Moeda de troca
Repertório de Catarina Rocha
Nunca tive moeda de troca
Para o que recebi da saudade
Mas é só pelo que ela me toca
Que tudo o que canto é verdade;
É essa a moeda de troca
Cantar o meu fado
Para o dar à saudade
Mas às vezes o fado acontece
Sem que a gente entenda o que fez
E o fadista cansado agradece
E chora baixinho outra vez
Quero unir a minha às vossas almas
Sem perder a saudade de vista
Não me importa que me batam palmas
Ou gritem à grande *ahhh fadista*;
Quero ouvir o slêncio das almas
Assim que o mistério do fado as conquista
A minha aldeia
Livro *Poetas Populares do Fado-tradicional*
É tão linda a minha terra
Desde o alto lá da serra
Até à verde campina
Dentre as latadas de vinha
Que a serrania contém
Alveja branca casinha
Onde morreu minha mãe
Peço a Deus em melodias
A graça desta andorinha
Que é fazer findar os dias
Também na branca casinha
Andam bailando sem Deus
Repertório de Carlos Mendes Pereira
Andam bailando sem Deus
Teus olhos cor de avelã
São cruéis como judeus
Deixam a noite nos meus
E fogem com a manhã
Andam pobres desvairados
Numa corrida sem fim
Andam sós, embriagados
E não param de cansados
Não têm sede de mim
Não bebem da água pura
Da fonte dos meus desejos
Andam loucos na loucura
De não acharem segura
A fartura dos meus beijos
Galgo de corrida
Repertório de António Melo Correia
Quando morrer vou deixar
A trela que toda a vida
Lhe custou a suportar
O velho cesto de vime
O Maioral que o arrime
E do canil, o portão
Ordeno ao meu Abegão
A vara que sempre pus
Partida fará a cruz
E se for ,na realidade
Ganhará a liberdade
Amoroso
Repertório de Catarina Rocha
Cessa-me a fome
Cabeça às voltas
Talvez o dia seja só de convulsão
Coram-me as faces
Velhas palavras
Talvez este mal me fuja à razão
E quem sabe seja até um bom pronúncio
Não consigo já ficar só em silêncio
Perigoso, claro indício
Toda a gente sabe já do que padeço
Toda a gente julga até ser o que eu penso
Amoroso endereço
Vida posta do avesso
Última corrida em Salvaterra
Versão do repertório de Manuel Cardoso de Menezes
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
E tem começo a toirada
No camarote real
E nos outros em redor
Enfim, é tarde de toiros
Com todo o seu esplendor
Instante supremo e belo
Que garboso, cavalgando
Trava-se cruento duelo
A montada não resiste
Só o sol, a cena tal
Alheio, impávido assiste
Ecoa no espaço um brado
Capotes rojam no chão
Mas todo o esforço é baldado
Brotam pranto verdadeiro
Pois duas mulheres choraram
A morte do cavaleiro
Vem comigo rapariga
Repertório de Carlos Mendes Pereira
É Quinta-feira de Espiga
Vem comigo rapariga
Tenho a parelha engatada
Os meus cavalos rucilhos
Já viram passar pampilhos
E fogem não tarda nada
Quero chegar bem cedinho
Ver de perto o burburinho
Ouvir estalar os foguetes
E ver vestir os coletes
Vê como o sol é mais quente
E como é longo o poente
Anda raivoso a chorar
Por não poder abraçar
Vem comigo rapariga
E à noite botas cantiga
E na barreira a meu lado
Verás um toiro lidado
Se tu viesses hoje ter comigo
Repertório de José Gonçalez
Se tu viesses hoje ter comigo
Àquela velha casa de nós dois
Ali onde a varanda era abrigo
Duns olhos pendurados no postigo
A reclamar os sonhos pra depois
Se tu viesses hoje de mansinho
Sem que ninguém te visse regressar
Colhia as Buganvílias do caminho
Deixava no portado um só raminho
Pra te pôr no decote a enfeitar
Se tu viesses hoje meu amor
Se tu viesses hoje ser só minha
Sem raivas, sem amarras, sem pudor
Podes crer, meu amor, também eu vinha
Se tu viesses hoje meu amor
Se tu viesses hoje ser só minha
Exangue a desbravar teu corpo em flor
Podes crer, meu amor, também eu vinha
Se tu viesses hoje ao sol poente
Escondia-me na silva mais agreste
Fazia de uma amora confidente
Roubava aquele beijo mais ardente
Ali mesmo nas abas do cipreste
Se tu viesses hoje ao canteiro
Daquelas Margaridas, sem defeitos
Talvez o teu Cupido mais certeiro
Deixasse em minha casa, esse teu cheiro
E enchesse a cama de Amores-Perfeitos
Se tu viesses hoje com a lua
Que sempre vem beijar aquela Malva
Roubava esse teu seio que s’insinua
Espalhava Rosas brancas pela rua
E dizia a toda a gente que te amava
Se tu viesses hoje ter comigo
Àquela velha casa de nós dois
Ali onde a varanda era abrigo
Duns olhos pendurados no postigo
A reclamar os sonhos pra depois
Troca por troca
Versão do repertório de Arminda da Conceição
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
Nosso amor que em má hora desprezaste
Faz-me um favor apenas que te peço
Dá-me somente aquilo que levaste
Dá-me as juras d’amor que te jurei
Na febre de te querer, perdida e louca
Que em troca, com prazer, te entregarei
As mentiras que ouvi da tua boca
Dá-me os beijos d’amor que hoje maldigo
Amor que me tornou a vida agreste
Eu quero devolver-te por castigo
Os beijos venenosos que me déste
Após tudo trocado, há um favor
Que te quero rogar por caridade
Troca-me o teu desprezo por amor
E vem matar, amor, esta saudade
- - -
Aquele falso amor que me juraste
Apenas um favor hoje te peço
Dá-me apenas aquilo que levaste
Dá-me as juras de amor que te jurei
Na febre de te querer, perdida e louca
Que em troca eu também te entregarei
As mentiras que ouvi da tua boca
Dá-me aquela risonha mocidade
Perdida atrás de um sonho encantador
Que eu te darei, depois, toda a maldade
Que me deixaste, em vez dum puro amor
Após tudo trocado, há um favor
Que te quero rogar por caridade
Troca-me o teu desprezo por amor
E vem matar, amor, esta saudade
Desandar do fado
Quando Portugal buscava
No descanso a qualquer hora
Então alguém que a escutava
Sentia-se como impelido
E abrindo o coração
O fado era sentido
Alguém descobriu um dia
E cometeu a vileza
Desde então a fantasia
Roubou-lhe todo o sentido
E o que foi sinceridade
É hoje luxo vendido
Assim o fado à guitarra
Nem estila como é preciso
Não é boémio, nem farra
Impera em tascos burgueses
Hoje é tudo menos fado
O fado era sentido
Desafogo de revezes
É hoje luxo vendido
E não lhe faltam fregueses
Quando Portugal buscava
No descanso a qualquer hora
Então alguém que a escutava
Sentia-se como impelido
E abrindo o coração
O fado era sentido
Trazido por quem voltou
Foi cantar de quem sofreu
Mas para sempre ficou
Que o escutavam muitas vezes
E era quando se ouvia
Desafogo de revezes
Alguém descobriu um dia
E cometeu a vileza
Desde então a fantasia
Roubou-lhe todo o sentido
E o que foi sinceridade
É hoje luxo vendido
Assim o fado à guitarra
Nem estila como é preciso
Não é boémio, nem farra
Impera em tascos burgueses
Hoje é tudo menos fado
E não lhe faltam fregueses
O meu xaile
Repertório de Hermínia Silva
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
Vesti a blusa nova e pus um xaile
Um xaile que eu estreei naquela dia
P’ra ir com o meu rapaz ao baile
Esperei por ele no sítio do costume
Como era já noite alta que não vinha
Movida p’lo orgulho e p’lo ciúme
Dispus-me a ir ao baile e fui sozinha
De súbito, senti puxar p'lo xaile
E ouviu-se nessa altura uma cantiga
E vi o meu rapaz entrar no baile
De braço dado a outra rapariga
Tremi de indignação naquele instante
Mas tive dignidade e dominei-me
E com meu xaile novo e arrogante
Sai do baile só e afastei-me
Nem gestos, nem palavras se trocaram
E o baile continuou sempre animado
Somente nossos olhos se encontraram
E viram que este amor tinha acabado
Alguns meses depois voltei ao baile
Mas dessa vez então dancei com ele
Com outra blusa nova e outro xaile
Saí do arraial p'lo braço dele
Amor do fado
Repertório de Lucília Gomes
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
A quem o fado deu fama
De cantadeira singela
Não sei que tem na garganta
Que quando ela o fado canta
Chora a guitarra com ela
Nesse canteiro bairrista
Um guitarrista afamado
Depois já meses passados
Ao unirem seus dois fados
Jamais a Rosa d’Alfama
Passou só com sua fama
Ditada p’lo coração
Mora essa grande paixão
Agora quando ela canta
A guitarra dele encanta
A vida me fez fadista
Repertório de Carlos Mendes Pereira
Há quem morra de saudade
Por ter saudades de alguém
Eu vivo cheio de ansiedade
Sem saudades de ninguém
E sinto tanta ternura
Que minha dor me tortura
E foi então senão quando
Cantei e vi-te cantando
E nesta tristeza mista
A dor tornou-me fadista
Apartamento
Repertório de Carolina
Lembrava seu corpo ao longe
Um navio naufragado
Disse-lhe adeus, era tarde
Já vinha a sombra a meu lado
Como quem, morta a esperança
Entra em silêncio no mar
Vi seu corpo entrar na treva
Quis-me deitar a afogar
Levei os lábios aos dedos
Caiu-me a noite no peito
Disse-lhe adeus, era tarde
Estava o sonho desfeito
Tudo era noite e segredo
Noite de pedra pesada
Disse-lhe adeus, era tarde
E não lhe disse mais nada
Vassourinha
Repertório de Manuel Fernandes
A minha linda filhinha
Com sua saia de roda
Parece uma vassourinha
A varrer-me a casa toda
Sou pobrezinho, bem sei
Contudo tenho um tesoiro
Nem a riqueza dum rei
Jóia que e minha, só minha
A minha maior riqueza
A minha linda filhinha
Ai quantas vezes regresso
E olhando esse ente querido
Às vezes até pareço
Nada nada me incomoda
Muito linda, pequenina
Com sua saia de roda
E depois, com amor profundo
E julgo ter nos meus braços
E então de beijos inundo
Tão frágil, mas que é rainha
E onde, arrastando o seu manto
Vassourinha que levanta
Em gargalhadas singelas
Tem as feições duma santa
E sem que ao rigor da moda
Deus ma traga toda a vida
A varrer-me a casa toda
Desejo canalha
Versão do repertório de César Morgado
De cada vez que te vejo
Sinto um desejo canalha
Beijar-te e marcar-te o beijo
Co’a ponta duma navalha
Fui libertino, não nego
Mas vi-te, e desde esse dia
Prendeu-me o teu desapego
Agora, tão louco almejo
Que sinto nervos e medo
De cada vez que te vejo
Nervos por tanto desdém
E de ter que te vencer
E então, tal febre me vem
Um tal delírio à navalha
Que ao ver-te rir, sem receio
Sinto um desejo canalha
Vivo a dor dos malfadados
Já sinto os olhos em chama
Os instintos, acordados
Só premeditam o ensejo
Prender e martirizar-te
Beijar-te e marcar-te o beijo
Marcar-to, mas tão somente
Pois seria coisa pouca
Não... marcar-te a ferro quente
Ou então, – que Deus me valha
Marcar-to, por toda a vida
Co’a ponta duma navalha
As ruas
Repertório de Celeste Rodrigues
Nas ruas ando perdida
Sonhando ao sabor do luar
No desejo de encontrar
O sentido p’ra dar à vida
Às ruas peço carinho
Que sempre busquei em vão
E suplico à ilusão
Que ilumine o meu caminho
As ruas são
Sempre que te vais embora
O sítio onde a alma reza
Pedindo a Deus qualquer fim
As ruas são
Esquecimento p’ra a tristeza
Que na minha casa mora
Quando estás longe de mim
Não foste justa comigo
Porque razão meu amor
Tu apagaste o calor
Que havia nos nossos beijos
Se tinhas a cada instante
Nos teus braços um amante
A matar os teus desejos
Porque motivo deixaste
Diz-me amor que não esqueceste
Talvez apenas quiseste
Deixaste-me abandonado
A reviver o passado
Se pudesse amar-te ainda
Seria a coisa mais linda
Não foste justa comigo
Foi muto forte o castigo
Mesmo assim com esta dor
Terás sempre o meu amor
Fado das iscas
Repertório de Hermínia Silva
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
Com conserva à portuguesa
As iscas sabiam bem
Sem elas era um vintém
Quando metia batatas
Trinta reis era um pratinho;
E um tipo nessas frescatas
Enchia o papo de vinho
Belas iscas do Alfaia
Era um petisco burguês
Comido no Alvarez
Uma isquinha a preceito
Aquele cheirinho a isca
A gente quando a petisca
Vicente da Câmara adotou para o seu repertório esta música
Teus olhos são arco-íris
Repertório de Natalino de Jesus
Dois tontos são os teus olhos
Que não têm poiso certo
Amor, não olhes p’ra longe
Sempre que eu esteja por perto
Teus olhos são arco-íris
Ora cinzentos doentes
Doces, cobertos de azul
Eu gosto deles bem verdes
De qualquer cor que sejam
Olha-me como quiseres
Passagens desta vida
Que eu aprendi mal que te vi entre visões
No teu olhar eu encontrei minha guarida
Caprichos vários das passagens desta vida
Eu era triste e sozinha
Só vivia p'rá dor
Perdida em longo caminho
Um dia depois de muito penar
A tua voz me chamou infeliz
Vi então a luz do teu doce olhar
E foi assim que eu comecei a ser feliz
Ó meu amor, minha paixão
Eu tinha dentro do peito ideais
Que criara a sonhar num secreto sentir
Temendo em sonho desfeito meus ais
Desfiava a rezar sem ninguém os ouvir
Mas quando um dia me viste a chorar
Vergada ao peso da minha paixão
Num triste ai começaste a cantar
E foi assim que me salvaste o coração
Fado das mãos criminosas
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
Caprichosas, desoladas
Mãos de miséria
Que jamais um beijo doce vos buscou
Mãos a quem dou
Mãos friorentas
Pobres mãos espavoridas
Agoirentas, doloridas
Já cansadas de sofrer
Mãos de miséria
Que um fadinho na guitarra soluçais
Mãos que gelais
E que a morte há-de aquecer
Esta letra aproxima-se da poesia convencional, não fossem as referências à Severa
Da partitura Fado das Mãos, Sassetti & C.ª, Lisboa, 1918
Fado da traição
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
Ter o calvário, o penar
Que teve a mãe de Jesus
E em vez da cruz de madeira
Eu teria de abraçar
Só em teus braços a cruz
Os teus olhos peregrinos
Dum brilho meigo e sereno
Só revelaram traição
Foram punhais assassinos
Embebidos em veneno
Mataram meu coração
Carta para o degredo
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
Quanto a mim a tua ausência
As maiores ansiedades
De já não te ver voltar
Vou-te uma coisa dizer
Andei a aprender a ler
Já estas letras são minhas
Pedes notícias de alguém
Novas não te dou de quem
Notícias só de bom grado
Ah, cruel, fatal destino
Que fez de ti assassino
Por minha vida te juro
Ou sou tua no futuro
Termino esta vida minha
Manda a tua mãezinha
Aceita milhões de beijos
Fui dizer adeus à barra
Fui dizer adeus à barra
Ao meu amor condenado
Levei-lhe a sua guitarra
P’ra não se esquecer do Fado
Quando de mim se lembrar
Lá nessas terras de além
Ele há-de dizer ao mar
As notas que o fado tem
E as ondas do mar correndo
Trarão o fado consigo
Para assim ele ir sabendo
Quanto sofre o meu amigo
O meu coração foi dele
Como não foi de ninguém
Porque ninguém como aquele
Cantava o fado tão bem.
Letra recolhida por audição do LP Maria Alice
ANT 001, Valentim de Carvalho CI SARL
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
As tuas mãos, guitarrista
Que as cordas fazem vibrar
Que me fizeram fadista
E não deixam que resista
Ao desejo de cantar
A guitarra quer-te tanto
Que te deu consentimento
P’ra desvendares o tormento
Em teu peito tem guarida
Se tu não lhe desses vida
Ficava p’ra ali esquecida
E se a tens abandonado
Mesmo que fosse cantado
Morria com ela o Fado
Tributo a Maurício
Quando eu nasci, quem diria
Ter comigo esta virtude
O dom de cantar o Fado
P’la Senhora da Saúde
Ao começar a cantar
Pois nasci, por sina minha
Os anos foram passando,
Eu fui crescendo e cantando
E hoje, já embranquecido,
Não estou nada arrependido
A Mouraria não esquece
Qualquer um que a engrandece
Pois a casa onde nasci
Onde brinquei e cresci
Entre nós nunca houve nada
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
Porque é que me fere e vive
Este tormento tão estranho
Esta saudade que tenho
Do nada que nunca tive?
Se entre nós não houve nada
Porque é que será, então
Que quando passas começa
A andar-me à roda a cabeça
E aos saltos o coração?
Se entre nós não houve nada
Porque é que, ao sentir-te perto
Toda a vida se resume
Em cor, em luz, em perfume,
E o mundo é um céu aberto?
Se entre nós não houve nada
E se é bom que nada houvesse
Porque é que o nada não presta
E eu poria a alma em festa
Se o «nada» desaparecesse?
Se entre nós não houve nada
Neste ditado me iludo:
Quem porfia sempre alcança
Vou vivendo com a esperança
De que um dia há-de haver tudo
Fado Margarida
Mas a que mais pureza e encanto encerra
É bem a Margarida, a flor dos montes
Margarida do monte, a flor modesta
Corpo de cortesã e alma honesta
Mas, doutra Margarida, agora conte
A eterna «Margarida vai à fonte»
Da formosa canção que o povo canta
De tantas «Margaridas», com certeza
A Margarida sou que menos vale
Singela cantadeira portuguesa
Margarida do Fado em Portugal
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*
A letra que deu origem à música com o mesmo nome, Fado Margarida, composta
Ainda não morri
Ainda não morri pois no meu peito sinto
A bater como outrora este meu coração
Ainda estou aqui por isso não consinto
Que me mandeis agora a vossa compaixão
Ainda não morri, não morri a não ser
Na mente conturbada de quem não quer que viva
Ainda não saí do mundo, podem crer
Muito embora a jornada seja bem cansativa
Ainda não morri, não mandem condolências
Nem digam que não sou capaz de cantar mais
Pois eu não desisti de ser, sem intransigências (a)
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Cantiga da boa gente
Repertório de Amália
Estreado nos cinemas Condes e Roma, em 16/10/1964
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
Três palmos de terra
Vamos p’ró trabalho
Os sinos ao longe dão Avé-Marias
Menino Jesus
Menino Jesus
Acabada a reza
Se alguém bate à porta
Os filhos sorriem
Não há melhor vida
Não invejo nada
E assim vou andando
Fadistas do Bairro Alto
Repertório de Tristão da Silva
Fadistas do Bairro Alto
Dos bons, dos tais que dão brado
Batendo o fado em qualquer feira
Hoje há fadinho batido
Todo mexido, todo a gingar
Que mete fidalgaria
E a companhia que se arranjar
Eh lá... a banza p'ra cá
Vai tudo em corrida
Prá espera de gado
Eh lá... quem vem prá rambóia
Que o fado em tipóia
Parece mais fado
Quem nunca andou na boleia
Não faz ideia duma noitada
Perdida, a bater o gado
Também cansado da ramboiada
E depois, já horas mortas
Bater prás hortas sem descansar
E vir depois do sol alto
P'ró Bairro Alto rir e cantar
- - -
E o pingalim aos estalos
Os meus cavalos, passam à Guia
Vai tudo a passo travado
Tudo afinado pró Corridinho
Mas hão-de parar nas tascas
Dessas mais rascas que há p’lo caminho
Tristão da Silva, que gravou este fado-canção para a etiqueta “Estoril” em 1953
Repare-se que Frederico de Brito segue, nas voltas desta letra, uma estrutura
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
Dito por não dito
Eu nunca faço o que dizes
Perdão, mil vezes perdão
Os infelizes não têm
Culpa de ser infelizes
As coisas são o que são
Sempre que oiço os teus conselhos
Prometo, juro seguir
Caio-te aos pés de joelhos
Beijo-te as mãos a sorrir
É que quando ele aparece
O dono da minha vida
Beijando tudo me esquece
Depois fico arrependida
Mas agora, ó minha mãe
Vou ficar ao pé de ti
Ai de mim, ele aí vem
Chama por mim e sorri
Gaivota das Trinas
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
De manhãzinha passa prá Ribeira
Xaile p’los ombros, canastrinha ao lado
Lá vai gaiata, como vai ligeira
Airosa e fresca trauteando um fado
Chega a fragata, brinca com o arrais
Descalça as chinelas, entra no convés
E já na volta, de regresso ao cais
O próprio Tejo vem beijar-lhe os pés
Maria da Graça
És a graça das varinas
Gaivota das Trinas
Que na Ribeira esvoaça
Os teus amores
Na “lota” já se apregoa
Cuidado com as intrigas
E tu não vás nas cantigas
Do Chico da Madragoa
Se eu possuísse colossal tesouro
Ou se acaso fosse poderoso e rico
Dava-te airosa canastrinha de oiro
Ai que ciúmes eu faria ao Chico
E a canastrinha que anda aí à toa
Tinha outra graça, linda peixeirinha
E entre as varinas lá da Madragoa
Tu tinhas um trono, eras a Rainha
De madrugada passa prá Ribeira
Xaile p’los ombros, canastrinha ao lado
Vai para a “lota”, como vai ligeira
Risonha e fresca trauteando um fado
Chega a fragata, brinca com o arrais
Tira as chinelas, entra no convés
E já na volta, de regresso ao cais
O próprio Tejo vem beijar-lhe os pés
Maria da Graça
És a graça das varinas
Gaivota das Trinas
Que na Ribeira esvoaça
Dos seus amores
Na “lota” já se apregoa
Cautela com as intrigas
E tu não vás nas cantigas
Do Chico da Madragoa
Se eu possuísse colossal tesouro
Se acaso fosse poderoso e rico
Dava-te airosa canastrinha de oiro
A canastrinha que seria a c’roa
Da tua graça, linda peixeirinha
De entre as varinas lá da Madragoa
Tinhas um trono e eras a Rainha
Ai Chico, Chico
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*
-
E cachené ao pescoço
O Chico nas ramboiadas
Punha um bairro em alvoroço
E o fado que é seu castigo
Naquele velho postigo
Ai Chico, Chico do Cachené
Quem te viu antes e quem te vê
Em tosca mesa de pinho
Uma botija com vinho
Por quem o Chico na Agualva
Ai Chico, Chico do Cachené
Quem te viu antes e quem te vê
A jaqueta de alamares
Lá tem a cinta e o barrete
A cabeça embalsamada
Que lhe deu luta danada
Ai Chico, Chico do Cachené
Quem te viu antes e quem te vê
E há mais sol na sua vida
Tira dum saco de chita
Depois de um copo de vinho
E tornam-se, negras, negras
E ali, com todas as regras
Fado do ganga
Versão do repertório de Carlos Ramos
A mourejar cá na roça
É uma grande subida
Como quem puxa a carroça
Quando a gente desanima
Aí, ó tás c’a mosca?
Então, adeus ó vindima
Chego-me à besta e zás
A traulitada inté fumega
À companheira e pás
Vão três borrachos p’rá sossega
Por isso eu digo, ó meu amigo
Que esta assistema é inficaz
É preparar p’ra la pregar
C’a mão no ar e o pé atrás
Até mesmo c’as subsistências
Um inzemplo vou dar já
Quer a gente açúcar, pão
Dizem eles que não há
Esta coisa d’intiquetas
Aí, ó cheira-te a palha
Deixa-se a gente de tretas
E acabou-se o manipólio
Vai-se ao padeiro e zás
Logo do pão vem um cabaz
Ao merceeiro e pás
E logo a gente sastifaz
Meus amigos, esta vida, p’ra quem lida
A mourejar cá na roça
É uma grande subida
Como quem puxa a carroça
Quando a gente desanima
Aí, ó!...
Então, adeus ó vindima
Se não vai chicote a cima
Chego-me à besta e zás
À companheira e trás
Por isso eu digo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar, o pé atrás
Pás!
Mesmo co’as subsistências
A vosselências
Quer a gente açúcar, pão
Dizem eles que não há
Esta léria de intiquetas
Aí, ó!...
Deixa-se a gente de tretas
Acabou-se o manipólio
Vai ao padeiro e zás
Por isso eu digo / Ó meu amigo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar / O pé atrás
Pás!
Até mesmo no Senado, é usado
Pois em pondo um Almeidista
É sabido que há banzé
Quando reúne o Congresso
Aí, ó!...
Em eles estando co’a mosca
Mas eu, cá por mim, confesso
Do que ouvir dizer asneiras
Fala o mestre Camacho
E faz melhor discurso
Por isso eu digo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar , o pé atrás
Pás!
Na guerra dos alimões, co’as nações
Tem um exemplo de estalo
Pois, no fim desta embrulhada
É que há-de cantar de galo
E quando chegar o dia
Aí, ó!...
Então, adeus ó Turquia
Lá vão de ventas à terra
Vai-se a Verdun e pum
Vai-se a Berlim e pim
Por isso eu digo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar, o pé atrás
Pás!
De novo o «31» a aparecer (Arma-se um grande trinta e um), agora mais diluído na
sua metáfora, ou talvez não. De resto, a política atravessaria o teatro de revista ao
longo dos tempos, como ingrediente indispensável à obtenção do efeito cómico.
a censura «apertou» após 1926. Há até quem diga que a revista perdeu uma parte
Nesta letra, as alusões a políticos são várias, sendo a personagem que a canta
um carroceiro (Estêvão Amarante), tirando-se partido do seu mau português.
Fado do Ganga, por Ganga ser o nome da personagem. «Ganga», no Dicionário
recente que incorpora o «Fado da Internet» como anexo, regista-se apenas Ganga
O nosso carroceiro cita as «subsistências», forma por que eram designados os
abastecimentos à população, chegando a haver um Ministério das Subsistências
e Transportes, entre 1918 1 1932
A mensagem de que, apesar dos racionamentos provocados pela I Guerra Mundial
Segue-se a transposição, para o Parlamento, da preconizada rudeza de maneiras.
Depois, a letra cita os «Camachistas», adeptos de Brito Camacho, outro líder
(Quando reúne o Congresso / Dão murros, partem cadeiras)
Ministro do Fomento em 1910-1911, fundador do Partido Unionista.
O assunto do momento era a guerra com os alimões (alemães).
E quando chegar o dia / Em que a gente for p’ra guerra…
Como premonitória e patriótica foi a descrição da queda da Turquia, Alimanha e Áustria
Enfim, a exaltação da traulitada à portuguesa.
Ainda a respeito deste fado, há um episódio curioso, mas pouco conhecido: a certa
e foi a atriz Ema de Oliveira que, em travesti, continuou a interpretar a personagem
Romantismo
Meu amor... já está na hora
E alterarmos a rotina
Depois levo-te a dançar
E ao dançar vou apertar
O teu corpo de menina
Faz tempo que penso nisto
E desta vez não desisto
Ando até a magicar
Numa forma de voltar
Quando o tempo que amanhece
Talvez com a alma erguida
Eu diga; sou teu querida
Alma Rosa
Das flores no jardim do fado
Eras amor e ciúme
Foste paixão e pecado
Tua canção de doçura
Esconsos na tua voz
Eras Alma, inda menina
Cantando p'ra todos nós
Ficou por cumprir o sonho