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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.310' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Novo mar

Fernando Gomes / Valter Rolo
Repertório de Catarina Rocha 

Meu amor foi marinheiro 
Navegou de lés a lés
Enfrentou o mar inteiro 
Ventos e marés

Mas um dia desistiu
De embarcar no mar 
De tanta perdição
E o seu navio só cruza agora 
O meu coração

Meu amor audaz e forte 
Resistiu aos temporais
E nunca perdeu o norte 
Chegou sempre ao cais

Meu amor correu o mundo
Até esteve em muitas 
Terras de ninguém
Foi vagabundo
Mas já não vive nesse vai e vem

Mil e uma histórias 
Que ele tem p’ra me contar
E eu dou-lhe memórias 
Do futuro, eu sou seu novo mar

Meu amor foi marinheiro 
Navegou de sol a sol
Enfrentou o mar inteiro 
Sem qualquer farol

Ele em cada noite escura
Inventava tantos raios de luar
E agora jura
Sou o seu rumo e o seu novo mar

Mantém-se a miragem 
E o prazer de navegar
Mas nesta viagem
Eu sou seu rumo 
Eu sou seu novo mar

A mulher-vento

Letra e música de Carminho
Repertório da autora

A mulher-vento
É ela que canta o vento
Vem em forma de lamento
Povoar a solidão
Seu movimento 
Traz à terra um alento
De que o mundo está sedento
Do sopro do coração

Pelas arestas
Canta por todas as frestas
E nas folhas das florestas
Que buscam a luz solar
Vive escondida
É princesa prometida
Mas por karma está contida
No destino precioso de cantar

Canta nas velas
Nas marés das caravelas
E nos recados daquelas
Que esperam p’ra lá do mar
É prisioneira 
De cantar a noite inteira
E de acender a fogueira
Que aquece a noite ao luar

E assim cantando 
A mulher-vento vai dando
Um sentido claro e brando
À sua vida entregar
E se eu disser 
Que ousaria escolher
O vento desta mulher
Que nasceu para cantar

Nuvens correndo num rio

Natália Correia / Valter Rolo
Repertório de Inês Duarte

Nuvens correndo num rio
Quem sabe onde vão parar
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar

Vais por caminhos de bruma 
Que são caminhos de olvido
Não queiras, ó meu navio 
Ser um navio perdido

Não corras ó meu navio 
Navega mais devagar
Que nuvens correndo em rio 
Quem sabe onde vão parar

Que este destino em que venho 
E uma troça tão triste
Um navio que não tenho 
Num rio que não existe 

Sonhos içados ao vento 
Querem estrelas varejar
Velas do meu pensamento 
Aonde me quereis levar

Há samba nas colinas de Lisboa

Paulo Abreu Lima / Mingo Rangel
Repertório de Carla Pires

Há samba nas colinas de Lisboa
Que lembram qualquer morro do Brasil
Ladeiras de varinas quase à toa
Com peixe na canastra e sonhos mil

Há fado com cheirinho a Madragoa
No Rio deste nosso carnaval
Baianas que desfilam pelo Chile
Das praças que confundem Portugal

Mistura de perfumes e compassos
Na senda das conquistas e bandeiras
Com pedras da calçada e dos abraços
Que fundem o limite das fronteiras

Há sonhos que trespassam o azul
No ventre que ressaca as bebedeiras
E nortes que derivam para o sul
No branco que deserta das trincheiras

Mulato este meu Rio de Lisboa
No ventre do teu Rio de Janeiro
É samba que renasce a Madragoa
No fado que se casa por inteiro 

Fado do candeeiro

Amadeu do Vale / João Nobre
Repertório de Fernanda Baptista
Fado da Revista *O Trunfo é Espadas*

O amor que eu não supunha 
Ser-me um dia traiçoeiro
Foi a melhor testemunha 
Este humilde candeeiro

Sua luz viu que ceguei 
Por quem de amor me falara
E quando dele me apartei 
Foi então que reparei
Que há muito a luz se apagara

Companheiro amigo 
Do tempo passado
Da janela aberta
Da rua deserta
E o  amor a meu lado
Não, não o condenes 
Porque me perdeu
As mágoas consomem
Mas ele era um homem
E a louca fui eu

Mas em breve a luz escassa 
Deste humilde candeeiro
Iluminou a desgraça 
Do meu amor traiçoeiro

Dele em mim nada ficou 
Nem sei que ideia era a sua
Entre nós tudo acabou 
Tal qual a luz se apagou
No candeeiro da rua

Hoje ainda penso 
Que essa luz existe
P’ra na noite escura 
Viver a amargura
Deste amor tão triste
Mas só vejo a sombra 
Dum vulto e mais nada
Sombra fugidia 
Daquele que um dia
Me fez desgraçada 

Desencontrados

Catarina Rocha / Alberto Simões da Costa *fado dois tons*
Repertório da autora

Não quero que me prometas
A lua e o firmamento
Quero apenas que me digas
Que me tens no pensamento

Somos como a lua e o sol 
Andamos desencontrados
Brilhamos um para o outro 
Ambos de olhos vendados

Dizem-nos que loucos são 
Os amores loucos sem fim
Eu brilho na tua noite 
E o teu dia brilha em mim

As mais belas melodias 
Foram feitas ao luar
Nas ondas que se agigantam 
Na imensidão do mar 

Dentro de mim, Lisboa

Fernando Gomes dos Santos / Valter Rolo
Repertório de Inês Duarte c/ Carlos do Carmo

Cai a tarde no meu olhar 
Pouco a pouco soltas a luz
Essa luz que é o meu ar 
Que respiro e me atordoa
Trago-te dentro de mim, Lisboa

Corre o Tejo nas minhas veias 
Há varinas na minha voz
Sou o corpo em que semeias 
O fado que te povoa
Trago-te dentro de mim 
Nos meus sentidos, Lisboa

Ai, quanta vida por sonhar
Ai, quanto sonho por viver aqui
Minha cidade de encantar
Eu nada sou sem ti

Em Alfama sou maresia 
No Castelo recebo a Graça
De alma presa à Mouraria 
Sou pregão da Madragoa
Trago-te dentro de mim, Lisboa

Nas vielas escondidas 
Acorrento-me à saudade
Mas as tuas avenidas 
São da minha liberdade

Cidade bela do fado

David Mourão Ferreira / Mário Pacheco
Repertório de Carla Pires

Era a cidade serena
Ou o tempo desolado
Era o cansaço, era o fado
Fosse o que fosse, era pena
A vida ter-me deixado longe de ti
Na serena cidade triste do fado

Ai tardes de Primavera
Ai tardes de Verão precoce
A voz do vento calou-se
E o que eu ouvia não era
Não era vento, era o doce
Murmúrio da Primavera
Doçura do Verão precoce

Bela cidade serena
Longe o tempo desolado
Perto, só tu, a meu lado
Lírica barca pequena
Que a vida enfim há deixado 
Junto de mim, na serena
Cidade bela do fado

Sombras do passado

Ana Sofia Paiva / Frederico Pereira
Repertório de Gisela João

Venham sombras do passado
Venha tudo o que eu te dei
Venha a seiva do pecado
Venha o mal que eu rejeitei
Venham sombras do passado 

Venham crimes de saudade
Pesadelos de amargura
Venham sismos à cidade
Desatar esta loucura

Venham sonhos e promessas
Ocupar o que foi teu
Venha o dia em que tropeças
Neste amor que já morreu;
Venham sonhos e promessas

Venha vento, venha frio
A mais negra solidão
Venha a dor do teu vazio
Implorar o meu perdão

Volta ao mundo

Cátia Oliveira / Catarina Rocha
Repertório de Catarina Rocha

Fui de viagem 
Para me esquecer de ti
Porque de mim já me esquecera
E nem vi
Mas não havia rua, praça, nem jardim
Que não trouxesse a tua imagem
Ai de mim

Cheguei a ver-te noutro mundo
Outro lugar
Aonde não havia nada 
P’ra esperar
Nos mares longe
Onde não tinha mais ninguém
Dentro de mim 
Ouvi a tua voz também

Em todo o lado, meu amor
Toda a viagem, meu amor
Trago no peito a tua imagem 
Junto a mim
Vivo em saudade meu amor
E tudo diz ao meu redor
Que a nossa história não 
É feita deste fim
Mas no regresso volto à vida
E tu não estás... para mim

Fica-te mesmo a matar

Fernando Peres / Jaime Santos *fado jaime*
Repertório de Manuel Dias

Fica-te mesmo a matar
Esse teu ar de fatalismo
Que me pretende enganar
Com seu olhar, com seu cinismo
Procura ser natural
Porque afinal tudo tem fim
Tu já me enganaste um dia
Eu não sabia, não és p’ra mim

Teus olhos nariz e boca
Que coisa louca, que coisa bela
De cinturinha afinada
Bem torneada, duma donzela
Teu andar tem tal recorte
Que é bem o porte, que me enganou
Cinzas dum amor passado
Bem acabado, mas que findou

Quero sonhar com tua imagem
Tua beleza e tua voz
Quero sonhar co’a incerteza
Do grande amor que houve entre nós
Quero esquecer o segredo
Que me faz medo, lembra traição
Pagas um dia o tributo
É esse o fruto dessa ilusão 

Nós juramos tantas coisas, tantas vezes

Duarte / Alfredo Duarte *menor-versículo*
Repertório do autor / Participação de Albano Jerónimo

Nós jurámos tantas coisas tantas vezes
Que entretanto sem sabermos bem porquê
Lá nos fomos arrastando por uns meses
Decididos a fingir que ninguém vê

Mas doeu-me a vida toda nesse dia
Logo a mim, que nunca fui de dramatismo
Eu confesso que no fundo ainda sentia
Ser capaz de fazer frente ao nosso abismo

Foi tão frágil esta nossa despedida
Foram tantas as desculpas que inventamos
Muito embora já saibamos que à partida
A nossa vida não acaba se acabarmos

Estrofe declamada por Albano Jerónimo
Já que falas nesse assunto, eu julgo ter
Ao contrário do que dizes, um senão
Se nunca disse, foi só porque dizer
É quase nada do que diz meu coração 

Só por cantar

Fernando Gomes dos Santos / Valter Rolo
Repertório de Inês Duarte

Canto feliz um país que já navegou
Canto a raiz em que o meu canto acordou
Trago na voz trovas de um povo
Sigo veloz o som de um canto sempre novo

Canto o valor da minha gente, com paixão
Canto de cor todos os cantos deste chão
Canto ao despertar, canto p’ra respirar
E canto só por cantar

Canto o amor que ateia o sonho de viver
Canto o fervor desta vontade de vencer
Solto sem medo rimas inquietas
E mato a sede com as palavras dos poetas

Canto de pé os que ficaram para trás
Canto com fé quem acredita que é capaz
Canto de par em par, canto em qualquer lugar
E canto só por cantar 

Nos rios dessa boca

Paulo Abreu Lima / António Zambujo
Repertório de Carla Pires

Nos rios dessa boca por beber
Eu gosto de poder imaginar
Que existe uma razão p’ra te querer
Tal qual esta certeza de te amar

A vida tem caminhos por aí
Com pedras dos amores por conquistar
Quem sabe nos destinos que há em ti
Eu seja o que me juras a sonhar

Aquele amor que procuras
Como se fosse prá vida
Sem mais promessas e juras
Ou qualquer contrapartida
Amar só tem que saber
Quem nunca teve p’ra dar
À espera de receber
O que não pude comprar


De ti eu quero o tempo de te ter
E mais do que depois me possas dar
Na boca onde me deste de beber
Sabores que ninguém ousa imaginar

Quadras soltas

António Pires Moliceiro / Francisco Viana
Repertório de Rodrigo

Sou feliz nos meus abraços
Milionário de alegrias
Correm-me os filhos nos braços
Nem que traga as mãos vazias

A mais ardente verdade
Que nos pode destruir
É sentir-se a felicidade
E ter de a deixar fugir

Minha tristeza tem cor
Mas não sei qual ela seja
Porque os matizes da dor
Não são coisa que se veja

Quem muito ou pouco ofertar
Fere sempre a gente má
Vale mais o jeito de dar
Que aquilo que a gente dá 

Se Lisboa sonhasse

Letra e música de José Manuel Coelho
Repertório de Carla Pires

Lisboa tem amarras de ciúme
O seu corpo é como lume
Arde na pele sem se ver
E cada bairro antigo é um abraço
De solidão e cansaço
No viver dessa mulher

Lisboa é uma história sem idade
Traz no ventre a liberdade
E um verso no olhar
Lisboa é esse bairro sempre novo
É a história desse povo
Que se fez um dia ao mar

Se Lisboa sonhasse
Eu sonhava com ela
Enfeitava a saudade
Punha um cravo à janela
No olhar da cidade 
Eu plantava um jardim
Se Lisboa sonhasse
O seu sonho era assim

Lisboa é um grito de gaivota
Uma varina na lota
Um adeus sempre a chegar
Lisboa abraça o mar numa canoa
E à noite a Madragoa
Corre a cidade a cantar 

Fado da desistência

Hélia Correia / António Chaínho
Repertório de Filipa Pais

Não me descubras os olhos
Não mos queiras desvendar
Toda a cor lhes fugiu 
Desde que os recobriu
A sombra que saiu 
Da luz do teu olhar
Não vás chamá-los mais
Que eles já não olham para trás
Não vás, deixa-os em paz
Deixa-os cegar

Não levantes a minh’alma
Não lhe tornes a pegar
Longe de mim voou 
E em cinzas regressou
Depois que se queimou 
Na luz do teu olhar
Não vás tocar-lhe mais
Que em pó e nada se desfaz
Não vás deixa-a em paz
Deixa-a deitar

Não me acordes os sentidos
Que eles não te podem escutar
Beberam do licor 
Da venenosa flor
Criada ao desamor 
Da luz do teu olhar
Não vás falar-lhes mais 
Que eles já não estão entre os mortais
Não vás, deixa-os em paz
Deixa acabar

Se não vieres veloz

Valter Hugo Mãe / Fontes Rocha *lavava no rio*
Repertório de Eliana Castro

Amor… vem ver-me agora
Por Deus, não vás embora
Deixo o tempo, deixo a vida
Choro e todo o mundo chora
Sem ti aqui esquecida
Será esta a minha hora

Sei dos pássaros em redor
A casa chilreia de asas 
Se são anjos do Senhor
Se é voando que vou
Vem despedir-te em pressas 
Que da morte ninguém voltou

Ou então não me deixes morrer
Vem agora para sempre 
Tanto quanto o amor quer
Quanto te quero sem fim
Como Deus dentro de mim 
Coração eterno a crescer

Amor… vem ver-me agora
Que a saudade me mata 
Ai, se não vieres veloz
Tenho a morte, será exata
Ou guardo teu nome na voz 
E cantando espero que parta

Aqui

Carla Pires / Alfredo Marceneiro *menor-versículo*
Repertório da autora 

Aqui estou eu a teus pés, mais uma vez 
Debruçada na janela onde te encontro
Mesmo sem te olhar nos olhos, eu já sinto
O teu cheiro em cada esquina, quando dormes

Ouço-te em cada recanto, cada beco
Cada rua pequenina onde procuro
Como se o tempo que é tempo já não ande
Passe apenas sem parar, num desatino

Busco sempre cheiros que de ti me lembrem
Quando à noite me debruço na janela
És a cidade que canto, se estou longe
És Lisboa e de todas, a mais bela

Quando parto, parto sempre com a certeza
Que um dia voltarei p’ra te abraçar
Sei que tu não és só minha, mas porém
Será sempre para ti que vou voltar 

Quero um cavalo

Reinaldo Ferreira / Frei Hermano da Câmara
Repertório de Frei Hermano da Câmara

Quero um cavalo de várias cores
Quero-o depressa, que vou partir
Esperam-me prados com tantas flores
Que só cavalos de várias cores
Podem servir

Quero uma sela feita de restos
D’alguma nuvem que ande no céu
Quero-a evasiva, nimbos e cerros
Sobre os valados, sobre os aterros
Que o mundo é meu

Quero que as rédeas façam prodígios
Voa cavalo, galopa mais
Trepa às camadas do céu sem fundo
Rumo áquele ponto, exterior ao mundo
P’ra onde tendem as catedrais

Deixem que eu parta, agora, já
Antes que murchem todas as flores
Tenho a loucura, sei o caminho
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores 

Poeta

Letra e música de Carminho
Repertório da autora

Quem escreve suas canções
Dizendo aquilo que sente
Faz crescer os corações
Emoções como semente


Sementes que deixam tal 
Que inspiram os passarinhos
A construir os seus ninhos 
À beira do vendaval
E numa confiança igual 
De entre as suas devoções
O poeta em orações 
Escreve os poemas e fados
Ilumina os mais cansados
Quem escreve suas canções

Dá-nos saber e coragem 
E é inspirado pela sorte
De uma tal singela arte 
Que só o talento tem
Escreve poemas porém 
Na tentativa demente
De dizer a toda a gente 
As emoções que não teve
Segue mentindo quem escreve
Dizendo aquilo que sente

Pois esta sabedoria 
Torna-o assim imortal
Dá-lhe coragem igual 
À do herói d’alagoria
Vive numa fantasia 
O poeta nas canções
Leva a todos emoções 
Dá imagens a beber
Ilumina, dá saber
Faz crescer os corações

Agora entendo a canção 
Que ouvi uma vida inteira
Com a tua sementeira 
Cresceu o meu coração
E nas noites ao serão 
Ouvi cantar tanta gente
Desta forma comovente 
Para entender que o amor
Cresce assim como a flor
Emoções como semente

Emboscadas

Letra e música de Sérgio Godinho
Repertório de Camané

Foste como quem me armasse 
Uma emboscada
Ao sentir-me desatento 
Dando aquilo em que me dei
Foste como quem me urdisse 
Uma cilada
Vi-me com tão pouca coisa 
Depois do que tanto amei

Resgatei o teu sorriso
Quatro vezes foi preciso 
Por não precisares de mim
E depois, quando dormias
Fiz de conta que fugias 
E que eu não ficava assim
Nesta dor em que me vejo
 De nos ver quase no fim

Foste como quem lançasse 
As armadilhas
Que se lançam aos amantes 
Quando amar foi coisa em vão
Foste como quem vestisse 
As mascarilhas
Dos embustes que se tramam 
Ao cair da escuridão

Resgatei o teu carinho
Quatro vezes fiz o ninho 
Num beiral do teu jardim
E depois, já em cuidado
Vi no espelho do passado 
A tua imagem de mim
E esta dor em que me vejo
De nos ver quase no fim

Foste como quem cumprisse 
Uma vingança
Que guardavas às escuras 
Esperando a sua vez
Foste como quem me desse 
Uma bonança
Fraquejando à tempestade 
De tão frágil que se fez

Resgatei o teu ciúme
Quatro vezes deitei lume 
Ao teu corpo de marfim:
E depois, como uma espada
Pousei na terra queimada 
O meu ramo de alecrim
E esta dor em que me vejo
De nos ver quase no fim

Foste como quem me armasse 
Uma emboscada
Foste como quem me urdisse 
Uma cilada 

Quarto de hotel

Gonçalo Salgueiro / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Carlos da Maia

Meu amor é quarto antigo
Onde vivo por castigo
Na rua que não te esquece
Meu amor é quarto de hotel
Decorado a mágoa e fel
Onde nada permanece

Meu amor é quarto fechado
Em beco escuro, isolado 
Por onde já ninguém passa
Não é quarto nem é cela
Tem uma pequena janela 
Com vista para a desgraça

Nesta rua sem sentido
Todo o amor é proibido 
E a saudade nunca dorme
Neste quarto, a solidão
Arrancou meu coração 
Mas não levou o teu nome

Meu amor é quarto frio
De albergar o teu vazio 
Sempre de porta trancada
Teu regresso quem me dera
Fico aqui à tua espera 
Meu amor, no quarto nada

Fado das sombras

Aníbal Nazaré / João Nobre
Repertório de Fernanda Baptista
Fado da Revista "Cala o Bico"

Uma sombra, um lamento
Recordação dum tormento
Que eu peço a Deus p’ra esquecer
P’ra que o mundo me não tente
Eu só queria eternamente
Estar na sombra até morrer

Sombras que são 
Ansiedade que voltou
Sombras que a luz 
Da saudade me deixou
Sombras rolando
Bailando, perdidas, fugidas
Num estranho cavalgar
Sombras que passam 
Mas tornam a voltar

Cada sombra é uma tortura
E traz consigo a amargura
Dum velho amor que morreu
Passam sombras delirantes
Que lembram sonhos distantes
Duma s
ombra que sou 

Desembarcar

Letra e música de Charles Edward Haden
Repertório de Inês Duarte

No peito trago esta saudade
Um mar de amor-verdade
Que me alimenta a ilusão
De ter o sol do teu rosto
Eterno fogo-posto
Dentro do coração

No peito trago este desejo
De ver a luz perfeita
Dos teus olhos-azulejo

Se há viagem que não canse
Que não traga vento norte
Névoa, noite, triste sorte
É sonhar-te ao meu alcance
E no cais do teu olhar
Desembarcar, desembarcar 

Negrura

Miguel Torga / Bernardo Couto
Repertório Francisco Salvação Barreto

Neste dia sem luz que me anoitece
Que me sepulta inteiro
Até de mim a minha dor se esquece
Para que eu seja um morto verdadeiro

Chove tristeza fria no telhado
Do castelo do sonho, nua, nua
A calçada que subo, já cansado
De tanto andar perdido nesta rua

Duma olaia caiu, morta, amarela
Qualquer coisa que foi princípio e fim
E bem olhada, bem pensada, é ela
Aquela folha que lutou por mim

Sozinho e morto ouço cantar alguém
Mas é longe demais a melodia
E o ouvido que vai nunca mais vem
Trazer-me a luz que falta no meu dia

Bandeira azul e branca

Letra e música de Victor Rodrigues
Repertório de António Pelarigo

Pelos soldados que tombaram a lutar
Por uma terra que qu’riam unificada
Aos marinheiros que não temeram o mar
Levando mais além a Pátria amada

Pela espada de Afonso, que desbravou
Os caminhos mais sagrados do ideal
Pela bandeira que o povo se enamorou
Que tinha as cores dos céus de Portugal

Por sentimentos que enaltecem a razão
Por cumprimento do dever e lealdade
Contra aqueles que dividem a nação
Canto o passado, por amor e por saudade

Bandeira azul e branca que encantas
Como é belo te ver a desfraldar
Nas ameias do castelo que era altar
Onde o rei ia rezar perante Deus;
Bandeira azul e branca 
Que encantas sonhos meus 

A caminho do calvário

Letra e música de Frei Hermano da Câmara
Repertório de Amália Rodrigues
Ópera *O nazareno*

Vai Cristo para a cruz e tem no rosto
Pintado a sangue, o ósculo de Judas
Em toda a terra é hora de sol posto
O céu é mar fechado em trevas mudas

Vejo a turba judaica alucinada
Vejo Cristo passar no meio d’alas
E tu Senhora, vais tão calada
Senhora Nossa, porque não falas?

Sei que Jesus padece mil tormentos
Anunciados pela profecias
Correm blasfémias no furor dos ventos
E lágrimas nos olhos das judias

Sei que dentro de Cristo, a dor caminha
E caminham labaredas infinitas
E tu Senhora, vais tão sozinha
Senhora Nossa, porque não gritas?

Tango quase fado

Rosa Lobato Faria / Mário Pacheco
Repertório de Carla Pires

Não faças caso deste riso alucinado
Não faças caso destas lágrimas à toa
O coração é que não estava preparado
Para este encontro numa rua de Lisboa

Não faças caso do meu tango quase fado
Não faças caso deste amor que me desgarra
Se o corpo lembra acordéon apaixonado
As mãos suspiram em carícias de guitarra

Mas numa noite, s
obre a calçada
Prendes-me ao peito sem dizer nada
E sem palavras, ao rés do espanto
Fui tango e fado, sorriso e pranto;
Foi de repente, foi sem aviso
Na minha frente surgiste inteiro
Foi um oásis de paraíso
Banhada em riso chorei primeiro

Morna quente

Fernando Gomes dos Santos / Valter Rolo
Repertório de Inês Duarte

Num mar de imenso azul
Parti com rumo a sul
Vim p’lo caminho da saudade
E o som tão doce que aqui me trouxe
Foi de cumplicidade

Senti cadências de um lamento
Num canto maduro
Vozes ao vento nas asas do futuro

Ouvi a alma desta gente
Que tem um passado
Na morna quente
Que é irmã do meu fado

O ritmo acorda o dia, aquece e contagia
Cantei o sol de ilha em ilha com sal na voz
Turvada em nós de mar e maravilha

Noite só

João Monge / Carlos Neves *fado tamanquinhas*
Repertório de Francisco Salvação Barreto

Cheguei à casa deserta
Foi tão escuro o que vivi
Na casa não há viv’alma
Reina uma estranha calma
E tudo me cheira a ti

No quarto não há ninguém 
Só sinais de alguém dormir
Num canto jaz um vestido
Que tu deixaste esquecido 
Com a pressa de partir

Na mesa só ponho um prato 
Estendo a toalha dobrada
O teu lugar está vazio
O que era fome é fastio 
E tudo me sabe a nada

A cama está por fazer 
Os lençóis são pontas soltas
Ainda lá está a almofada
Pelo teu rosto marcada 
Talvez eu sonhe que voltas 

O teu amor é saudade

Samuel Lopes / Valter Rolo
Repertório de Inês Duarte

O escuro da luz ao entardecer
Traz a sombra dos teus passos
Tantos mares juntos navegamos
E ao mesmo porto fui voltar

E o que vista já não vê
O meu coração ainda sente aqui tão perto

Ao amanhecer já não vejo o mar
Sou gaivota em terra, na tempestade
Ao anoitecer procuro o teu olhar
Mas o teu amor é saudade

Perder a magia do teu sorrir
E só a encontrar no meu pranto
É um adeus sem me despedir
Que aos meus olhos tira o encanto 

Paixão fadista

António J. Pinto / Popular
Repertório de Helena Santos

Gosto do fado castiço
Este fado que é tão nosso
E talvez seja por isso
Que canto sempre que posso

O fado nasce co’a gente 
Enquanto a gente viver
Por ser nosso eternamente 
Com a gente há-de morrer

Hei-de também ser do fado 
Entrar nas suas fileiras
Meu nome há-de ser falado 
Pelas outras cantadeiras

O fado é minha paixão 
Ele é todo o meu encanto
É dele o meu coração 
Por isso lhe quero tanto

Quem me dera que Deus queira 
Que o destino me dê sorte
P’ra que eu seja cantadeira 
Ser do fado até à morte 

O começo

Pedro Homem de Mello / Acácio Gomes *fado bizarro*
Repertório de Carminho

Principio a cantar para quem tenha
Fome de ouvir a música do vento
Porém, sabeis que fiz da mágoa, lenha
E que das suas brasas me sustento

Fiel, acorro à última chamada
Ninguém comigo, pode estar ausente
Trago uma farda inteira, já mudada
E que se há-de mudar eternamente

Só dura o mundo enquanto dura a trova
Rasgado o coração, pairam gemidos
Nascemos porque a dor é sempre nova
E não há sofrimentos repetidos

Quadras soltas

Silva Tavares / Casimiro Ramos *fado pinóia*
Repertório de Maria do Rosário Bettencourt

Dá-me os teus olhos profundos
E o mundo pode acabar
Que importa ao mundo se há mundos
Lá dentro do teu olhar

Quando me vejo no fundo
Dos teus olhos namorados
Sinto que os males do mundo
São pelo mundo inventados

Teus olhos indefinidos
São labirintos de cor
Onde os meus cinco sentidos
Andam perdidos de amor

Eu só gostava de ter
O poder de adivinhar
Que estão teus olhos a ver
Quando te vejo a pensar

Verbo ser e verbo amar
São duas frases de Deus
Que eu quisera desvendar
No fundo dos olhos teus 

Gola alta

Henrique Segurado / Alfredo Duarte *senhora do monte*
Repertório de Camané

Tu levantas mais a gola
T-shirt de casmere
Enquanto o vento se enrola
Noutras folhas a cair

Tivesse mãos outonais 
Talvez te fosse despir
Mas minhas mãos são iguais 
Aos pedintes a pedir

Estendo a mão à caridade 
Sonhando tocar nas tuas
Colho folhas sem idade
De jornais voando em ruas

Alquimias do Outono 
Tornando o verde amarelo
Capricho de rei sem trono 
Cortando relva a cutelo

São pedaços de pão duro 
Migalhas indo em roldão
Eu sou um fruto maduro 
Que não vais colher do chão

Viver de ouvido

Alice Sepúlveda / José Fialho Gouveia
Repertório de António Zambujo

Eu só sei viver de ouvido
Não fui nunca de estudar
O que sei foi aprendido
Pelas artes de escutar

Eu só sei viver de ouvido 
Nunca fui de erudições
Mas eu sei pôr em sentido 
O bater dos corações

Não me queiras no papel 
De escritor mais inspirado
Mas sei pôr na tua pele 
Um poema arrepiado

Eu só sei viver de ouvido 
Nunca leio as instruções
Mas sei ler o teu vestido 
Sei abrir os teus botões

Nenhum de nós

Marco Oliveira / Miguel Amaral
Repertório de Miguel Xavier
Este poema também foi gravado por Marco Oliveira na música 
do Fado Alexandrino de Sesimbra do próprio Marco Oliveira
    
De tudo o que dissemos, faltou dizer adeus
Chorar, seguir de vez por essa longa estrada
O tempo foi passando, levou-me beijos teus
E as cartas que escrevi ficaram sem morada

Eu nunca mais te vi, tu nunca mais me viste
Nas mesmas velhas ruas onde a saudade mora
Saudade de nós dois, do amor que ainda existe
Por pena desespera, de mágoas se demora

É tudo tão diferente, bem sei que já mudaste
Em tudo o que sonhava, em tudo o que sentisse
Mas lembra-te de mim na vida que encontraste
Adeus, amor, adeus; nenhum de nós o disse

Amor e saudade

António Torre da Guia / André Teixeira
Repertório de Miguel Xavier
Este poema foi gravado anteriormente por Ana d'Assunção
na música do Fado Isabel de Fontes Rocha

O amor que sentimento
Tão belo e tão fatal
Acaba na lei do tempo
Por nos fazer sempre mal

Saudade meu Deus saudade 
São estas coisas sem fim
Que quanto mais são verdade 
Mais caem dentro de mim

E quando o amor passou 
Tão perto do meu lugar
Quase ninguém reparou 
Que a saudade ia a passar

Quem teve amor e saudade 
E depois tudo perdeu
Pode sentir à vontade 
Que do que nada é seu