
De ti só quero um sopro nas janelas
Da casa abandonada dos meus dias

De ti só quero o eco do teu nome
E um gosto que não sei de mar e mel
De ti só quero o pão da minha fome
Mendiga que já sou da tua pele

Portugal triste

Letra e música de Lima Brummon
Repertório de Teresa Tarouca


Meu país esperando na esquina do tempo
De braços abertos a todo o momento
Vou seguindo sempre calculando os passos
E se o que criei desfaço e refaço;
Meus olhos despertos abrem-se pró mundo
E eu caio em mim cada vez mais fundo

Meu país perdido na esquina do tempo
Triste Portugal tão pequeno e imenso
Pois eu te garanto país, que este povo
Traz no coração sempre um amor novo

Não quero que pensem que já me perdi
Nem quero que julguem que fujo de mim
Tenho lucidez p’ra poder viver
Eu sou vertical, não me hão-de torcer;
Sempre fui mais forte quando me quiseram
Tornar serva ou fraca e nunca me venceram

Tenho a dimensão do que quero alcançar
E nada que fiz tenho a lamentar
Pois p’ra me encontrar, ainda vos digo
Que nunca vendi meu cantar amigo

Portugal que eu canto 
Deixa a boca amarga
Mas eu estou bem firme 
Não estou derrotada

Toada de Goa

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Com um nó na garganta
Com o sarro de tanta noitada de Lisboa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser o resgate do coração que bate
Descompassado à toa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser uma espuma de já coisa nenhuma
Só lembrança que voa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser o inseguro fogo-fátuo no escuro
Lá no mastro da proa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser este brusco silêncio ao lusco-fusco
Que nas almas ressoa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Entre azul e lilás
Pode ser que o fugaz tempo, que não perdoa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa 

Nesta dura deriva da memória cativa
Que a saudade magoa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Manhã

Castro Infante / Eduardo César
Repertório de Maria Valejo


Era a manhã que se abria nos teus braços
E a promessa que sorria nos teus beijos
Era o mar que se envolvia em teus braços
O sol que ardia em teu corpo de desejos

E fui primavera na tua manhã
Enorme sol do teu corpo quente
Na suavidade azul do teu olhar
Afoguei-me lentamente, lentamente

Renasci no calor dos teus sentidos
Despertei totalmente em tua idade
Acordei a cidade em selvas de gritos
E madrugadas de claridade;
Ai meu amor, meu amor, nesse dia
Fomos só nós em toda a verdade

Ficção e realidade

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Ela cantava o fado e de repente
Fez-se na tasca enorme zaragata
Chegara o seu amante da fragata
E não gostou de ouvi-la tão ardente

E ao ver que os olhos dela se cravavam
Nos olhos de um rufia, devagar
A cena foi de faca e alguidar
Como depois os outros relatavam

Calaram-se o guitarra e o viola
E os mais à meia-luz emudeciam
Pois só passos felinos se mediam
No lampejar riscado a ponta e mola

É quando um deles cambaleia e vence-o
A golfada fatal de sangue e vinho
Tingindo peito, mangas, colarinho
E a quebrar num soluço esse silêncio

Já não há casos destes na cidade
E eu já não sei quem estendeu a mão
Mas num golpe certeiro ao coração
Tornou-se esta ficção realidade

De madrugada em segredo

Jorge Fernando / Popular
Repertório de Nuno da Câmara Pereira


Se acaso eu não voltar cedo
Se acaso vires que eu demoro
Minha mãe, não tenhas medo
É tudo porque eu namoro
De madrugada em segredo
Descansa que eu não te acordo


Vou rondar sua janela
Eu sei que ela vem espreitar
E ao pôr os meus olhos nela
Os dela vou encontrar
E a lua junto à viela
P’ra que eu possa namorar


Se o galo cantar cedinho
Sou eu que venho a chegar
Vou cuidar-me no caminho
P‘ra ninguém de mim falar 
A ti, que me tens carinho
O meu amor vou contar

Fado do recado

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Leva a Lisboa azul quadriculada
Que a Vieira da Silva já pintou
E a última gaivota que riscou
A sua leve luz acidulada

Leva a névoa que cai pela amurada
E a corrente do tejo não lavou
Leva as pedras que o tempo afeiçoou
E a saudade na voz sobressaltada

Leva uma vela branca desfraldada
A que no mar salgado desenhou
Um rumo que dos mapas não constou
E se desfez depois sob a nortada

Leva também a vida amargurada
Que o pobe coração desgovernou
E o recado febril que não chegou
Contando da paixão desesperada

Leva o tempo que foi e não voltou
E levarás contigo tudo e nada

Toca p’ra mim

Matilde Cid / Martinho d’Assunção *fado faia*
Repertório de Matilde Cid


Ligaram-me ainda agora
P’ra jantar fora, p’ra ir ao fado
Fui lá parar por magia
No outro dia vi-te pasmado
Não poderia supor
Que um tal amor surgisse assim
Mas a verdade foi esta
Será que é desta que eu estou afim

Quando estás a meu lado
Ficas calado, tocas p’ra mim
Não é preciso falar
Quando há no ar olhares assim
Só te quero ouvir tocar
E decifrar tua mensagem
Naquele momento és meu
E eu vou ao céu numa viagem


O whisky já foi bebido
Vem o corrido e o triplicado
Quero que toques p’ra mim
E ter-te enfim aqui a meu lado
Não quero cá mais conversa
Pois não me interessa ouvir tua voz
Quero os meus olhos fechar
Imaginar o amor em nós

Reencontro

Matilde Cid / Ricardo Rocha *alexandrino*
Repertório de Matilde Cid


Nós eramos crianças naqueles belos dias
No tempo em que vivias inteira, a liberdade
O tempo não passava, parecia infinito
E tudo era bonito sem ódio nem maldade

Levavas-me ao jardim sem um cruzar de olhares
Voando no vaivém, por vezes lá te rias
Sentia borboletas, soltava gargalhadas
Um pouco envergonhadas, sabia que me querias

Voltei a ver-te há dias, ficaste ali sem jeito
E eu com nó no peito não soube o que senti
Tornei a ser criança ao ver aquele amor
O mesmo antigo ardor e tudo o que eu vivi

Fado da corda bamba

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Dueto de António Pinto Basto com Maria João Quadros


Se você me deixou na corda bamba
E se eu me estatelei mordendo o pó
Não sei se isto é um fado 
Ou se é um samba
Se mantém a toada ou se descamba
Sei que se foi embora e fiquei só;
Não sei se isto é um fado 
Ou se é um samba

Não sei se isto é um fado 
Ou se é um samba;
Se é um fado 
Deixaste-me no Tejo
Se é samba 
Foi no Rio de Janeiro
Duas medidas para um só desejo
Em fado ou samba 
Assim no duplo ensejo
Da mesma língua 
A dar-lhe um só roteiro;
Duas medidas para um só desejo


Duas medidas para um só desejo;
Antes fique eu a meio do caminho
Da nossa vida para recordá-la
Ou mais depressa 
Ou mais devagarinho
Poderei sussurá-la num fadinho
Ou num sambinha doce murmurá-la;
Ou mais depressa 
Ou mais devagarinho

Ou mais depressa 
Ou mais devagarinho;
Se é fado direi “tu” mas imagina
Que se é samba 
Prossigo com “você”
Em qualquer caso nunca desafina
Sujeito e predicado são rotina
De em fado ou samba 
Perguntar porquê;
Em qualquer caso nunca se desafina

Chapéu escuro

Letra e música de Vitorino
Repertório de Nathalie Pires


Foste embora, fecha a porta
Deixaste o quarto vazio
Da tua voz, dos teus passos
Eu agora tão perdida
Fujo da rua onde mora
A má sorte de uma vida

Mas não tenhas a ilusão
Que o quarto vai ficar escuro
De ausência de solidão
Continados e janelas
Abrem-se de para em par
Podes voar, coração

Abrem asas os encontros
Que a vida sempre nos guarda
Ao virar da outra esquina
E não esqueças sobre a colcha
O chapéu escuro que fez sombra
À minha alma de menina

Fado da sereia

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Ela era cantadeira e um caso sério
Rainha sem rival no seu ofício
E já tinha levado só por vício
Três faias e um banqueiro ao cemitério

A voz, despia-a toda se cantava
No arfar do xaile preto e do decote
Tinha a força noturna de um archote
E a raiva e a revolta de uma escrava

Na boca o seu vermelho era sangrento
Nas mãos curvava as unhas como garras
Nas ancas tinha a curva das guitarras
As fúrias no cabelo eram do vento

Os olhos eram de aço se os abria
Cravando-os em incautos corações
E ao serem mais funestas as paixões
Todo o seu corpo branco estremecia

Cantava como o fogo que devasta
As almas e as cidades de repente
Chamavam-lhe “a sereia” toda a gente
E era como a maré quando ela arrasta

Morreu de um desespero de facadas
No peito, nas carótidas, na cara
Deu-lhas alguém que um dia atraiçoara
E preferiu as mãos ensanguentadas

Não vi mulher mais bela em toda a vida
E em forma de mulher, mais tempestade
Nem voz ouvi que fosse mais verdade
Nem verdade a cantar mais incontida

Baixou por sua vez ao cemitério
Rainha sem rival no seu ofício
O que era de contar agora disse-o
Fica por desvendar o seu mistério

Senhora dona piela

César de Oliveira / João de Vasconcelos
Repertório de António Mourão


Senhora dona piela
Só eu e mais ela 
É que é português
Gostamos da noite 
E dum pastelinho
Regado com vinho 
Em baldes de três

Senhora dona piela
Aos tombos mais ela
Batemos o fado
Amiga leal que ensina o caminho
Vai mais um copinho 
Com ela a meu lado

Companheira das antigas
Senhora dona piela
Que também entra nas brigas
Senhora dona piela
A boca sabe-te a mosto
Tu bebes o que eu bebi
Sinto o teu fogo no rosto
Ai como eu gosto 
De passar a noite agarrado a ti
Senhora dona piela
De passar a noite agarrado a ti


Senhora dona piela
Não és sentinela 
Do último copo
Conforto dum homem 
Que quer esquecimento
Viver no momento
É isso que eu topo

Mal a manhã se levanta
Também se levanta 
A dona piela
E salta em silêncio 
Da cama p’ra fora
Depois vai-se embora 
Sem eu dar por ela

Jardins de Portugal

Lima Brummon / Luís Alexandre
Repertório de Teresa Tarouca


Nos jardins de Portugal 
Vão morrendo lentamente
Alegrias dos mais velhos 
Momentos de bem e mal 
No que fizeram e foram
Meditam, perdem seus sonhos

Faces que o tempo marcou 
Nos jardins de Portugal
Vejo passar junto a mim 
E no que a vida os tornou
Homens sombrios de olhar triste
Pressinto um dia o meu fim

Tenho remorso de vê-los 
Nessa enorme solidão
P’los jardins de Portugal 
De nada fazer por eles 
E ter ainda alegria
Para os poder alegrar

Em cada rosto enrugado 
Sinto lembranças de amor
Sofrimento e frustração 
Portugal tão mal amado
Nos bancos dos seus jardina
Sofre em cada coração

A estrela da minha vida

José da Câmara / Raúl Ferrão *fado carriche*
Repertório de José da Câmara com Teresa da Câmara


A estrela da minha vida
Brilhando me viu nascer
E a sua luz foi seguida
Porque era luz a valer

Com ternura e com amor
Seguiu meus passos pequenos
Deu sua paz interior
Aos meus sonhos tão serenos

A sua voz de encantar
Segurando na guitarra
Com a luz do seu olhar
Iluminou a minha estrada

Partilhamos emoções
Era a estrela que sorria
Mesmo nas desilusões
Sua voz era poesia

Sinto-me na escuridão
Não vejo a estrela mais querida
Chora triste o coração
P’la estrela da minha vida

Trovas do meu povo

Lima Brummon / Luís Alexandre
Repertório de Teresa Tarouca


Lá vem num corcel o príncipe real
Vem saber dos favos, vem medir o mel
Vem ver os pastores pastarem o gado
São seus os pastores e é seu todo o prado

Lá vem num cavalo o senhor regedor
Vem ver como cumprem as ordens do rei
Pela terra alheia vem ver lavradores
Vê o que semeiam, vem contar as flores

Lá vem num burrico o senhor abade
Vem pedir prás almas, prás almas salvar
São suas as almas que o povo lhes deu
Partilha por todos a fé que perdeu

Lá vem todo o povo a pé no povoado
De Cristo nos ombros à cruz arrancado
Pois Cristo resiste, não morre entre o povo
Porque em cada um há sempre um Cristo novo

O meu cavalo passeia

Maria Manuel Cid / Custódio Castelo
Repertório de João Pedro


O meu cavalo passeia
Comigo, à beira do mar
Vai ele beijando a areia
E eu vendo o tempo passar 

O meu cavalo não gosta
De rédeas, para correr
Só ele me dá resposta
Só eu o posso entender

O trote do meu cavalo
Pode levá-lo, ao caminhar
A descobrir, vagabundo
Um novo mundo para me dar
É livre como andorinha
Que vai sózinha onde lhe apraz
Eu posso, sempre que queira
Desta maneira viver em paz


As crinas bailam à solta
O vento a bailar com elas
São andorinhas à volta
Das grades dumas janelas
Aberta na estrada viva
Do mundo do sentimento
Canoa vogando à deriva
No mar do meu pensamento

Amigo

Letra e música de José da Câmara
Repertório do autor


À noite eu sentei-me
Olhei p’ra dentro de mim
Pensei e perguntei-me
Que tal a vida assim?

Porque é que estou tão triste 
Se nada vai mal p’ra mim
Mas o mal-estar insiste 
Que tenho eu de ruim?

Será que é por inveja 
De não ter essa coragem
Do teu humor que rega 
A mais bela paisagem

És o primeiro a ver 
Que o sério é banal
Aconteça o que acontecer 
És prova do fundamental

Então eu entendi 
Que tenho uma imensa sorte
Podendo estar ao pé de ti 
Aprendo a ser alguém mais forte

Amigo, eu cá estou 
P’ra tudo o que der e vier
Esta tristeza já passou 
Contigo aprendi a viver

Pobre pátria trigueira

Letra e música de Lima Brummon
Repertório de Teresa Tarouca


Ó pobre pátria trigueira
Dás filhos como dás flores
Nossa Senhora das Dores
A chorar a vida inteira

Dás filhos a todo o mundo
Como um tronco sem raíz
Mãe das mães que perdem tudo
E morrem no seu país

Ó pobre pátria trigueira 
Mãe da dor e da tristeza
Separada pela fronteira 
Da nossa grande pobreza
Com boca que ninguém beija 
E a tua mesa vazia
Longe de quem te deseja 
Envelheces dia a dia

Ó pobre pátria trigueira
Quando abraçarás teus filhos
Que andam p’lo mundo perdidos
A chorar a vida inteira

Lá vão ao sabor das águas
Em barquinhos de papel
Com o mar à pele das mágoas
E ao sol que lhes cresta a pele

Como nasceu o fado

Francisco Rodrigues / Alberto Lopes *fado dois tons*
Repertório de Vicente da Câmara


Se há quem lhe interesse saber
Como é que nasceu o fado
Cantando vou responder
Porque estou bem informado

Ele nasceu, era fatal 
Num certo e tristonho dia
Duma união natural 
Prós lados da Mouraria

Aos nascer logo é fadado 
Co’a tradição por virtude
E batizam-no de fado 
Na Senhora da Saúde

Fez-se adulto, quis sair 
Coisa a que ele não resiste
E foi a Alcácer Quibir 
Mas voltou ‘inda mais triste

Foi nobre e foi plebeu 
É tudo onde a raça impera
P’los dotes que Deus lhe deu 
Foi amado p’la Severa

Mas eu não disse, afinal 
Quem foi a mãe, a meu ver
Ele é filho natural 
Duma guitarra qualquer

Fado da noite do fado

João S. Martins / José Luís Iglésias
Repertório de Fátima Santos


Triste a noite, triste vem
Nos fados que a noite abraçam
Na rua que tanto tem
Na rua que tanto tem
Tristezas que por lá passam

Nas vozes que a noite esconde 
Por muito escuro que faça 
Uma luzinha presença
Uma luzinha presença 
Brilha por trás da vidraça

Vendem-se imagens e luz 
Nas janelas da ilusão
Capa que encobre a tristeza
Capa que encobre a tristeza 
Das noites de solidão 

Nas estrelas que viajam 
Há uma esperança e uma prece
Sonhos das horas que passam
Sonhos das horas que passam 
Enquanto a noite adormece

Estamos aqui

Daniel Gouveia / Armando Machado *fado maria rita*
Repertório de José da Câmara

Amigos, aqui estou eu
Vejam o que aconteceu
Uma história de pasmar
Ainda há pouco era menino
E tive por meu destino
Passar a vida a cantar

Não julguem tudo ser rosas
Pois as rosas são espinhosas
E ferem de quando em vez
Mas no fim, deu tudo certo
Nascem rosas num deserto 
Quando canto p’ra vocês

Pisar o palco é tremer
Medo de tudo esquecer 
Ansiedade, confusão
Mas tenho Deus p’lo meu lado
Eu rezo a cantar o fado 
Porque fado é oração

Trinta anos a cantar
Quantos mais irão passar 
Só o futuro o dirá
Mas sinto-me acompanhado
Amigos, muito obrigado 
Por terem vindo até cá

Pinto auroreal

Letra e música de Edgar Nogueira
Repertório de Catarina Rosa


Eu pinto a noite e o dia
Com as tintas da alvorada
Pinto a dor e a alegria
Com tons de brisa dourada

Meus olhos são duas estrelas 
Que dão mais luz ao meu quadro
Até meu amor ao vê-las 
Ficou logo enamorado

Eu pinto o teu olhar 
Com tintas do arco-íris
Mas só te posso amar 
Meu amor, se não mentires

Eu pinto o sol e a lua 
Eu pinto os peixes e o mar
Ai amor… eu serei tua 
Se tu me quiseres amar

Eu pinto a escuridão 
Com a ponta dum cigarro
Em forma de coração 
Loucamente apaixonado

Eu pinto o tempo que passa 
Com verde meio azulado
Cor de esperança e de graça 
P’ra cantar sempre o meu fado

Eu vi o que tu vias

Aldina Duarte / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Francisco Salvação Barreto


Eu vi naquela noite o que tu vias
No brilho dos teus olhos, quando olhaste
Bem sei que tudo aquilo que dizias
Não era tudo aquilo que mostraste

Promessa revelada, indiscreta
Perdida noutra vida a começar
Fechaste para sempre a porta aberta
Perdemos para sempre aquele olhar

Apenas sede e frio que não se esquece
Deixaste num sorriso quase triste
P’ra mim, tu foste mais do que parece
P’ra ti, eu fui alguém que não existe

Serás da minha noite a madrugada
E o tempo que não esteve ao nosso lado
Promessa duma história mal contada
Paixão que não se apaga neste fado

Vindimeiro

Lima Brummon / Vitor Manuel Rodrigues
Repertório de Teresa Tarouca


Amaduram-se os cachos 
Torna o tempo da vindima
Bagos novos, bagos novos 
Arde-lhes o oiro em cima

Vergam-se as vides pesadas 
Bagos ciosos se animam
Vindimeiro, vindimeiro 
Velho moço em velha vinha

Vindimeiro vindimado
Quem te vindima a ansiedade
Cachos verdes, quem tos dera
Para vindimares a saudade
Tens mais sede de vindima
Do que tem a farta uva
A sede de ser colhida
Se cai a primeira chuva


Como cachos pró lagar 
Saltam os seios às vindimeiras
Bagos cheios, bagos cheios 
De desejo e bebedeiras 

Anda a serpente da terra 
Na dança das parras soltas
Vindimeiras vindimadas 
Rebentam bagos na boca

Regresso

Sophia de Mello Breyner / Lima Brummon
Repertório de Teresa Tarouca


Quem cantará vosso regresso morto
Que lágrimas, que grito hão-de dizer
A desilusão e o peso em vosso corpo
Portugal tão cansado morrer

Portugal tão cansado morrer
Ininterruptamente e devagar
Enquanto o vento vivo vem do mar
Enquanto o vento vivo vem do mar

Quem são os vencedores desta agonia?
Quem os senhores sombrios desta noite
Onde se perde, morre e se desvia
A antiga linha clara e criadora;
A antiga linha clara e criadora
Do nosso rosto voltado para o dia

Amigos, amigos

Ana Vidal / José da Câmara
Repertório de José da Câmara


Amigos amigos que a vida nos deu
São portos de abrigo, a luz do postigo
Em noites de breu
Amigos amigos, os do coração
Se a gente precisa
Despem a camisa sem hesitação


Fizeram a nossa história
Desde os tempos do liceu
Um ou outro se perdeu
Numa esquina da memória

De outros recantos da vida
Outros vieram depois
Sejam vinte, ou sejam dois
São a nossa guarida

Paixões são chamas, não dura
Morrer mais cedo ou mais tarde
Mas uma luz sempre arde
No amigo que perdura

Mulher-amor

Lima Brummon / António Chaínho
Repertório de Teresa Tarouca


Mulher chegada ao sonho adolescente
Botão de esperança num sorriso alegre
Mulher inteira, coração contente
Que guarda com ternura
A última boneca
P’ra quem o amor é coisa pura

Mulher capaz de ter nas mãos serenas
Toda a força do amor que habita em si
E sabe pôr nas coisas mais pequenas
Um gesto de ternura
Mulher igual a mim
Mulher que és mãe, és a mulher mais pura

Mulher que chega à esquina da idade
Carregada dos seus anos doirados
Cada ruga lhe traz uma saudade
E afaga com ternura
Seus cabelos grisalhos
Bebebdo o amor da sua fonte pura

Não digas sorte, diz Deus

João Dias / Joaquim Campos *fado rosita*
Repertório de Vicente da Câmara


Não digas sorte, diz Deus
Não digas fado, diz lida
Junta teus sonhos aos meus
E vamos viver a vida

Diz luto em vez de destino
Diz só hoje e não saudade
Diz humano ao que é divino
Diz justiça à caridade

Em vez de negro, diz luz
À noite exige luar
E nos teus gestos mais nus
Põe a graça de te dar

Foi assim

Diogo Clemente / Valter Rolo e Diogo Clemente 
Repertório de Matilde Cid

Primeiro dei-te as mãos, depois o olhar
Morria de vergonha por te ver
O amor tem destas coisas, faz corar
E eu que sou tão menina, fui mulher

Por tudo o que me dás aqui me tens
Por tudo o que t’espero e sei de ti
Eu vim do mundo longe de onde vens
E vi a vida porque em mim te vi

Como é que foi acontecer assim
Tão certa a minha vida e tão inteira
Que jeitos teve Deus p’ra ver em mim
Alguém que é feito à minha maneira


Chegaste calmamente ao meu lugar
Das coisas que ainda guardo para mim
Como se a vida fosse p’ra te esperar
Chegaste p’ra fazeres morada em mim

Se fomos rendilhados pela sina
De que outros dizer ser um grande amor
Que saibam que é só ele que domina
E que nos leva a vida p’ra onde for

Nosso fado

Maria Teresa de Noronha / Popular
Repertório de Maria Teresa de Noronha


Queria deixar de pensar
Em quem não posso esquecer
É tão grande a minha luta
Sempre a pensar sem o querer

Não queiras prender de novo
Os laços que o tempo solta
Amor que foi, já não é
Amor que foi, já não volta

Há muito que ando a pensar
Sem nunca compreender
Porque foi que te encontrei
Se tinha de te perder

Não julgues p’las gargalhadas
Alegrias de ninguém
Que às vezes elas encobrem
Tristezas que a gente tem

Lenços de Portugal

Teresa Nunes / Hermano da Camara 
Repertório de José Luís

O lenço tem a magia 
De tornar a mulher bela
Até a Virgem Maria 
O trazia ao peito dela

Eu sinto um prazer imenso
Em trazer a vida presa
Aos quatro pontas do lenço
Duma mulher portuguesa


Tendo um coração bordado 
O lenço lembra o carinho
Que há no dia de noivado 
Duma cachopa do Minho

Dá um ar afadistado 
O lenço posto com graça
Dum colorido engraçado 
Que há no lenço de Alcobaça

O lenço que marca a vida 
Duma alma torturada
Acena na despedida 
Enxuga o pranto à chegada

Quem sabe um dia

Paulo Abreu Lima / Eduardo Espinho
Repertório de Buba Espinho


Minha saudade deita-se tarde se tu não vens
E acorda cedo com esse medo de não voltares
Contigo assim perto de mim o mundo existe
Mas se não vens eu vou ao fundo e fico triste

O tempo tarda e tudo é nada longe de ti
E ao ver-te o beijo, morde o desejo de estares aqui
Quem sabe um dia, a fantasia da minha dor
Seja a alegria da eterna noite e muito amor

A lua sempre foi um sol de encanto
Que aquece as madrugadas do meu pranto
E faz da luz o dia com que canto
As mágoas com que caio e me levanto

Deixa-o lá

Natália dos Anjos / Joaquim Campos *fado amora*
Repertório de Maria Valejo


Quando ontem a porta abriste
E ao saíres de repelão
Nem sabes como feriste
O meu pobre coração 

Meu coração que se ofende 
Com esse alguém que o tortura
Ou é parvo ou não entende 
Que adoece não tem cura

Já te pedi que tivesses 
Mais calma no teu bater
Coração, não me obedeces 
Acabas por me perder

Coração, tu és um louco 
Deixa-o fazer o que quer
Bates muito, vivo pouco
E eu preciso de viver

Os beijos que ela me deu

Armando Costa / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Gil Costa


Deu-me tudo o que a vida tem de belo
Amor, dinheiro a rodos, alegria
Vivemos longo tempo num castelo
De sonho, de prazer e de magia

Pôs o mundo a meus pés, e a chorar
Pediu que eu aceitasse o corpo dela
Cheguei a ser o rei desse lugar
Dono dessa mulher formosa e bela

Deu-me os lábios de fogo em noites calmas
Entre beijos selvagens, delirantes
Eram como uma só as nossas almas
Unidas, sequiosas e amantes

Um dia ela abalou, e a saudade
Aos poucos foi morrendo, notem bem
Mas nunca me chegou a dar metade
Dos beijos que me deu a minha mãe

Sou Maria de Lisboa

Letra e música de Pedro Vilar
Repertório de Ciça Marinho


Dizem que sou atrevida
Mas é da vida que por mim passa
Trago na boca um pregão
Dum coração cheio de raça

Vaguendo p’las vielas
Em todas elas deixo o meu canto
Faço da noite meu dia
Espalho alegria por onde ando

Sou Maria de Lisboa
Cantando na proa 
Num barco que passa
Sou Maria na avenida
Vou cantando a vida 
O amor e a desgraça
Canto a Lisboa da noite
Onde as almas se perdem
Canto o fado das vielas
E em todas elas 
Me vejo e revejo

Testamento

Júlio Vieitas / Raúl Pinto
Repertório de Fernando João


Fadistas, quando eu morrer
Vou deixar em testamento
Uma guitarra a vocês
P’ra com ela se faz
er
O mais belo monumento
Ao coração português

Quero à minha cebeceira
A guitarra, a companheira 
Que tanto tenho amado
E vós, fadistas de fama
Sentados na minha cama 
Cantai-me baixinho um fado

Eu quero ao morrer, senti-lo
Sou fadista e sendo assim 
Hei-de morrer com o fado
Pode ser que a morte ao ouvi-lo
Tenha até pena de mim 
E espere mais um bocado

É cantando

Letra e música de Maria Durão
Repertório de Matilde Cid


É cantando 
Que te abraço, que me tens
É cantando 
Que te falo bem de dentro
E é cantando 
Que me fazes querer entrar
Foi cantando 
Que me quiseste acordar

Mas é chorando 
Que o coração te vê
E é caindo 
Que te estendo a mão
E é sofrendo 
Que a gente aprende a ser
Todo teu, todo teu

Passarinho da Ribeira

Armando Costa / Popular *fado mouraria*
Repertório de Gil Costa


Passarinho da Ribeira
Emudece o teu cantar
Porque morreu a moleira
Mais bonita do lugar


Deixou de cantar a fonte 
Quedou-se o labor, não vês?
O velhinho camponês 
Há muito desceu o monte;
Ao longe, no horizonte 
Andam lábios a rezar
Só tu, louco sem pensar
Gorjeias dessa maneira
Passarinho da Ribeira
Emudece o teu cantar


O rouxinol no choupal 
Não faz ouvir sua voz
Preso também como nós 
A esta dor sem igual;
A toutinegra real 
Anda de luto a chorar
Pára também de cantar 
Nesta hora derradeira
Porque morreu a moleira
Mais bonita do lugar

Doméstica solidão

Duarte / José António Sabrosa 
Repertório de Duarte


Doméstica solidão
Condição dos mal-amados
As crianças onde estão?
Não as vejo em nenhum lado

Mar de voz que anda perdida
Rio de tormenta calada
Eu sou dum amor sem vida
Sou porta quase fechada

Descrença frágil e fria
Por ventura bem fadada
Sou qualquer coisa vazia
Qualquer coisa sem mais nada

Doméstica solidão
Condição dos mal-amados
Atiraste ao coração
Quando ao meu; passou-lhe ao lado

Olhar puro

Matilde Cid / Raúl Pinto
Repertório de Matilde Cid


Olho p’ra ti não me vês
Meu amor, não sei quem és
Foste p’ra mim a verdade
Não sabes que um olhar
Por mais que nos queira amar
Não tem essa liberdade

Chegou o frio do inverno 
Foi-se embora o calor terno
Vejo o nosso amor cansado
E a chuva que caía 
Era o amor que fugia
Mesmo tendo-te a meu lado

Na pureza de um olhar 
É impossível negar 
O que sente um coração
Meu amor, olha p’ra mim 
Porque eu quero, mesmo assim
Ver teus olhos dizer não

Pescador do mar gigante

Armando Costa / Joaquim Campos *alexandrino*
Repertório de Gil Costa


Desembarcou na foz do mar das tempestades
E trazia no corpo o cheiro o maresia
Sentou-se ao pé de mim, e p’ra matar saudades
Ficou ouvindo o fado até romper o dia

Partira novo ainda, em busca de riqueza
Correu terras sem fim e nada amealhou
Voltou à sua aldeia, e p’ra maior tristeza
Não encontrou a mãe que outrora cá deixou

Depois de tudo ouvir, tornei-me seu amigo
E já sobre a manhã, à luz tosca da vela
Cantei com sentimento aquele fado antigo
O doce amor de mãe que foi a nossa estrela

E o velho pescador que tinha a voz do mar
E sabia de cor o jeito das nortadas
Chorou a sua sorte, e o pranto a deslizar
Tinha o brilho e a cor das ondas rendilhadas

Que amor não me engana

Letra e música de José Afonso 
Repertório de Vânia Duarte

Que amor não me engana com a sua brandura
Se da antiga chama mal vive a amargura
Numa mancha negra, numa pedra fria
Que amor não se entrega na noite vazia

As vozes embargam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito
Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira


Em novas coutadas, junto de uma hera
Nascem flores vermelhas pela primavera
Assim tu souberas, irmã cotovia
Dizer-me se esperas o nascer do dia

Mordi a tua mão

Duarte / Alfredo Duarte *fado cuf*
Repertório de Duarte


Mordi a tua mão, depois morri
Caí sobre o teu corpo inanimado
Que importa se estou preso ou se prendi
Quem morre assim, não tem que ser julgado

Mordi a tua mão, depois morri
Passei por um lugar que não tem nome
Que fica muito além do que sofri
Maior que a dor, que o mar, maior que a fome

Mordi a tua mão, depois morri
Deixei-me ali ficar de olhos fechados
Ainda perguntei: tu estás aqui?
Depois dormi nos braços arranhados

A Hermínia canta yé yé

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de Hermínia Silva


Juro que não estou à rasca
Pois mesmo assim é que é
Cá a Hermínia é moderna
Também canta yé yé

Com versos que estão na moda
Que ninguém entende nada
E que eu não quero entender
Para não ficar chalada

Yé yé yé yé Yé yé yé yé 
Yé yé yé yé Yé yé yé yé 
Assim sem versos 
Aos gritos é que é
Yé yé yé yé Yé yé yé yé
Yé yé yé yé Yé yé yé yé 
É rapaziada, assim é que é 
O que é preciso 
É fazer banzé
Yé yé yé yé Yé yé yé yé 
Yé yé yé yé Yé yé yé yé 

Sou moderna e bem moderna
Té dei sopa na ginjinha
Só bebo o Body Mary
E depois fico à rasquinha

Eu já uso mini-saia
De pequenino tamanho
P’ra ser ‘inda mais moderna
Vou deixar de tomar banho

A ceia de Alcochete

Maria Manuel Cid / Alberto Costa *fado dois tons*
Repertório de António de Noronha

Encostado na boleia
Da minha velha charrete
Fui a trote para a ceia
Do Morgado de Alcochete

O branco luar brilhava 
Nas folhas dos olivais
E o meu cavalo saltava 
Da negrura dos varais

Apertei os alamares 
Aconcheguei a samarra
E fui lembrando os cantares 
Que me ensinou a guitarra

Chegado que fui à porta 
Corri a cantar o fado
E voltei já noite morta 
Farto de vinho e cansado

Foi a custo que saltei 
P'rá minha velha charrete
E a passo que voltei 
Do palácio de Alcochete

O beijo

Alexandre O’Neill / Paulo Ribeiro
Repertório de Inês Duarte


Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo
Querela de aves, pios, escarcéu
Ainda palpitante voa um beijo

Donde teria vindo! não é meu
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha, colorida
Vai batendo como a própria vida
Um coração vermelho pelo ar

E é a força sem fim de duas boca
De duas bocas que se juntam, loucas
De inveja as gaivotas a gritar

Dizem

Duarte / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Duarte


Dizem que nunca te amei
Que fui sempre um *bon vivant*
E que vou ser sempre assim
Também dizem que sou gay
Que durmo em qualquer divã
Quando a noite chega ao fim

Dizem que não te mereço
Que p’ra mim tudo tem preço
Sou ooferta e oferecido
Dizem que eu ando à mercê
Que não sou o que se vê
Bandido e caso perdido

Dizem que fui e não vou
Dizem que estive e não estou
Mas que devia ter ido
Também dizem, quando estou
Que o dia bom já passou
Não sou tido nem ouvido

Dizem uns, que outros não dizem
Porque não querem saber
Do tanto que há por dizer
Dos tantos que tanto dizem
Nada sabem do que dizem
E mais nada vão saber

Um pedido ao Pai Natal

Armando Costa / António Moreira (ou?) Paco Gonzalez 
Repertório de Armando Costa


Ó Pai Natal de barbas cor do linho
Meu pai Natal dos tempos de criança
Eu vou pôr esta noite o sapatinho
Na minha chaminé de luz e esperança

E como outrora fiz, vou-te pedir
Mas desta vez não é um carrocel 
Um palhaço de seda ou de papel
O meu desejo é outro, vais ouvir

Aonde houver tisteza, fome e guerra
Acode aquela gente, a dor é tanta
E leva a cada pobre que há na terra
A paz que vem do céu, humilde e santa

Mas antes de seguires o teu caminho
E te perderes lá longe na distãncia
Deixa ficar no velho sapatinho
Um beijo a recordar a minha infãncia

Pétalas soltas

Elsa Laboreiro / António Neto
Repertório de Elsa Laboreiro


São como pétalas soltas
Os fados que canto
Os versos que digo
Mais do que amor, são revoltas
São risos de pranto 
Que trago comigo

São como velas ao vento
Tantas noites luas 
Tantos sóis manhãs
Mais do que um simples lamento
São saudades tuas
São saudades tuas

Eu dou-te a minha mão, o meu sorriso
E beijo o teu olhar e oiço a tua voz
Para estar junto de ti só é preciso
Imaginar que nunca estamos sós

São como pétalas soltas
Os fados que canto
Os versos que digo
Porque será que não voltas
Se por ti eu chamo
Meu amor amigo

São como velas ao vento
Que vão pelo mar fora
Dentro do meu ser
Vives no meu pensamento
Não te foste embora
Não te foste embora