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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.330' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Amei-te

João de Freitas / Jaime Santos
Repertório de Fernando Farinha

Amei-te tanto e perdi-te 
Nem sabes quanto sofri 
Custou-me, mas esqueci-te 
E um dia destes vi-te
E tive pena de ti

Ias a passar sorrindo 
Num sorrir triste que esconde
Decerto um desgosto fingindo
Se julgas que estou mentindo 
Vê-te a um espelho e responde

No teu rosto maquilhado 
Eu pude ler a amargura
E o teu olhar perturbado
Demonstra o que tens passado 
Nessa vida sem ventura

Confesso tive saudade 
Do nosso antigo viver
Mas tu querias liberdade
Foi feita a tua vontade 
E agora sofre, mulher

Esta estrofe não foi gravada
Fiquei um pouco tristonho
Recordando o que fizeste
Aniquilaste o meu sonho
Mas olha que é bem medonho
Esse viver que escolheste

O Chico do cachené

Linhares Barbosa / Miguel Ramos *fado helena*
Repertório de Fernando Farinha

Certa vez, foi à noitinha
O Chico do cachené
Chamou-me e disse, Farinha
Vou contar-te a vida minha
Para saberes como é

Bem criado e malfadado 
Os meus pais, tinham de seu
Por eles era adorado
Instruído e educado 
Cheguei a andar no liceu

Eu era menino e moço 
Simples como uma donzela
Mas um dia, que alvoroço
Passei à Rua do Poço 
Vi a Micas, gostei dela

Vivi com ela dez anos 
Duas vezes lhe pus casa
Mas os seus olhos tiranos
Vadios como dois ciganos 
Fugiram, bateram asa

Hoje não tenho um afago 
Um carinho, uma afeição
Sou um esquecido mal pago
E é no vinho que eu apago 
O fogo deste paixão

Depois de contar-me a vida 
O Chico pôs-se de pé
Pediu mais uma bebida
E uma lágrima atrevida 
Caiu-lhe no cachené

Pede-me tudo

Jorge Rosa / Georgino de Sousa *fado georgino*
Repertório de Fernando Maurício 

Pede-me a luz das estrelas 
O seu doce cintilar 
Que eu farei por conseguir; 
Escolher entre todas elas 
As que mais podem brilhar 
As que mais sabem luzir 

Pede-me o brilho da lua 
Do sol radioso e quente
O soalheiro calor 
Logo a lua será tua 
Do astro-rei, num repente 
Terás também o fulgor

Pede-me o sal, as marés 
As ondas, a cor do mar 
Da alva espuma, a cambraia
Pronto verás a teus pés
Oceanos desmaiar 
Tal e qual como na praia

Tudo o mais que te apeteça 
Sentirás ao teu dispor 
Se me pedires te darei 
Só não peças que te esqueça 
Acredita meu amor 
Como fazê-lo, não sei

Raízes

Sidónio Muralha / Henrique Lourenço *fado cigana*
Repertório de Amália

Velhas pedras que pisei 
Saiam da vossa mudez 
Venham dizer o que sei; 
Venham falar português 
Sejam duras como a lei 
E puras como a nudez 

Minha lágrima salgada 
Caiu no lenço da vida 
Foi lembrança naufragada 
E para sempre perdida 
Foi vaga despedaçada 
Contra o cais da despedida 

Visitei tantos países 
Conheci tanto luar
Nos olhos dos infelizes 
E porque me hei-de gastar 
Vou ao fundo das raízes
E hei-de gastar-me a cantar

Não te posso esquecer

Letra e música de: Carlos Macedo
Repertório de Carlos Macedo


Minha vida sem alento
Tinha as horas por tormento
Tinha as noites por castigo;
Andava sem rumo certo
Sonhava-te sempre perto
E não vinhas ter comigo

Do teu corpo, sem querer
Mesmo sem me apetecer 
Já me roía a saudade
Pare te ver fiz-me ausente
Fui amar-te loucamente 
Longe da minha cidade

Dos teus olhos a loucura
Dos teus beijos a ternura 
Tenho tudo p’ra viver
Porque te quero assim
Tenho-te dentro de mim 
E não te posso esquecer 

Oração noturna

Marco Oliveira / André Teixeira *fado adriana*
Repertório de Adriana Paquete


Quem fez da minha noite um canto triste
Um instante de silêncio e de ternura
Mais breve que tudo o quanto existe
E vem soltar-me a voz nesta loucura

Quem deu à minha prece este lamento
Mais puro do que a sombra do luar
E beija as minhas lágrimas no vento
Numa oração noturna por cantar

Por muito que nos doa a solidão
Alguém nasce do ventre do passado
Dum canto que nos fala ao coração
E traz na voz antiga o mesmo fado

Sou do Porto, sou do Porto

Raúl Dubini / Armando Quatorze
Repertório de Maria Armanda


Não há igual 
Ao meu Porto sem rival
Não existe em Portugal 
Outra terra como esta
Não há melhor 
Que o meu Porto, sem favor
Pois ele é rei e senhor 
Quando vai a qualquer festa

O Porto tem
Como não tem mais ninguém
Vaidade de ser alguém
Em quase tudo o primeiro
Está bem de ver 
Que quem no Porto nascer
Sente vaidade em dizer
Sou do Porto, sou tripeiro

Cá vai o Porto a 
cantar a sua trova
De boca em boca, rua em rua, sem parar
Cidade antiga mas com alma sempre nova
Ninguém, meu Porto é capaz de te igualar

Cá vai o Porto cada dia mais brejeiro
Sempre sorrindo, sempre alegre e folgazão
Laborioso, mas em festas o primeiro
Meu Porto lindo, dono do meu coração

Brilham balões
Alegram-se os corações
Andam pelo ar canções
Fazem-se versos à lua
Cantar cantar
Todos fazem sem parar
Quando a marcha v
ai passar 
Todo o Porto vem prá rua

Ó meu amor
Vem comigo, por favor
Vais ver que não há melhor
Que um cravo e um manjerico
É São João 
Dos tripeiros, pois então
Vamos lá de mão em mão 
Visitar o bailarico

Aguarela de Cascais

Letra e música de José Moreira
Repertório do autor

O mar beija a minha terra
Ao fundo apruma-se a serra
Aqui e ali pinhais
O sol é mais luminoso
O luar é mais formoso
E as estrelas brilham mais

Nos jardins multicolores 
Flores, flores, tantas flores
Formam um quadro irreal
Maravilhosos cenário 
Digno dum conto lendário
Dum país oriental

Praias de areia doirada 
Boca d’Inferno e Parada
O Gincho, a Guia, o Museu
O Parque da Gandarinha 
Santa Marta e a Marinha
São prendas que Deus lhe deu

Não esquecendo a singeleza 
Do Chafariz da Marquesa
E da Praia da rainha
Dos pescadores, a capela 
E a linda cidadela
Tão famosa e já velhinha

Gaivotas esvoaçando 
Os barquitos baloiçando
Na remansosa baía
Enquanto o mar, de mansinho
Vai segredando baixinho 
Qualquer coisa, à Penedia

O meu cantinho risonho 
É uma imagem de sonho
Que não se apaga jamais
Pesadelo que inebria 
De perturbante magia
És bem um sonho, Cascais

Ruas do Porto

Cid Teles / Rezende Dias
Repertório de Natércia Maria


Rua do Sol, Miradouro 
Rua de amor, de alegria
Rua do Monte Cativo 
Cheia de sonhos e poesia

Rua do Poço das Patas 
Da Conceição, do Campinho
Do Bonjardim, Miragaia 
P’ra seguir no bom caminho

Ruas do Porto,
Ruas estreitas, velhinhas
Ruas que são ladainhas
De amor e de tradição
Ruas do Porto
Ruas da minha saudade
Ruas da linda cidade
A que prendo o coração


Rua da Ramalda Alta 
Rua Chã, Rua de Trás
Rua de Cimo de Vila 
Rua Formosa e São Brás

Rua das Flores, Cedofeita 
Campo Lindo, Reboleira
Ruas da fé e trabalho 
Da boa gente tripeira

As minhas mãos abertas

José Luís Gordo / Ada de Castro
Repertório de Ada de Castro


Trago as minhas mãos abertas
Os meus dedos são dez setas
Apontam teu coração
Dizem-me as horas que sim
Tudo tem princípio e fim
Eu acredito que não

Trago as minhas mãos abertas
Duas montanhas desertas
Dois oceanos vazios
Já cansei de te alcançar
Rasguei por dentro o mar
E sequei todos os rios

Trago as minhas mãos abertas
Nas madrugadas desfeitas
Quando acordo e não te vejo
Rosas de fogo na cama
Acendem por dentro a chama
Da saudade e do desejo

Ribeira tripeira

Coelho Júnior / Rezende Dias
Repertório de Maria Rosa Rodrigues


Uma viela, uma calçada
Uma janela toda enfeitada
Barcos no rio a baloiçar
Ao desafio lá vão pescar;
Esta Ribeira vista d’além
Linda aguarela
Que só o Porto tem

Minha Ribeira, Ribeira
Debruçada sobre o Douro
A tua gente tripeira
E o mais belo Miradouro
Ribeira, Ribeira
Sempre nova, sempre crente
Todos os dias és feira
Todos os dias és feira
Ganha-pão da tua gente


Velhas Alminhas, nicho de fé
E tens a ponte ali ao pé
Tascas bizarras de lado a lado
Choram guitarras, canta-se o fado;
Esta Ribeira vista d’além
Linda aguarela 
Que só o Porto tem

Boa noite solidão

Jorge Fernando / Carlos da Maia
Repertório de Fernando Maurício
Também gravado por Jorge Fernando na música do
Fado Balada de António dos Santos *parceiros das farras*

Boa-noite solidão
Vi entrar pela janela
O teu corpo de negrura
Quero dar-me à tua mão
Como a chama duma vela
Dá a mão à noite escura

Só tu sabes, solidão
A angústia que traz a dor 
Quando o amor a gente nega
Como quem perde a razão
Afogamos nosso amor 
No orgulho que nos cega

Os teus dedos, solidão
Despenteiam a saudade 
Que ficou no lugar dela
Espalhas saudades p'lo chão
E contra a minha vontade 
Lembras-me a vida com ela

Com o coração na mão
Vou pedir-te, sem fingir 
Que não me fales mais dela
Boa-noite solidão
Agora quero dormir 
Porque vou sonhar com ela

Deixa-te disso

Jorge Rosa / Paulo Valentim
Repertório de Ada de Castro


Não venhas com falas mansas
Porque te cansas no teu falar
Já te conheço de cor
Acho melhor não te aceitar

Não venhas com artimanhas
Que as tuas manhas já descobri
De comer da tua carta
Já ando farta, farta de ti

Deixa-te disso
Deixa lá de ser postiço
Não ganhas nada com isso
Já te pus no meu passado
Deixa-te disso
Deixa-me, leva sumiço
P’ra eu quebrar o enguiço
De ter vivido a teu lado


Se voltas a procurar-me
Gritos de alarme dou sem demora
Hoje ver-te é uma agonia
Nunca o diria, mas digo agora

A vida, não me atropeles
Amargos feles eu descobri
Hoje apetecem-me doces
Delico-doces, mas não de ti

Não sou fadista de raça

T. Cavazini / Alfredo Duarte *fado bailarico*
Repertório de Teresa Tarouca

Não sou fadista de raça
Não nasci no Capelão 
Eu canto o fado que passa 
Nas asas da tradição

Nunca usei negra chinela 
Nem vesti saia de lista
Nunca entrei numa viela 
Mas tenho raça fadista 

Tirei suspiros ao vento 
Olhei um pouco o passado
Busquei do mar o lamento 
E fiz assim o meu fado 

É este fado famoso 
Que em noites enluaradas
O Conde de Vimioso 
Tangia nas guitarradas 

Era fidalgo de raça 
E ficou na tradição
Cantando o fado que passa 
Na Rua do Capelão

Maria do Porto

Coelho Júnior / Resende Dias
Repertório de Luísa Salgado

É do Porto esta Maria 
Maria fresca e bonita
Sai logo mal rompe o dia
Leva no rosto a alegria 
No corpo as pintas de chita

Passa pelas Fontaínhas 
Desce alegre a Corticeira
Pára e reza nas Alminhas
Dá pão a duas velhinhas 
E vai vender prá Ribeira

Maria do Porto 
De andar balançado
Sorriso rasgado
Sorriso rasgado alegre e sadio
Maria do Porto 
De faces trigueiras
Que bem que tu cheiras
Que bem que tu cheiras 
A mar e a rio

É do Porto esta Maria 
É a Maria, talvez
Em franqueza e simpatia
É Maria mais Maria 
Nome que é bem português

Esta Maria tem fé 
No rapaz que é todo dela
Mora prós lados da Sé
E à tardinha vai até 
À Ribeira, ter com ela

Quando os outros te batem

Quando os outros te batem beijo-te eu (título completo)
Pedro Homem de Mello / Armando Machado *fado aracélia*
Repertório de Amália


Se bem que não me ouviste e foste embora
E tudo em ti decerto me esqueceu
Como ontem, o meu grito diz-te agora
Quando os outros te batem, beijo-te eu

Se bem que às minhas maldições fugiste
Por te haver dado tudo o que era meu
Como ontem, o meu grito agora viste
Quando os outros te batem, beijo-te eu

Mas há-de vir o dia em que a saudade
Te lembre quem por ti já se perdeu
O fado quando é triste é que é verdade
Quando os outros te batem, beijo-te eu

Isto de ser poeta

Artur Ribeiro / António Parreira
Repertório de Rodrigo

Ser poeta, aos olhos meus
É olhar o universo
É ver mais longe, mais fundo
É ser mais pobre que Deus
É dar ao mundo num verso
Toda a riqueza do mundo

Ser poeta é ser capaz 
De dar o que a alma encerra 
Em defesa da verdade
É fazer das horas más 
Versos que inundam a terra 
A pregar humanidade

Ser poeta é ser tão pouco
É ser tão pouco e dizer 
Coisas de causar espanto
Quem dera passar por louco
Quem dera poeta ser 
Dos versos que apenas canto

Meu amor é marinheiro

Manuel Alegre / Alain Oulman
Repertório de Amália

A última estrofe não foi gravada

Meu amor é marinheiro 
E mora no alto mar
Seus braços são como o vento 
Ninguém os pode amarrar
Quando chega à minha beira
Todo o meu sangue é um rio
Onde o meu amor aporta
Meu coração, um navio

Meu amor disse que eu tinha
Na boca um gosto a saudade
E uns cabelos onde nascem
Os ventos e a liberdade
Meu amor é marinheiro
Quando chega à minha beira
Acende um cravo na boca
E canta desta maneira

Eu vivo lá longe, longe
Onde passam os navios
Mas um dia hei-de voltar
Às águas dos nossos rios
Hei-de passar nas cidades
Como o vento nas areias
E abrir todas as janelas
E abrir todas as cadeias

Meu amor é marinheiro
E mora no alto mar
Coração que nasceu livre
Não se pode acorrentar

Assim falou meu amor
Assim falou ele um dia
Desde então eu vivo à espera
Que volte como dizia

Gotas de tristeza

Artur Ribeiro / António Parreira
Repertório de Rodrigo


Este nosso ficar de vez em quando
Assim, olhos nos olhos, d’alma presa
Os pedaços de ti que vais deixando
São gotas de alegria na tristeza

Este ser um do outro sem ter peias
Na loucura total que nos invade
O que fica de ti nas minhas veias
São gotas de presença na saudade

Este meu duvidar tendo a certeza
Que no final é sempre noite fria
São gotas de alegria na tristeza
São gotas de tristeza na alegria

Convite ao Porto

Maria da Luz Castro e Silva / Fernando Pereira
Repertório de Teresa Tapadas


Vem ver as cachapas saltar à fogueira
E na brincadeira queimar alcachofras
Vem ver namorados que muito juntinhos
Dizem segredinhos com beijos trocados

Vem ver manjericos e as ervas santas
E lá para as tantas beta com o porro
Vem ver como é a velhinha Sé
Toda iluminada no alto do Morro

Porto, Porto, Porto
Esta noite é toda tua
Vem dia p’rá rua
Vem daí folgar
Porto, Porto, Porto
Vem dái, que a própria lua
Se não vens, amua
Pois te quer ouvir cantar


Vem meu Porto amigo, vem para a folia
Vem com alegria que eu vou contigo
Eu sou a cantiga que de braço dado
Irei a teu lado como boa amiga

Meu Porto fagueiro, nesta noite bela
Eu serei aquela, sempre à tua beira
Pois no São João vibra o coração
Na chama cadente da gente tripeira

Marcha fúnebre

Pedro Homem de Mello / Joaquim Campos *alexandrino estilado em 4as*
Repertório de João Braga

Vinham dois, vinham quarenta
Vinham já cem mil talvez
E uma poeira sangrenta 
Cobre o solo português

De Este a Oeste, Norte a Sul
Tais como as ondas do mar
Olhar negro, ontem azul
Vinham deitar-se a afogar

Vinham mudos e sombrios 
Com a noite na garganta
Vinham cegos como os rios
Como a sede quando espanta

Vinham sem saber onde iam
Mergulhando o corpo todo
Nas próprias veias que abriam
Como quem se afunda em lodo

Eram eles a fronteira 
Da pátria sem pensamento
Como escravos sem bandeira
Tendo por bandeira o vento

Cidade, cidade minha
Quem o havia de dizer?
Atrás de um, mais outro vinha
E vinha para morrer!

Resignado

António Rocha / Salvador Gomes *alexandrino valmor*
Repertório de António Rocha


Nem mais uma palavra de queixa ou de lamento
Nem mais uma alusão à dor que me consome

Não mais quem tanto esperava, não mais a voz do vento
Trazendo aos meus ouvidos o eco do teu nome

Nem mais noites de calma falando à luz da lua
Quando os longos silêncios diziam mais que nós
Não mais a minha alma arrebatada e nua
Ouvindo extasiada o som da tua voz

Masa a recordação deste sonho só meu
Há-de ficar no tempo, há-de viver em mim
Porque este coração eternamente teu
Batendo no meu peito, há-de lembrar-te assim

Nascente d’água pura aonde fui matar
Esta sede de amor, secura de carinho
Fogueira de ternura onde me fui queimar
Lágrima cristalina que hei-de chorar sozinho

Fado dos trevos

Vasco da Graça Moura / Florêncio de Carvalho
Repertório de Clara
Este poema também foi gravado por Maria Azóia na música 
do Fado Alexandrino Antigo de Armando Augusto Freire

A vida é feita de escolhas 
Quis escolher uma vez 
Um trevo de quatro folhas 
Mas só vi trevos de três 

Quis então cantar nas ruas 
Um fado que as três resuma 
Mais valem três do que duas
E mais duas que nenhuma 

E então cantando e somando 
O que quero e o que não quero 
No meu onde, como, e quando 
Tinha de partir do zero
E então cantando e somando 
O que quero e o que não quero 

Acontece que entretanto
Deu-se um golpe de teatro
Encontrei-te e amei-te tanto
Que as três valeram por quatro

E assim, nas minhas escolhas
Eu tinha razão talvez
Transformando em quatro folhas 
Trevos que eram só de três

Vejo ao longe

Maria Fernanda Santos / Domingos Camarinha
Repertório de Fernanda Maria


Fecho os olhos sem dormir
E relembro sem sonhar
O que a vida me roubou
A saudade que deixou
Dentro de mim a chorar

Vejo ao longe sem te ver
Vou lembrando sem lembrar
A tua sombra a meu lado
Recordações do passado
Dentro de mim a chorar

Sinto passos sem sentir
E falando sem falar
Na hora da despedida
Sinto uma vida sem vida
Dentro de mim a chorar

Manhãs do Porto

José Guimarães / Rezende Dias
Repertório de Maria Rosa Rodrigues

Vai-se a noite 
Com seu manto de luar
Já no céu não a brilha a lua
Radioso vem o sol para beijar
As pedras de cada rua

O Porto em manhã de sol
Tem mais calor
Fala mais ao coração
É aguarela de cor
Dum estribilho de amor
Que vem de cada pregão

Passa alegre, alegre, a varina
Solta ao vento pregões matinais
Mais além já vem o ardina
Vem correndo, vendendo jornais
Na Fontinha, na Sé, na Ribeira
Há cantigas dispersas no ar
Cada bairro da cidade inteira
Nasce o dia, começa a cantar


Há perfumes 
Nos craveiros das janelas
Que se abrem de par em par
Tocam sinos nas igrejas e capelas
Para a cidade rezar

Pela rua passa e
m bando 
A mocidade
A transbordar de alegria
O Porto linda cidade
Tem a cor e a majestade
Na graça de novo dia

Uma flor na lapela

António Vasconcelos / Eugénio Pepe
Repertório de Ada de Castro


As flores são uma lembrança delicada
Sempre apreciada se enviadas à mulher
São saudação bem feminina
Quem estima não esquece

As flores são um presente delicado
Todo o namorado, ao enviar
Sabe que vai no ramo
Muito mais que *eu amo* 
Todo o verbo amar

Uma flor na lapela
Que graça que tem
Uma flor à janela 
Como fica bem
Uma flor no cabelo
O encanto que traz
Rosas, cravos, margaridas
Tanto faz

Nascer e morrer fadista

Alberto Jorge / Georgino de Sousa *fado georgino*
Repertório de Leonor Santos


Nasci e por feliz sina
Fatalidade divina
Tive um amor desvairado
Ser castiça cantadeira
E assim, desta maneira
Falar a cantar o fado

O fado, fado da gente 
Que dizem ser deprimente
Que alberga toda a desgraça
Confesso que o fado é 
Minha cartilha de fé
Em cada dia que passa

O maldizente do fado 
É maldizer o passado
De um xaile traçado ao peito
Bem juntinho ao coração 
Rezo tanto em oração
Fica-me bem este jeito

E p’ra final do meu fado 
Quando tocar a finado
Dou minha alma bizarra
A Deus todo o poderoso 
Com o som harmonioso
Da viola e da guitarra

Alameda das Fontaínhas

Rodrigues Canedo / José Duarte Seixal *fado seixal*
Repertório de Rodrigo


Fontaínhas em de fonte
E fontes lembram frescor
Foi ali, que entre horizontes
Assentes em duas pontes
Fiz uma pode de amor

Fontaínhas, Fontaínhas 
Onde amei a vez primeira
Agora, saudades minhas
São um bando de andorinhas 
Nos beirais da Corticeira

Ó consagrada Alameda 
Num chão de pedras antigas
Meus passos eram de seda
E o passado me segreda 
Uns retalhos de cantigas

Fontaínhas, meu tesouro 
Tu me déste imenso gosto
De ver seu cabelo ouro
Tremer às brisas do Douro 
Na moldura do seu rosto

E se a dona do cabelo 
Se ausentava, então eu via
Na vela de algum Rabelo
O retângulo do selo 
Das cartas que me escrevia

Fontaínhas, Fontaínhas 
Serra do Pilar defronte
São João, saudades minhas
Seja tudo p’las Alminhas 
Pelas Alminhas da Ponte

Cada vez mais

Alexandra Solnado / Paulo de Carvalho
Repertório de Sara


Primeiro foi quase nada
Deste-me um beijo e eu corei
Estava tão sossegada
Eu que sabia tudo… já não sei

Não quero amores de um verão
E nem paixões acidentais
O teu amor é o meu chão
Cada vez mais


Depois correste a cortina
Puseste um sonho a tocar no tom
Ainda sou tão menina
Contigo já sou mulher… é bom

Então veio o aconchego
Destes abraços que são meus
Eu ando morta de medo
Que logo a seguir venha o adeus

Já vai alta a madrugada
Passou por aqui um vendaval
Ainda estou assustada
Não quero que tu faças mal

Eu nasci na Mouraria

Júlio de Sousa / Popular *fado mouraria*
Repertório de Isabel de Oliveira

Eu nasci na Mouraria
À luz doce das candeias
Minha mãe cantava o fado
Eu tenho o fado nas veias

Eu nasci na Mouraria 
Na hora em que é bom sonhar
Onde o silêncio dizia 
Os segredos ao luar

Eu vivi na Mouraria 
Debruçada na janela
Do alto, a vida parecia 
Uma outra vida mais bela

Um dia caí na rua 
Outra vida conheci
Não era minha, foi tua 
A vida que então vivi

Deixa lá

Alexandra Solnado / Paulo de Carvalho
Repertório de Sara


Deixaste um adeus à janela
E as coisas que tu nunca mais vais usar
Todos as carinhos agora são dela
Ficou mais longe o meu olhar

Deixaste algumas gravatas
Aquelas que nunca soubeste apertar
Memórias dos anos passados são datas
Que eu não me canso de lembrar

Deixa lá que o pior já passou
Quando quiseres voltar, cá estou
Deixa lá, não vou saír daqui
Enquanto puder espero por ti


Deixaste abertas gavetas
E a calma sentou-se na sala de estar
À espera que ainda voltes, estou eu
Que não me canso de pensar

Mas deixaste o mais importante
De todas as coisas que tinhas à mão
Levastes os livros e o pó da estante
Mas deixaste ficar o meu coração

Não gosto de mim

Artur Ribeiro / Alfredo Duarte *fado mocita dos caracóis*
Repertório de Rodrigo


Já não me lembro ao que vim
Nem para que nasci eu
Desencontrei-me de mim
E detesto ver-me assim
Num rosto que não é meu

Não gosto de mim, nem tento 
Que alguém me suporte agora
Agora que o meu lamento 
Vai ser escrito no vento
Eu quero deitar-me fora

Quando agora me diviso 
Neste nada, que ficou?
Um nada que causa riso 
Por ver que o mundo narciso
Se vê naquilo que sou

Não gosto nem acredito 
Que me acomode de todo
Qualquer dia dou um grito 
Tiro a máscara do mito
E regresso a mim de novo

Jóia sagrada

Frutuoso França / Popular *fado menor*
Repertório de Frutuoso França


Tive uma jóia sagrada
Era a minha santa mãe
Perdi-a, fiquei sem nada
Sou mais pobre que ninguém


Levo a custo, de vencida 
Da vida, a cruz tão pesada
Porque apenas nesta vida 
Tive uma jóia sagrada

Essa jóia de valor 
Na mente conservo bem
Era uma santa, um amor 
Era a minha santa mãe

Dizem que partiu pró céu 
Prá sua eterna morada
Que tudo tem e só eu 
Perdi-a, fiquei sem nada

Ao partir, entre desejos 
Beijou-me muito, porém
Hoje ao lembrar os seus beijos 
Sou mais pobre que ninguém

Gosto do preto no branco

António Aleixo / Marcírio Ferreira
Repertório de Alfredo Guedes


Gosto do preto no branco
Como costumam dizer
Antes perder por ser franco
Que ganhar por não o ser

Vinho que vai p’ra vinagre 
Não retrocede o caminho
Só por obra de milagre 
Pode de novo ser vinho

Casado que arrasta a asa 
À mulher deste e daquele
Merece que tenha em casa 
Outro homem no luar dele

Eu não sei porque razão 
Certos homens, a meu ver
Quanto mais pequenos são 
Maiores querem parecer

Tempos antigos

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada a 22.04.1934 na edição Nº291 do Jornal GUITARRA de PORTUGAL
com a indicação de pertencer ao repertório de Júlio Proença e Alberto Costa
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Quando se usava navalha
Na Alfama e na Mouraria
Como afirmação bairrista
Servia só à canalha
Na mão falsa do rufia
Nunca nas mãos dum fadista


Na companhia de amigos
Da legião que trabalha 
A labutar todo o dia
Recordo tempos antigos
Quando se usava navalha 
Na Alfama e na Mouraria

Na lama da sociedade
Por causa duma mulher 
Dessas de fácil conquista
Havia orgulho e vaidade
Em dar um traço a qualquer 
Como afirmação bairrista

Mas essa lâmina atroz
Que um bairro inteiro abandalha 
E é brasão de cobardia
Não era usada por nós
Servia só à canalha 
Na mão falsa do rufia

O Faia não recuava
Encarando frente a frente 
Essa ralé fatalista
E se a navalha brilhava
Era nas mãos dessa gente 
Nunca nas mãos dum fadista

Taça de doce licor

Carlos Baleia / Nuno Nazareth Fernandes
Repertório de Jorge Batista da Silva

É uma aragem que passa
Um bafo quente que beija
Mistério que nos abraça
E que sem querer se deseja

É a força em movimento 
Que dirige nossos passos
E que num breve momento 
Nos põe o mundo nos braços

Um riso de olhos vendados 
Onde floresce o amor
Sabor de lábios molhados 
Taça de doce licor

Veloz o vento desliza 
Neste beijo que vai dando
E a vida nem nos avisa 
Que está o tempo passando

É corrida de segundos 
A que se corre a seu lado
E os braços seguram mundos 
Num minuto aprisionado

Vinda longa, vida breve 
Presente igual a passado
Dia a dia onde se escreve 
O que não está acabado

O amor

Letra de Francisco Radamanto
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


O amor, a paixão, tudo isso enfim
Que faz bater depressa os corações
Resume-se em princípio, meio e fim
Palavrinhas, palavras, palavrões

No princípio há só mel, e é dado ver
Que ele e ela, arrulhando, quais pombinhas
Só falam um c’o outro p’ra dizer
Minha fada… meu anjo… palavrinhas

No meio, quando acaba tanta festa
Os ditos, já banais, são de outras lavras
E desse mel antigo apenas resta:
Eu já venho… até logo… só palavras

E cada vez pior, até que ao fim
Em vez de beijos há só beliscões
E as frases que eles trocam são assim
Vai à fava… malvado… palavrões

Doido sim, mas não louco

Letra e música de Alves Coelho Filho
Repertório de Francisco José


Dizem p'raí que eu sou doido, ainda bem
Sou feliz por me julgarem assim
No entanto eu nunca fiz mal a ninguém
Quero aos outros o que quero para mim

Dizem p'raí que eu sou doido, que m’importa
Essa voz do povo é para mim quimera
Pois quem bate à minha porta
Tem o pão que o conforta
E uma amizade sincera

Sou doido por ti minha mãe
A estrela que tem mais fulgor
Sou doido por ti meu bom pai
Que és para mim o amigo maior
Sou doido por ti Portugal
A pátria onde um dia nasci
Sou doido e não louco
Porque louco, afinal
Só louco por ti


Dizem p'raí que eu sou doido, pois seja
Deixai falar quem assim tem prazer
Não viveu nem vive em mim a inveja
Nem desejo mau amigo ver sofrer

Dizem p'raí que eu sou doido, oh que ilusão
Dizem por fim, tanta coisa por aí
Mas tenho mais coração
E p’los meus maior paixão

Vou deixar o meu homem

Letra de Carlos Conde
Repertório de Maria Amélia Proença (?)
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel


A zanga agora é de vez
Não, aquele homem não é
Um homem p'ra me servir
Calculem que há mais de um mês
Chega a casa, janta, lê
Deita-se e põe-se a dormir

De noite, se ele desperta
Acendo a luz a correr 
E dou-lhe beijos, em suma
Mas nem com a luz aberta
Ele abre os olhos p'ra ver 
Que não sou peste nenhuma

Diz que o estômago lhe dói
E doí-lhe apenas na hora 
Dos meus beijos delicados
E o que mais me rala e mói
É saber que ele lá fora 
Come pratos variados

Ando doida, revoltada
Isto assim não pode ser 
Quando se vive em comum
Não me faltava mais nada
Ele, lá fora, a comer 
E eu a ficar em jejum

Alfacinha de gema

Eduardo Damas / Manuel Paião
Reportório de Deolinda Rodrigues


Subo o Chiado à tardinha
Vejo as marchas n’avenida
Bebo o café no Rossio
E é esta a minha vida

Vou aos retiros de fado
Chorar a dor e a virtude
E levo sempre uma vela
À Senhora da Saúde

Sou Alfacinha da Gema
Sou do Largo dos Trigueiros
Ali bem junto da Baixa 
Com varandas e craveiros

Sou Alfacinha da Gema
Eu amo Lisboa inteira
E creio até que ‘inda choro 
Pela Praça da Figueira

Gosto da Rua do Ouro
Do Arco da Dona Augusta
E das Ruínas do Carmo 
Juntinhas a Santa Justa

E como eu gosto, Meu Deus
Das janelas com craveiros
Á luz do sol da tardinha 
Lá no Largo dos Trigueiros

Vou ao Parque ver revista
E podem ter a certeza
Que o espetáculo que eu gosto
É a Revista à Portuguesa

Amo muito a minha baixa
E sofro ao pensar que um dia
Depois da Graça e do Arco
Me levam a Mouraria

A ajuntadeira

Letra de Gabriel de Oliveira e João Linhares Barbosa
Publicada a 08.10.1936 na edição Nº319 do Jornal GUITARRA de PORTUGAL
com a indicação de pertencer ao repertório de Maria do Carmo Torres
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

A Helena ajuntadeira
Farta de ajuntar calçado
Juntou-se ainda solteira
Ao seu vizinho do lado

Houve festança na escada
E juntaram-se os vizinhos
Não foi preciso mais nada 
P’ra juntarem os trapinhos

Passou a viver ao lado 
Do Manuel serralheiro
Ia juntando calçado 
Mas não juntava dinheiro

Ele fez dela uma escrava 
E em noites de bebedeira
Junto com outras gastava 
A féria da ajuntadeira

A sorte foi-se de todo 
Até que a viram um dia
Junto a uns pobres num bodo 
Na Junta de Freguesia

Se lhe perguntam por ele 
Ela responde à pergunta
Que não 'stá junta ao Manel 
Mas que a outro não se junta

Meu Porto à noite

José Guimarães / José Maria Antunes
Repertório de Ricardo Barreto


Venham ver este luar
Que nas ondas se retrata
E Rio Douro a brilhar
Parece um rio de prata

As janelas, venham ver
Quais cristais a rebrilhar
Umas a apagar
Outras a acender
São rubis a cintilar

O Porto à noite é fantasia
Luz que inebria
Tristeza, alegria
Ternura e saudade
No Porto à noite a graça é tanta
E o céu se encanta 
No fado que canta 
A voz da cidade
O Porto à noite é uma prece
Que nos aquece 
E a velha Sé reza 
Sempre que anoitece
Sonho feliz 
Que nos prende e dá conforto
Cai a tarde e a gente diz
Boa noite meu Porto

Um brinco dos teus

Letra de Artur Soares Pereira
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Se eu pudesse ser um dia
Maria, um brinco dos teus
Que coisas lindas diria
Aos teus ouvidos, meu Deus


Sempre alerta e vigilante 
Qual sentinela em seu posto
Juro, guardava o teu rosto 
Beijando-o a todo o instante
Têm brilho inebriante 
Os teus olhos, dois judeus
De cristãos fazem ateus 
Nem eu sei o que faria
Se eu pudesse ser um dia
Maria, um brinco dos teus


Pendurado com carinho 
No teu rosto encantador
Meigas palavras de amor 
Eu murmurava baixinho
Contigo faria um ninho 
Abençoado p’los céus
Mais ninguém, dos lábios meus 
Palavras de amor ouvia
Que coisas lindas diria
Aos teus ouvidos, meu Deus

Milagres

Letra Gabriel de Oliveira e Linhares Barbosa
Publicada a 13.03.1937 na edição Nº318 do Jornal GUITARRA de PORTUGAL
com a indicação de pertencer ao repertório de Fernanda Amália
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

O meu filhinho ao nascer
Encheu-me a casa de luz
E ouvi um anjo dizer
A Virgem vem-te oferecer
O seu Menino Jesus

Cantava um melro defronte 
Em sinal de bom agoiro
Palrava perto uma fonte
E ao longe, no horizonte 
O sol derretia oiro

O meu lar, todo alegria 
Encheu-se de vizinhança
E toda a gente dizia
Que nascera nesse dia 
A mais formosa criança

Peguei-lhe cheia de jeito 
Contente, orgulhosa e louca
O mundo era curto e estreito
Pró prazer de dar o peito 
Àquela pequena boca

Ao longe passou alguém 
A cantar este estribilho:
Dos milagres que Deus tem
O maior foi dar à mãe 
O leite para o seu filho

Madrugada

Carlos Baleia / Fernando Silva
Repertório de Jorge Batista da Silva


Nasceu a madrugada em mil desejos
E havia insensatez no meu olhar
Uma ânsia d’amor sorvendo beijos
Que o tempo cruel não me quis dar

Criei minhas manhãs de nevoeiro
Qual príncipe a viver seu sonho louco
E assim fugindo do mundo verdadeiro
Fui-me enganando em noites de sufoco

Difusa imagem de um amor vivido
Real ou irreal, na alma impresso
Com um raio de esperança sem sentido
E outros que segredam teu regresso

E então tudo à volta em luz se agita
Num sol de promessas estonteantes
Acalmando sentimentos de desdita
Augurando madrugadas triunfantes

Alma fadista

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada a 03.03.1932 na edição Nº 245 do Jornal GUITARRA de PORTUGAL
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Quanto é lindo o nosso Fado
Numa cadência dolente
E no tom afadistado
Da mulher d’antigamente

Quanto é lindo o nosso Fado 
Na boca das cantadeiras
A recordar o passado 
Das fadistas verdadeiras

Numa cadência dolente 
Daquela mulher bairrista
Que sabe cantar e sente 
Revive o fado fadista

E no tom afadistado 
Tem mais valor a cantiga
Por ser o fado arrastado 
Dessa Mouraria antiga

Da mulher d’antigamente 
E da sua tradição
Vive o fado eternamente 
Dentro do meu coração

Se eu fosse fado vadio

Letra de Lopes Vitor
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Se eu fosse o fado vadio
Alugava madrugadas
Dentro de velhas tipóias
E aceitava o desafio
Em forma de desgarradas
Com severas e rambóias

Se eu fosse o fado vadio
Tirava sangue das veias 
Para t’o dar com fervor
E no chão do desvario
Ficava paredes-meias 
No fogo do nosso amor

Se eu fosse o fado vadio
Era guitarra, lanterna 
Era xaile, era harmonia
Era a corrente de um rio
Alongado na caverna 
A correr prá Mouraria

Se eu fosse o fado vadio
Era sonho, era alvorada 
Medronho, rosa, silveira
Fazia da noite um rio
E morria, madrugada 
Lá no Cacau da Ribeira

Padroeiras de Portugal

Letra de Gabriel de Oliveira
Transcrita no livro de A.Victor Machado, “Ídolos do Fado” 1937 
com a indicação de pertencer ao repertório de Natália dos Anjos 
e ser cantada na música do Fado Mortalhas de Armando Machado
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Senhora da Boa Hora
Do alto da Serra das Neves
O meu amor foi-se embora
Já lá vai p’la barra fora
Pois que em boa hora o leves

Senhora da Boa Viagem
Lá vai ele no convés
Faz parte da marinhagem
Sobe aos mastros, tem coragem
Boa viagem lhe dês

Senhora da Boa Esperança
Protege-o no alto mar
Que o mar alto só descansa
Quando tu lhe dás bonança
Dá-lhe esp’rança de voltar

Carta à Maria

Manuel Casimiro / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Eduarda Maria
Este tema também foi gravado com o título "Carta a Manuel"

Manuel, cá recebi
A carta em que me dizias
Que entre nós tudo acabou
E foi com espanto que li
Que no mundo há mais Marias
E eu p'ra ti já nada sou

Não me ofende o teu desdém  
Nem me atinge o teu desprezo
Podes pois ficar em paz
Até juro, nota bem 
Pela luz que tanto prezo
Que nunca mais me verás

Pode ser que outra Maria 
Satisfaça teus desejos
E cumpra a tua vontade
Estou certa que nesse dia 
Lembrarás meus castos beijos 
Co’a mais profunda saudade

Vou dobrar este papel 
E aproveito p’ra dizer-te
Pela luz que me alumia
Que para ti, Manuel 
Embora não queira ver-te
Sou sempre a mesma Maria

Flores no lodo

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada a 10.11.1938 na edição Nº352 do Jornal GUITARRA de PORTUGAL
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel.

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Nas ruas mal afamadas
Do bairro da Mouraria
Há raparigas honradas
Puras como a luz do dia


Dizem que o factor miséria 
Faz milhões de desgraçadas
Mas há tanta mulher séria 
Nas ruas mal afamadas

Há meninas elegantes 
Que se perdem na orgia
Mas essas vivem distantes 
Do bairro da Mouraria

Se a Mouraria descobre 
A vida das malfadadas
Também nesse bairro pobre 
Há raparigas honradas

E se lá houve rameiras 
A gente honesta sabia
Guardar as filhas solteiras 
Puras como a luz do dia

Perguntas ao vento

Carlos Baleia / Fernando Silva
Repertório de Jorge Batista da Silva


Que mistério havia em teu olhar
Que fez mudar o mundo em meu redor
Que segredos trazias no andar
Que pacto tinhas tu com o amor;
São perguntas que, louco, faço ao vento
Que não cuida de mim nem um momento

Suspenso no sorriso que me dás
Surpresa que na noite me ilumina
Eu sinto que no teu sorrir fugaz
Há todo um poder que me domina;
E me arrasta na sombra que se afasta
Numa caminhada inútil e madrasta

Meu amor, teu rosto de passagem
Qual invasor cruel e abusivo
Deixou em mim o padrão dessa viagem
Que me deu o pesar em que ora vivo;
Castigo de um amar em sofrimento
Na esperança que me dês contentamento

Os meus olhos

Letra de Gabriel de Oliveira
Do arquivo de Francisco Mendes, com a indicação de pertencer 
ao repertório de Natália dos Anjos
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Já tenho os olhos inchados
Farta de tanto chorar
Vão quatro dias passados
E o meu amor sem voltar


Não me deites ao desdém 
Tira-me destes cuidados
Quatro dias chegam bem 
Já tenho os olhos inchados

Não sabes compreender 
O valor do meu penar
Saudosa de te não ver 
Farta de tanto chorar

Ao menos tem caridade 
Olha os meus olhos, coitados
A chorarem de saudade 
Vão quatro dias passados

Deste viver sofredor 
Não consigo descansar
À espera do meu amor 
E o meu amor sem voltar

Estações

Letra de António Cálem
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível.

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Quem me dera, quem me dera
Que fosses como os demais
Que fosses só Primavera
Primavera e nada mais

Mas és Verão em meus sentidos
És calor e és verdade
E eu visto gestos perdidos
Para te cantar à vontade

É que o Outono que eu sou
Só pôde florir agora
Desde que em mim começou
O ser só teu, hora a hora

O Inverno virá depois 
Mas deixa a neve e o frio
Que importa, se somos dois 
Contra o mundo em desafio?

Deserto de amor

Carlos Baleia / João Machado
Repertório de Jorge Batista da Silva


Ando no deserto e a areia é um mar
Com o vento perto e o sol a queimar

Vou na caravana lenta e multicor
Longe da tirana por quem sinto amor

Vejo uma palmeira e a sua miragem
E desta maneira eu sigo a viagem

Mas neste deserto caminho às escuras
Sem ter trilho certo prás suas loucuras

Sei como os seus lábios e seus finos dedos
Com talentos sábios, fabricam segredos

E lembro as orgias de palavras roucas
E as suas magias de carícias loucas

O vento suão sem ler alfarrábios
Sabe da paixão das mãos e dos lábios

E a onda d’areia, sempre a avançar
Vem de volta e meia tudo recordar

Tenda multicor de tantos segredos
Oásis de amor sem ter arvoredos

Ó moura encantada de uma tal miragem
És o tudo e o nada da minha viagem

A Justa

Letra de Linhares Barbosa e Gabriel de Oliveira
Publicada a 11.04.1935 na edição Nº319 do Jornal Guitarra de Portugal
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação 
credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Nos seus caprichos, a Justa
Vive à larga, tem brilhantes
Se acaso a vida lhe custa
A Justa nunca se assusta
Vive à custa dos amantes

Passou-lhe à porta a desgraça 
E a Justa, sem mais demora
De S. Francisco, por graça 
Pôs as armas na vidraça
E a desgraça foi-se embora

Diz-se que foi um desgosto 
Que a fez gostar desta vida
Pintou o rosto indisposto 
E numa noite de agosto
Por gosto se fez perdida

Como as ralações são lérias 
Misérias que Deus criou
Nunca pensa em coisas sérias 
E não se ajeita às misérias
Que a gente série inventou

A Justa desperta intrigas 
Por se ligar aos da alta
Pertence a todas as ligas 
Que casam as raparigas
Depois da primeira falta

Depois da primeira falta 
A Justa, como é robusta
Já lutou no “Capitólio” 
A todo o “sport” se ajusta
Mas, no “Capitólio”, a Justa
Não ganhou para o petróleo

Ilha inventada

Carlos Baleia / João Machado
Repertório de Jorge Batista da Silva


Num mar de pura invenção 
Existe a ilha inventada
Um penhasco, uma enseada 
Um promontório, um vulcão
Um campo por cultivar 
Um ribeiro d'água pura
Arbustos a balouçar
 Raios de sol e ternura

Um homem, uma mulher 
Um fruto e uma serpente
Uma tentação qualquer 
E um demónio presente
Uma queda anunciada 
Um paraíso perdido
Na bela ilha inventada
 Por um Deus meio divertido

Ilha encantada
Tapete de fantasia
Uma invenção adiada
Uma dentada sadia
A maçã saboreada
Uma história de ironia
Um desejo de regresso 
Ao encanto dessa ilha;
Um repetido começo
Uma fé que ainda brilha
Através do fumo espesso 
Cercado de maresia

Ventos de forte corrente 
Sem marés de cortesia
Trazem barcaças de gente 
Aos portos da fantasia
E nesse mar de invenção 
Nessa terra arquitetada 
Continua a construção 
Da ilha nunca acabada

Oração dum fadista

Lopes Vitor / Franklim Godinho
Repertório de Vicência Lima 
Este tema aparece atribuído a Moita Girão no livro
*Poetas Populares do Fado-Tradicional* de
Daniel Gouveia e Francisco Mendes

Se a memória não me ilude
Há quem tenha já chamado
À Senhora da Saúde
A Padroeira do Fado

Mora numa capelinha 
Cheia de encanto divino
Na Mouraria velhinha 
Onde o Fado foi menino

Todos fadistas lá vão 
Numa lágrima sentida
P'ra rezar uma oração 
Do fado da própria vida

Virgem de Graças sem fim 
Se dos fadistas és mãe
Pede a Deus, pede por mim 
Que eu canto o Fado também
- - - 
Versão original

Se a memória não me ilude
Há quem tenha já chamado
À Senhora da Saúde
A Padroeira do Fado

Mora numa capelinha 
Cheia de encanto divino
Na Mouraria velhinha 
Onde o Fado foi menino

Muitos fadistas lá vão 
Numa lágrima sentida
Soluçar em oração 
O fado da própria vida

E a Virgem do seu altar 
Abençoa certamente
Quem vive a vida a cantar 
A vida de toda a gente

Virgem de Graças sem fim 
Se dos fadistas és mãe
Pede a Deus, pede por mim 
Que canto o Fado também

Quase primavera

Letra de António Cálem
Repertório de João Braga
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel.

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Nada faltou nesse dia
Havia sol, Primavera
Havia esperança no ar
E a certeza duma espera

E era tal essa certeza
Que tu surgiste por fim
Havia sol, Primavera
Tu e eu e um jardim

Parecia nada faltar
Era o mundo ali à mão
Parecia nada faltar
Faltou o teu coração

Marés perdidas

Carlos Baleia / Nuno Nazareth Fernandes
Repertório de Jorge Batista da Silva

Sou como um mar encrespado
Pelas ondas vindas de ti
Nesse teu vento soprado
Em fúrias como não vi

Ando nas marés perdidas
Desta tormenta que inventas
Navegando despedidas
Que sofrem quando te ausentas

Meu vaivém que é incessante
Perdeu pontos cardeais
Que agora a cada instante
Querem saber onde vais;
As ondas, já desoladas
Vão perdendo seu vigor
E voam espumas salgadas
Que choram p’lo meu amor


Neste oceano infinito
Que 'inda hoje desconheces
Não ouves sequer meu grito
E se o ouves, logo o esqueces

Quebram-se as ondas na areia
Numa solidão sem esperança
Em noites de lua cheia
Sem que em mim haja mudança

Meu Portugal

Augusto Gil (1a estrofe) Linhares Barbosa
Publicada a 25.11.1937 na edição Nº335 do Jornal 
GUITARRA de PORTUGAL com a indicação de pertencer 
ao repertório de Fernanda Amália
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel.

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Quem por amor se perdeu
Não chore, não tenha pena
Uma das santas do céu
Foi Maria Madalena

És um saquinho feito de retalhos
De flores e galhos, malva-rosa e espigas
Meu Portugal… Oh! Terra tão bonita
Saco de chita cheio de cantigas

E desde o Algarve até ao Minho verde
O Sol se perde pelos teus atalhos
Hortas, jardins, no meio um carreirinho
És um saquinho feito de retalhos

Tens um sopro de divina essência
Essa inocência das canções amigas
Canções que ensopam ócios e trabalhos
De flores e galhos, malva-rosa e espigas

Tens a meiguice das ingénuas lendas
Arca de prendas, Deusa e favorita
Banhas o corpo em águas de cristal
Meu Portugal… Oh! Terra tão bonita

Nas romarias a arraiais fugazes
Tocam rapazes, cantam raparigas
Tu és na Europa uma nação bendita
Saco de chita cheio de cantigas

Hora em que te vi

António Cálem / Pedro Rodrigues
Repertório de Carlos Barra


Entre um vago despertar
O teu olhar me dizia
Que na terra não havia
Nem o sol nem o luar

Então falei-te de mim 
Que ‘inda havia coração
E prendi a tua mão 
Apunhalando-me a mim

A noite ficou suspensa 
Como a aguardar o seu fim
E a noite disse que não 
Mas tu disseste que sim

Para quê fugir agora 
Se não fugia de ti?
Fugir, era fugir da hora 
Nessa noite em que te vi