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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.300' LETRAS <> 3.180.000 VISITAS * ABRIL 2024 *

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Cantiga da boa gente

Letra e música de Jorge Brum do Canto
Repertório de Amália
Criação de Amália Rodrigues no filme *Fado Corrido*
Estreado nos cinemas Condes e Roma, em 16/10/1964
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*


Três palmos de terra 
Com uma casa à beira
E o Manel mais eu 
Para a vida inteira
Ele e quatro filhos 
São tudo o que eu gosto
Gente mais feliz 
Não há neste mundo, aposto

Vamos p’ró trabalho 
Logo ao clarear
E de sol a sol 
Vá de mourejar
Tenho a vida cheia
Tenho a vida boa
Que Deus sempre ajuda 
A quem é boa pessoa

Quando chega a tarde
Tarde, tardezinha
Já o jantar fumega 
Na lareira da cozinha
Os filhos sorriem
O Manel também
Não há melhor vida 
Que aquela que a gente tem

Os sinos ao longe d
ão Avé-Marias
Reza-se a oração de todos os dias

Menino Jesus
Meu botão de rosa
Faz que a minha gente 
Não seja má nem vaidosa
Menino Jesus
Boquinha de riso
Faz que a minha gente 
Seja gente de juízo

Acabada a reza
Vai-se pró jantar
Se alguém bate à porta 
Também tem lugar

Come do que há
Tarde tardezinha
Mesmo ali, à beira 
Da lareira da cozinha
Os filhos sorriem
O Manel também
Não há melhor vida 
Que aquela que a gente tem

Não invejo nada
Nem quem tem dinheiro
Pois p'ra trabalhar 
Tem-se o mundo inteiro
Basta só fazer 
O que se é capaz
E a felicidade 
Está naquilo que se faz

E assim vou andando 
Na graça de Deus
Em paz e amor 
Com todos os meus
Trabalho não falta 
Todo o santo dia
Mas o coração
Chega a noite, uma alegria

Um bom exemplo do que o Estado Novo gostava de ver propagandeado no 
cinema português de então, uma apologia da modéstia, do trabalho sem 
questionar da falta de ambição, do contentamento com as coisas simples
sempre sob a proteção divina, ao estilo de outras produções similares
como «Uma casa portuguesa», «Um lar português», etc..

Fadistas do Bairro Alto

Frederico de Brito / João Aleixo
Repertório de Tristão da Silva


Fadistas do Bairro Alto
Bota de salto de prateleira
Dos bons, dos tais que dão brado
Batendo o fado em qualquer feira

Hoje há fadinho batido
Todo mexido, todo a gingar
Que mete fidalgaria
E a companhia que se arranjar

Eh lá... a banza p'ra cá
Vai tudo em corrida
Prá espera de gado
Eh lá... quem vem prá rambóia
Que o fado em tipóia
Parece mais fado


Quem nunca andou na boleia
Não faz ideia duma noitada
Perdida, a bater o gado
Também cansado da ramboiada

E depois, já horas mortas
Bater prás hortas sem descansar
E vir depois do sol alto
P'ró Bairro Alto rir e cantar
- - -

Parte da letra que não foi gravada

Ao tilintar das guizeiras
Com camareiras da Mouraria
E o pingalim aos estalos
Os meus cavalos, passam à Guia

Vai tudo a passo travado
Tudo afinado pró Corridinho
Mas hão-de parar nas tascas
Dessas mais rascas que há p’lo caminho


Tristão da Silva, que gravou este fado-canção para a etiqueta “Estoril” em 1953
não canta o fado todo, visto o original ter mais uma volta, praticamente desconhecida.
Repare-se que Frederico de Brito segue, nas voltas desta letra, uma estrutura 
igual à do fado  *Barrete Verde* o que implica semelhanças na música, embora 
os compositores sejam diferentes. 
Já o refrão, em Fadistas do Bairro Alto, além de ter uma estrutura
poético-musical diferente das voltas, como compete, é cantado 
e não apenas instrumental.
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Dito por não dito

Linhares Barbosa / Carlos da Maia
Repertório de Argentina Santos

Minha boa e santa mãe
Eu nunca faço o que dizes
Perdão, mil vezes perdão
Os infelizes não têm
Culpa de ser infelizes
As coisas são o que são

Sempre que oiço os teus conselhos
Prometo, juro seguir 
O teu santo breviário
Caio-te aos pés de joelhos
Beijo-te as mãos a sorrir 
Mas faço sempre o contrário

É que quando ele aparece
O dono da minha vida 
Beija-me e traz-me loucura
Beijando tudo me esquece
Depois fico arrependida 
Em ter-te sido perjura

Mas agora, ó minha mãe
Vou ficar ao pé de ti 
Como quando pequenina
Ai de mim, ele aí vem
Chama por mim e sorri 
Vou seguir a minha sina

Gaivota das Trinas

António Vilar da Costa / Amadeu Ramim
Versão do repertório de Américo Dias
Criação de Lourenço de Oliveira
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*


De manhãzinha passa prá Ribeira
Xaile p’los ombros, canastrinha ao lado
Lá vai gaiata, como vai ligeira
Airosa e fresca trauteando um fado

Chega a fragata, brinca com o arrais
Descalça as chinelas, entra no convés
E já na volta, de regresso ao cais
O próprio Tejo vem beijar-lhe os pés

Maria da Graça
És a graça das varinas
Gaivota das Trinas
Que na Ribeira esvoaça
Os teus amores
Na “lota” já se apregoa
Cuidado com as intrigas
E tu não vás nas cantigas
Do Chico da Madragoa

Se eu possuísse colossal tesouro
Ou se acaso fosse poderoso e rico
Dava-te airosa canastrinha de oiro
Ai que ciúmes eu faria ao Chico

E a canastrinha que anda aí à toa
Tinha outra graça, linda peixeirinha
E entre as varinas lá da Madragoa
Tu tinhas um trono, eras a Rainha
- - -
Versão original

De madrugada passa prá Ribeira
Xaile p’los ombros, canastrinha ao lado
Vai para a “lota”, como vai ligeira
Risonha e fresca trauteando um fado

Chega a fragata, brinca com o arrais
Tira as chinelas, entra no convés
E já na volta, de regresso ao cais
O próprio Tejo vem beijar-lhe os pés

Maria da Graça
És a graça das varinas
Gaivota das Trinas
Que na Ribeira esvoaça
Dos seus amores
Na “lota” já se apregoa
Cautela com as intrigas
E tu não vás nas cantigas
Do Chico da Madragoa

Se eu possuísse colossal tesouro
Se acaso fosse poderoso e rico
Dava-te airosa canastrinha de oiro 
Ai que ciúmes não faria ao Chico 

A canastrinha que seria a c’roa
Da tua graça, linda peixeirinha
De entre as varinas lá da Madragoa
Tinhas um trono e eras a Rainha

Ai Chico, Chico

António Vilar da Costa / Nóbrega e Sousa
Repertório de Amália
Criação de Amália Rodrigues
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

-

De chapéu às três pancadas
E cachené ao pescoço
O Chico nas ramboiadas
Punha um bairro em alvoroço

A mocidade, levou-a 
O tempo ingrato, consigo
E o fado que é seu castigo 
Todas as noites o entoa
Naquele velho postigo 
Onde namora Lisboa

Ai Chico, Chico do Cachené
Quem te viu antes e quem te vê


Em tosca mesa de pinho 
Tem sardinheiras num jarro
Uma botija com vinho 
E um Santo António de barro

Junto ao velho cachené 
E uns calções à Marialva
Guarda um leque verde-malva 
Da cigana Salomé
Por quem o Chico na Agualva
Numa tasca armou banzé

Ai Chico, Chico do Cachené
Quem te viu antes e quem te vê


Na parede, entre dois pares 
De bandarilhas vermelhas
A jaqueta de alamares 
E o chicote das parelhas

Lá tem a cinta e o barrete 
Que ornamentam, mesmo à entrada
A cabeça embalsamada 
Do famoso “Ramalhete”
Que lhe deu luta danada 
Numa pega em Alcochete

Ai Chico, Chico do Cachené
Quem te viu antes e quem te vê

Quando a saudade o visita
E há mais sol na sua vida
Tira dum saco de chita 
Uma guitarra partida

Depois de um copo de vinho 
Seus olhos são toutinegras
E tornam-se, negras, negras 
As melenas cor de arminho
E ali, com todas as regras 
Chorando, canta baixinho

Fado do ganga

Ernesto Rodrigues, João Basto e Félix Bermudes / Venceslau Pinto
Versão do repertório de Carlos Ramos
Criação de Estevão Amarante na revista *Novo Mundo*
Éden Teatro em 1916
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Meus amigos, esta vida
P’ra quem lida
A mourejar cá na roça
É uma grande subida 
Que se leva de vencida
Como quem puxa a carroça

Quando a gente desanima 
E a coisa vai a parar
Aí, ó tás c’a mosca?
Então, adeus ó vindima 
Se não vai chicote acima
Semos uns homens ao mar

Chego-me à besta e zás
A traulitada inté fumega
À companheira e pás
Vão três borrachos p’rá sossega

Por isso eu digo, ó meu amigo
Que esta assistema é inficaz
É preparar p’ra la pregar
C’a mão no ar e o pé atrás


Até mesmo c’as subsistências 
A vossências
Um inzemplo vou dar já
Quer a gente açúcar, pão 
Bacalhau, arroz e grão
Dizem eles que não há

Esta coisa d’intiquetas 
Já não dá nem p’ró pitrólio
Aí, ó cheira-te a palha
Deixa-se a gente de tretas 
É sopapos e galhetas
E acabou-se o manipólio

Vai-se ao padeiro e zás
Logo do pão vem um cabaz
Ao merceeiro e pás
E logo a gente sastifaz
- - -
Versão Original

Meus amigos, esta vida, p’ra quem lida
A mourejar cá na roça
É uma grande subida 
Que se leva de vencida
Como quem puxa a carroça

Quando a gente desanima 
E a coisa vai a parar
Aí, ó!...
Então, adeus ó vindima
Se não vai chicote a cima 
Semos uns homens ao mar

Chego-me à besta e zás 
A traulitada inté fumega
À companheira e trás 
Vão três borrachos prá sossega

Por isso eu digo 
Ó meu amigo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar, o pé atrás
Pás!


Mesmo co’as subsistências
A vosselências
Um inzimplo vou dar já
Quer a gente açúcar, pão
Bacalhau, arroz e grão
Dizem eles que não há

Esta léria de intiquetas 
Já não dá nem p’ró pitrólio
Aí, ó!...
Deixa-se a gente de tretas 
E a sopapos e galhetas
Acabou-se o manipólio

Vai ao padeiro e zás 
Logo do pão vem um cabaz
Ao merceeiro e trás 
E logo a gente satisfaz

Por isso eu digo / Ó meu amigo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar / O pé atrás
Pás!

Até mesmo no Senado, é usado 
O sistema cá do Zé
Pois em pondo um Almeidista 
Ao lado dum Camachista
É sabido que há banzé

Quando reúne o Congresso 
Dão murros, partem cadeiras
Aí, ó!...
Em eles estando co’a mosca
Mas eu, cá por mim, confesso
Gosto mais deste processo
Do que ouvir dizer asneiras

Fala o mestre Camacho 
António Zé dá-lhe p’ra baixo
E faz melhor discurso 
O que der mais comida de urso

Por isso eu digo 
Ó meu amigo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar , o pé atrás
Pás!

Na guerra dos alimões, co’as nações
Tem um exemplo de estalo
Pois, no fim desta embrulhada 
O que der mais traulitada
É que há-de cantar de galo

E quando chegar o dia 
Em que a gente for p’ra guerra
Aí, ó!... 
(Sempre estás com uma pressa)
Então, adeus ó Turquia 
A Alimanha, mais a Áustria
Lá vão de ventas à terra

Vai-se a Verdun e pum 
Arma-se um grande trinta e um
Vai-se a Berlim e pim 
Há banzanada até ao fim

Por isso eu digo 
Ó meu amigo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar, o pé atrás
Pás!
-
De novo o «31» a aparecer (Arma-se um grande trinta e um), agora mais diluído na
sua metáfora, ou talvez não. De resto, a política atravessaria o teatro de revista ao
longo dos tempos, como ingrediente indispensável à obtenção do efeito cómico.
Nele se dizia nas entrelinhas o que não se podia dizer de viva voz, sobretudo quando
a censura «apertou» após 1926. Há até quem diga que a revista perdeu uma parte 
do atrativo com o desaparecimento da censura, em 1974. O fruto proibido deixou 
de sê-lo, logo, deixou de ser apetecido.
Nesta letra, as alusões a políticos são várias, sendo a personagem que a canta
um carroceiro (Estêvão Amarante), tirando-se partido do seu mau português.

Fado do Ganga, por Ganga ser o nome da personagem. «Ganga», no Dicionário 
de Calão de Albino Lapa (1.ª ed., Lisboa, 1959), significa vinho.
No Novo Dicionário de Calão, de Afonso Praça (Editorial Notícias, 1.ª ed., 2001) tão
recente que incorpora o «Fado da Internet» como anexo, regista-se apenas Ganga 
(na)», como «Com muita velocidade». 
Ora, ganga é um tecido grosseiro usado pelos operários e outras profissões, o que 
pode justificar um uso alegórico.
O nosso carroceiro cita as «subsistências», forma por que eram designados os
abastecimentos à população, chegando a haver um Ministério das Subsistências
e Transportes, entre 1918 1 1932
A mensagem de que, apesar dos racionamentos provocados pela I Guerra Mundial 
(1914-1918), tudo se conseguia à bruta deveria fazer exultar o público, embora 
não fosse lá muito ético o procedimento. Mas… vindo de um carroceiro
desculpava-se, dava para rir.
Segue-se a transposição, para o Parlamento, da preconizada rudeza de maneiras.
Citam-se os «Almeidistas», simpatizantes de António José de Almeida, um político
republicano que seria Presidente da República três anos após a estreia deste fado.
O jogo de palavras com «almeidas», calão lisboeta para os varredores de ruas
é patente.
Depois, a letra cita os «Camachistas», adeptos de Brito Camacho, outro líder 
partidário daqueles conturbados tempos
(Quando reúne o Congresso / Dão murros, partem cadeiras)
Ministro do Fomento em 1910-1911, fundador do Partido Unionista.
O assunto do momento era a guerra com os alimões (alemães).
Embora iniciada em 1914, Portugal só entraria nela em 1917, ou seja, no ano seguinte 
ao da estreia da revista Novo Mundo, cujo título já é revelador da sensação de que o
mundo não voltaria a ser como era.
Mas alguns versos de Rodrigues, Bastos e Bermudes eram premonitórios:
E quando chegar o dia / Em que a gente for p’ra guerra…
Como premonitória e patriótica foi a descrição da queda da Turquia, Alimanha e 
Áustria
(sem acento, para rimar com Turquia), já com Portugal empenhado no conflito.
Enfim, a exaltação da traulitada à portuguesa.
Ainda a respeito deste fado, há um episódio curioso, mas pouco conhecido: a certa 
altura, por desinteligências com a empresa, Estevão Amarante abandonou a revista.
e foi a atriz Ema de Oliveira que, em travesti, continuou a interpretar a personagem 
do Ganga, durante o tempo em que a revista esteve em cartaz.

Romantismo

José Fernandes Castro / Daniel Gouveia *fado daniel*
Repertório de José Fernandes Castro

Meu amor... já está na hora 
De levar-te a jantar fora
E alterarmos a rotina
Depois levo-te a dançar
E ao dançar vou apertar
O teu corpo de menina

Faz tempo que penso nisto
E desta vez não desisto 
De cumprir este desejo
Ando até a magicar
Numa forma de voltar 
Ao nosso primeiro beijo 

Veremos o que acontece
Quando o tempo que amanhece 
Nos roubar a luz da lua
Talvez com a alma erguida
Eu diga; sou teu querida 
E tu me digas; sou tua

Seja qual for o desfecho
Não me deixas nem te deixo 
Somos poema maior
Na virtude e no defeito
Dormimos no mesmo leito 
Cobertos p'lo mesmo amor

Alma Rosa

Tributo de Sérgio Marques

Tinhas no nome uma Rosa 
De todas a mais formosa
Das flores no jardim do fado
Eras amor e ciúme 
Espalhavas no ar perfume
Foste paixão e pecado

Tua canção de doçura 
Tinha licores d'amargura
Esconsos na tua voz
Eras Alma, inda menina 
Cavalo à solta, heroína
Cantando p'ra todos nós

Ficou por cumprir o sonho 
Dum futuro bem risonho
Que a tua luz prometia
Alma Rosa, graciosa 
Eras Alma em cor de Rosa
Hoje já és nostalgia

De ti ficou-nos o canto 
A tua voz, o teu pranto
Tão doce e tão magoado
Lamento, dor e ternura 
Foste mel e desventura
Serás sempre Alma de Fado

Passeias nos meus sonhos

Manuel Carvalho / Alfredo Duarte *fado págem*
Repertório de Fernanda Moreira


Passas as noites comigo
A passear nos meus sonhos
Sozinha p’ra meu castigo
Eu passo os dias medonhos

Ai quem me dera poder 
Nas horas que o dia tem
Dormir, sonhar, p’ra te ter 
Presa a meus sonhos também

Tudo isto é a saudade 
Do teu corpo, dos teus beijos
E creio nessa verdade 
Sonhos traduzem desejos

O dia é meu inimigo 
Só te tenho noite fora
De noite sonho contigo
Vem a manhã, vais-te embora

À guitarra me confesso

Fernando João / José António Sabrosa
Repertório de Fernando João


À guitarra me confesso
Sinto-me bem a seu lado
A ela tudo agradeço
Nas minhas noites de fado

O seu trinar tem magia
Que me deixa entusiasmado
O sabor da melodia
Dá mais valor ao meu fado

Em forma de coração
Tem amor e tem encanto
E diz-nos com precisão
Toda a mágoa do seu pranto

Cantarei sempre o meu fado
Pela minha vida inteira
Pois terei sempre a meu lado
A guitarra companheira

Não se demore

Diogo Clemente / Pedro Rodrigues
Repertório de Sara Correia


Bastou passares de repente
Ouvi-te a voz lá em baixo
Ri-me p’ra mim sem querer
Há um mundo inteiro entre a gente
Mas na verdade ainda acho
Que passas só p’ra me ver

Bastou cantares uma vez
Que o amor na tua boca 
Parecia inteiro p’ra mim
Posso estar louca, talvez
A loucura é coisa pouca 
E eu vou negar-te este fim

Bastou que alguém me dissesse
Que te ouviu um destes dias 
Dizer, que o adeus se demora
Que se acaso eu me perdesse
Chegavas de mãos vazias 
P’rás encheres de mim agora

Pediste só que não chore
E à falta de despedida 
Trago ciúmes e invejas
Que outro amor não se demore
Que ando perdida na vida 
À espera que tu me vejas

Sonhei, chorei

Rui Rocha / José da Câmara *fado zéquinha*
Repertório de José da Câmara


À saudade me entreguei
Mantendo a mesma ansiedade
Desse amor que recusei
Por ciúme surdo e cego
O meu amor se resume
A esta dor que carrego

Então sonhei 
Que teu coração perdoava
E nosso amor se enlaçava
Não te voltava a perder
Depois chorei 
Porque te disse que não
E ao escolher a solidão
Triste voltei a viver


A verdade, quem esconder
Fica sujeito à vontade
Do que a mentira escolher
Se a paixão se enganou
Nego esta contradição
Digo que o amor se finou

Depois sonhei 
Que teu coração se encantava
E nosso amor perdurava
Não te voltava a perder
Então chorei
Porque meu mundo ruiu
Foi teu amor que partiu
Triste voltei a viver

Tu ganhas sempre

Letra e música de Diogo Clemente
Repertório de Sara Correia


Chegaste hoje com tanto p’ra me dar
Parti, não quis saber, não eram horas
Tens sempre esta inconstância de chegar
Num dia de repente, noutro demoras

Eu sei que venho embora a contra-gosto
O corpo vem e a alma fica tua
O que era dia, em mim fica sol-posto
E o sol fica a doirar a tua rua

Tu ganhas sempre
Por te dares só às metades
Tu ganhas sempre
Por andares de amor sem dono
Faço-me forte
Fujo e digo que estou bem
Não devo nada a ninguém
Muito menos vou ser tua
Depois sózinha
Rezo p’las tuas vontades
P'ra que a rua delas todas
Sejam só a minha rua


A causa disto tudo, não sei bem
Passamos muitos anos lado a lado
Uns dias eras meu, outros d’alguém
Uns dias era tua, outras do fado

Não faço mais contas ao que há-de ser
Este bailar de sombra e luz na vida
Serenamente sei que vou viver
À espera que me chegues sem partida

Uma ilusão escondida

Henrique Abreu / Francisco José Marques *fado zé negro*
Repertório de Henrique Abreu


No decorrer desta vida
Cada um de nós traz consigo
Alguma ilusão escondida
Que cresce no pensamento
Às vezes fica perdida
Às vezes fora de tempo

O tempo que vai durar 
Ninguém sabe até quando
Permanece a emoção
E tudo pode mudar 
Um ideal vai passando
Não passa duma ilusão

A crença pode trazer 
O desejado milagre
Que toda a gente procura
Do sonho à realidade 
A ilusão poderá ser
Uma verdade segura

Então o amargo do fel
De uma causa perdida
Já deixou de ser assim
E o doce travo de mel 
De uma ilusão conseguida
Transborda dentro de mim

Porquê do fado

Letra e música de Carolina Deslandes
Repertório de Sara Correia


Não me perguntes o porquê do fado
Pergunta ao fado o que é que ele viu em mim
Que me encontrou e andamos de braço dado
Desde que sou gente… foi assim

Não me perguntes porque é que eu o escolhi
Se o coração já lhe falava e eu ouvia
Era a canção das ruas onde cresci
Que embalava o canto da minha agonia

Não me perguntes o porquê do fado
Não me perguntes se estou decidida
Não é escolha, é ser, é estar marcado
Perguntas-me o porquê do fado
Perguntas-me o porquê da vida


Não me perguntes se me pesa a tristeza
Destes versos e poemas tão antigos
É uma canção que é oração, é uma reza
Que faz dos meus demónios meus amigos

Não me perguntes o porquê de querer ficar
Se o mundo inteiro começou e acaba aqui
Foi ele que me viu e foi buscar
As outras vidas que sem saber já vivi

Amar não é partir

Letra e música de Henrique Abreu
Repertório do autor

Meu amor, meu amor, que bom seria
Se me deixasses conhecer os teus anseios
Meu amor, o que eu não faria
P’ra desfazer o temor, os teus receios

Meu amor de amar a vida inteira
Numa praia, num jardim, em toda a parte
Num copo que acende a fogueira
Ou no silêncio, quando a chama já não arde

Meu amor, eu amo sem idade
Sem tempo demarcado numa imagem
Meu amor, aceita esta verdade
Esta paixão é uma prova de coragem

Meu amor, amar não é partir
É suportar o mal que o bem encerra
Por isso eu não vou fugir
Com este amor que não se cala nem sossega

Saudades da ilha

Letra e música de José Machado Neiva
Repertório de Max


Pico Ruivo, sentinela
P’ra no sol ninguém tocar
E Camacha, flor bela
Com motivos p’ra sonhar

E p’ra ter um feliz lar
Vão à Senhora do Monte
Os namorados rezar
Junto à milagrosa fonte

Madeira... Deus fez de ti um altar
Para seres vista do mar
Com ternura e com encanto
Madeira ... eu nem me quero lembrar
Que tive de te deixar
Depois de ti gostar tanto


Rabaçal de tradição
Todo cheio de lirismo
E de ti, Cabo Girão
Aveniu o teu abismo

Adeus ó Santo da Serra
E outras mais maravilhas
Vou dizer que a minha terra
É a rainha das ilhas

Por perto

Letra e música de Jorge Cruz
Repertório de Sara Correia


Mais vale abrir trincheiras, fechar fronteiras
Pôr guarda à volta do perímetro
Trocar as fechaduras, estar às escuras
Baixar os estores, apagar o lume;
Mandar para a sucata os discos do Sinatra
Do Marvin e até do Chico
Esquecer o tal vestido 
E o aroma desse teu perfume

Pôr o telemóvel em modo de voo
Espalhar um par de armadilhas p’lo caminho
Reler os manuais de compostura e decoro
Guardar no armário as garrafas de bom vinho

Partir de férias, desaparecer 
Ficar de cama, adoecer
Refugiar-se num safari p’lo deserto
Sempre que andares por perto

Não tarda vais ligar-me 
Puxar do charme
Às quatro e tal da madrugada
E por mais que isso me irrite 
Vou cair no teu convite
Sair p’ra fora dos carris
Vai soar aquela rima 
Olhar aquele clima
E em vez de querer que o tempo passe
Vou mentir-me a mim própria 
Nos teus braços achar-me feliz

Quando der por mim,
Já estou a rir das tuas graças
E a apontar constelações no céu estrelado
A reparar em pormenores 
De cada coisa que faças
A dançar de coração sobressaltado

Vai-se acender o meu rastilho
Tu vais premir o meu gatilho
Depois partir pela manhã, ah isso é certo
Sempre que andares por perto

Um olá nunca é apenas um olá
Um momento nunca é só um momento
O melhor é não lançar beatas
Pró rescaldo do incêndio

Horas desta vida

Mote de Manuel de Andrade / Glosa de Daniel Gouveia / Popular *fado das horas*
Repertório de José da Câmara e Rodrigo
Letra publicada com o título *Horas da Vida*
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*


Há horas, há tantas horas
Nas horas que a vida tem
E às vezes, em poucas horas
Vivem-se vidas também


Dá-nos voltas o destino 
Reviravoltas a sorte
O velho já foi menino 
Vai-se a vida, fica a morte;
Buscas sul, perdes o norte 
Sobes, desces, num vai-vem
Neste contraste, porém 
De sofrimento e melhoras;
Há horas, há tantas horas
Nas horas que a vida tem


Dura um segundo a paixão 
É eterna uma saudade
Passa breve a mocidade 
Nunca mais passa a prisão;
Há quem tenha a ambição 
De num ano viver cem
Mas à pressa não convém 
As pressas dão em demoras;
E às vezes, em poucas horas
Vivem-se vidas também

Por passares

Diogo Clemente / Vitorino
Repertório de Sara Correia


Ponho a mesa, arranjo as flores
Visto o meu melhor vestido
É domingo e o meu amor
Vem de lá só p’ra me ver;
Já perdi tantos amores
Que me trazem no sentido
E seja lá o que isto for
Vou chamar-lhe amor e crer


Ponho a voz no coração 
A guiar tudo o que faço
Sem ligar ao que se diz 
Sobre o frio das minhas dores
Entreguei-me à sua mão 
P’ra cuidar do meu cansaço
E a contar em ser feliz 
Ponho-a na mesa, arranjo as flores

Trago aqui dentro de mim 
Aquilo que eu não digo
O silêncio que ao chegar 
Calou tudo o que sonhei
Viu-te entrar no meu jardim 
E eu morrer de amor contigo
Viu-te ires p’ra outro lugar 
E que eu nunca mais na vida amei

Ponho a mesa, arranjo as flores 
Seco as lágrimas e canto
E à janela vou ficar 
Com o sol esqueço-me de ti
Acordei as minhas dores 
Por te ver neste entretanto
Por passares só por passar 
A lembrar-me que morri

O meu amor dá-me vida

Henrique Abreu / Franklim Godinho *6as*
Repertório de Henrique Abreu


O meu amor é um castigo
Se eu a não vejo um só dia
Faço tudo o que é preciso
Digo que a vi e não via;
E a mentir assim, consigo
Sonhar e ter alegria

O meu amor é um tormento  
Quando foge e perde a fala 
Não me sai do pensamento  
Não se importa, não se rala;
Às vezes eu perco o alento 
Mas não consigo deixá-la

O meu amor é constante 
Não anda ao sabor do vento
Penso nela a cada instante 
Rio e choro num momento;
Fica mais perto ou distante
O céu que eu próprio invento

O meu amor é esperança 
Com seus olhos m’ilumina
Sinto-me outra vez criança 
P’ra longe vá a má sina;
Tenho uma fá que não cansa
Tenha um graça divina

O meu amor dá-me vida 
Dá-me o ser e o não ser
É o fim e a partida 
É ganhar mesmo a perder;
O meu amor dá-me vida
Com ela vou renascer

Solidão

Paulo Abreu Lima / António Zambujo
Repertório de Sara Correia e António Zambujo


Já não sei viver sózinha
Por mais que diga que sim
Parece coisa tão pouca
Um beijo na tua boca
Mas é tanto para mim

E por mais contas que faça
O amor não se explica
Mais forte do que a razão
É dono do coração
E dele não abdica

Vem por isso, meu amor
Mesmo que seja já tarde
Porque é sempre muito cedo
P’ra te dizer em segredo
Que te quero de verdade

Já sinto os passos lá fora
E um baque fundo no peito
Será que chegas agora
Desta espera, hora a hora
Quando sózinha me deito

Esta Ribeira tripeira

Letra e música de Henrique Abreu
Repertório do autor


Ribeira do meu Porto tão lindo
Deste cais de saudade
Ribeira sem Rabelos com vinho
Porque tens outra idade

Ribeira, tua vida brejeira
Faz inveja à cidade
Ribeira, tens a mesma maneira
De viver com verdade

Esta Ribeira tripeira
Tem cheiro a peixe e a fruta
Esta Ribeira tripeira
Tem a gente que labuta
Esta Ribeira tripeira
Tem domingos de sol quente
Esta Ribeira tripeira
Tem passado e tem presente


Ribeira deste rio afamado
Deste Douro arrogante
Ribeira, tens o gosto que eu trago
A poesia distante

Ribeira, velha companheira
Que me afaga a tristeza
Ribeira do pregão e d’asneira
Quem te vê, vê franqueza

Os teus recados

Manuela de Freitas / José Marques *Fado José Marques 
Repertório de Sara Correia
Esta melodia, sem a rima intercalar, deixa de ser Triplicado e passa a ser
Fado Piscalarete (ou) Fado José Marques

Tu querias me convencer
Que me bastava viver
Dos recados que mandavas
Só recados recebia
Não te falava nem via
Nem sabia onde é que andavas

As noites que não dormi 
À espera, já não de ti
Mas de um recado qualquer
Pedi então que parasses 
Que recados não mandasses
P’ra que eu pudesse esquecer

Para mal dos meus pecados 
Tu mandavas mais recados
Indif’rente ao que eu pedia
E até hoje, sem parar 
Continuas a mandar
P’ra que eu sofra o que sofria

Mas não te prendas comigo 
Eu já nem sequer lhes ligo
Tantos anos já passados
E agora há um bom motivo 
É que o homem com quem vivo
Acha graça aos teus recados

Ilha da Madeira

Mário Teixeira / Artur Ribeiro
Repertório de Max


Quando te deixei, Madeira
Eu trouxe como bagagem
Saudades prá vida inteira
E um beijo teu prá viagem

Agora moro ao abrigo
Desta Lisboa encantada
Que quando sonho contigo
Parece cantar comigo
Esta canção magoada

Minha Madeira querida
Tão pequenina e garrida
Cheia de luz e de cor
Ilha de encanto e beleza
Linda terra portuguesa
Por quem quis ser trovador

Minha Madeira velhinha
És um ninho de andorinha
Vogando no mar sem fim
No meu cantar de saudade
Eu peço a Deus que te guarde
Inteirinha para mim

Coração, tinhas razão

António Rocha / Carlos Simões Neves *fado tamanquinhas*
Repertório de António Rocha


Coração vamos contar
As nossas recordações
Vamos aqui desfiar
Um rosário de paixões
Que tivermos para dar

Lembras o primeiro amor? 
Vá lá não digas que não
Foi de todos o pior  
Mas foi teu Deus e senhor
Lembras-te meu coração?

Depois, mais amores vieram 
Morar na tua afeição
Não te compreenderam 
E tu mal sabias quem eram
Sofreste meu coração

Desde então ao amor cego 
Disseste sempre que não
Tiveste razão não nego
Findou o teu desassossego
Fizeste bem coração

E agora com desventura 
Dizemos e com razão
Que embora seja loucura 
O amor anda à procura
De quem não tem coração

Chegou tão tarde

Letra e música de Joana Espadinha
Repertório de Sara Correia


Meu amor chegou tão tarde 
E o meu canto adormeceu
Não deram sinal os cardos 
E a madeira não rangeu

Mas que casa tão bonita 
Foi vestida de retratos
Mas a história que foi escrita 
Não se pode descoser

Meu amor chegou tão tarde 
Com pezinhos de algodão
Tinha areia no cabelo 
E outra luz no coração

Nossa história foi bonita 
Vou guardá-la enquanto dormes
Que o amor nem acredita 
Que o deitaste fora assim

Meu amor
Devo deixar-te partir
Se já não ardes por mim
Se o coração quis assim
Devo deixar-te seguir
Vai, que preciso chorar em paz
E em cada passo que dás
Chego mais perto de mim


Fui loucura, fui coragem 
Fui tristeza e fui esplendor
Tudo o que me fez amar-te 
Vou guardar e sem rancor

Monto o forte na desdita 
Como tantas vezes fiz
Que o amor nem acredita 
Que não pode ser feliz

O amor de minha mãe

Henrique Abreu / Júlio Proença *fado esmeraldinha*
Repertório de Henrique Abreu


O amor de minha mãe, o amor perfeito
Cresceu dentro do berço e me embalou
Cresceu e vive agora no meu paito
O amor de minha mãe, veio e ficou

O amor de minha mãe não faz sofrer
Guarda para si mesmo a ingratidão
Finge não ter desgostos mas quer saber
De um filho, que não vence a decepção

O maor de minha mãe, amor sem fim
P’ra sempre na minh’alma residente
E se Deus a quiser levar de mim
Não vai querer levar o amor presente

Dizer não

Letra e música de Luísa Sobral
Repertório de Sara Correia


Não me olhes assim 
Não me toques na mão
Qualquer gesto ou sinal 
Qualquer olhar fatal 
Pode ser o meu fim

Não quero perder 
Tudo aquilo que ganhei
Por um momento de prazer
Algo sem razão de ser 
Algo que não evitei

Fico então no meu canto 
Para nada acontecer
Se sonho contigo ou não 
Ninguém terá de saber

Ah coração mal-educado
Rebelde, tresloucado
Não ouves a razão
E eu que me pensava feliz
Com o amor que sempre quis
Sofro por te dizer não

Tenho a vida das marés

Henrique Abreu / Armando Machado *fado licas*
Repertório de Henrique Abreu


Dizem que eu tenho a vida das marés
Porque nasci da morte em qualquer mar
Percorrendo o mundo de lés a lés
Lancei amarras antes de chegar

Eu destruí o mapa da viagem
Na fogueira que a dor incendiou
Mas fica sempre uma leve miragem
Da bonança que fui e já não sou

Então seguindo a rota do vento
Eu vou gastar as ondas no meu peito
E assim hei-de apagar o sofrimento
Que envolve o meu coração imperfeito

Todo o amor é feito de inconstância
Tal como as marés nunca são iguais
Mas ninguém pode viver de lembrança
De um tempo que não volta nunca mais

Antes que digas adeus

Diogo Clemente / Armando Machado *fado maria rita*
Repertório de Sara Correia


Antes que digas adeus
Vou-te dizer isto assim
Pró caso de te não ver
Os meus olhos são os teus
Não soube ver este fim
E o que for há-de doer

Antes que partas de vez
Meu amor, ouve com calma 
Meu chão, meu porto de abrigo
Fugires de mim é talvez
Mais do que doer-me a alma 
Levares metade contigo

Eu nunca fui de ceder
E o meu orgulho chegou 
Sempre primeiro do que eu
Deu todo o amor a perder
E o que do amor me sobrou 
Guardarei aqui e é só meu

Mas se for este o caminho
Foi por falta de cuidado 
Não há leis na despedida
Sei que vais seguir sozinho
E eu vou sonhar-te a meu lado 
Pró resto da minha vida

A nossa cidade é Lisboa

Diogo Lucena e Quadros
Repertório de José da Câmara


Lisboa tem um céu estrelado
Tem ruas de calçada preta
Tem o Rio Tejo e canta o fado
Lisboa tem alma de poeta

E dias mil vivem nos seus dias
E seu semblante se encanta de os viver
As belas marchas trazem agonias
Que largam tudo e vêem para as ver

Nossa cidade é tão boa 
É Lisboa, é Lisboa
Abre os seus braços pró mar 
É Lisboa, é Lisboa
Uma mulher que apregoa 
É Lisboa, é Lisboa
Põe-nos a alma a cantar
É Lisboa, é Lisboa

Lisboa, para ti o sol sorri
Chego a julgar que ali ele nasceu
Cresceu com as colinas que há p’raí
E assim o namoro aconteceu

E do Castelo que já foi dos mouros
Tua boca vi beijar o Tejo
As caravelas a chegar com ouro
E os marinheiros que a coragem eu invejo

O tempo vem dar razão

Henrique Abreu / Alfredo Duarte *marceneiro*
Repertório de Henrique Abreu


Chegado a esta idade 
Contra ventos e marés
A vida ganha um sentido
Depois de tanto revés 
A vida tem mais verdade
A alma é um porto de abrigo

O tempo vem dar razão 
Dá-nos sempre a conhecer
Aquilo que tem valia
Não ceder à tentação 
Do mal, pelo bem querer
Seguindo a luz que nos guia

No dia que tu chegaste 
Era tempo de mudança
De quem tinha a fé perdida
Era tempo de ter esperança 
E com ela tu mudaste
O rumo da minha vida

O pórtico

Diogo Clemente / Mário Pacheco
Repertório de Sara Correia


Há um pórtico distante no meu canto
Uns dias noite, outros ensolarado
Uns dias riso, outros dias pranto
De dia é vida e de noite é fado

De quando em vez, um pássaro cinzento
Poisa silentemente em meu redor
Depois cala o silêncio e num lamento
Canta-me as profundezas deste amor

Foi desde que cheguei à tua vida
Foi desde que te vi e não te tenho
Há um pórtico imponente, há uma ferida
Há uma dor que trago sem tamanho

Voz de poema

Fernando João / Henrique Lourenço *fado cigana*
Repertório de Fernando João


Minha voz, voz de poema
Buscando a hora suprema
Para cantar poesia
Faz lembrar a madrugada
Cantando sonhos de nada
A qualquer hora do dia

Meu pensamento perdido
Minha noite sem sentido 
Por não ser, noite d’amor
Meu grito, minha revolta
Minha tentação à solta 
Em comunhão com a dor

Minha vida, meu destino
Meu vaguear peregrino 
Nas ruas da sedução
Minha verdade, meu fado
Meu sonho desencantado 
Pela força da paixão

Quero tocar o céu

Maria F.Travassos, J.Bettis / F.Hildenbrand
Repertório de Maria de Fátima Travassos


Quero tocar o céu e dar-te uma estrela
Viver os dias sem terem fim
E o impossível eu quero fazer
Mudar o mundo só para ti

Quero ficar bem perto de ti
E quando chove poder beijar-te
Tudo o que é lindo faz parte de ti
Num mundo-mentira só tu és verdade

E quando, quando tu me tocas 
Sinto-me heroína
E penso que só eu te posso amar
Quando tu me falas; 
Não estás mais sózinha
Eu estou junto de ti para te amar
Como a luz que te ilumina


Quero que sintas tudo o que senti
Naqueles momentos só de solidão
Estou feliz agora porque estás aqui
Parou de chorar o meu coração

Lembranças do passado

José André / Vicente da Câmara
Repertório de José da Câmara

O fado criou má fama
P’las vielas d’Alfama
Com o seu ar insolente
Ser fadista, usar samarra
Dedilhar uma guitarra
Era coisa deprimente

Agora tudo mudou
E o tempo que o transformou 
Vestiu-o de gente boa
Anda vaidoso e aprumado
Por se saber namorado 
Da nossa linda Lisboa

E com saudosa paixão
Amarrado à tradição 
O Faia da velha escola
‘inda entra no Tacão
E bebe dois ao balcão 
À saída da gaiola

Canto d’alma

Hélder Moutinho / Alfredo Duarte *fado mocita dos caracóis*
Repertório de Joana Almeida


Há um canto que me acalma
Quando a noite cai lá fora
Esta voz que sai da alma
Que atravessa a noite calma
Sem saber aonde mora

Esta mágoa que magoa 
Esta praia abandonada
À beira-mar de Lisboa 
À beira-rio, Madragoa 
No coração naufragada

Madrugada de desejo 
Lua-cheia de paixão
Foi no teu primeiro beijo 
De olhos rasos sobre o Tejo
Que perdi meu coração

Há quem lhe chame tormento 
Fria e terna claridade
Loucura, pranto ou lamento 
Inverso de sofrimento
Só eu lhe chamo saudade

Recebam este fado

Henrique Abreu / Alfredo Duarte *fado cuf*
Repertorio de Henrique Abreu

Recebam este fado que eu vos dou
P’ra matar a saudade na garganta
Todo o fadista é o fado que sonhou
Mesmo que o não entendam quando canta

Todo o fadista sabe porque sofre
Pelas palavras que lhe vão na alma
Todo o fadista anda ao sabor da sorte
Porque tem mais coragem, menos calma

Fado não é palavra vencida
Pese embora o seu significado
Fado é luta, é o crer que se põe na vida
É contruir o futuro sem passado

Deixai cantar que vive por que canta
Deixai que a voz transporte o sentimento
Não é fadista quem perdeu a esperança
De deixar de cantar só sofrimento

Vê se voltas

Gabriel de Oliveira / Jaime Santos *fado mouraria estilizado*
Repertório de Estela Alves
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado onde
aparece com o título *Os degraus da minha escada*

Vê se voltas outra vez
Porque ainda estou lembrada
De subires a três e três
Os degraus da minha escada


Mesmo que sejas ruim 
E embora nada me dês
Eu quero-te ao pé de mim 
Vê se voltas outra vez

Bem sabes que te não esqueço 
E que te sou dedicada
Não estranhes o que te peço 
Porque ainda estou lembrada

Os degraus que antigamente  
Subias com rapidez
É escusado, no presente 
De subires a três e três

Eu quero é ver-te voltar 
Para ficar descansada
Nem que subas devagar 
Os degraus da minha escada

Senhor sapateiro

José Luís Gordo / José da Câmara / Luís Petisca
Repertório de José da Câmara


Senhor sapateiro
Leve-me pouco dinheiro 
Para arranjar meus sapatos
Não têm alma nem sola
Já pediram tanta esmola 
Pelas ruas do cansaço
Às vezes choro com eles 
Sem saber para onde vamos
Senhor sapateiro 
Leve-me pouco dinheiro

Senhor sapateiro
Arranje o esquerdo primeiro
Do lado do coração
E já não tarda janeiro
Vem a chuva, vem a lama
Senhor sapateiro
E depois não tenho cama
Nem brasas no meu braseiro

Senhor sapateiro
Bata a sola devagar
Que este meu pé direito
Não se cansa de andar 
À chuva um inverno inteiro
Sem saber onde ficar

Senhor sapateiro 
Não magoe os meus sapatos
São os meus dois companheiros
Nas horas de desespero
Lembram meus filhos primeiro
Como se fossem retratos

Beijo roubado

Fernando Cardoso / Júlio Proença *fado proença*
Repertório de Joana Almeida


Deste-me um beijo, fugiste
Eu fiquei sentida e triste
Gritei por ti, fiquei rouca
Eu tanho andado a pensar
Se esse modo de beijar
Não será p’ra me pôr louca

Se na verdade assim for
Quem sabe, ó meu amor 
Talvez tu sonhes comigo
E no maio da escuridão
Um longo beijo de paixão 
Dará fim ao meu castigo

Mas esse beijo apressado
Foi recusa, foi recado 
Que me quiseste mandar
Não precisas mais fugir
Nem ale a pena mentir 
Já nem lembro o teu beijar

A Rosa da Mouraria

António José / F.Hildenbrand
Repertório de Maria de Fátima Travassos


A Rosa da Mouraria
Na moldura da janela
Um poema feito povo
E o povo gostava dela

Não conheceu pai nem mãe
Tinha um encanto qualquer
Uma rosa diferente
Num jeito de ser mulher

E quem diria
Na viela tão estreitinha
Toda a velha Mouraria
Fez da Rosa uma raínha
Mas caprichosa
Fez-se a Rosa, quando um dia
Por amor deixou, a Rosa
Para sempre a Mouraria


Nessa janela fechada
Falta a silhueta dela
E quem lá mora não tem
Nenhuma flor à janela

E o povo que se rendia
Junto à janela vistosa
Sente que hoje, a Mouraria
Está mais pobre sem a Rosa

Mui nobre cidade

Letra e música de Henrique Abreu
Repertório do autor


O Porto é cidade velhinha 
Vestida a cinzento
O Porto é cidade que cresce 
Em cada momento
O Porto tem na sua história
A história do Infante
Que em barcos de estrelas 
Se fez navegante
Em mares de tormento

O Porto tem na sua gente 
O amor pela verdade
O Porto faz sempre vencer 
Sua forte vontade
De ser aquilo que quer 
Num país inconstante
Mas o Porto quer ver 
Menos emigrante
Com menos saudade

O Porto é sempre p’ra todos 
Uma porta aberta
O Porto é a franqueza da alma 
Que em todos desperta
A crença que é preciso ter 
Na sincera amizade
A imagem mais certa da nobre cidade
Cidade do Porto

Perto do mar

M. Marão Travassos / H.Van Gelderen
Repertório de Maria de Fátima Travassos


Perto do mar eu dou asas
À minha imaginação
E sobrevoo com as garras
Com se fosse um Falcão

Perto do mar eu sou tudo
Sou mulher e sou criança
E revejo no mar salgado
O tempo da minha infãncia

Perto do mar eu sou peixe
Que nada por essa águas
E que pede que não deixem
Lançar as redes malvadas

Perto do mar, sou também
A concha que te murmura
Que ando a morrer por alguém
Que me leva à loucura

Que saudades tenho eu

José da Câmara / Miguel Ramos *fado calisto*
Repertório de José da Câmara


Ai que saudades eu tenho
Dos meus tempos de menino
Correndo Lisboa inteira
Procurando brincadeira
Sem horário nem destino

Que saudades tenho eu 
Cantei o fado com gana
Uma noite das antigas 
No Páteo das cantigas
Do João e Zé Pracana

Eram noites de paixão 
Num compasso quase incerto
Vou ligar p’ra combinar 
Xico’s bar p’ra começar
E os amigos sempre perto

Campo Pequeno à quinta-feira 
Era grande animação
Xafarix era a seguir
O Cajó sempre a partir 
Com a sua precursão

Era sítio obrigatório 
Estava lá toda a semana
Restaurante, bar e fados 
Concerteza estão lembrados
Velho Páteo de Sant’Ana

Passar p’lo Napoleão 
P’ra podermos conversar
No Calvário, está-se a ver
Outra jola pr’aquecer 
E o Bananas a bombar

O luar adormecia 
Fim de noite, grande farra
Ía tudo pró Brim Bar
Pró petisco e p’ra cantar
Mais um copo e uma guitarra

Recordar é sempre bom 
Emoções que não desdenho
Lembrar a minha Lisboa 
Que p’ra mim foi sempre boa
Ai que saudades eu tenho

Os meus olhos já não choram

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de Maria Valejo


Os meus olhos já não choram 
Estão cansados de o fazer
Os meus olhos já não choram 
Nem sequer por te não ver

Minhas lágrimas secaram 
Agora já nada imploram
Se ainda sofro por ti 
Os meus olhos já não choram

Meus olhos não choram
Sim… eu já nem sei chorar
Tu deste-me a vida
P’ra depois me a tirar
Chorei o passado
Chorei porque vivi
Meus olhos agora
Nem sequer choram por ti


Como é triste a minha vida 
Que cruel é meu viver
Ter tantas mágoas no peito 
Querer chorar e não poder

Nem sequer estão rasos d’água 
Quando estou comigo a sós
Os meus olhos já não choram 
Nem sequer choram por nós

Fado Joaninha

*soneto da casa*
António Sardinha / José Campos e Sousa
Repertório de José da Câmara


A casa portuguesa caiadinha
De nicho à porta, lampião pendente
Alva mais alva ainda que a farinha
Como de vê-la dá virtude à gente

Seria assim a casa de Joaninha
Seria assim, modesta e sorridente
Atrás unidos, o pomar e a vinha
E o jardinzinho com o lago à frente

Meteu-se um dia a virgem, de jornada
Jornada longa, nunca imaginada
Nem por ser feita santa desta vez

Por não chegar a tempo, é que Maria
Não deu à luz o filho que trazia
Debaixo dum telhado português

Tradições portuguesas

Henrique Abreu / Fontes Rocha *fado isabel
Repertório de Henrique Abreu


Das mais velhas tradições
Que o nosso país mantém
As varinas, o pregão
As palavras que elas têm

As castanhos no inverno 
O fumo desse braseiro
Numa esquina, o fogo eterno 
Sob chuva ou nevoeiro

Vende-se a fruta madura 
Nas ruas mais coloridas
E a carteira mal segura 
Foge das mãos distraídas

Com o vinho que fazemos 
Damos mais sabor à vida
Se ao prová-lo não bebermos 
Mais que a conta e medida

E o fado, doce canção 
Correu mundo e ganhou fama
É a voz do coração 
De quem sente e de quem ama

A forma de te querer

M. Marão Travassos / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Maria de Fátima Travassos


Não quero que me queiras só por querer
Nem quero que me ames por amar
Apenas quero chegar a perceber
O que me dizes com o teu olhar

A forma de tu me dizeres, amor
Aquilo que nem tento adivinhar
Pois sei que me vai provocar dor
Dor que não consigo suportar

Mentiste ao dizeres naquele dia
Quero-te como nunca quis ninguém
Pensei qu toda a vida seria tua
Mentiste, porque tu não queres ninguém

Agora adeus amor e até nunca
P’ra ti não existi, não sou ninguém
Quero esquecer que algum dia fui tua
E tu, amor, que foste de mim também

Forcado de Montemor

Francisco Branco Rodrigues / José Duarte *fado seixal*
Repertório de José da Câmara


Forcado de Montemor
Amador nobre e valente
Entre todos o melhor
Quando tem um toiro em frente
Vê-se quem é pegador

Sempre que a trincheira salta 
Com o seu donaire e graça
Logo entusiasma a malta
É que se vai ver na praça 
Como a coragem não falta

Mas se um dia, por azar 
A sorte lhe corre mal
Volta de novo a pegar
Porque é nobre o animal 
Difícil de dominar

E por ter tanto valor 
Da coragem que lhe vejo
É que canto em seu louvor
Sois filhos do Alentejo 
Forcados de Montemor

Anda bonita a solidão

Pedro Silva Martins / Luís José Martins e Pedro Silva Martins
Repertório de Joana Almeida


Anda bonita a solidão
Olha-se ao espelho e sorri
E vai p’la rua a cantar
Belas canções escritas p’ra ti
É bom saber

A incerteza aonde vai?
Porque é que empina o nariz?
Algo terá feito ela mudar
Que já não se demora aqui
É bom saber

É bom saber
Que o tempo vai juntar-se a mim
Ficar melhor, tomar um chá
E alentar a minha dor
Curtir um som e com vagar
Sorrir por fim ao meu amor

E a saudade aonde está?
Que já não canta por aqui
Se calhar está numa de encontrar
Outro sentido para si
É bom saber

Diz que a tristeza me deixou
Que já nem pergunta por mim
Diz quem sabe, que ela se assustou
A ver este final feliz
É bom saber

Um fado à Candeia

Letra e música de Henrique Abreu
Repertório do autor


Eu esta noite vou cantar um fado
À Candeia
À Candeia
A minha voz vai ter um tom magoado
Na Candeia
Na Candeia

Eu quero que esta noite a minha alma
Trespasse a dor que eu sinto cá para fora
E faça renascer de novo a calma
Trazendo a doce esperança a cada hora

Depois eu vou escrever um fado novo
Falando de paixão e amizade
São sentimentos bons e são do povo
E vou querer cantar menos saudade

Vou encontrar mais uma voz fadista
Mais uma nova voz que o fado entoa
Quem sabe se um talento, um novo artista
Que vem de uma qualquer vulgar pessoa

E desse berço eu faço a minha história
Pois tudo o que me resta é gratidão
Não vai apagar nunca da memória
O amor que se guardou no coração

Aquele fado

António José / F.Hildenbrand
Repertório de Maria de Fátima Travassos


Minha mãe cantava um fado
E sentava-se a meu lado
Para eu adormecer
Os versos que então ouvi
Já me falavam de ti
Ainda sem te conhecer

Agora, já sou mulher
Faça eu o que fizer 
O fado deu-me esta herança
Não há nada que destrua
Este jeito de ser tua 
Desde que eu era criança

A gente que nos rodeia
À nossa volta semeia 
Uma seara de intrigas
Mas pouco me hei-de importar
E até deixei de falar 
A duas ou três amigas

Uma guitarra qualquer
Entre as mãos de quem lhe quer 
Oiço ao longe e sabe bem
Sentir que o nosso pecado
Tem sabor áquele fado 
Que me cantou minha mãe