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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.310' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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O sino

Vicente da Câmara / Popular *fado menor e Mouraria*
Repertório de Vicente da Câmara

Tristezas e alegrias
Podem ser assinaladas
Conforme  se puxa a corda
O sino dá badaladas

Casamento ou batizado 
Que nos enche o coração
Sempre foi anunciado 
P’lo sino tão balalão

Se tange com dor sentida  
Foi alguém que nos deixou
E o sino sente a partida 
Sua voz também mudou

Repicando alegremente 
O sino dança também
Dança na alma da gente 
E todos lhe querem bem

E os crentes na romaria 
Pelo sino são chamados
E à tardinha, a Avé-Maria 
Rezamos ajoelhados

Já é tarde e em revoadas 
Passam pardais a brincar
O sino, dá gargalhadas 
Contente de os ver chegar

O achado

Miguel Torga / Fontes Rocha e João Braga
Repertório de João Braga

Traziam nova terra e nova luz
Nos românticos olhos lusitanos
E uma cruz, e uma cruz
Que depois carregaram largos anos

Traziam todo o anseio que os levou
E que nenhuma Índia satisfez
E traziam a fé que lhes sobrou
Da fé sem fim dessa primeira vez

Traziam a promessa de voltar
A ver se a cor do sonho se mantinha
O puro azul de que se veste o mar
Quando o fim da aventura se avizinha

Cantar é dizer adeus

António Cálem / José António Sabrosa
Repertório de Teresa Siqueira

Cantar é dizer adeus
Às almas em madrugada
É sonhar estar no céu
Tendo o inferno por morada

É morrer como quem canta 
Ou cantar como quem morre
É a voz duma garganta 
Ou dum rio quando corre

E a voz sobe e lá se perde 
Nos que a ouvem sem pensar
Toda a dor posta nuns versos 
Que uma voz diz a cantar

Versos perdidos na noite 
Ouvidos por toda a gente
Quem é que sabe ao ouvi-los 
Toda a dor que a alma sente?

Um pouco de fado

Clemente Pereira / Jorge Fontes
Repertório de Alcindo de Carvalho

Velha samarra 
Que o prende amarra à tradição
Chapéu ao lado
Andar cansado, ainda gingão
Passou por mim
Num ar assim, afadistado
Que no presente
O punha em frente do meu passado

E o meu olhar
Pôde então adivinhar
Na figura singular
Que viu surgir a meu lado
Pelo trajar
Pela maneira de andar
Que tinha visto passar
Um pouco do antigo fado

Falei com ele
Encontrei nele ainda o clarão
Que não se apaga 
Quando se afaga uma paixão
Na sua voz 
Notei, após falar consigo
Que ainda havia a melodia do fado antigo

Afonso de Albuquerque

Miguel Torga / Nuno Nazareth Fernandes
Repertório de João Braga

Quando esta escrevo a Vossa Alteza 
Estou com um soluço que é sinal de morte
Morro à vista de Goa, a fortaleza
Que deixo à Índia a defender-lhe a sorte

Morro de mal com todos que servi
Porque eu servi o rei e o povo todo
Morro quase sem mancha, que não vi
Alma sem mancha à tona deste lodo

De Oeste a Leste a Índia fica vossa
De Oeste a Leste o vento da traição
Sopra com força para que não possa
O rei de Portugal tê-la na mão

Em Deus e em mim o império tem raízes
Que nem um furacão pode arrancar
Em Deus e em mim, que temos cicatrizes
Da mesma lança que nos fez lutar

Em mais ninguém, Senhor, em mais ninguém
O meu sonho cresceu e avassalou
A semente daninha que de além
A tua mão, Senhor, lhe semeou

Por isso a Índia há-de acabar em fumo
Nesses doirados paços de Lisboa
Por isso a pátria há-de perder o rumo
Das muralhas de Goa

Por isso o Nilo há-de correr no Egito
E Meca há-de guardar o muçulmano
Corpo dum moiro que gerou meu grito
De cristão lusitano

Por isso melhor é que chegue a hora
E outra vida comece neste fim
Do que fiz e não fiz não cuido agora
A Índia inteira falará por mim

Outra Lisboa

Luís Nobre Guedes / Guy Valle-Flor
Repertório de João Braga

Tenho saudades 
Da minha velha Lisboa
E de tanta gente boa 
Que então eu conheci
Noites de fado 
Com a Amália e o Marceneiro
No mesquita e no Machado
Momentos bons que vivi

Meio wisky com amigos no Belcanto
E se a massa der p’ra tanto
Almocinho no Tavares

Vem-me a saudade 
Daquela outra Lisboa
E de tanta gente boa 
Que então eu conheci

P’ra dar bom ar
Um cházinho bem tomado
Na Marques ou na Bernard
Bem no centro do Chiado
A cervejinha 
No Gambrinus, só no bar
Os piratas no Simões
P’ra ver as moças passar

Ao fim do dia 
Lá ia todo lampeiro
Ajeitar o penteado 
Ao mestre João Barbeiro

Vem-me a saudade 
Daquela outra Lisboa
E de tanta gente boa 
Que então eu conheci

Era ao jantar 
Que começava o programa
Nas tascas do Bairro Alto 
Ou no Pereira de Alfama
Foi na Tipóia 
Que fomos primeiro ao fado
Com a Teresinha e o João
Mais tarde no Embuçado

Fim de noitada 
Que não era nada mau
Com ceia de madrugada 
No velho Porão da Nau

Vem-me a saudade 
Daquela outra Lisboa
E de tanta gente boa 
Que então eu conheci

Foi com saudade
Que cantei esta canção
Não faz mal ter mais idade
Enquanto houver coração

Naufrágio

António Cálem / Francisco Viana
Repertório de Miguel Sanches

Passos perdidos na noite
Na noite passos perdidos
Viela negra de lama
Naufrágio dos meus sentidos

Ondas franjadas de espuma 
Ondas negras entre escolhos
Toda a cidade era bruma 
Só era luz nos teus olhos

Essa luz é que chamava 
À perdição, os navios
E depois os naufragava 
Entre areais e baixios

Foi assim que me perdi 
Entre a noite e os escolhos
Sonhei ver luz e morri 
Na negrura dos teus olhos

Deixaste a vida de outrora

Maria Manuel Cid / Armandinho *fado da adiça*
Repertório de Sancha Costa Ramos

Cruzei na rua contigo
Repara que mal te vi
E francamente te digo
Que nem eu te conheci

Que é dessa cinta vistosa 
Que enrolavas à cintura
E tornava tão airosa 
A tua linda figura

E esses safões de borrego 
De castanho desbotado
Da manta que era aconchego 
Quando guardavas o gado

A tua calça justinha 
E o teu verde barrete
Com a borda já velhinha 
A beijar o teu colete

Da maneira tão tão airosa 
Com que montavas, pimpão
Essa faquinha nervosa 
O teu cavalo alazão

Deixaste a vida de outrora 
Renegaste a tua raça
E quando passas agora 
És mais um homem que passa

Tentação

Amadeu do Vale / Carlos Dias
Repertório de Amália

Por muito gostar de ti 
Me perdi, e desprezada
Procurei mal te perdi 
Por outro ser encontrada

Da culpa com que me feriste 
Vens hoje pedir desculpa
P'ra quê se tu me traíste 
Apenas por tua culpa

Pedes perdão da traição
Mas se sentes que'inda mentes
Não me tentes, isso não
Que eu sou mulher e bem vês
Que a mulher em quem não crês
Ainda tem a ilusão
De perdoar-te
P'ra depois poder beijar-te
Amor do meu coração


Já sei que te arrependeste 
E eu também me arrependi
De quando me conheceste 
Deixar-me prender a ti

Mas presa a essa mentira 
Em que cega acreditei
Minh'alma ainda suspira 
Tão cega de amor fiquei

Em cada português há um fadista

Manuel Alegre / João Braga
Repertório de João Braga

Em cada português há um fadista
O fado está na alma e está na voz
Haverá sempre a ilha nunca vista
Só essa é nossa, o fado somos nós

Haverá sempre a flor inconquistada
Haverá sempre em nós um outro lado
O fado é ter-se tudo e não ter nada
Em cada português há sempre um fado

Haverá sempre em nós o amor louco
Em cada um Dom Pedro e Dona Inêz
O fado dá-nos tudo e é tão pouco
Há um fadista em cada português

Amor do amor, amor de perdição
E quando mais se perde mais conquista
O fado é sempre um sim, é sempre um não
Em cada português há um fadista

Fado chinês

Letra e musica de João Nobre
Repertório de Fernanda Batista

O fado é mais cantado
Pelo mundo fora, que se imagina
Coitado, chegou-me agora
Até aos confins da China

Vai ser divertido ver
Como é o abandono por todo o lado
As chinesas de quimono
Andam a cantar o fado

Desde Nequin a Pequim, Xangai
Até já muita vez
Tudo lá canta com gemidos na garganta
O nosso fado disfarçado de chinês


Na China quem o supôs
Com dois pauzinhos postos de lado
Até já se come arroz
Ouvindo cantar o fado

Talvez só p’ra nos mostrar
Como são amigos sem represália
Vão fazer jarrões antigos
Com a cara da Amália

Praia perdida

António Cálem / Fontes Rocha *fado isabel*
Repertório de João Braga

Hoje, presa à minha voz
Vive uma infância perdida
O mundo éramos nós
Nessa praia adormecida

Depois veio a mocidade 
Depois veio o meio-dia
Foi-se o amor, foi-se a idade 
Em que a areia nos unia

Mais tarde a vida girou 
Como a roda da má sina
E um vento cego cegou 
Os teus olhos de menina

Sinto morrer o luar 
É noite na minha vida
Só o murmúrio do mar 
Lembra essa praia perdida

Lá longe em Diu

João Alarcão / Miguel Ramos
Repertório de Rodrigo Costa Félix

Porque há-de este amor ser de saudade?
Porque hei-de acordar do que sonhei?
Porque hei-de ver morrer esta verdade
Que tão longe, em Diu, reencontrei?

Lá longe, onde dorme a nossa história
No lajedo das muralhas que pisei
Lá, onde o sol é de oiro e o mar, memória
Do pranto desse eterno vice-rei

Uns olhos cor do mar me perguntaram
Se Portugal era uma vida ou um momento
E as sombras desses muros nos gritaram
Que era um caminho, uma verdade e um alento

Por isso este sonho dura ainda
Por isso a Índia estará em nós presente
Por isso é forte a sorte que não finda
Lá longe, tão longe, em Diu, na minha gente

Padre Zé

António Vilar da Costa / Nóbrega e Sousa
Repertório de Amália 

Tocam as matinas, nasce um novo dia
Já pelas colinas canta a cotovia
Vamos lá p’ra lida, toda a gente a pé
Que já está na Ermida o bom padre Zé

Ai, ai, já se murmura
Já se diz até
Não há outro cura, ai, ai
Como o padre Zé


Pelas tardes mansas, mal saem da escola
Chegam as crianças, poisam a sacola
E bailam de roda, ó lari ló lé
Cantigas à moda do bom padre Zé

É novos e velhos, mais velhos do que ele
Dá-lhes bons conselhos e bolos de mel
E ninguém se nega, ó lari ló lé
Ao vinho da adega do bom padre Zé

Ao findar a ceia, que bonito quadro
Vem a minha aldeia toda para o adro
Padre Zé no meio, como em oração
Num
divino enleio, toca violão

E ao luar de prata, os Manéis depois
Fazem serenata com os rouxinóis
E bailam de roda, ó lari ló lé
Cantigas à moda do bom padre Zé

A cidade saudade

Rodrigo Serrão / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Kátia Guerreiro

Quando as pedras do caminho
Vão chorando de mansinho
Por te ver já de partida
E a cidade estende os braços
Com saudade dos teus passos
Ao fundo de uma avenida

Fica tudo tão diferente
Pára o tempo e de repente 
Toda a cidade é só minha
Presa na margem do rio
Sou como um barco vazio 
Rumo ao futuro, sozinha

E as palavras que eu invento
Na tristeza do momento 
De te ver partir agora
São palavras, são carinhos
São os restos dos espinhos 
Do nosso amor que demora

E a cidade entristecida
Dorme à noite recolhida 
Porque a lembrança sorri
Como quem espera em ternura
Que
um dia à nossa procura 
Possas voltar sempre aqui

Vai aqui o Alto do Pina

Silva Nunes / Jorge D’Ávila
Repertório de Amália

Lisboa vem à janela
Olha a marcha, vem com ela
Lisboa vem ver num trono
O santinho, meu patrono

O bairro aonde moro 
Tem lá tudo que eu adoro
Lisboa cantando de novo
Traz o Alto do Pina 
Na boca do povo

O Alto do Pina faz um vistão
De cravo ao peito 
E arraiais no coração
O Alto do Pina, por brincadeira
Diz que ao passar 
Põe a cantar Lisboa inteira

Lisboa, quem foi que disse?
Que ir na marcha é tolice
A marcha tem luz aos molhos
E fogueiras nos teus olhos

Cantiga que o povo canta 
Põe a alma na garganta
Lisboa tem arte é ladina
Não há melhor marcha 
Que a do Alto do Pina

Em quatro luas

Aldina Duarte / António Zambujo
Repertório de António Zambujo

À janela corre o tempo
Na memória o esquecimento
E a vontade de ficar
Em teus braços distraídos
Entreabertos nos sentidos
Do teu corpo a meditar

O desejo que esqueci
Dorme agora ao pé de ti
No teu sonho a murmurar
Guardo a luz da tua pele
Duas rosas, vinho e mel
Quatro luas sobre o mar

Volto atrás nesta viagem
À procura da coragem
Que renasce de te ver
No regresso da saudade
Eu encontro a felicidade
Que por ti vou aprender

De boa fé

Artur Ribeiro / Júlio Proença *fado esmeraldinha*
Repertório de Maria Valejo 

De boa fé cheguei à tua vida
E dei-me sem limites de carinho
De boa fé e de razão perdida
Eu fiz da tua rua o meu caminho

De boa fé até ao absurdo
Eu pus nas tuas mãos a vida minha
Pode não valer nada, mas é tudo
E é no fim de contas quanto tinha

Mas tenho tanta fé e tanta esperança
Que fiz da minha esperança finca-pé
E não creio que sejas tão criança
Que tentes abalar a minha fé

Sete anos de pastor

Luís de Camões / Carlos Gonçalves
Repertório de Amália

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel serrana bela
Mas não servia a ele, servia a ela
Que a ela só por prémio pretendia

Os dias na esperança dum só dia
Passava contentando-se com vê-la
Porém o pai usando de cautela
Em lugar de Raquel, lhe dava Lia

Vendo triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora
Como se a não tivera merecida

Começa de servi-lo outros sete anos
Dizendo mais servira se não fora
Para tão longo amor, tão curta a vida

Sempre vieste, enfim

Florbela Espanca / Rocha Oliveira
Repertório de Dina do Carmo

És tu, és tu, sempre vieste, enfim
Oiço de novo o riso dos teus passos
És tu que eu vejo a estender-me os braços
Que Deus criou p’ra me abraçar a mim

Tudo é divino e santo visto assim
Foram-se os desalentos, os cansaços
O mundo não é mundo, é um jardim
Um céu aberto, longes, os espaços

Prende-me toda, amor, prende-me bem
Que vês tu em redor? não há ninguém
A terra? - um astro morto que flutua

Tudo o que é chama a arder, tudo o que sente
Tudo o que é vida e vibra eternamente

É tu seres meu, amor, e eu ser tua

Passeio fadista

Alberto Rodrigues / José António Sabrosa *fado pechincha*
Repertório de António Rocha

Vem comigo passear 
À noite, à luz das estrelas
Para veres as coisas mais belas
De Lisboa à beira-mar

Depois é só dar um salto 
E como queremos dar brado
Ceamos no Bairro Alto 
Ouvimos cantar o fado

Anda ver p'la vez primeira 
A Madragoa das Trinas
E verás lindas varinas 
A caminho da Ribeira

A Mouraria passou 
Já nada tem para ver
Mas vamos lá reviver 
Onde a Severa cantou

Vamos na Alfama acabar 
Esta noite que vivi
Que é lá que eu quero cantar 
O fado, só para ti

Lágrimas do céu

Carlos Conde / João Maria dos Anjos
Repertório de Raúl Pereira

Quando eu canto e a chuva cai
Uma nuvem de incerteza
Paira em mim de quando em quando
Cada gota lembra um ai
A rimar com a tristeza
Dos versos que vou cantando

E na doce melodia
De que o fado se reveste 
Quando o meu olhar embaça
Vivo a estranha sinfonia
Da chuva que o vento agreste 
Faz murmurar na vidraça

Então dou, no meu lamento
Ao fado que me prendeu 
Rimas tristes, pobrezinhas
Cai a chuva, geme o vento
São as lágrimas do céu 
Que fazem brotar as minhas

Heranças

Susana Lopes / Raúl Ferrão *fado carriche*
Repertório de Susana Lopes

Minha mãe deu-me esta voz
Este soluço magoado
Pôs-me na garganta a noz
Dolente e bela do fado

Meu pai deu-me a poesia 
E este gosto de escutar
A doce melancolia 
De uma guitarra a trinar

Também herdei a magia 
De ter nascido em Lisboa
No
meu peito há Mouraria 
Nos meus olhos, Madragoa

Trago o fado nos sentidos 
Que linda herança a minha
Que os meus dois amores queridos 
Deram à sua alfacinha

Minha herança é a mais bela 
Que alguém jamais recebeu
Azul e rosa aguarela 
O fado a guitarra e eu

O que tinha de ser

Vinícius de Morais / Tom Jobim
Repertório de Mafalda Arnauth

Porque foste na vida
A última esperança
Encontrar-te me fez criança

Porque já eras meu
Sem eu saber sequer
Porque és o meu homem 
E eu a tua mulher

Porque tu me chegaste 
Sem me dizer que vinhas
E tuas mãos foram minhas
Com calma
Porque foste em minha alma
Como um amanhecer
Porque foste o que tinha de ser

Lembrando tradições

Letra e musica de Alice Pimenta
Repertório da autora

Recordando o fado velhinho
Fiz romagem p'los bairros antigos
E pisei de novo o caminho
P'ra rever meus velhos amigos

Mas chorei d'emoção e tristeza
Vendo Alfama e a Madragoa
Bairros que eram do fado a defesa
Choram hoje p'la velha Lisboa

Tradição, adeus tradição
Já não há sabor, é triste talvez
Tradição, tradição, tradição
Já não há labor ao sabor das marés;
Os pardais de telhado cantavam
Saltitando ao sol das vielas
Tradição, tradição, tradição
Varinas dançavam ao som das chinelas

Mão de mestre dava o testemunho
Ministrando regras consagradas
Honradez e respeito tamanho
Era a vida em pequenos nadas

Que saudade tenho dos tempos
Quando ouvia tão belos pregões
E nem era preciso argumentos
Gente simples, grandes corações

O fado

Guilherme Pereira da Rosa / Frederico Valério
Repertório de Fernanda Maria
Também gravado com o título *fado da consagração*

O fado, fado nascido em Lisboa
É voz de pena que soa 
Mágoa que do peito vem
O fado é bairro velho que chora
Alfama que se enamora
E conta o amor que tem

O fado é canto de feiticeiro
É Alfredo Marceneiro 
É um dom, uma expressão
E é fado, guitarra que nos murmura
Tudo aquilo que perdura
Bem dentro do coração
Ao fado Lisboa diz o que sente
Vai nela a alma da gente
Pois é ele o seu condão

O fado, fado que invade a cidade
É nostalgia, saudade 
Mal e bem, sorte e azar
O fado, é rumo de caravelas
E somos nós e são elas 
Que andamos a namorar

O fado, é moda da nossa gente
O passado e o presente 
O porvir, esse também
Pois fado é este jeito, esta briga
De chorar numa cantiga 
Um amor, tudo e ninguém
E é fado, aquele encanto profundo
Que vai daqui pelo mundo
E que ao mundo soa bem

Oh rio dos meus amores

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de António Mourão

Oh rio branco de prata
Que vais correndo sem fim
Vai perguntar a quem amo
Se ainda gosta de mim

Oh rio dos meus amores
Oh rio da minha alegria
Dá-me depressa o amor
Que tu me levaste um dia

Oh rio que vais cantando
Entre os campos a brilhar
Leva contigo a tristeza 
E ensina-me a cantar

Fado Batê

Maria Rita Louro / José António Sabrosa
Repertório de Maria Teresa de Noronha

Eu só queria meu amor
Como os anjos do senhor
Ter asas, poder voar
Para quando me invade
Do passado a saudade
Eu te puder alcançar

Meu amor, se tu soubesses
E se meu coração lesses 
Choravam os olhos teus
Mas nunca o hás-de saber
Para findar meu sofrer
Bastava sabê-lo Deus

Pela dor do meu destino
Eu lhe peço, Deus menino 
Que me deixe ver alguém
Pois é tanta a minha dor
Que eu já nem sei ter amor
A quem amor por mim tem

Vou ouvir cantar o fado

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de António Mourão

Vou ouvir cantar o fado 
P’ra não falar mais em ti 
O fado sou eu agora 
No momento em que te vi

Vou ouvir cantar o fado 
Relembrando o fado meu
Ouvir uma voz magoada 
Cantar o pecado teu

Vou ouvir cantar o fado
Vou sentir ternura e dor
E vou calar no meu peito
A saudade e o amor


Vou ouvir cantar o fado 
O que a Severa cantou
Ouvir cantar sua morte 
E aquele amor que a levou

Vou ouvir cantar o fado 
Vou ouvir falar de ti
E falar do meu tormento 
No momento em que te vi 

Farrapo da vida

O.Trindade / J.Coutinho
Repertório de Tristão da Silva

Tu és farrapo da vida
Tens a alma perdida
E o amor próprio também
Tu és mulher desprezada
Não amas nem és amada
Não és filha de ninguém

Tu vives para enganar todo o mundo
Rico, pobre ou vagabundo
Um nome próprio não tens
Para uns és Madalena
Para outros Maria Helena
Mas para mim não és ninguém

Lar português

Maria Nelson / Jaime Santos
Repertório de Manuel Fernandes

A casinha de nós dois é pequenina
É mesmo em frente da capela
A dois passos uma fonte cristalina
Onde vou beber mais ela

É humilde a nossa casa mas é nossa
Dá-nos Deus esta riqueza
Um burrinho, uma carroça
Uma hortinha mimosa
A lareira sempre acesa

Uma candeia no topo 
A ceia feita com mato
Bebemos do mesmo copo 

Comemos do mesmo prato
Curiosa a lua cheia 
A janela vem espreitar
E vê, à luz da candeia 
Eu e ela a namorar

A nossa casa é um ninho pobrezinho
Onde há carinho, alegria, pão e vinho

Entra o sol e o luar pelo telhado
Cada um com sua chama
P’ra beijarem o senhor crucificado
Que está sobre a nossa cama

Os pardais em corridinhas pelo chão
Gostam da nossa pobreza
E comem com presunção
As migalhinhas de pão
Que caem da nossa mesa

Fado Alvim

Tiago Torres da Silva / Fernando Alvim
Reportório de Carlos do Carmo

Depois do mar / há um olhar 
Que ainda é mais azul
Azul de mim / azul sem fim 
Azul da cor dos mares do sul
Uma canção / cujo refrão 
Ninguém consegue decifrar
Se quem o canta / traz na garganta 
A voz do mar

Depois de ti / adormeci 
No alto mar, talvez
No mar gentil / no mar anil 
Num mar que em ondas se desfez
Não naufraguei / nem acordei
Nem te vi 
Pus-me a sonhar
Deite-me ao mar / pus-me a sonhar 
Adormeci

Depois da voz / deixe-te a sós 
Com a tua canção
Quando a ouvi / o que senti 
Fez-me entender a solidão
E o teu olhar / quase a chorar 
Foi-se fechando em timidez
Não tenho nada / só tenho a estrada 
Que a vida fez

Depois do bis / é  por um triz 
Que tu voltas para nós
Porque a guitarra / quase te agarra 
P’ra te levar na sua voz
E num tremor / descubro a cor 
Que há no sim
A cor do bis / azul-feliz 
Azul-Alvim

Era a noite que caía

Vasco Graça Moura / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Joana Amendoeira

Era a noite que caía
E na sombra recolhia
O voo das andorinhas
Era a voz que se calava
Era a dor de ver que estava
Sem as tuas mãos nas minhas

Eram passos que escutei
Que eram teus ainda pensei 
Iludiu-me o coração
Foram pela rua escura
Longe da minha amargura 
E acompanhei-os em vão

Fiquei perto da janela
Pus-me a abri-la com cautela 
Fiz disfarce da cortina
Vi então na luz incerta
Que a rua estava deserta 
E deserta estava a esquina

Era só eu na escuridão
Era no peito um rasgão 
Era já no céu a lua
Que me importa, à minha porta
A sombra que se recorta 
Bem pode ainda ser a tua