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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.330' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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A tua sina

João de Freitas / Alberto Lopes *fado dois tons*
Repertório de Lucília Gomes


Tiraste sinas e sinas
E sempre o não te apareceu
Não sei porque te amofinas
Se a tua sina sou eu


Foste mau, foste perjuro 
Seguiste novas rotinas
Mas receando o futuro 
Tiraste sinas e sinas

Depois de nelas descreres 
A tua fé se perdeu
Desfolhaste malmequeres 
E sempre o não te apareceu

E prossegues no teu fado 
Com outras mas não atinas
Mas se tu és o culpado 
Não sei porque te amofinas

E assim vagueando vais 
Mas ouve um conselho meu
Amor, não procures mais 
Que a tua sina sou eu

Eu depois dou-te a resposta

Letra de Carlos Conde
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credível

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Se não sabes pegar toiros
Ser grande a conquistar loiros
E altivo numa toirada
Se não sabes ser assim
Não andes atrás de mim
Que daqui não levas nada

Se não tens alma nem garra
P’ra abraçar uma guitarra 
Sentir e cantar o fado
Se não sabes ser fadista 
Segue outro rumo, outra pista
Que p’ra cá vens enganado

Se não sabes ser gingão
Riscar e falar calão 
Ter conquistas e aventuras
Persegue outras raparigas 
A mim não, não me persigas
Que eu não sou quem tu procuras

Mas se és gingão ou forcado
Se dedilhas bem o fado
E o cantar não te desgosta
Então podes esperar 
Que eu pró ano vou pensar
E depois dou-te a resposta

Oração fadista

João de Freitas / Popular *fado menor*
Repertório de José Borges e Isabel de Oliveira


Numa noite, na viela
Dum bairro mal afamado
Caiu do céu uma estrela
E alguém disse que era o Fado

Desde então quem sofre e sente 
Algum desgosto de amor
Tem nesta canção dolente 
O lenitivo prá dor

Pois o Fado é uma reza
Que cantando nos dá calma
Sendo a canção portuguesa
Que mais fala à nossa alma

É tristeza, sofrimento 
Saudade, melancolia
A expandir o sentimento 
De quem sofre dia a dia

E uma guitarra a tanger
A nossa linda canção
Até parece gemer
Nas cordas dum coração

E esta canção sem igual 
Quando a cantar qualquer voz
Nós sentimos Portugal 
A vibrar dentro de nós

A Fernando Maurício

Letra de Artur Soares Pereira
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credível
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Eu nasci na Mouraria
Quando eu nasci, quem diria
Ter comigo esta virtude
O dom de cantar o Fado
Nesse bairro abençoado
P’la Senhora da Saúde

Ao começar a cantar 
Fiz-me sempre apadrinhar 
Por fadistas doutra era
Pois nasci, por sina minha
 Nessa viela estreitinha
Onde morreu a Severa

Os anos foram passando 
Eu fui crescendo e cantando
Fiz do Fado a minha lei
E hoje, já embranquecido
Não estou nada arrependido
De lhe dar tudo o que dei

A Mouraria não esquece 
Qualquer um que a engrandece 
E eu já fui recompensado
Pois a casa onde nasci 
Onde brinquei e cresci
Tem o meu nome gravado

Do poial da tua porta

Linahares Barbosa / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Manuel de Almeida

Do poial da tua porta
Uma pedra queria ser
P’ra quando tu me pisasses
Eu ´inda te agradecer


Que seria humilhação
Podes pensar e dizer
Mas como querer é poder
O resto pouco me importa;
Do poial da tua porta
Uma pedra eu queria ser


Quando saísses, falar-te
Primeiro do que ninguém
E quando entrasses também
Ser o último a adorar-te;
Com o meu auxílio ajudar-te
A subir ou a descer
Alta noite adormecer
E acordar quando acordasses;
P’ra quando tu me pisasses
Ainda te agradecer

Fado sonho

Francisco Radamanto / José Marques *fado rigoroso*
Repertório de João Ferreira Rosa


Na minha cama só estava deitado
E sem poder dormir pus-me a sonhar
Eu sonho muitas vezes acordado
E o que sonhei então vou-lhes contar

Era uma tarde linda… vinham toiros
Correndo, estrada fora, para a praça
Onde os toureiros vão conquistar loiros
Entusiasmando ao rubro, a populaça

Eu andava p’ra’li entontecido
Com o sol, com a luz e co’a algazarra
De repente, porém, fui atraído
Pelo doce trinar duma guitarra

Era o Fado… mas o Fado rigoroso
Cantava-o a Severa, a preceito
Co’a guitarra nas mãos do Vimioso
Gemia anseios de fogo no peito

Eu então, fadista como era
Peguei numa guitarra, fui tocar
Cantei ao desafio com a Severa
- - - 
Versão original publicada no livro
*Poetas Populares do Fado Tradicional* 
de Daniel Gouveia e Francisco Mendes

Há dias tive um sonho, que engraçado
Ninguém pode supor o que eu sonhei
Na tribuna da vida do passado
Em Carriche, fui eu quem mais brilhei

Na minha cama só estava deitada
Mas sem poder dormir pus-me a sonhar
Eu sonho muitas vezes acordado
E o que sonhei então vou-lhes contar

Era uma tarde linda… vinham toiros
Correndo, estrada fora, para a praça
Onde os toureiros vão procurar loiros
Entusiasmando, ao rubro, a populaça

Eu andava p’ra’li entontecida
Pelo sol, pela cor, pela algazarra
De repente, porém, fui atraída
Pelo doce trinar duma guitarra

Era o Fado… mas o Fado rigoroso
Cantava-o a Severa, com preceito
E a guitarra nas mãos do Vimioso
Punha anseios de fogo no meu peito

Sentindo-me então fadista como era
A rascoa cigana, quis cantar
Cantei ao desafio com a Severa
Mas isto, meus senhores, foi a sonhar

Ai Lisboa, Lisboa

João de Freitas / Popular *fado mouraria*
Repertório de José Moreira

Certa noite percorri
Bairros da Lisboa amada
E não sei o que senti
Ao vê-la assim tão mudada

Comecei p’la velha Alfama 
E p’la antiga Mouraria
Bairros que guardam a fama 
Do fado de cada dia

Depois subi ao Castelo 
Ao Bairro Alto, à Graça
E o meu sonho tão singelo 
Foi como nuvem que passa

Fui de Alcântara até Belém 
E por fim, na Madragoa
É que eu consegui ver bem 
Como é triste esta Lisboa

Perdeu tudo, até o Fado 
Já não tem a dor sentida
Ó Lisboa do passado 
Teus bairros tinham mais vida

Esta estrofe não foi gravada
E mesmo assim és tão querida 
És glória do passado
Tens o Tejo enamorado 
Bem longe o teu nome soa;
Não há Fado sem Lisboa
Nem há Lisboa sem Fado

Loucura de amor

Letra de Isidoro de Oliveira
Para o repertório de Ana Marina
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Quando eu quis saber o que é preciso
P’ra viver esta vida e ser feliz
Disseram que a vivesse com juízo
Segui esse conselho e assim fiz

Fiz por ser virtuosa e recatada
Fugindo das paixões da mocidade
Mas penso que fui mal aconselhada
Porque não encontrei a felicidade

Cansada de ver vã minha procura
Esse velho conselho abandonei
Procurei felicidade na loucura
Na loucura o amor eu encontrei

Quem ama é feliz com coisa pouca
Bendito seja o dia em que te vi
Agora sou feliz porque estou louca
Estou louca de amor, de amor por ti

Fado Alice

Maria Alice Santos / Armando Augusto Freire *fado alice*
Repertório de Maria Silva “Mariazinha”


Foi-se contigo a alegria
Venho triste bate que bate
Tenho a tua companhia
Na saudade que deixaste

E a saudade que tu sentes
Pouca que me faz morrer
Estaríamos ausentes
Sem deixarmos de nos ver

Tem tanta graça teus olhos
Que ainda não pude entender
Se para ver foram feitos
Ou feitos p’ra gente os ver

Nota: A música deste “Fado Alice”, não tem nada que ver com 
o “Fado Alice ou Raquel” da autoria de Frederico de Brito (Britinho)
cantado por Fernando Farinha, na letra “Minha Mãe”.

Maria, na quinta-feira

Linhares Barbosa / José Duarte *fado seixal*
Repertório de João Casanova
A gravação apresenta algumas diferenças em relação à letra original 
aqui apresentada e transcrita do livro editado pela 
Academia da Guitarra e do Fado

Maria, na quinta feira
Dou-te um xaile de merino
Como queres ser cantadeira
Segue lá o teu destino
E vive à tua maneira

Mas toma muito cuidado 
Porque o fado tem seus “quês”
Canta de xaile traçado 
Põe um lenço português 
Porque assim é que é o Fado

O mundo vai censurar 
Ao ver-te cantar de lenço
Mas deixa o vulgo falar 
Se ele pensar como eu penso
Decerto se há-de calar

O lenço é gentil brasão 
Que a tradição nos cedeu
E se o Fado é oração
Não é de cabeça ao “léu” 
Que se faz a confissão

A Mouraria morreu 
Ficas tu prá recordar
Com um lenço bem plebeu 
E um xaile de agasalhar
Podes dizer que sou teu

Altivez

Frederico de Brito / Linhares Barbosa / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Filipe Duarte

Se deixaste de ser minha
Não deixei de ser quem era
Por morrer uma andorinha
Não acaba a Primavera


Se o fio do amor se parte 
Quase deixa de ser linha
De que me serve encontrar-te 
Se deixaste de ser minha

És o dia que passou 
E o que morreu não se espera
Julgas-me triste e não sou 
Não deixei de ser quem era

Não sou como o rouxinol 
Daquela canção velhinha
Que odiava a luz do sol 
Por morrer uma andorinha

Ninguém falece de amor 
Ninguém assim desespera
Ao desfolhar-se uma flor 
Não acaba a Primavera

Arrufos

João de Freitas / Fernando Freitas
Repertório de Ercília Costa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Quem nunca se casou, não pode calcular
O sofrimento atroz da vida da mulher
Por isso, com tristeza, eu vou aqui narrar
O que aconteceu e acontece a qualquer

Desconfiava dele, do seu sorrir
E andávamos há dias arrufados
Por isso, cada qual ia dormir
Em quartos bem distantes, separados

Uma noite trovejou e eu, cheia de terror
Queria mostrar-me forte e resistir ao medo
Mas um trovão maior encheu-me de pavor
Fugi p’ra junto dele e o resto é um segredo

E desde aquela noite de trovões
Em que ficámos ambos perdoados
Podemos ter centenas de questões
Que nunca mais dormimos separados

Perguntas

Linhares Barbosa / Alfredo Duarte *fado louco*
Repertório de Manuel de Almeida
A última estrofe foi ligeiramente alterada pelo intérprete

Tu fazes perguntas tais
Quantos beijos te dei eu
Eu não sei, mas foram mais
Do que estrelas tem o céu

Diz-me, cabecinha tonta 
Se alguém poderá contar
Aquela conta sem conta 
Das ondas que andam no mar

Diz-me se alguém adivinha 
A água que cai no rio
Quando a chuva miudinha 
Dura três horas a fio

No mundo dos impossíveis 
Ninguém pode, ‘inda que queira
Contar os grãos invisíveis 
Duma nuvem de poeira

Tudo isto ainda os sábios 
Podem em cálculo juntar
Mas os beijos que te dei 
Ninguém pode calcular

3ª estrofe original
Segundo o livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Mas tudo isto ‘inda os sábios
Num cálculo podem juntar
Mas os beijos dos meus lábios
Ninguém pode calcular

Prisioneiro

Letra de António Cálem
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação 
credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


A noite é silêncio em mim
Solidão sem ver o fim
O fim a que hei-de chegar
Mesmo a manhã doutro dia
É outra noite mais fria
Que o mais frio despertar

Ao meu redor tudo é noite
E a lua lembra uma foice 
A ceifar no céu estrelas
Oiço guitarras ao longe
E sombras de não sei donde 
É noite... não posso vê-las

Mais que a noite, o coração
Bate às grades da prisão 
Em que o tenho prisioneiro
E eu, que amo a liberdade
Sei que morro na verdade 
De alma e de corpo inteiro

Pelas ruas da cidade

Mote de João de Deus / Glosa de Linhares Barbosa
Popular *fado das horas*
Repertório de José Pracana
O mote não foi gravado, nem a décima referente ao 1º verso.

Era já noite cerrada
Dizia o filho p’ra mãe
Debaixo daquela arcada
Passava-se a noite bem

Pelas ruas da cidade
E sem ter onde se acoite
Ao bater da meia noite
Anda a pobreza à vontade;
Sozinho, de tenra idade
Um petiz que nada tem
Lá anda nesse vai-vem
Da desgraça que o consome
É mais um dia de fome
Dizia o filho prá mãe

E a pobre mãe tosseando
Ao ver o filho a chorar
Não tendo pão p’ra lhe dar
Murmura, quase, rezando;
Meu Deus, que me vês penando
Tem pena de mim, coitada
Ó minha mãe, não é nada
Diz-lhe o filho a sorrir
Anda, que vamos dormir
Debaixo daquela arcada

Beijaram-se ternamente
E lá se foram os dois
Alguns momentos depois
E a mãe dizia somente;
Meu filho, como estou contente
‘inda vens a ser alguém
E o teu pai, lá no além
Decerto vela por ti
Mas se o pai estivesse aqui
Passava-se a noite bem

Ser fadista

Letra de Gabriel de Oliveira
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação 
credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Ser fadista é ser valente
Saber encarar de frente
Uma navalha a brilhar
Honrar o pai e a mãe
Não roubar nada a ninguém
E viver a trabalhar

É ser homem decidido
Audacioso, atrevido 
Ter fama, falar calão
Mas da sua triste féria
Repartir com a miséria 
Mostrando ter coração

É ter amantes, dar brado
Tocar e cantar o fado 
Na boémia das noitadas
É também na oficina
Seguir aquela rotina 
Que faz as mãos calejadas

Queixas

João de Freitas / Armando Machado
Repertório de Maria de Lourdes Machado


Podes ir a toda a parte, meu amor
Pois se tens prazer com isso, não me importa
Quase sempre vens para casa com o alvor
E tudo quanto te digo é letra morta;
Podes ir a toda a parte, meu amor
Que eu estarei sempre disposta a abrir-te a porta

Dizes andar toda a noite com amigos
Pode ser uma mentira ou uma verdade
Pois se a vida não é boa sem castigos
Não me castigues assim, por caridade;
Dizes andar toda a noite com amigos
Mas não vás onde houver vício e maldade

Bem, se tu pudesses ler meu pensamento
Terias pena de mim, tenho a certeza
Não me deixavas entregue ao meu tormento
De esperar noites inteiras na incerteza;
Mas se tu pudesses ler meu pensamento
Verias como ele está cheio de tristeza

Tu és homem, meu esposo, meu senhor
Causa justa desta vã divagação
Nossos filhos são os elos deste amor
Em que penso a toda a hora e com razão;
Tu és homem, meu esposo, meu senhor
E eu só quero para mim teu coração

Ardinas

Linhares Barbosa / Carlos Simões Neves *fado tamanquinhas*
Repertório de Filipe Duarte


Ardinas tão pequeninos
Que vindes da Madragoa
Quem vos fez, índa meninos
Os mais belos bailarinos
Das ruas desta Lisboa?

Perguntei isto na esperança 
Responderam-me os ardinas
Copiámos esta dança 
Das nossas mães, as varinas 
Que dançam desde criança

E lá marcharam os dois 
Porque eram dois, os petizes
Cabelos em caracóis 
Olhos claros, felizes 
Como alegres rouxinóis

Vi-os à noite, as silhuetas
Dos garotos, sob as luzes
Pareciam borboletas 
Os jornais e as maletas 
Eram asas suas cruzes

Querem prender a mentira

João de Freitas / Nuno de Aguiar
Repertório de Nuno de Aguiar


Querem prender a mentira
Que é a alma da traição
Porque não prendem os sonhos
Que tão mentirosos são?

Até chega a ser incrível 
Aqueles a que o bem inspira
Como se fosse possível 
Querem prender a mentira

Porque a mentira afinal 
Aliada à tentação
É irmã gémea do mal 
Que é a alma da traição

Mas se ela é irreverente 
E causa casos tristonhos
Eu pergunto a toda a gente 
Porque não prendem os sonhos?

Que, cheios de fantasias 
E muita vez sem razão
Dão-nos esperanças, alegrias 
E tão mentirosos são

Partiu

João de Freitas / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Henrique Manuel


Ela partiu com outro sem o amar
Talvez por um capricho de momento
Agora vive só, anda a penar
Tendo por companhia o sofrimento

Eu devia odiá-la, mas não posso
Desejar-lhe sofrer lenta agonia
Mas rezo com fervor um Padre-Nosso
P’ra que ela arrependida volte ainda

Se o amor para alguns é doce bem
P’ra outros muita vez só entristece
Pois há lá dor maior que amar alguém
Que nem sequer desprezo nos merece

Adormeceu a Mouraria

Letra de Moita Girão
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro *Poetas populares do fado tradicional* de
Daniel Gouveia e Francisco Mendes


A chuva vai caindo na calçada
Calou-se uma guitarra que gemia
Apagou-se uma luz de madrugada
Adormeceu a velha Mouraria


O vento geme num triste assobio
Pela viela não se enxerga nada
Suavemente, num chorar macio
A chuva vai caindo na calçada

Numa garganta rouca, o fado chora
Como se fosse doce melodia
E na taberna que fechou agora
Calou-se uma guitarra que gemia

Um faia passa, num gingar piela
Uma mulher arrasta a cruz pesada
Num rés-do-chão fechou-se uma janela
Apagou-se uma luz de madrugada

Fechou-se agora o último postigo
Tudo é silêncio, nesta noite fria
À luz do gás dum candeeiro antigo
Adormeceu a velha Mouraria

Não jures

João de Freitas / Alfredo Mendes *fado das juras*
Repertório de Lucília Gomes
Esta letra (com algumas alterações) está publicada no livro editado pela
Academia da Guitarra e do Fado com o título *Falsas promessas*


Por muito que tu jures eu não quero
Jamais acreditar nas tuas juras
Ao princípio julgava-te sincero
E perdoei-te todas as loucuras

Por muito que jurasses não podia
Esquecer as mentiras desse amor
E os dias que passei numa agonia
Sentindo o coração estalar de dor

Podes ameaçar que eu não receio
Nem custa ameaçar uma mulher
Se o amor para ti foi devaneio
Eu sofro, mas farei por te esquecer

Eu sei que continuas a jurar
A outras, falso amor com voz sentida
Mas eu prefiro isso a ter que andar
Enganada por juras toda a vida

Um beijo numa chinela

Letra de Frederico de Brito
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Numa praça não sei onde
A Severa, ardente e bela
Mandou à cara dum conde
Um beijo numa chinela


A história que nada esconde 
Jamais se as coisas dão brado
Fala dum caso passado 
Numa praça não sei onde

Muito alegre e tagarela 
Já no auge da corrida
Chegara toda garrida 
A Severa, ardente e bela

Ao toiro que não responde 
Mandou uma rosa brava
E a chinela que calçava 
Mandou à cara dum conde

E fê-lo para mostrar 
Da maneira mais singela
Como se pode atirar 
Um beijo numa chinela

Tempo que passa

Letra de Isidro de Oliveira
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Foi futuro no passado
O que chamamos presente
Um dia será chamado
Passado por outra gente

O que chamamos presente 
É pouco mais que miragem
É o tempo de passagem 
Correndo constantemente
Tão ligeiro que nem se sente 
Caminhar ao nosso lado
Sorrateiro e disfarçado 
Dando e tirando o que temos
Este tempo que vivemos
Foi futuro no passado

Um dia será chamado
Ao que é nova antiguidade
Quem hoje tem mocidade 
Irá ser antepassado
E quando então for lembrado 
O que se vive e se sente
Vê-se de forma diferente 
Seja vergonha ou glória
Será um tempo da história
Passado por outra gente

P’ra vida nasce a criança 
Na vida aumenta a idade
A vida ao chegar traz esperança 
Ao partir deixa saudade

Quadras à desgarrada

De Gabriel de Oliveira
Transcritas do livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional* 
de Daniel Gouveia e Francisco Mendes

1.ª cantadeira
Em vossa honra, senhores 
Já que fui tão bem tratada
Desafio os cantadores 
A cantar à desgarrada

1.º cantador
Sem que queira dar nas vistas 
Aceito o repto lançado
Um fadista, onde há fadistas 
Não pode ficar calado

2.ª cantadeira
Sou das fadistas mais novas 
Sou da nova geração
Mas nunca me nego a provas 
Contra fadistas que o são

2º cantador

A minha pobre garganta 
Já não tem a voz de outrora
Mas quando canta, ainda canta 
Ao pé das vozes de agora

3.ª cantadeira

Sigo a antiga tradição 
Das cantigas ao despique
Sou dum bairro de eleição 
Nasci em Campo de Ourique

3.º cantador
Não cedo o melhor lugar 
Pertence-me a primazia
Pois venho representar 
O Bairro da Mouraria

4.ª cantadeira
Depreciar não pretendo 
Cantador de tanta fama
Sou bem nova mas defendo 
O velho Bairro de Alfama

4.º cantador

Entre fadistas de lei 
Com meu concurso não falto
Tenho orgulho em ser da grei 
Nascido no Bairro Alto

Para finalizar

Cantámos ao desafio 
Como fadistas leiais
Onde há fadistas de brio 
Nunca pode haver rivais

O teu desprezo

João de Freitas / Júlio Proença *fado puxavante*
Repertório de César Morgado


Ó meu amor, não desprezes
O amor que eu te quero dar
Nós desprezamos às vezes
O que nos pode faltar

A sofrer tenho vivido
Sem que ao menos me sorrias
E assim vou passando os dias
Neste amor mal sucedido

Ai, quem me dera poder
Beijar-te sofregamente
E mostrar-te finalmente
A força do meu querer

Não choro a sorte ruim
Por não me quereres dar um beijo
Sofro mais quando te vejo
E não olhas para mim

Eu não quero que me aceites
Por compaixão ou favor
Quero apenas que respeites
Quem por ti sofre de amor

De noite

António Cálem / Popular *fado mouraria*
Repertório de Kátia Guerreiro
Desconheço se esta letra foi gravada
Publicoo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Passou a noite por mim
Tão de leve ela passou
Que quase que não tocou
Esta flor neste jardim

Passou a noite em luar
Em lindas quadras rimadas
Em lentos contos de fadas
Passou a noite a cantar

Mas o seu canto foi tal
Que despertou a alvorada
Foi-se o luar, foi-se a fada
Dessa noite sem igual

Podes voltar

João de Freitas / Joaquim Campos *fado vitória*
Repertório de Fernanda Maria


Vivias num mar desfeito
Sobre as vagas soçobravas
Preso de louca paixão
E encontraste no meu peito
Aquilo que procuravas
P’ra curar teu coração

Julgava-me tão feliz
Passei dias venturosos 
De inteira felicidade
Mas o destino não quis
P’ra mim dias tão ditosos 
E impôs-me a sua vontade

Tornaste a vê-la e quebraste
As juras que tinhas feito 
De nunca lhe perdoar
Não te censuro e ficaste
Com um lugar no meu peito 
Se quiseres, podes voltar

Cantinhos

Letra de Francisco Radamanto
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credível

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Papo-seco aí do canto
Escute, não seja mau
Você agrada-me tanto
Que, se escutasse o meu canto
Isso p’ra mim era um pau

Sempre metido a um canto 
Você é muito acanhado
E por isso é que eu lhe canto
A ver se quebro o encanto 
Do seu ar envergonhado

Oiça-me, fite-me, assim 
Veja que a minh’alma é sua
Perca a vergonha por fim
Não tenha medo de mim 
Que não como gente crua

Em acabando o meu canto 
Vou p’ra o seu canto e depois
Com meiguice, com quebranto
Vai toda a gente com espanto 
Ver sair juntos os dois

Papo-seco, seja amigo 
Coragem, dê-me carinhos
E sem temer qualquer perigo
Venha esta noite comigo 
Brincar aos cinco cantinhos

Não me apareças mais

João de Freitas / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Quinita Gomes

Não me apareças mais, ó meu amor
Sem essa veste antiga que trajavas
E sem o teu chapéu posto a rigor
Que eu gostava de ver e tu usavas

Não me apareças mais sem jaquetão
E a calça justa à perna, sem alarde
Pois, por te ver assim, meu coração
Ficou louco por ti, naquela tarde

Não me apareças mais sem a melena
No teu rosto moreno a realçar
Quando não, eu farei alguma cena
E até o nosso amor pode acabar

Se o mundo censurar, eu não me importa
Que tragas trajo antigo e a banza ao lado
Pois terás sempre aberta a minha porta
Porque eu gosto de ti afadistado

Cabelo branco

Mote de José Ferreira / Desenvolvimento de Isidoro de Oliveira
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Cabelo branco é saudade
Da mocidade perdida
Às vezes não é da idade
É dos desgostos da vida

Da mocidade perdida 
Só resta recordação
Do tempo em que o coração 
Dava o compasso da vida;
A cabeça encanecida 
Faz lembrar a felicidade
Dos tempos da mocidade 
Mas nas loucuras de amor;
O cabelo perde a cor
Cabelo branco é saudade

Às vezes não é da idade 
Pois o tempo que passou
Andou sempre, não parou; 
Bem contra a nossa vontade
É esta a triste verdade 
Andamos na nossa lida
E o tempo de corrida 
A todos nós envelhece;
Mas se o cabelo embranquece
É dos desgostos da vida

Fado das mágoas

João Ferreira Rosa / D.Pedro de Lafões
Repertório de João Ferreira Rosa


Quantas mágoas vejo eu
Em teus olhos, quando me olhas
São mágoas vindas do céu
Que minhas mágoas consolam

Em nossas trocas de olhar
Perguntas te vou fazer
Tu respondes sem falar
Eu oiço só por te ver

É por isso que agradeço
O olhar que Deus te deu
E que não vejo e não esqueço
São mágoas vindas do céu

Obreiros da mandriice

Letra de Henrique Rego
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credível

Transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Depois de muitos anos aplicados
Ao labor, que é dos pobres a divisa
Fui repousar os ossos já cansados
Nos braços indolentes da preguiça

Senti-lhe arfar o desmedido peito
Tremer-lhe as pernas, respirar a custo
Por isso, perguntei-lhe, contrafeito
Se o meu cansaço lhe metia susto

Olhou para mim franzindo as sobrancelhas
E respondeu-me com desembaraço;
Já mantenho amizades muito velhas
Com aqueles que sofrem de cansaço

Eu sei que os paladinos do trabalho
Talvez na percentagem de um por cento
Dizem, abertamente, que não valho
Um átomo de pó lançado ao vento

Não repara essa gente injusta e louca
Que por castigo ou sorte negregada
Não como nada sem abrir a boca
Sem dar aos dentes não mastigo nada

Tenho que os olhos fatalmente abrir
P’ra desviar-me deste vale de abrolhos
E quando extenuada vou dormir
Tenho o trabalho de fechar os olhos

Àqueles que me querem infamar
Pergunto-lhes, em voz potente e forte:
Se o comer, o dormir, o passear
Não é trabalho que nos leva à morte?!

Desde então eu lastimo os desgraçados
Que levam seus atarefados dias
Postados nos passeios e encostados
Às portas dos cafés e leitarias

Não conheces a saudade

Isidoro de Oliveira / Filipe Pinto *fado meia noite*
Repertório de Ana Marina
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

A saudade nunca viste
Não a podes encontrar
Ela entra porque saíste
E sai ao ver-te chegar


Vem-me fazer companhia 
Quando me vê só e triste
Como és a minha alegria 
A saudade nunca viste

A saudade, a presumir 
Toma sempre o teu lugar
Se chegas, tem de partir 
Não a podes encontrar

Se tu estás, nada me importa 
A saudade nem existe
Quando sais, abro-lhe a porta 
Ela entra porque saíste

Tão bem de ti vem dizer
Que se deve envergonhar
Tem vergonha de te ver
E sai ao ver-te chegar

Mentiroso

João de Freitas / Pedro Rodrigues
Repertório de Leonor Santos


Só p’lo prazer de mentir
Mentes a cada momento
Com um perfeito à vontade
Que até chego a sorrir
Com o teu descaramento
Em faltares tanto à verdade

Tu juras que me és fiel
Que te importa se o pecado
Faz parte da tua lida
Ou tu não fosses aquele
Já bastante acostumado 
Às mentiras desta vida

São falsos os teus ensejos 
Quando a sós me vais jurando 
Que és meu e de mais ninguém
Até quem sabe, se os beijos 
Que me dás de quando em quando
São mentirosos também

Tu mentes quando ao falar
Em tom doce e carinhoso 
A tua boca sorri
Que eu até chego a pensar
Se não fosses mentiroso 
Eu não gostava de ti

Cantoria

Letra e música de João Ferreira Rosa
Repertório de João Ferreira Rosa


Nasce da água uma flor
De cada noite outro dia
Ai, meu amor, meu amor
De ti nasce a alegria

Depois de fado tristeza
Outro cantar eu queria
Não ser mais candeia acesa
Triste luz de quem sofria;
Ai, meu amor, meu amor
De ti nasce a alegria

Na Vila de Salvaterra

Letra de Isidro de Oliveira / Alfredo Correeiro *marcha do Correeiro*
Repertório de Inês Vila-Lobos
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Na vila de Salvaterra
Conta lenda que se aferra
Ao povo de Portugal
Que o luto toldou um dia
O calor e a alegria
Duma tourada real

Conde d’Arcos por má sorte
Viera encontrar a morte 
Na vila de Salvaterra
E o brinde que é d’uso e lei
Fê-lo morrer por El Rei 
Como se morre na guerra

Sai da tribuna ao terreiro
D’El Rei o velho estribeiro 
Ninguém o pode deter
Solta a capa nua a espada
Firme provoca a arrancada 
P’ra matar ou p’ra morrer

A praça de lés a lés 
Vê o touro rolar-lhe aos pés 
Cessam gritos cessam brados
Na vila de Salvaterra 
Cortam silêncio que aterra
Sinos dobrando a finados

Quem ma contou não sabia 
Se é verdade ou fantasia
O que a velha história encerra
Eu só sei que nunca mais 
Houve touradas reais
Na vila de Salvaterra

Não me chames trigueirinha

João de Freitas / Armandinho *fado da adiça*
Repertório de Arminda da Conceição


Não me chames trigueirinha
Que eu não gosto, já te disse
Chama-me antes moreninha
Porque contém mais meiguice

Se tu és o meu senhor
E eu a tua rainha
Em nome do nosso amor
Não me chames trigueirinha

Posso dar-te a vida inteira
Embora seja tolice
Mas não me chames trigueira
Que eu não gosto, já te disse


Não penses que é por vaidade
Ou por qualquer birra minha
Portanto, faz-me a vontade
Chama-me antes moreninha

Pois sempre à boca pequena
Ao passar sem garridice
Todos me chamam morena
Porque contém mais meiguice

A estrofe transcrita a verde não foi gravada

A vida

Quadras de Henrique Rego
Publicadas no jornal Guitarra de Portugal de 1 de Janeiro de 1935
Transcritas do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Fazer anos para quê? 
Se os anos que nós fazemos
É mais um passo que damos 
No trilho que percorremos

A Vida, só nessa idade 
Sentimos que ela começa
E como é tarde dizemos 
Que a vida vai tão depressa

Os anos passam correndo 
E enquanto correm os anos
Vamos colhendo saudades 
Na senda dos desenganos

E os anos sempre correndo 
Levam-nos a outra idade
Queremos cantar a vida
E só choramos saudade

Na mocidade a tristeza 
Nunca se pode encontrar
Os moços passam os anos 
Sem cuidado de os contar

Vem a geada do tempo 
Embranquecer-nos a fronte
Já não enxergam os olhos 
Os alvores do horizonte

E quanto mais anos fazem 
Sempre a correr… a correr
Os moços, sempre sonhando 
Mais anos querem fazer

E como já não sabemos 
Os dias que se afundaram
Vamos contando p’los dedos 
Os anos que já passaram

Bendita seja essa idade  
Em que os anos são esp’ranças
São qual pranto passageiro 
Nos olhitos das crianças

Descendo a encosta da vida 
Vamos tão velhos, tão gastos
Que levamos a nossa alma 
Atrás de nós, mas de rastos

Mas o tempo vai correndo 
A vida dura um instante
E temos então vontade 
De não passar adiante

E a vida passa… deixá-lo 
Vamos sonhar outra sorte
Somos crianças dormindo 
No eterno berço da morte

É que levamos a vida 
Numa constante doidice
E por mais belos que sejam 
Os anos trazem velhice

Os anos que nós passamos 
São o traço de união
Que liga o primeiro sonho 
À derradeira ilusão

Janela da vida

João de Freitas / Franklim Godinho
Repertório de Maria da Fé


À janela debruçada
Julguei, certa madrugada
Ter passado a minha vida
E nesse instante lembrei
As lágrimas que chorei
Por tanta jura fingida

A seguir, vinha a tristeza 
A dor, a mágoa, a incerteza
Que eu trazia no meu peito
A paixão, a luz, a treva 
E o amor que o vento leva
Após um sonho desfeito

Atrás, vinha o nosso fado 
Esse fado afadistado
O que nasceu na viela
E ao vê-lo, senti tal calma 
Que o cantei com toda a alma
Debruçada na janela

Punhal de ensanguamento

Letra de António Cálem
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


O sentir ou não sentir
É um punhal ensanguentado
Que mata quase a sorrir
Que canta e nem sei se é fado

A ferida que tu abriste
Deixa sangue entre os meus dedos
Dei-te um amor que nunca viste
Que era todo o meu segredo

Porque não soubeste ver
Um amor que era só teu?
Nem soubeste compreender
O sonho que me perdeu?

Ó nascente do meu mal
Que já não sei estancar
O punhal, doce punhal
Sempre no peito a sangrar

Porque fingimos

João de Freitas / Casimiro Ramos *fado da freira*
Repertório de Francisco Martinho


Eu finjo que não padeço
Tu finges não dar apreço
A este ardor que sentimos
E assim, não nos entendemos
Pois se nós ambos sofremos
Afinal porque fingimos?

Tu finges não te importar
Que eu passe a vida a penar 
Numa constante agonia
E eu fingindo não te querer 
Sei que te faço sofrer 
Hora a hora, noite e dia

Tu juras amar alguém
Mas é mentira, sei bem 
Não tenhas essa ilusão
Eu neste meu desespero
De fingir que não te quero 
Minto ao próprio coração

Portanto, reconsidera
Dá por finda essa quimera 
Que maldiz nosso viver
P’ra não andarmos assim
Tu tendo pena de mim 
E eu pena do teu viver

Vergéis de sonho

Letra de Henrique Rego
Desconheço se esta letra foi gravada. 
Publico-a na esperança de obter informação credível
Transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Letra publicada no jornal Guitarra de Portugal de 30 de Abril de 1936

Foi uma rosa, lânguida e vermelha
Que em tempos vi, num dúlcido vergel
Abrir as folhas para que uma abelha
Perdidamente lhe libasse o mel

Pouco depois a delicada rosa
Taça divina duma cor purpúrea
Foi pela brisa, branda e vaporosa
Beijada com mil beijos de luxúria

Fui junto dela e acarinhei de leve
As veludíneas pétalas de encanto
E em seu nectário vi cair, em breve
Límpidas gotas dum orvalho santo

Anoiteceu!... e no vergel tranquilo
Já não zumbia a diligente abelha
Poisei, então, meus lábios em sigilo
Naquela rosa lânguida e vermelha

Votei à flor esta sagrada jura,
Que hei-de cumprir com muita devoção
Ao amor e aos enlevos da natura
Abrir de par em par meu coração

É sempre um triste fado

João de Freitas / Rapsódia de fados
Repertório de Miguel Silva

Fado Luso de Armando Silva
Neste viver magoado
Deu-me o destino o condão
A voz p’ra cantar o Fado
A nossa linda canção

Fado Tamanquinhas de Carlos Simões Neves

Tenho tentado cumprir
Com sentimento e com calma
E vou vivendo a carpir
Sem nunca poder fugir
Ao que sinto em minha alma

Fado Britinho de Frederito de Brito

O nosso Fado cantando
Vou meu caminho singrando
Muita vez com desespero
Sem deixar adivinhar
Que também vivo a penar
E da vida nada espero

Fado Margarida de Miguel Ramos
Isto acontece sempre a quem cantar
Talvez por uma estranha tradição
Conseguindo no peito sufocar
Os soluções e os ais dum coração

Fado Alexandrino de Joaquim Campos
E, se alguém duvidar, não deve conhecer
A nostalgia e dor dum peito amargurado
Mas p’ra quem for fadista e saiba o que é sofrer
Esta vida afinal é sempre um triste Fado

Não me queres?

Letra de Frederico de Brito
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Não me queres? é bem feito
‘Inda bem que assim preferes
Ao menos não ‘stou sujeito
A qu’er-te porque me queres

Não me queres? paciência; 
Está bem; eu dou-te razão
Um sim por condescendência 
É bem pior do que um não

Não me queres? fazes bem 
Foi o melhor que fizeste
Mas não digas a ninguém 
Que um dia já me quiseste

Não me queres? pouco importa 
Nada mais te vou pedir
Perdi a chave da porta 
Do teu quarto de dormir

Castigo

João de Freitas / Pedro Rodrigues *fado primavera*
Repertório de Maria da Fé


Porque foi, por que razão
Mataste o meu coração
Hoje nem te quero ver
Porque não foste sincero
Mas eu agora não quero
Não quero ver-te sofrer

Andas com outra, bem sei
Teu proceder odiei 
Desejando o teu castigo
Que sofresses tanto, tanto
Que a amargura do teu pranto 
Eu partilhasse contigo

Se ela um dia te deixar
E se vieres procurar 
Outra vez meu coração
Eu irei rogar aos céus
Pedindo perdão a Deus 
Por te dar o meu perdão

Um fadista

Gabriel de Oliveira / Manuel Soares *fado portugal*
Repertório de Frutuoso França

Um bom fadista
Numa revista com galhardia
Sempre que canta 
Põe na garganta mais melodia

Deve cantar 
Sem vacilar, uma cantiga
Num lindo fado 
Muito arrastado à moda antiga

Não é actor, mas tem valor
Nobreza e calma
Quando a cantar 
Sabe arrancar pedaços de alma

Um bom fadista 
É um artista perante o povo
Deve mostrar
Quando a cantar, um estilo novo

O fado antigo 
É um amigo por nós eleito
Ninguém o esquece
Pois bem merece todo o respeito

Dizem agora 
Que o fado outrora era canalha
E foi cretino 
Por ser do signo de quem trabalha

Disse-te em ondas verdades

António Cálem / José Lopes *fado Lopes*
Repertório de António de Noronha
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Disse-te em ondas verdades
Que foram morrer na areia
Falei de amor e saudade
Numa noite em maré cheia

Só as gaivotas voltaram
O resto ficou no mar
Os olhos que te sonharam
Não mais te podem sonhar

Por isso esta praia nua
Que eu vim encontrar depois
Não sei se um dia foi tua
Nem se foi de nós os dois

Desilusão

Henrique Rego / Joaquim Campos *alexandrino*
Repertório de Ercília Costa


Quando deixei meu lar a minha mãe chorava
Vencida pela dor do nosso apartamento
E eu sorria então; meu peito suspirava
Por outro lar feliz, sem pranto e sem tormento

Mas a desilusão quebrou o meu encanto
Como o acordar quebra o sono mais profundo
P’las ruas da desgraça eu arrastei o meu pranto
E tornei-me da noite um astro vagabundo

Um dia fui bater ao lar abandonado
E achei a solidão na casa onde nasci
E desde então me fiz remorso dum passado
Repleto de afeição, que por amor vendi

A minha guitarra

Henrique Rego / Popular *fado menor*
Repertório de Alfredo Marceneiro
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Ando triste mas que importa
Há muito que eu ando triste
Se o mundo nada conforta
A mágoa que em mim existe

Um rouxinol fez o ninho 
Na beira do meu telhado
Para aprender, coitadinho 
Comigo a cantar o fado

Minha guitarra é vaidosa 
Mas vaidosa com encanto
Sente-se toda orgulhosa 
Todas as vezes que canto

Dizem que o fado desgraça 
O fado de muita gente
Mentira, o fado não passa 
Dum fado que qualquer sente

É o fado com certeza 
A alma dum desgraçado
Que na terra portuguesa 
Anda a cumprir o seu fado

Fado dos provérbios

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada na edição nº 276 do jornal Canção do sul em 16.06.1941 
com a indicação de pertencer ao repertório de Natália dos anjos
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

O passado é letra morta
Ferida curada não dói
O que lá vai não se vê
Quando me batem à porta
Nunca pergunto quem foi
Pergunto apenas quem é


É senhor quem tem dinheiro 
Nem todo o homem é mouro 
Sem gume a faca não corta
O tempo é bom conselheiro 
Nem tudo o que luz é ouro
O passado é letra morta

A vida é feita de abrolhos
Dizem que o trabalho mói 
E quem é crente descrê
Lágrimas brilham nos olhos
Ferida curada não dói 
O que lá vai não se vê

Devagar se vai ao longe 
Vergado ao peso da cruz
O pobre tudo suporta
O hábito faz o monge 
Da discussão nasce a luz
Quando me batem à porta

Pão dos pobres é ventura
Sempre Deus nos abençoe 
Muito pode quem tem fé!
E, quando alguém me procura
Nunca pergunto quem foi 
Pergunto apenas quem é

A Maria

Vânia Duarte / Bruno Chaveiro
Repertório de Vânia Duarte

Era uma vez uma vizinha
Que espreitava da janela
E o carteiro na viela
Veio contar-lhe a novidade
Sabes Maria, o teu rapaz voltou
De sorriso no rosto a Maria corou

Não me digas que é desta
AI que vou casar agora
Já perdida a esperança
O vestido na lembrança
Pareço uma criança
Com o coração na mão

Mas o rapaz não apareceu
O que foi que aconteceu?
Foi o amor que se perdeu
No meio da confusão
E agora a Maria
Estava triste e tão sozinha
Com o tanto que sofreu

Ainda não é desta
Já não vou casar agora
Está perdida a esperança
O vestido na lembrança
Pareço uma criança
Com o coração na mão

Se ainda não é desta
Se não vou casar agora
A esperança na lembrança
Ainda dança uma criança
Com o coração na mão

Fogueira apagada

Letra de Frederico de Brito
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Eu já sei que nunca mais
Hei-de ver na minha rua
Uma festa como aquela

Que bonitos arraiais
Que voz linda que era a tua
Que saudades tenho dela

Da fogueira à minha porta 
Onde ardeu minh’alma inteira
Como a lenha ardendo aos molhos
Só ficou a cinza morta 
E o bailar doutra fogueira
Na fogueira dos meus olhos

Das cantigas que cantaste 
Numa roda aonde entrámos
Foi um vira, me parece
Da maneira que bailaste 
Dos abraços que trocámos
Podes crer que não me esquece

Dos balões que eu vi subindo 
Caprichosos no seu rumo 
E nas suas virações
Só ficou um sonho lindo
Muito leve como o fumo 
Que saía dos balões

Eu já sei que nunca mais 
Me dás outros manjericos
Que saudade tenho deles
Já não voltam arraiais 
Nem já vejo bailaricos
Tão bonitos como aqueles

Fado do Retiro

Chianca de Garcia e Ramada Curto / Raúl Ferrão
Repertório de Hermínia Silva no filme Aldeia da Roupa Branca / 1939

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
 


tão fresca a melancia
Como a boca da mulher
Nas tardes de romaria
Rapazes é que é beber;
Chega a gente ao fim do dia
Sem dar p’lo anoitecer

É para esquecer, é para aquecer
Que assim a beber
Tu me vês a vida inteira 
Com este copo na mão
Quem tem de sofrer
Mais vale beber até poder ter
O sangue duma videira 
Cá dentro do coração

Ó tristeza vai-te embora
Que a vida passa a correr
Se não te alegras agora
Quando é que o hás-de fazer;
Bota vinho a toda a hora
Canta, canta até poder

Se calha haver zaragata
Com um freguês que tem mau vinho
P’ra não estragar a frescata
É dizer-lhe com jeitinho;
Bebe lá mais meia lata
Vá lá mais um pastelinho

Recordações

Letra de Gabriel de Oliveira
Do arquivo de Francisco Mendes
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Do tempo da fadistagem 
De jaquetão de ratina
E calça à boca de sino
Conservo uma tatuagem 
Uma guitarra em surdina
E os alamares do varino


Nasci num bairro fadista 
Da nossa velha Lisboa
Criei-me na malandragem
Mas trabalho, sou artista 
Como toda a gente boa
Do tempo da fadistagem

Num Café de camareiras 
Ao som do fado corrido
Comecei a minha sina
Rodeado de rameiras 
Por me verem já vestido
De jaquetão de ratina

Mais tarde, fui, como poucos 
Da Rua do Capelão
Era um faia figurino
De chapéu à quatro socos 
Um vistoso jaquetão
E calça à boca de sino

Toquei e cantei o fado 
Saí na dança da luta
Perdi-me na tavolagem
Fui preso, fiquei marcado 
E dessa minha conduta
Conservo uma tatuagem

A minha amante, vestia 
Blusa de chita com rendas
E saia de castorina
É filha da Mouraria 
Uma das suas legendas
Uma guitarra em surdina

De tantas leviandades 
Tristezas, mágoas e penas
Vividas no meu destino
Só me restam as saudades 
Um cachecol de melenas
E os alamares do varino

Fado ao luar

Letra de António Cálem
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Ouvi falar nele um dia
Julguei-o da Mouraria
Julguei-o de toda a gente
Mas depois fui-o encontrar
Braço dado com o luar
Sendo da lua somente

Estranho fado que ouvia 
Era a lua que sorria
E ele cantava tão bem
Que o Tejo e os seus navios 
Deixavam rastos perdidos
Para o ouvirem também

Falava dum outro mundo 
Que parecia mais profundo
E que era apenas o seu
Falava de longas velas 
De distantes caravelas
Num reino que se perdeu

Ouvi falar dele um dia 
Julguei-o da Mouraria
Julguei-o de toda a gente
Mas depois fui-o encontrar 
Braço dado com o luar
Sendo da lua somente

Caminhos

Letra de António Cálem
Repertório de Teresa Siqueira
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela 
Academia da Guitarra e do Fado

Tu passaste o teu caminho
E não viste a encruzilhada
Onde um dia te apareci
É que o acaso do destino
Pôs em frente à tua estrada
Alguém que morreu por ti

Passaste e nem sequer viste
A verdade deste olhar 
A cruzar-se com o teu
Tu passaste e mal sorriste
Passaste longe a cantar 
Na noite que te perdeu

Que importa se num sentido
Tinhas o rasto da luz
E tu seguiste o contrário?
Ouve bem o que te digo
Dum braço ao outro da cruz 
Toda a distância é calvário

Fado da triste feia

Raúl Portela
Repertório de Zulmira Miranda na revista Tic Tac
Letra retirada da gravação de Maria Fernanda Soares


Eu cá sou a triste feia
A triste feia, a triste feia
À beleza sempre alheia
Ai… sempre alheia

Quando eu era pequenina
Já minha mãe me dizia
Tu vais ter a triste sina
De ficares para tia

A feia, a feia, a feia, a triste feia
A pobre desprezada
A feia, por ser tão feia
Será sempre desgraçada

Na tristeza dos meus dias
Ai… dos meus dias
Desconheço as alegrias
As alegrias, as alegrias

Mas conforme a sorte
Eu no fundo sou feliz
Serei feia até à morte
Já que Deus assim o quis

Foi aqui na Mouraria

Letra de Frederico de Brito
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Do arquivo Francisco Mendes.
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Eu quis ver a Mouraria
E as voltas que ela tem dado
Só vi que já não havia
Nem Mouraria nem fado

De noite e a horas mortas 
Andei buscando as vielas
Mas não vi as meias portas
Que serviam de janelas

Não vi cortinas de renda 
Não vi brigões das esperas
Nem a Severa da lenda 
Nem mesmo as outras Severas

Ponham numa rua antiga 
Que pode ser a da Guia
Uma lápide que diga: 
Foi aqui na Mouraria

Vencer não é convencer

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada na edição nº 292 do jornal Canção do Sul em 16.02.1942 
com a indicação de pertencer ao repertório de M. dos Santos
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Pode a mentira vencer
Mas convencer é que não
Não tem razão de viver
Quem vive sem ter razão


Não havendo lealdade 
Na forte razão de ser
Em luta contra a verdade 
Pode a mentira vencer

A força pode esmagar 
Uma forte convicção
Pode vencer e quebrar 
Mas convencer é que não

São leis da vida, bem sei 
Mas não podem convencer
Quem vive à margem da lei 
Não tem razão de viver

Quando a verdade percorre 
Os antros de perdição
Vê a razão por que morre 
Quem vive sem ter razão

Não sei porquê

Letra e música de Fernando Freitas
Repertório de Natália dos Anjos

Por ti chorei, sofri e até fui louca
Por ti, sim por ti, porque te amei
Não sei se é por ti que estou perdida
Por ti, ó grande amor da minha vida

Não, não suporto mais 
A tua ingratidão
Deus me faça esquecer 
Esta louca paixão
E nem tolero quem me condena
Longe de ti
Chorando cumpro a minha pena


Se tu me abandonaste, não sei porquê
Nem tu nem eu sabemos a razão
E assim ficamos nós dois sem saber
A causa da nossa separação

Elogio do xaile

Silva Tavares / Filipe Duarte
Repertório de Adelina Fernandes
Estreado por Adelina Fernandes na opereta “Mouraria* em 1926
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*


Porque pasmais do meu xaile 
Foi de xaile, como nós
Que outrora, em traje de baile 
Andaram vossas avós

Julguei poder vir ao baile 
Com o meu xaile?
Que coisa mais portuguesa 
Senhoras d’alta nobreza?!

Até sei duma Marquesa 
De beleza muito rara
Que usou dum xaile, também
P’ra reconquistar alguém 
Que a Severa lhe roubara

Julguei poder vir ao baile 
Com o meu xaile?

Toda a tricana, em Coimbra 
Usa xaile e, sem favores
Bem sabeis como ela timbra 
E vos conquista os doutores
Que coisa mais portuguesa
Senhoras d’alta nobreza?!

Basta, porém, de piadas 
A minha mãe, que Deus tem
Era mulher muito honrada 
E usava xaile também

Roleta

Letra de António Cálem 
Repertório de João Braga
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Eu joguei a minha vida
Como quem joga uma flor
Tinha cor ao meio-dia
Já não a tinha ao sol pôr

No pano verde do mundo 
Perdi tudo o que ganhei
No pano verde do mundo 
Nem uma flor encontrei

A vida joga-se inteira 
Não se diz não ou diz sim
Se a aposta for verdadeira 
Joga-se a morte por fim

Eu joguei a minha vida 
Como quem joga uma flor
Tinha cor ao meio-dia 
Já não a tinha ao sol pôr

Cigano

Linhares Barbosa / Armando Machado *bolero do machado*
Repertório de Ada de Castro


Cigano esguio e trigueiro
Não sei porque me fascinas
Se o bater do teu pandeiro
Se as tuas mãos peregrinas

Quem quem me dera ser cigana
Viver da vida os escolhos
Dentro duma caravana
E na prisão dos teus olhos

Passar a fome que tens passado
Cantar e viver sempre a teu lado


Mentir nas feiras, deixá-lo
Ser como tu, ardilosa
Pedir por um velho cavalo
Uma conta fabulosa

Compreender os dialetos
Das sensuais malaguenhas
Beijar-te os cabelos pretos
Quando a dançar te desgrenhas

Na graça do som das velhas violas
Ouvir o bater das castanholas


Ensina-me a tua fé
Ensina-me tudo isto
Que a tua raça calé 
Também possui fé em cristo;
Ó meu cigano adorado
Em troca ensino-te o fado

Eu não estou p'ra brincadeiras

Frederico de Brito / Filipe Pinto *fado meia-noite antigo*
Repertório de Hermínia Silva

A brincar jurei amar-te
Isto, semanas inteiras
Mas pus a jura de parte
Eu não estou p’ra brincadeiras


Tu mentias-me brincando 
E eu resolvi castigar-te
Por isso, de vez em quando 
A brincar jurei amar-te

Eu passava maus bocados 
Tu suportavas canseiras
E andámos sempre enganados 
Isto, semanas inteiras

P’ra mentir, mesmo a brincar 
‘Inda é preciso ter arte
Eu deixei o tempo andar 
Mas pus a jura de parte

Perdoa se te contristo 
Mas embora tu não queiras
Vamos acabar com isto 
Eu não estou p’ra brincadeiras