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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.285' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

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Que me importa

Aníbal Nazaré / Alves Coelho Filho 
Repertório de Carlos Ramos 

Que me importa que batam à porta
Se não és tu 
Se o telefone tocar, que me importa
Se não és tu
Que me importa ouvir vozes chamando
Se não és tu 
Que me importa ouvir passos passando
Se não és tu

Que me importa estares feia ou bonita 
Que me importa vestires seda ou chita 
Se a minha alma intranquila 
Não sabe o amor que lhe tens 
Que me importa que o mundo se acabe 
Se tu não vens 

Meu coração desespera 
Já feito aos teus desdéns 
Que me importa estar à espera
Se já sei que tu não vens 

Mas embora já sabendo
Que por amor de perdi 
Meu coração está batendo
Como quem espera por ti

De países em países

Joaquim Pimentel / Alfredo Duarte *fado bailado*
Repertório de Maria Alcina

De países em países
Jamais saímos daqui
Ficam-nos sempre as raízes
E vamos nós por aí
De países em países

A saudade é uma constante 
Ansiedade, longa estrada
E assim vive o emigrante 
Às vezes sem para nada
A saudade é uma constante

Vêm terras, vão-se terras 
E nós por aí a esmo
Ás vezes ganhamos guerras 
E o sol continua o mesmo
Vêm terras, vão-se terras


Um dia, se há outro dia 
Nós voltamos ás raízes
Muda o pranto em alegria 
E então morremos felizes
Um dia, se há outro dia

Mas sou fadista

Artur Ribeiro / Ferrer Trindade
Repertório de Carlos Ramos


Quando nasci para a vida 
Trouxe a meu lado
Esta ânsia desmedida 
De vida e fado
Cresci, amei e cá sigo 
O meu destino
E o fado amigo 
Cresceu comigo
Desde menino

Não nasci na Madragoa
Mas sou fadista
Sou doutro bairro em Lisboa
Mas sou fadista
Fadista é qualquer pessoa
Em qualquer lado
Que importa ser da Moirama
Da Graça ou de Alfama
Se nasci pró fado


Se na vida amor existe
Fado é ternura
Sem amor o fado é triste
E a vida é dura
Mas se desponta uma esperança 
De ser amado
Até no riso d'uma criança 
Pode haver fado

Fraternidade

João Ferreira Rosa / Popular *fado mouraria*
Repertório de António Melo Correia

Aonde há fraternidade
É o amor quem ordena
Quer seja aldeia ou cidade
De gente loira ou morena

Aonde existe verdade 
O amor vale mais a pena
Prefiro a aldeia à cidade 
Por saber como é pequena

Seja o povo quem ordena 
Ordens de fraternidade
Pois só o mal se condena 
Quando o amor é verdade

Amor acabado

Carlos Escobar / Renato Varela *fado varela*
Repertório de João Tenreiro


Olhando p’rós teus olhos juraria
Que tens alguma coisa p’ra contar
Começa já depressa enquanto é dia
Quem sabe se p'rá noite é muito tarde


Tens pena desse fogo já vencido
E bebes o silêncio que é tão meu
Só resta o desamor acontecido
Outono que depressa arrefeceu


O rumo que traçou as nossas vidas
Rumor que não fizemos ao tocar-nos
As vidas que perdemos mal perdidos
E beijos mal beijados ao beijar-nos


Quem tem o teu inverno se eu partir
Terá o calor, o sol, se eu não ficar
O mundo que sonhamos vai cair
E os lençóis amarrotados vão chorar

Na vida tudo é fado

Valentim Matias / Eduardo Lemos
Repertório de Rodrigo


O fado vem do tempo das caravelas
Em que mar fora muita vez era cantado
Faltava o vento e então é que eram elas
Salta a guitarra do saco e vai disto disto
Lá vai fado


Na vida tudo é fado e há fados
Uns tristes, outros mais alegres
Eu vivo a cantar
Um fado desses fados já tão cantados
Mas que tu ainda me pedes


Depois mais tarde, andou por fora de portas
E em palácios, alta noite foi cantado
Mas nas tabernas, entre copos e garotas
Aparecia uma guitarra e vai disto
Lá vai fado

Talvez um dia, quem sabe

Carlos Escobar / Vital D’Assunção
Repertório de João Tenreiro


Talvez um dia, quem sabe 
O amor tenha razão
E o braço que tem desejo 
Na loucura deste beijo
Dê razão ao coração

O azul do teu olhar 
Tem um negro de ternura
Agarras um grito rouco 
Pelo muito que foi pouco
Pelo medo da loucura


Ó Deuses rezem por mim
Por razões que não vos dei
Quero o meu ombro cheiinho
Se o mereço Deus, não sei

Ter amor é dar o braço 
É um olhar de revés
Dois olhares, cumplicidade 
Num olhar que dá verdade
Da verdade que tu és


Verdade que tenho em mim 
De um perdão que não me cabe
Ilusão de amor perdido
Num perdão de amor sofrido
Talvez um dia, quem sabe

Maria sardenta

Jerónimo Bragança / Nóbrega e Sousa
Repertório de Carlos Ramos


Menina dos meus olhos
Maria sardenta
São tristes os teus olhos

Que dor te atormenta?

Chamaram-te sardenta 
É todo o teu desgosto
Não digas a ninguém
As sardas do teu rosto 
Até te ficam bem

Na tua carne viva 
Em vez de mil dores
Na tua carne viva 
As sardas são flores

Alegra o teu sorriso 
Não sejas pessimista
Não penses nisso mais
A gente prende a vista 
Aonde vê sinais

Feliz seria se deixasses 
Matar o meu desejo que me tenta
Beijar-te os mil sinais das faces 
Maria sardenta

Tua guitarra

Torre da Guia / Alvaro Martins
Repertório de Joana Costa


Tua guitarra, no teu abraço cingida
Também se embala em cada gemido ou ai
Como a criança entre joelhos metida
Que se regala com as carícias do pai

Tua guitarra, a
miga e companheira
Das horas mortas, quando as almas sem acoite
Vão procurar alegria mensageira
Que abre a porta aos tristes filhos da noite

Tua guitarra, c
aminhando para os teus dedos
De doze cordas com emoções desiguais
Que desamarram esses milhões de segredos
Que tu acordas dos silêncios musicais

Se eu deixar

Carlos Escobar / Popular *fado das horas*
Repertório de João Tenreiro

Há horas com menos horas
Quando me sinto sem ti
E se tardas se demoras
São horas que não vivi


Este fado que eu canto 
São cinco quadras de amor
São encanto e desencanto 
De um desencontro maior

Chamo-te fado das horas 
Desde a hora de partida
Há horas que te demoras 
São as más horas da vida

Bateste à porta, saíste 
Não saíste de mansinho
Eu sei lá o que sentiste 
Voltaste devagarinho

Fiz-te tantas, tantas, tantas 
Que às vezes chego a pensar
Eu mereço que me deixes 
Mas só deixas se eu deixar

Fado de Coimbra n°4

António Lobo Antunes / Júlio Proença *fado esmeraldinha*
Repertório de Joana Costa


Não vem ao caso dizer quanto te amo
Aperto o sol no peito e não és tu
Que noite nos meus braços se te chamo
Que vestido de sombra em corpo nú

Não vem ao caso dizer que sinto frio
Se amanheço a teu lado e tu não estás
E escrevo um poema que ninguém ouviu
Com as palavras que não sou capaz

Não vem ao caso dizer que ainda te espero
Como quem espera um filho que morreu
Digo que te desejo, e não te quero
Digo que não te quero, e não sou eu

Voltar um dia

José Quaresma / Alfredo Duarte *marceneiro*
Repertório de Paulo Filipe


Partiste e tudo morreu
Logo uma sobra desceu
Sob o meu resto de chão
Saudade vem sem demora
Não tem marcada uma hora
P’ra invadir meu coração


Teu rosto revejo ainda
Dentro da rosa mais linda
Que mora no meu jardim
Julguei que era loucura
Uma profunda aventura 
Amar na vida assim

Recordo agora o momento
Que guardo no pensamento 
Em amor e nostalgia
Eu tenho ainda a esperança
Que não mata nem cansa 
De te ver voltar um dia

São saudades meu amor

Letra e musica de António Afonso
Repertório de Joana Costa


Não há que ter saudades naufragadas
Feitas de amor por alguém que partiu
Quem as tiver tem as penas arrancadas
Da asa dor que nunca mais voou


Saudades são pedaços de partida
Que nos traíram no adeus ao cais
E nunca mais serão capazes de dar vida
Porque partiram e não voltam mais


Saudade
Quem não tiver saudades, meu amor
Saudades
Quem não tiver saudades, não tem dor
Saudades são as rédeas do tempo
Esse cavalo solto ao vento
São saudades meu amor


Não há que ter saudades naufragadas
Na maré viva, no mar do pensamento
Para esquecer as coisas mais amargas
A lei da vida deu-nos a lei do tempo


Saudades são destroços de ventura
Que o amor navega pelo peito
Recordações como cinzas por moldura
Na dor acesa do amor imperfeito

Mais e menos

Vasco da Graça Moura / José Marques do Amaral
Repertório de Maria Clara

No amor, regras que contam
Há uma só que não é vã
Amar hoje mais do que ontem
Mas bem menos que amanhã


E eu num fado que isto guarde 
Também acrescentaria
Amo-te mais cada tarde 
Do que amei nascendo o dia

E cada vez muito mais 
Do que antes, mas tais requintes
São muito menos, ver vais 
Do que nos dias seguintes

Com resultados tão plenos 
Como somar dois e dois
Muito mais e muito menos 
Conforme antes e depois

Asas no tempo

Carlos Escobar / Carlos Barra
Repertório de João Tenreiro

Cabeça de vento
Sem asas no tempo
Vem cá velha amiga
Que em tempo de mágoa 
Me deste o teu braço
Seguiste o teu rumo
Laranja sem sumo
O vento voando 
E o teu corpo vergando 
À lei do cansaço

Quiseste dar vida 
À vida perdida
E a vida deixou-te
Deu corda, enforcou-te 
Na corda da vida
Dançaste, dançaste
Rodaste, rodaste
Pião a rodar
A girar a girar 
Numa luta vencida

És trigo maduro 
Que só deu pão duro
Seara cortada 
Em manhã de geada
Raiz a secar
Perdoa a descrença 
E o preto da tinta
Mas estava cá dentro 
E a raiva que sinto 
Não deixa que minta

Vem cá velha amiga 
Um ombro um abraço
Descansa-se se queres
E quando quiseres 
Acerta o teu passo
A vida sem vida 
Foi vida vendida
Mas és força viva
Não deixes que a vida 
Te faça palhaço

Adeus velha amiga
Amante perdida
Amante de amores
De poucos valores
E travo na boca
A cama é só minha
A casa é tão fria
Eu tenho o que tenho
Tu tens o que tinhas
A noite vazia

Chinelas da Mouraria

Linhares Barbosa / Santos Moreira 
Versão do repertório de Carlos Ramos 

Chinelas da Mouraria 
Não há vida como a delas 
Baquetas em harmonia 
Tamborilando as vielas 

Felizes ou malfadadas 
Podem ser p'la vida fora 
Porque elas marcam, coitadas 
Os passos que uma mulher 
Dá na vida, hora a hora 

Vão atrás da procissão 
Têm o rufar dos tambores 
Solenes pelo caminho 
Sentem que ao pisar o chão 
Pisam as humildes flores 
De alfazema e rosmaninho 

É vê-las nos bailaricos 
Estalinhos de Santo António 
Não fazem mais algazarra 
São como dois mafarricos 
Nos pezinhos dum demónio 
Que no amor se desgarra 

Conta-se que certa vez 
Numa castiça toirada 
Uma chinela atirada 
Feriu a cara do Marquês 

Desde então, desde essa era 
Com verdade ou fantasia 
A chinela da Severa 
Entrou na história do fado 
Do fado da Mouraria

Esta perda

Carlos Escobar / Franklim Godinho
Repertório de João Tenreiro

Nunca o amor me amarrou
Nas amarras do amor
Dei a carne do que sou
Nas camas do meu calor


À mercê d’um arrastar 
Pisei rosas no caminho
Mais valera mais amor 
E dar carinho ao carinho

Disse adeus a tanta gente 
De tanta gente parti
Lembranças de quem já sente 
A despedida de ti

Usei ferro p’ra matar 
Foi com ferro que morri
De tão pouco amor te dar 
Com tanto amor te perdi

Esta perda que me cala 
E deixa mudo de dor
Saudade que já me embala 
Lá nos braços de quem for

Oração

Jorge Empis / Alfredo Duarte *fado cravo*
Repertório de Francisco Stoffel


Quero-te mais do que  vida
Como quem co'a morte lida
Quero a Deus Nosso Senhor
Quero-te com toda a alma
E ninguém me leva a palma
A querer-te com tanto ardor

Como fadista à guitarra
Preso está na mesma garra 
Assim preso por ti estou
Como a tristeza à saudade
Como a morte á eternidade 
Como a dor a quem chorou

Por isso confio ao fado
Que è amigo dedicado 
As penas do coração
Pego na guitarra e canto
E ás vezes este meu pranto 
Faz lembrar uma oração

Pretensão estranha

Alfredo Guedes / Casimiro Ramos *fado janelas enfeitadas*
Repertório de Alfredo Guedes


Esta pretensão de gente que pretendo
Talvez vos seja estranha e no entanto
Jamais me venderei e não entendo
O que vêdes em mim, quando eu canto


O meu gesticular não é estudado
Porque sou verdadeiro no cantar
E podem crer que quando canto o fado
É um pouco de mim, que estou a dar


Canto fados que falam de saudade
Tristeza, amor, ciúme, enfim... a vida
E se alguém me quizer dar amizade
Não a quero amanhã desiludida

Fado João

Maria Carlota de Noronha / João de Noronha
Repertório de Maria Teresa de Noronha

Não posso cantar o fado
O fado faz-me chorar
Faz-me lembrar o passado
Que já não pode voltar


Eu cantava noite e dia 
Sem nada me dar cuidado
Não tenho a mesma alegria 
Não posso cantar o fado

Se quando canto, entristeço 
Não é para admirar
Tenho saudades de tudo 
O fado faz-me chorar

Quando oiço alguma guitarra 
Ou alguém cantando o fado
Sinto que minha alma chora 
Faz-me lembrar o passado

Cantigas á desgarrada 
Que sempre me hão-de lembrar
Adeus tempo em que as cantava 
Que já não pode voltar

Se chorar fosse pecado

Alfredo Gago da Câmara / José António Sabrosa
Repertório de Paulo Filipe

Os teus olhos me mentiram
Quando me disseste há horas
Que as tuas fontes secaram
E há muito que já não choras

Se chorar fosse pecado 
Que seria então de ti
E de mim?... um condenado 
Desde o dia em que nasci

Olha que o choro atrevido 
Quando a lágrima faz vir
Muitas vezes é fingido 
E até se chora a sorrir

Quem me dera ser o ar
P’ra secar teus olhos de água
E meigamente enxugar 
Das lágrimas, tua mágoa

Por um copo de vinho

José Fanha / Jorge Ganhão
Repertório de Jorge Ganhão


Por um copo de vinho te diria
Onde o mundo começa e se dilata
Onde a veia rebenta e se desata
A fonte da ternura e da alegria

Por um beijo azul por uma mão
Dançaria contigo até cair
Na cama maravilha de faquir
Que arranca a luz da lua ao coração

Eu sei no mar a cor dos laranjais
E a rota das gaivotas sob a pele
E tudo te diria pão e mel
Por um copo de vinho e pouco mais

Descrente ou crente

Alfredo Guedes / Rapsódia de musicas
Repertório de Alfredo Guedes


Fado Tango de Joaquim Campos
Sou o crente mais descrente 
Que Deus tem na sua mão
Sou de tal modo diferente
Que até nem sei, francamente 
Se hei-de ser crente ou não

Fado Tamanquinhas de Carlos Neves
Dezenas em mim já estão 
Verdades do meu nascer
Se poucas felizes são
Eis assim uma razão 
P'ró que acabo de dizer

Fado Pedro Rodrigues
Não quero, longe de mim
Que julguem minha intenção 
Pretender a santidade
Apenas quero, isso sim
Que a verdade, como o pão 
Não ma dê Deus, só metade

Fado Zé Negro de Francisco J. Marques
Eu sei e afirmo conciso
Que nos piores momentos
Quando são de duvidar
Se Deus é justo e preciso
Nos seus justos julgamentos 
Se acaso é ele a julgar

Fado Três Bairros de Casimiro Ramos
Quando o meu corpo finar
Na terra for repousar 
Mãos pousadas em oração
Então sim, estou preparado
Para poder afirmar 
Se existe Deus, ou não

Fado Robalinho

Sebastião Robalinho / Joaquim Pimentel
Repertório de Sebastião Robalinho

Não nasci na Mouraria
Bairro Alto ou Madragoa
Nasci p’rás bandas do norte
E mal conheço Lisboa

Mas sou fadista de lei
Posso afirmá-lo não minto
Canto o fado como eu sei
Como eu posso e como eu sinto

Gosto do fado corrido
Do Mouraria ao Menor
Gosto do fado batido 
Quando marcado a rigor
De todos o mais castiço
Gosto deles cá pra mim
Cá p'ró tio Robalinho
Nascido em Gaia Sandim

Há quem diga mal do fado
Há quem fale sem saber
O fado não é culpado
Do destino de um qualquer

Gosto de cantar o fado
Ao canta-lo sou feliz
O fado é hino sagrado
Das canções do meu país

Fado anadia

Marques dos Santos / José Maria dos Cavalinhos
Repertório de Maria Teresa de Noronha


Eu sei que no céu profundo
Nunca brilhou minha estrela
Sinto que a vida do mundo
Jamais poderei vivê-la

Penso que a vida que vivo 
Não passa duma ilusão
Pois não encontro o motivo 
Do bater do coração

Creio viver sem ter vida 
Viver vida sem alento
Tal como folha caída 
Andando ao sabor do vento

Não quero sofrer a sorte 
Nesta má sina contida
Prefiro pedir a morte 
Que me leva á outra vida

Velho barco

Zulmiro Vieira / António Rodrigues
Repertório de Sebastião Robalinho

Meu velho barco cansado 
Do tempo e dos vendavais
É mais triste este meu fado 
Quando estás junto do cais

No teu casco envelhecido 
De tanta tanta viagem
Quanto roteiro vencido 
E quando porto esquecido
Tu trazes como bagagem

Meu velho barco
No Tejo em arco 
Embandeirado na tarde amena
Só tu tens pena deste meu fado
Quanta tristeza 
Vive em mim presa e em ti também
Mas só a gente 
É quem a sente, e mais ninguém

Deitei ao mar os ciúmes 
Que tinha no coração
E ele fez dos meus queixumes
A rota da solidão

Como é igual o nosso fado 
Nossa cruz nosso tormento
Meu velho barco cansado 
Nosso fim está ligado
Ao sol ao mar e ao vento

Lençóis de fado

Euclides Carvalho / Alfredo Gago da Câmara
Repertório de Paulo Filipe

Não sei se é fado ou destino

Esta forma de viver
Que tenho desde menino

E alimento até morrer

Fiz da guitarra meu leito 
Sem lençóis mas confortado
Por descobrir que em meu peito 
Existem lençóis de fado

Eu tenho o fado na alma 
E às vezes sonho acordado
Mesmo só na noite calma 
Meus lençóis cheiram a fado

O fado nasceu comigo 
E a cantá-lo sou feliz
Por dar refúgio e abrigo 
À canção do meu País

O tempo sem idade

Alfredo Guedes / Joaquim Campos *fado amora*
Repertório de Alfredo Guedes

O tempo não tem idade
Por isso, é-lhe indiferente
Que vivas a mocidade
A rir-te de toda a gente

Mas ele tem tal poder 
Que a seu tempo é bem capaz
De um dia te convencer 
A olhares para trás

E então dirás, num lamento 
Tão bons momentos perdidos
Fugiram juntos com o tempo 
E não serão repetidos

Vive o teu tempo melhor 
Ele corre como o vento
Dá muito tempo ao amor 
P'ró amor há sempre tempo

Filhos do fado

Manuel Alcobia / Armando Machado *fado maria rita*
Repertório de Ana Maurício


Na rua do meu passado
O sol parece cansado
De vir dar descanso á lua
Já não quer sair da cama
E é de sombra e de lama
Que se veste a minha rua

Crianças de mão estendida
Vão matando a fome á vida 
Na esmola que a vida tem
Mas talvez, quando adormecem
As suas almas confessem 
Que têm fome também

Mulheres com olhos baços
Carregam nos finos braços 
Os tristes filhos do fado
Ás vezes rezam o terço
Como quem embala o berço 
Onde ninguém está deitado

Homens donos de olhos secos
Vagueiam por entre os becos 
Onde a tristeza desiste
Desiste de ser tristeza
E fica com a certeza 
De que Deus também está triste

Fado Cid

Quando alguém vive longe de quem ama
Maria Manuel Cid / José Cid
Repertório de João Chora


Quando alguém vive longe de quem ama
E sente a alma triste e dolorida
Há sempre uma saudade que nos chama
P'ra nos ir matando e dando vida


E quando a gente se esquece de lembrar
Aquilo que se lembra de esquecer
Há logo uma saudade p'ra matar
E logo outra saudade p'ra viver

É que a saudade vem devagarinho
Lembrar outra saudade mais antiga
E quando a gente encontra esse caminho
É quando ao sofrimento a dor obriga

E nesse passo incerto e dolorido
Saudade, as saudades apagando
O tempo torna tudo mais comprido
E a gente vai saudades desejando

Rumo a nada

Carlos Escobar / José Luís Nobre Costa
Repertório de João Tenreiro

Disseste adeus antes da nossa despedida
Roubámos vida da nossa vida
Do nosso amor que foi um barco em maré brava
Que baloiçava mas que voltava

Voltou p’ra nós a tristeza desse dia
Ficou sem nós a nossa maré vazia
Maré de um mar que vai e volta rumo a nada
Onda agitada, espuma queimada

Agora és livre, vive a vida, mas nem tentes
Amor tão grande, amar não penses
Se a nossa estrada nos levar a outros braços
Restos, pedaços, tristes abraços

Dei-te o que dei, raiva, medo e alegria
Ciúme, amor que lutaram dia a dia
Tanto carinho tão vivido em mundo nosso
Talvez te esqueças, mas eu não posso

Os amores da minha vida

Euclides Carvalho / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Paulo Filipe

Os três grandes amores da minha vida
Por quem nutro carinho devotado
Dou dentro da minha alma aos três guarida
E os canto nos versos deste meu fado

Amores que são todo o meu enlevo
Iguais mas com ternuras diferentes
A quem tudo o que sou eu hoje devo
E vivem cada dia em mim presentes

Por eles reparti meu coração
Dando a cada um o amor devido
Pois só compartilhando esta afeição
O amor nas nossas vidas faz sentido

Trindade símbolo de “amor perfeito”
Divino que transcende mais além
E guardo no sacrário do meu peito
Minha avó, minha tia e minha mãe

Recordação

Rafael Mota / Alberto Costa
Repertório de Maria Teresa de Noronha

Tive uma guitarra um dia
Guitarra que eu tanto amava
Porque ela sempre gemia
Nas horas em que eu cantava

Nesse tempo tão amado 
Eu cantava noite e dia
Por gostar muito do fado 
Tive uma guitarra um dia

E assim, dessa maneira 
Nunca dela me afastava
Era a minha companheira 
Guitarra que eu tanto amava

Ás vezes queria mostrar 
Que a tristeza não sentia
Mas não podia cantar 
Porque ela sempre gemia

Mas no dia em que a perdi 
A saudade me ficava
Porque nunca mais a vi 
Nas horas em que eu cantava

As velas

Alfredo Guedes / António dos Santos
Repertório de Alfredo Guedes

Se me pedem p'ra cantar
Sinto saudades dos dias
Tal qual a vela ruím
Conforme se vai findar
Por estranhas ironias
Nos dá luz até ao fim

Velas nas mesas são fado
São como eu quero ser / Já que é esta a minha cruz
Recordações do passado
Que teimam no seu viver / E até fim dão sempre luz

Ó velas que iluminais
O meu rosto já cansado / E o de toda esta gente
Vêde se vos apagais

Quando acabar o meu fado / E dai-me luz novamente

Meu coração

Carlos Conde / Alfredo Duarte *fado cravo*
Repertório de Esmeralda Amoedo


Coração cala os meus ais
Bate mais pausadamente
Dá menos pressa ao meu fim
Não me faças chorar mais
Com pena de certa gente
Que não tem pena de mim

Não te prendas a ninguém
Sabes lá no teu sentir
Do que este mundo é capaz
Há gente a quem se faz bem
Que ainda se fica a rir 
Do bem que a gente lhes faz

Não me pretendas lançar
No desgosto mais profundo 
Na mágoa mais dolorida
Quero ser livre p’ra cantar

Rir das misérias do mundo 
E das mentiras da vida

A morte é certa, é fatal
E a vida vivida á toa 
Nem sempre se contradiz
Fazer bem, não fica mal
Mas olha que a gente boa 
É sempre a mais infeliz

Após falar desta sorte
Um pobre pediu-me pão 
Eu dei-lho, por caridade
Ás vezes quero ser forte
Mas este meu coração 
Nunca me faz a vontade

Marcha de Elvas

Carlos Escobar / Carlos Barra
Repertório de João Tenreiro

Cá vai Elvas, vai na marcha 
Revoltilho é alegria
Um pé no Forte da Graça 
O outro em Santa Luzia

Santo Onofre, Boa Fé 
Vamos a toque de caixa
Ao São Pedro vais a pé
Pois é a pé que se marcha

Fonte Nova, fica assente
À capela dos Terceiros
Cada um canta o que sente
Cantem Elvas companheiros

Cantem Elvas minha gente 
Cantem a nossa cidade
Das Portas de São Vicente 
Ao Bairro da Piedade

Desde as Portas de Olivença 
Vamos cantar ao Castelo
Nesta marcha ninguém esqueça 
Até marcha o Zé de Melo

Entrem nas Portas da esquina 
Pelos Arcos da Amoreira
Cá vai Elvas que é menina 
E mãe do Paco Bandeira

O meu amor pequenino

Letra e musica de: Alfredo Gago da Câmara
Repertório de: Paulo Filipe

O meu amor pequenino
Tão perto, andava sumido
Encontrei-o por destino
Num grão de areia, pedido

Fugia de um temporal 
Desidratado, sem tino
Soprado no areal 
O meu amor pequenino

E por dunas de aflição 
Bem triste, desiludido
Também lá meu coração 
Tão perto, andava sumido

Mas depois da tempestade 
Nasce sempre um sol a pino
E entre fados de saudade 
Encontrei-o por destino

Em minhas mãos, que ironia! 
Contando o fado corrido
O seu coração batia 
Num grão de areia, perdido

De noite sou feliz

Carlos Plácido / Renato Varela *fado varela* 
Repertório de José Manuel Castro

De noite é quando eu oiço a solidão 
A dizer-me baixinho o rumo certo 
De noite é que o silêncio é meu irmão 
E me transformo em ave e sou liberto 

De noite é quando penso que fui eu 
Quem fez a tempestade e a bonança 
Transformo-me num deus e subo ao céu 
E faço sorrir alguém que não tem esperança 

De noite é que meus passos encontram passos
A vaguear na noite que não quis 
De noite dão-me beijos e abraços
De noite é que eu sonho e sou feliz

Amor de cabelos brancos

António Sala / Eduardo Olímpio
Repertório de Maria Dilar 


Estão sempre no jardim à beira cais
Um búzio de ternura em cada olhar
E à volta saltam putos e pardais
Eles saltam, a saudade a recordar 


Ele veste-lhe o casaco aconchegado
Ela pôe-lhe o cachecol num doce jeito 
Vão de braço dado, lado a lado 
Baloiçando o amor de encontro ao peito

Quem toda a vida amou, nunca envelhece 
São jovens estes velhos do jardim 
Amor, é este amor que permanece 
Desde o primeiro beijo até ao fim 

Dos filhos que tiveram, têm netos
Os netos, nova infãncia renascida
São dois velhos que se abrigam na ternura
E que tecem com ternura toda a vida

Fado

Maria José Rijo / Pedro Rodrigues 
Repertório de João Tenreiro 

Não sei se sorte é destino 
Nem sei se destino é fado 
Sei que cruzei teu caminho 
E, agora vivo a teu lado 

Se a vida nos der por dita 
Que só nos separa a morte 
Então, amor, acredita 
Que destino é também sorte 

Que sorte boa ou ruim 
É destino, sina e fado 
E ser feliz para mim 
É ter-te sempre a meu lado 
 
E ninguém jure nem diga 
Que tem seu destino em mão 
Pois ninguém há que consiga 
Dar ordens ao coração 

Nenhuma amarra lhe serve 
Nem obedece à razão 
Até dum rei faz um servo 
Quando pulsa por paixão 

Não sei se sorte é destino 
Nem sei se destino é fado 
Sei que cruzei teu caminho 
E sou feliz a teu lado

Criança de todos nós

Torre da Guia / Fernando Tordo *fado meu corpo*
Repertório de Alfredo Guedes


Criança, verbo para começar
A ouvir e a falar... o vento
Criança, asa nova de partida
Para a viagem da vida... no tempo

Teus olhos duas meigas abelhinhas
Nos favos das adivinhas... de mel
Sonhando que o fel é sempre doce
Como se o fel não fosse... de fel

Sementes 
Em seara de ilusão
Deixa-as o homem no chão
Para o vento dispersar
Tão fortes
Que mesmo assim pequeninas
Rompem raízes sozinhas
Que ninguém pode arrancar

Criança, pensamento renovado
De quem vive acorrentado... ao cais
Esperança que se faz pela revolta
Desse tempo que não volta... jamais

Mãozitas com destinos sem fronteiras
Amarradas nas barreiras... tão cedo
Brincando aos soldadinhos de guerra
Por entre as grades da terra... sem medo

Ai Jesus

Popular c/adaptação de Jorge Rosa / Fontes Rocha
Repertório de Maria da Fé

Estava de todo ceguinha
Quando te tinha por companhia
Tão ceguinha que não via 
O que me estava guardado
Mas como quem adivinha
Vai p'rá casinha um certo dia
Adivinhei o teu jogo
Trataste logo em pôr-te de lado

Já foste o meu “ai Jesus”
Ai Jesus, o que tu eras
Há uma vida, cor e luz
Esperanças, sonhos e quimeras

Hoje só me desesperas
Já nada em ti me seduz
O que tu és, o que tu eras
Ai Jesus, ai Jesus, ai Jesus

Sempre com mansas falinhas
Sei que me tinhas no teu caminho
E a água pró teu moinho 
Levavas sem mais demora
Mas trocaram-se as voltinhas
Tu não convinhas ao meu viver
Quiseste desaparecer
Nem quero crer no querer de agora

Lisboa Pessoa

Letra e musica de Paco Gonzalez
Repertório de José Manuel Castro 


Amante de poetas
Filha de navegantes
Chorada na distância 
Em fados de paixão
Colina da ternura 
À espera de emigrantes
Menina da saudade
Mulher feita razão

Lisboa
Que foste à catequese na Moirama
Com cheiro de alecrim e alfazema
Vestida de papoila e manjerico
Lisboa.

Fragata de trabalho, voz do povo
Gaivota de Camões e de Herculano
Noitada de Bocage em fado novo


Irmã deste meu Tejo
Florida madrugada
Recanto da minh'alma 
Que um sonho me quis dar
Guitarra do meu fado
Lisboa minha amada
Poema de uma vida 
Que me propus cantar

Lisboa
Pessoa de Fernando, amor guardado
No cofre da saudade do meu fado
Que canta o teu destino de ansiedade
Lisboa
Por mim sempre cantada e tão querida
Colcha de azul bebé da minha vida
Menina da saudade, que saudade

Mãos dadas

José Luís Gordo / Verónica
Repertório de Maria da Fé


De mãos dadas
Sentados no mesmo banco
De almas apaixonadas 
E os olhos rasos de pranto
É o amor, p
elos grandes, proibido
Que nasce como a flor 
E chora por ter nascido

Foi a brincar que o amor aconteceu
Dum sorriso e dum olhar 
Um tão grande amor nasceu
Duas crianças vivendo a mesma alegria
Duas vidas, uma esperança 
Que em ternura se despia

Dois jovens, duas idades nascendo
Duas esperanças num sonho 
Que no tempo vai crescendo
Olhos nos olhos e as mãos entrelaçadas
Que parecem quatro molhos 
De ternuras amarradas

Fado ribatejano

Carlos Dias / Amadeu dos Santos
Repertório de Hermínia Silva


Ribatejo da lealdade 
É o brasão desta gente
Gente nobre que tem vaidade 
Em ser fiel e valente

A bravura dos teus campinos 
Deu-te Deus por destino
Porque a um toiro enfrentar
P'ró saber dominar
Isso é que é ser campino


P'ra entender tudo o que vi
Eu queria ter nascido aqui
Na lezíria onde o sol é mais quente
Até brilha na alma da gente;
Ter por brasão, o coração
Aquela fé que não engana
Ter alma, ralé de cigana

Eis o que eu queria ter
P'ra ser ribatejana

O campino ao seguir o gado 
O barrete saltando
Nas lezírias ao sol irado 
Parece até ir bailando

Fé em Deus, coração ardente 
São primores que eu invejo
Crença, coragem, amor 
Lealdade e valor
Isto é que é Ribatejo

A prova dos nove

Artur Ribeiro / Fontes Rocha *fado isabel*
Repertório de José Manuel Castro

Como quem vai ver se chove
No meio duma chuvada
Tirei a prova dos nove
Ao teu amor... e deu nada

Depois fiz de novo a prova 
Na esperança de ter errado
E tornei mais funda a cova 
Que entre nós tinha cavado

Não devia ficar triste 
Pois sabia de antemão
Que nenhum amor resiste 
A qualquer equação

Nunca resulta na prática 
E provoca sofrimentos
Por as leis da matemática 
A aquilatar sentimentos

Mas sou teimoso, e assim 
Lembrei-me, já no final
De tirar a prova a mim 
E deu zero, por sinal

Porta maldita

Jorge Rosa / Fontes Rocha
Repertório de Maria da Fé


Fechaste a porta eu fiquei 
Por detrás daquela porta
Menos viva, mais que morta
Mais perdida, menos eu
Fechaste a porta e eu não sei 
Se sei de mim desde então
Há uma vez, um coração 
Que por ti sempre bateu

Porta maldita
É atrás dela que grita
A fé que não acredita
Nesta despedida fria
Porta que dita
Horas ao meu desespero
Porta cerrada que eu espero
Ver aberta, qualquer dia

Fechaste a porta e depois 
Daquela porta fechada
Vi que pouco mais que nada 
Do nosso amor, existia
Fechaste a porta entre os dois 
Esse muro de madeira
Cerrou á nossa maneira 
A história que nos unia

Recado meu

Carlos Escobar / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de João Tenreiro


Canto fados porque gosto
E se quiserem aposto
Há p’ra aí gente a gostar
Gostam de fado que eu sou
Da alma que sinto e dou
Do meu gosto de cantor

Canto fados e cantigas
P’ra rapazes, raparigas 
P'ró carpinteiro que serra
P'rós senhores que estão sentados
P'ró rapaz que faz recados 
P’ra gente da minha terra

A tela já foi pintada
A função está acabada 
E fiquei feliz comigo
Eu canto porque me querem
Canto sempre que quiserem 
Quis dizer… sou vosso amigo

Com a guitarra a trinar
A viola a acompanhar 
Eu abraço o meu país
E com esta voz que é vossa
Vou cantar até que possa 
Que possa cantar feliz

Aquele automóvel

Letra e musica de Frederico de Brito
Repertório de Tristão da Silva 

Montei num cavalo que é meu companheiro
De tanta jornada
Que tinha galgado num passo ligeiro
Dez léguas de estrada

Mas vamos ao resto
Que às vezes há casos que alegra contá-los
Passou por nós lesto
Um grande automóvel de trinta cavalos

E o meu cavalito
Um pouco espantado parou por momentos
Depois apressado
Lá foi estrada fora de crinas ao vento

Meu pobre cavalo
Num passo ligeiro lá ia seguindo
Sem ver os cavalos
Que iriam puxando um carro tão lindo

Mas ai... numa curva
Da estrada comprida e ao pé de um silvado
Aquele automóvel
De tanta corrida ficou empanado

E o meu cavalito
Relinchava imponente de cauda aos estalos
A rir-se contente
Daquele automóvel de trinta cavalos

Resignação entristecida

Alfredo Guedes / Alfredo Duarte *marceneiro*
Repertório de Alfredo Guedes

Quando o tempo me envelhece
Eu fico resignado
Aceito essa condição
Mas o que mais me entristece
É estar no tempo parado
P’ra dar ao tempo, razão

Primaveras vão passando
Sobre mim, já tão cansado 
Quase entregue ao abandono
Assim eu vivo buscando
Nos Invernos do passado 
Razões para o meu Outono

Mas não quero, nem entendo
Que o tempo seja inclemente 
E me seja tão verdade
O que desejo e pretendo
É que o tempo docemente 
Não dê tempo p'rá saudade

Poema à boca fechada

José Saramago - 1922 /2010
Prémio Nobel da Literatura em 1988

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça
Calado estou, calado ficarei
Pois que a língua que falo é de outra raça

Palavras consumidas se acumulam
Se represam, cisterna de águas mortas
Ácidas mágoas em limos transformadas
Vaza de fundo em que há raízes tortas

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas
Nem só animais bóiam, mortos, medos
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam

No negro poço de onde sobem dedos
Só direi, crispadamente recolhido e mudo
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo

Poentes outonais

José Amaro / Jaime Santos
Repertório de José Manuel Castro

Este tema foi gravado por Alice Maria com o título 
*Caem folhas p'la cidade* com a autoria atribuída a José Amaro

Vens falar-me neste Outono 
No calor do Verão passado
Acordar-me em pleno sono 
De um amor desencontrado

Se ainda te amo, perguntas 
Se ainda te quero, queres saber
Somos duas sombras juntas 
Dia enevoado, entardecer

Nosso fado foi desgosto 
Sol já posto em tom vermelho
Somos corpos sem ter rosto
Lado oposto doutro espelho
Caem folhas p'la cidade
São poentes outonais
Como é lívida a saudade
Meu amor, não chores mais

Somos tática viagem 
Sem regresso, sem sentido
No amor não há paragem 
E o regresso é proibido

Gestos languidos, doridos 
Sob a luz crepuscular
Noite calma dos sentidos 
Não me venhas recordar

Saudade das saudades

António de Bragança / José António Sabrosa *fado anadia*
Repertório de Maria Teresa de Noronha


Cansada de ter saudade
Tudo fiz para esquecer
E hoje tenho saudade
De saudade já não ter

Sem força p’ra suportar
A minha fatalidade
Ajoelhei a rezar 
Cansada de ter saudade

Roguei a Deus dar-me a sorte 
Esta vida até morrer
Essa saudade de morte 
Tudo fiz para esquecer

Foi minha prece atendida 
Por Deus na sua bondade
Como estou arrependida 
E hoje tenho saudade

Castigo p’ra quem não pensa
Quem não sabe o que é sofrer
Pois sinto saudade imensa 
De saudade já não ter

Traz até mim

Paco Gonzalez / Fernando Freitas *fado noquinhas*
Repertório de José Manuel Castro

Traz até junto a mim os sonhos irreais
De ninfas e castelos perdidos no além
O crepitar da chama, o verde da verdura
O riso da criança traz até junto a mim

Se podes traz também vendavais de alegria
Tufões de felicidade, o azul do firmamento
A brancura da espuma, o sabor da verdade
P'ra embelezar a hora do meu primeiro encontro

Despido da matéria, voando livremente
Irei á entrevista, p'ra receber de ti
Bálsamo p'ro sofrimento, fragmentos de luar
Na vasta imensidão do teu profundo olhar