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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.310' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Trago uma rua no peito

Tó Moliças / Popular *fado das horas*
Repertório de Ricardo Ribeiro

Trago uma rua no peito
Toda empedrada com fado
Que vou pisando com jeito
P’ra não pisar o passado

Quero morrer na saudade 
Que vivo morrendo em ti
Quero os beijos que perdi 
Na traição da felicidade;
Quero morrer na saudade 
Do teu corpo idolatrado
Pra reviver a teu lado 
Este amor puro e perfeito
Trago uma rua no peito
Toda empedrada com fado

E quero a doce loucura 
De te ouvir aqui presente
De te ver à minha frente 
E andar à tua procura;
Quero viver na tortura 
Do teu corpo destroçado
Vago num grito calado 
P’ra te merecer no meu leito
Que vou pisando com jeito
Pra não pisar o passado

Que mãos são essas

Fernando Campos de Castro / Henrique Lourenço *fado cigana*
Repertório de Nélson Duarte

Que mãos são essas que trazes
Essas mãos com que me fazes
Carícias que nunca vi
São duas mãos que se agitam
E em cada gesto me gritam
Palavras que bebo em ti

Que mãos são essas libertas
Nas madrugadas abertas 
De cada noite que temos
São duas mãos de ansiedade
A procurarem verdade 
Nos sonhos que os dois vivemos

Que mãos são essas tão frias
Essas mãos com que fazias 
Carícias como ninguém
Que mãos são essas paradas
Como marés adiadas 
Nas praias que o corpo tem

Que mãos são essas distantes
Essas mãos tão inconstantes 
Que habitam os sonhos meus
Que mãos são essas erguidas
A lembrarem despedidas 
A quem não quer um adeus

Passeio de Santo António

Augusto Gil / Frei Hermano da Câmara
Gravado em fado por Natércia da Conceição

Saíra Santo António do convento
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento
Um cândido sermão sobre o pecado

Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando
E nem notou que a tarde esmorecia
Que vinha a noite plácida baixando

E andando, andando, viu-se num outeiro
Com árvores e casas espalhadas
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas

Surpreendido por se ver tão longe
E fraco por haver andado tanto
Sentou-se a descansar o bom do monge
Com a resignação de quem é santo

O luar, um luar claríssimo nasceu
Num raio dessa linda claridade
O Menino Jesus baixou do céu
Pôs-se a brincar com o capuz do frade

Perto, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais
Os rouxinóis ouviam-se distante
O luar, mais alto, iluminava mais

De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito
Ela trazia ao ombro a cantarinha
Ele trazia… o coração no peito

Sem suspeitarem de que alguém os visse
Trocaram beijos ao luar tranquilo
O Menino, porém, ouviu e disse:
Ó Frei António, o que foi aquilo?

O Santo, erguendo a manga de burel
Para tapar o noivo e a namorada
Mentiu numa voz doce como o mel:
Não sei o que fosse, eu cá não ouvi nada

Uma risada límpida, sonora
Vibrou em notas de oiro no caminho
Ouviste, Frei António? ouviste agora?
Ouvi, Senhor, ouvi, é um passarinho!

Tu não estás com a cabeça boa
Um passarinho a cantar assim!…
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim

Corado como as vestes dos cardeais
Achou esta saída redentora:
Se o Menino Jesus pergunta mais
Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!

Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento
Pegou-lhe ao colo e acrescentou:
Jesus, são horas… e abalaram pró convento

Fado da solidão

Nelson de Barros / Frederico Valério
Repertório de Fernanda Maria

Não sei se voltas ou não
Ou já não és meu... talvez
Só sei que o meu coração
A fé não perdeu... de vez

A noite traz o receio
Faz medo faz
Pois o meu quarto está cheio
De sonhos em que não estás

Não quis dar por coisa vã
Aos nossos fracassos... fim
Feliz, a minha manhã
Nascia em teus braços... sim

Carícia que era calada
Que mal sentias
De te beijar desesperada
Enquanto amor, tu dormias
Ciúmes, tive-os de amante
Como punhais
Mas nunca se ama bastante
Quando não se ama demais

Santa mentira

Domingos G. Costa / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Tristão da Silva

Quando a vires faz-me um favor
Diz-lhe que nunca a amei
Que pode andar à vontade
E que todo aquele amor
Que mentindo lhe jurei
Foi pura leviandade

Diz-lhe mais, que o meu sorriso
Com que ela julgava preso 
O meu coração ao seu
Muita vez me foi preciso
P'ra mascarar o desprezo 
Que na minh’alma viveu

Corre e vai dizer-lhe agora
Que não choro, o ter perdido 
Algum amor verdadeiro
A minha revolta mora
Na razão de não ter sido 
Eu a deixá-la primeiro

E mal me voltou as costas
Esse amigo, os olhos meus 
Ficaram baços de pranto
Fiquei p’ráli de mãos postas
Pedindo perdão a Deus 
Por lhe ter mentido tanto

Ao menos se tu soubesses

Flávio Gil / Raul Pinto
Repertório de Sandra Correia

Soubesses quanto desejo
Do teu nome ter a cor
Tatuada no meu peito
E poderia num beijo
Ser a calma e o calor
Dum ninho mais que perfeito

Soubesses quanto preciso
Das tuas mãos, dos teus dedos
A desenharem-me o rosto
E logo sem pré-aviso
Sem receios nem segredos
Ser-me-ias sol de agosto

Quanto quero, amor-verdade
Ter-te em mim mais do que a mim
De tanto que me aconteces
Ó minha boca metade
Meu princípio, no meu fim
Ao menos se tu soubesses

Longe daqui

Hernâni Correia / Arlindo de Carvalho
Repertório de Amália

Em sonho lá vou de fugida
Tão longe daqui, tão longe
É triste viver tendo a vida
Tão longe daqui, tão longe

Mais triste será quem não sofre
Do amor a prisão sem grades
No meu coração há um cofre
Com jóias que são saudades

Tenho o meu amor para além do rio
E eu cá deste lado cheinha de frio
Tenho o meu amor para além do mar
E tantos abraços e beijos p'ra dar

Ó bem que me dá mil cuidados
Tão longe daqui, tão longe
A lua me leva recados
Tão longe daqui, tão longe

Quem me dera este céu adiante
Correndo veloz no vento
Irás a chegar num instante

Onde está o meu pensamento

Pela mão da dor

Jorge Fernando / Alfredo Duarte *fado versículo*
Repertório de Jorge Nunes

Obrigado, como dóis, mas obrigado
A que fundos de mim mesmo eu desci
Deste de mim a ver um outro lado
E não sei se ainda vivo ou se morri

Mas pla mão dor desci ao meu profundo
Não sabia existir-me em tal lugar
Meus dois olhos só viam p’ra ver o mundo
Sem saber o que há p’ra ver, se os fechar

Onde estou não é onde quero estar agora
Resta-me apenas crescer, mesmo forçado
Vou pôr-te fora de mim, deitar-te fora

Não gostas dela não gostas de mim

José Patrício / Armando Machado *fado licas*
Repertório de José Patrício

Nada mais entre nós há p’ra falar
Estar perto de ti eu já não quero
Jamais tu voltarás a enganar
Quem tinha amor por ti louco e sincero

Disseste não gostar dessa mulher
A quem devo a razão do meu viver
Repara que não é uma qualquer
Foi ela que sofreu ao meu nascer

Por isso nunca mais podes ser minha
Não podemos pisar o mesmo trilho
Se dizes não gostar dessa velhinha
Também não poderás gostar do filho

Um outro amor p’ra mim quero encontrar
Que tenha como eu amor também
Àquela a quem p’ra sempre eu hei-de amar
Pois é a minha querida e santa mãe

Aquele casaco amigo

José Patrício / Georgino de Sousa *fado georgino*
Repertório de José Patrício

Em noite fria sem lua
Encontrei naquela rua
Uma mulher soluçando
Eu dela me aproximei
Com respeito perguntei
Porque é que estava chorando

Ela nada respondeu
Apenas me olhou, Deus meu 
Que tristeza o seu olhar
O meu casaco despi
Os seus ombros eu cobri 
Sem na maldade pensar

P’ra minha casa a levei
A minha cama eu lhe dei 
Outra p’ra mim fui fazer
Mas quando a manhã surgiu
Ela não estava, saiu 
Foi-se sem nada dizer

Que Deus lhe dê bom caminho
Luz de esperança, algum carinho 
Neste mundo de ilusões
Se outro casaco encontrar
E os seus ombros tapar 
Sejam boas intenções

Fado Vasco Graça Moura

Tiago Torres da Silva / Armando Machado *fado licas*
Repertório de Cristina Nóbrega  
Letra cantada na cerimónia de entrega do Prémio 
Amália Rodrigues a Vasco Graça Moura

Há versos que nos fazem ter vontade
De voltar ao lugar de onde partimos
Só para descobrirmos que a saudade
Já estava à nossa espera… e nós não vimos

Há livros que nos fazem ter esperança
De chegar ao lugar da nossa morte
Levando uma palavra na lembrança
 Que, mesmo sem ser dita, nos conforte

Há homens que nos fazem ter coragem
Pra distinguir a dor da solidão
E sabem que o destino da viagem
Se cumpre no bater de um coração

Tu és o Livro e o Homem… és o Verso
Que vive entre a memória e o prazer
E entendes a saudade como um berço
Prós versos que ficaram por escrever

Deixa que te prenda em mim

Ana Lúcia / Jorge Nunes
Repertório de Jorge Nunes

Fica só por um momento
Sente sem pesar-te o tempo
Ver-te faz-me acreditar
Que a vida não se faz pesar

Deixa-me que eu te prenda em mim
Com a alma solta
Que livre, viva preso em ti
Qual asa que volta

Pensa como a voz se cala
Ouve tudo o que nos fala
Quebra o que te fez quebrar
Que a sede ficou por matar

No teu conforto

Letra e musica de Jorge Nunes
Repertório do autor

Sigo tão longa estrada
Noite cerrada no pensamento
O meu lamento
Ver-te prostada

Conforto quando em teus braços
Recordo os laços que em teu abraço
No meu cansaço eu me entreguei
Devolvo à minha alma profunda calma
Quando em teu leito me entrego e deito
Eu me encontrei

Que intensa mágoa no meu peito debruçada
Quando em teus olhos a solidão se fez espelhar
Assim me entrego na razão do teu olhar
Vou-me perder sem me encontrar
E de novo vão brilhar

Eu nasci a ouvir o fado

Linhares Barbosa / Popular *fado corrido*
Repertório de José Freire

Eu nasci a ouvir o fado
Ao colo de minha mãe
A ama que me criou
Cantava o fado também

Comecei de tenra idade 
A puxar prá fadistice
Minha mãe como isto visse 
Quis-me tirar da cidade;
Mas porém, já era tarde 
Estava um faia consumado
Foi num colete encarnado 
Que me cobriram de loiros;
Foi numa espera de toiros 
Que eu ouvi cantar o fado

Cantaram-me belos fados 
E bebeu-se do bom vinho
Gemia o triste pianinho 
Nos seus sons ternos, magoados;
Estávamos todos entrados 
Quando a luta se travou
Um faia que então entrou 
Cantou mais esta cantiga;
Que era linda a rapariga 
A ama que me criou

Que é moda ser-se fadista 
Isto está mais que provado
Todos querem cantar o fado 
Ficam a perder de vista;
O galo quer-se com crista 
Triste de quem não a tem
Todos cantam, mal ou bem 
Até mesmo o padre santo;
Sabendo o fado um encanto
Cantava o fado também

Hora da partida

Jorge Fernando / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Jorge Nunes

À hora da partida, tu partiste
Fria, intransponível, indulgente
Se foi pouco ou se foi muito, decidiste
Entre a gente, não haver nada, entre a gente

Incrédulo pensei: mas porquê isto ?
Que desígnio esfriou o nosso amor
Eu que me vejo vivo e só me existo
Se longe de ti nunca me supôr

Que relação resiste à indiferença
Da fuga persistente a um só abraço
A bater como um pulsar na consciência
A resurmir-se na vida a um triste passo

Então diz-me quem sou, ou quem tu és
Qem que meantros fomos dois e logo após
De me sentires prostrado a teus pés
Os dois nunca mais deu p’ra sermos nós

Raminho de violetas

E. Sobredo / Mário Martins
Repertório de Sara Pinto

Era feliz no seu casamento
Embora o marido 
Escondesse os sentimentos
Era fechado, tinha cara d’inverno
E ela se queixava de que não era terno

Mas o mistério durava há três anos
Eram cartas de um estranho
Cartas cheias de poesia
Que lhe devolviam a alegria

Quem lhe escrevia versos
Ai quem seria
Quem lhe mandava flores 
Num certo dia
Quem é que no seu aniversário
Fazia como os poetas
E lhe mandava um raminho de violetas

Por mais que pense, não adivinha
Quem será aquele que tanto a estima
Porque será que o estranho a não procura
Sorriso aberto e nas mãos a ternura

E nessa angústia sofre em silêncio
Quem pode ser este amor secreto
Sonha com ele de madrugada
Na ilusão de ser desejada

E quando à tarde, regressa o marido
Silencioso, exausto e de si esquecido
Nada lhe diz porque só ele sabe
Que ela é feliz, ignorando a verdade

Porque ele é quem lhe escreve os versos
É o seu amante, o seu amor secreto
E ela que não pode imaginar
Olha o marido e fica a sonhar

Um quê de eternidade

Tiago Torres da Silva / Raul Pereira *fado zé grande*
Repertório de Cristina Nóbrega

Talvez a solidão se torne um mito
Para aqueles que se entregam à saudade
Pois se uma tem um pouco de infinito
A outra tem um quê de eternidade

A solidão não sabe de quem gosta
Por isso é que elas andam sempre juntas
Porque uma é a pergunta sem resposta
E a outra é a resposta sem pergunta

Mas é com a saudade que me entendo
Porque ela se apaixona só por quem
Descobre em cada verso que vai lendo
Que a solidão não gosta de ninguém

Não sei porque é que vai baixando a voz
Nem sei porque é que esconde o que revela
Mas sei que se ela diz gostar de nós
Já não aceita que gostemos dela

Hoje, amanhã e ontem, agora

Carlos Maia e Linda Leonardo / Fernando Silva e Carlos Maia *fado maia
Repertório de Carlos Maia e Linda Leonardo

Esperava-te na curva do caminho
Murmurando o teu nome em pensamento
Agitou-se o meu corpo de mansinho
E mandei-te um recado pelo vento

Acreditei no amor que me trazias
E ergui as mãos ao céu por ser assim
Brinquei com as estrelas, noite e dia
E a noite trouxe a lua para mim

Aonde estás que nem te vi partir
Nem o vento me trouxe o teu adeus
No meu livro de sonhos, por abrir
Um sonho que é agora, apenas meu

Mas não te vás, amor, fica comigo
Olha que a vida te é enganadora
Eu sou e és para mim porto de abrigo
Hoje e amanhã, ontem, agora

Escadinhas da Bica

Tiago Torres da Silva / Pedro Jóia *marcha da bica*
Repertório de Cristina Nóbrega

Eu vivo num bairro pequenino
Com escadinhas que vão dar ao mar
E sobe por elas o destino
De quem vem p’ra rua p’ra cantar

Estende-se a passadeira vermelha
Para a Bica subir as escadinhas
Pôs um brinco d’oiro em cada orelha
E todas as moças são rainhas

O destino não é mau
Para um bairro de tal porte
Sobe-se um degrau, dá-se com um pau
Na tristeza e na má sorte
O destino não é mau
P’ra quem sobe esta ladeira
Salta-se um degrau e vai-se ao cacau
Que se bebe na Ribeira

Dizem que nos falta uma coroa
Que nos ombros não nos pesa um manto
Mas p’ra ser rainha de Lisboa
A Bica tem pouco e já é tanto

Lisboa é um livro de poemas
A Bica é apenas o prefácio
Fez das caravelas, diademas
E das ruas fez o seu palácio

Um fado para Fred Astaire

Tiago Torres da Silva / Alfredo Duarte *menor-versículo*
Repertório de Cristina Nóbrega

No silêncio do meu quarto / de incerteza
Não vos sei dizer se morro / ou ressuscito
Faz-se noite quando parto / com tristeza
E talvez peça socorro / mas não grito

Quem diria que os teus pés / de bailarino
Entrariam para a história / da saudade
E que meio de viés / por teu destino
Brindarias à memória / que me invade

Quase toco a tua mão / presa ao ecrã
Mas tropeço nos meus passos / sem esperança
Não existe solidão / nem amanhã
Quando danço nos teus braços / de criança

Eu é que sou a menina / mas não quero
E não vou mudar de idade / e ai de mim
Se a memória só termina / e volta a zero
Quando acabar a saudade / que é sem fim

Semente viva

Flávio Gil / Mário Pacheco
Repertório de Carolina

Semeei a sombra da tua lembrança
Que agora me assombra 
Perdida de esperança
Semeei os sonhos que nós inventámos
Hoje são medonhos, como nós mudámos

O que aconteceu, o que se passou
Qual de nós morreu
Que eu não sei quem sou
Oh semente viva da minha amargura
Como queres que viva com esta loucura

Na cama vazia onde enfim, desmaio
Sou a gota fria da chuva de maio
Sou a terra ausente da semente triste
Do teu corpo quente sou a tua idade
Que ainda persiste na minha saudade

Essa chuva fria nos meus olhos baços
Chorando a agonia dos nossos cansaços
Somos dois pecados da mesma aventura
Os réus e culpados dum crime-loucura

Ai como demora o teu doce beijo
Veneno que outrora foi o meu desejo
Oh semente viva da minha tristeza
Como queres que viva 
Com esta incerteza

O que aconteceu, o que se passou
Qual de nós morreu 
Que eu não sei quem sou

Outro cansaço

Tiago Torres da Silva / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Cristina Nóbrega

Por trás do espelho não está
Quem fixe os olhos nos meus
Eu olho e vejo p’ra lá
Da imagem que não há
A não ser num breve adeus

Quem se deitou num caixão 
Convencido que era um berço
Ao escutar que alguém diz não
Enche a voz de compaixão 
E transforma o não, num verso

Tudo o que faço, não faço 
Porque não lhe apanho o jeito
Dou um passo e outro passo
Quase morta de cansaço 
Do que ficou por ser feito

O barquinho de papel

Tiago Torres da Silva / Pedro Jóia *marcha da bica*
Repertório de Cristina Nóbrega

Um barquinho de papel
Vai a entrar em Lisboa
Leva o anjo Gabriel... à proa
Foi feito por um menino
Que ninguém sabe quem é
O seu nome pequenino
Apagou-o a maré

Um barquinho de papel
Que qualquer Manel fabrica
Vem preso por um cordel... à Bica
Mas se a maré o arrasta
E a carrega adiante
Sabemos que o sonho basta
Para a alma de um marchante

Quando vê a Bica 
O barquinho fica parado no rio
Não quer ir em frente 
E ao ver essa gente sente-se um navio

Então a criança 
Faz uma aliança com cada alfacinha
E se o vir tristonho
Vai buscar um sonho à nau onde vinha

Um barquinho de papel
Traz desenhado com luz
O coração que o Manel... seduz
E se o Tejo é padrinho
Quando o amor se anuncia
Vai à proa do barquinho
O Manel e a Maria

Poesia dos dias

António Laranjeira / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Carolina

Tu és a luz que se acende
Tu és a paz que se estende
Ao mais profundo de mim
Meu coração é um veleiro
Onde tu és marinheiro
Numa viagem sem fim

Tens o encanto do mundo
Preenches cada segundo 
O mundo é quase perfeito
E quando chegas mais cedo
Meu coração em segredo 
Perde a razão no teu peito

Guardas a vida nos braços
A ternura nos abraços 
Onde me quero perder
Trazes na boca o desejo
Do nosso primeiro beijo 
Que não consigo esquecer

O nosso amor vem do mar
Da luz que tens no olhar 
E da poesia dos dias
Tem a ternura do tempo
A força que tem o vento 
Tristezas e alegrias

Por me ver sozinha assim

Tiago Torres da Silva / Filipe Pinto *fado meia noite*
Repertório de Cristina Nóbrega

O que dói na solidão
Não é o ficar sozinha
É não haver outra mão
Para se agarrar à minha

É não sentir um sorriso 
Nem o barulho de passos
É não ter, quando preciso 
O carinho de dois braços

O pior da solidão 
Sempre que a temos por sina
É saber que o coração 
Já só bate por rotina

É ver que a lua vai alta
Mas não saber do luar
É sentir a tua falta 
E já nem a lamentar

Mas quando perco a razão 
Por me ver sozinha assim
Descubro que a solidão 
É eu estar longe de mim

Balada dos desejos impossíveis

Fernando Pinto do Amaral / António Zambujo
Repertório de Carolina

Pudesse o nosso coração
Ser mais que o lume dos sentidos
Pudesse eu dar-te a minha mão
Quando estivéssemos perdidos
E ver nos gestos proibidos
Do corpo a única certeza
Até ficarmos confundidos
Já para além da natureza

Pudesse a noite mais escura 
Abrir na lenta madrugada
Uma promessa de aventura 
P'lo nosso sangue iluminada
E nessa febre desesperada 
Eu visse enfim, nascer o dia
Até que o nosso próprio nada 
Fosse matéria de alegria

Pudesse aquilo a que chamamos 
Amor, paixão, ou só desejo
Ser mais real quando roubamos 
À morte, o nosso último beijo
Talvez então a luz do Tejo 
Fosse outra luz reflectida
P'lo teu rosto que mal vejo 
E fosses tu a minha vida

Calçada à portuguesa

José Luís Tinoco / Ivan Lins e José Luís Tinoco
Repertório de Carlos do Carmo

Acendem-se os olhos do dia
Um sol feito de água e janelas
Nas ruas e praças, na cal e na pedras
N cais que abrigou caravelas

Do alto das tuas muralhas
É todo o teu corpo que eu vejo
Vestido de claro, de azul e gaivotas
E os olhos no espelho do Tejo

Ai céu que encandeia os meus olhos
Ai estrelas nos olhos do dia
Ai margens que nos contam histórias
Do mar que ninguém conhecia
Ais naus de aventura
Com anjos na proa
Nos portos da minha alegria

No chão feito de preto e branco
Da calçada à portuguesa
Demoro o olhar, escrevo o teu nome
De dona do mar e princesa

Ais naus de aventura
Com anjos na proa
É assim que te vejo, Lisboa

Toda a tristeza do mundo

Tiago Torres da Silva / Francisco José Marques *fado zé negro*
Repertório de Cristina Nóbrega

Dizem que o mundo é tão grande
Que por mais que um homem ande
Não lhe pode ver o fim
O que importa, se no fundo
Tudo o que existe no mundo
Também há dentro de mim

Tenho florestas e mares
Onde as horas e os lugares 
Vêm em passo miúdo
E o mundo não tem tamanho
Porque dentro de mim, tenho 
A vontade de ter tudo

A dor dos outros é minha
E nunca sigo sozinha 
Porque dentro do meu peito
A alma torna-se rio
Que tem água e vai vazio 
Que corre mas não tem leito

Dizem que o mundo é imenso
Mas muitas vezes eu penso 
Que ele é maior e mais triste
Penso assim por ser fadista
Porque do fado se avista 
Toda a tristeza que existe